A IGREJA E O MISTÉRIO TRINITÁRIO

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1 A IGREJA E O MISTÉRIO TRINITÁRIO Nesta aula abordaremos a dimensão trinitária da Igreja, pois ela é uma ação de Deus, ou seja, necessariamente trinitária. O projeto da salvação da Igreja implica a participação das três Pessoas divinas. A sabedoria do Pai e do Filho e do Espírito Santo a concebeu; a bondade do Pai e do Filho e do Espírito Santo a quis; a força do Pai e do Filho e do Espírito Santo a criou. Todas as vezes que o Vaticano II se refere à origem da Igreja o faz como ação das três Pessoas divinas, revelando assim sua natureza trinitária. 1. A Igreja e Deus Pai A primeira Pessoa da Santíssima Trindade também é responsável pela constituição, atuação e continuação da Igreja no tempo, ao longo do percurso da história humana, enquanto ele é o Pai de Jesus Cristo, fundador por excelência da Igreja. Normalmente se mostra a relação entre a Igreja e Jesus Cristo e o Espírito Santo. Realmente a Igreja é obra do Filho e aparece na história como ação do Espírito Santo, que é seu co-fundador. Mas Deus Pai tem uma atuação muito particular para com a Igreja. Apesar de ela ser obra de seu Filho, por meio do Espírito Santo, a Igreja não deixa de refletir a ação do Pai em toda a sua existência. Para tornar compreensível tal perspectiva, é necessário ter presente a dimensão da história da salvação Deus para nós já que, sem dúvida, a Igreja se constitui em um evento da história da salvação. A Igreja nasce de Deus Pai em Jesus Cristo por meio do Espírito Santo O Pai envia o Filho, e tudo o que Ele faz, o faz em nome do Pai, além de Ele sempre se comportar como enviado. Em todo o acontecimento Jesus Cristo, está presente o Pai, desde a Encarnação até a Ressurreição, sendo tudo descrito a partir do Pai como agente principal. A missão de Cristo e do Espírito Santo realiza-se na Igreja, Corpo de Cristo e Templo do Espírito Santo. Esta missão conjunta associa a partir de agora os fiéis de Cristo à sua Comunhão com o Pai no Espírito Santo: o Espírito prepara os homens, antecipa-se a eles pela sua graça, para atraí-los a Cristo (Catecismo, n. 737). Demonstremos agora a relação entre a Igreja e Deus Pai. A etimologia da palavra Igreja serve como ponto de partida ao oportunizar uma reflexão significativa. Como já dissemos na primeira aula, a palavra Igreja tem entre seus significados, a reunião dos homens convocados por Deus, ou ainda a assembleia ou comunidade convocada pelo Pai. Pois a Igreja, a assembleia dos homens, é convocada e reunida pelo Pai em Cristo Jesus. A Igreja é o grupo de pessoas que Deus chamou para fora do mundo, daí é a comunidade dos santos enquanto Povo de Deus. A pregação de Jesus aponta para a paternidade de Deus, anunciada por ocasião da chegada da plenitude dos tempos messiânicos realizada pela encarnação do Verbo, quando Ele chama a Deus de Pai Abba. Porém, o Pai de Jesus não é Pai apenas dele. O é igualmente de todas as pessoas, prova de que as pessoas, nele, tornam-se verdadeiramente seus filhos filhos no Filho.

2 Como Jesus Cristo é o mediador da graça filial, ele é a porta através da qual o Pai convida todas as pessoas a entrar para tomarem lugar no banquete trinitário. De um lado, a Igreja está em Deus Pai e em Jesus Cristo; de outro, o Pai e o Filho habitam os fiéis: Mas vem a hora, e já chegou, em que os verdadeiros adoradores hão de adorar o Pai em espírito e verdade; estes são os adoradores que o Pai deseja (Jo 14,23). O amor do Pai santo nos torna filhos e nos chama à santidade na Igreja santa Deus é amor e santidade: dois atributos que fazem parte da sua essência e que atingem profundamente todo ser humano. Esse Deus, amoroso e santo, tornou-se, em Cristo, verdadeiramente Pai para Jesus e para os homens renascidos pela água e pelo Espírito Santo (cf. Jo 3,1-21). Com a expressão Deus é amor (1Jo 4,8), o evangelista explica a fonte da caridade. O amor de Deus chama a pessoa a entrar em comunhão com Ele. Desde a criação, passando pela encarnação, até chegar à redenção, Deus se revela como amor. É por isso que Jesus estabelece, no amor a Deus e ao próximo, o primeiro dos mandamentos amar a Deus e ao próximo. Assim, amar o próximo se torna o sinal do amor de Deus, porque ele nos amou primeiro e deu sua vida por nós (1Jo 3,14). E a prova do amor do Pai pela humanidade é o envio de seu Filho, para realizar a obra da salvação (1Jo 4,9). Esse relacionamento novo implica o abandono de qualquer prática estranha, alheia à confiança radical em Deus Serão santos para Deus e não lhe profanarão o nome (Lv 21,6). A santidade de Deus aparece como um chamado de sua parte. O Pai chama as pessoas para se tornarem seus filhos. Ao chamar os homens em Jesus Cristo, Deus Pai convida a todos para participarem da história da salvação, aceitando seu convite amoroso. Daí podermos concluir que as pessoas são chamadas, vocacionadas à santidad ao aceitarem participar na obra da salvação: sereis para mim um povo consagrado (cf. Ex 19,4). A única coisa que se exige é que a pessoa não se agarre desesperadamente à terra. Da santidade de Deus brota a filiação divina: Vede que prova de amor nos deu o Pai: sermos chamados filhos de Deus. E nós o somos! (1Jo 3,1-2). A filiação divina exprime que o ser humano deve a vida e a existência a Deus, que reconhece a sua absoluta dependência e submissão a Ele. Essa filiação divina se torna possível através da fé e do batismo. A paternidade de Deus para com os batizados realiza-se, hoje, na fé e pela Igreja, formando um só Corpo em Jesus Cristo. O ministério apostólico da pregação do Evangelho é a participação na atividade trinitária, pois está enraizada na apostolicidade da Igreja, enquanto ela proclama a fé recebida de Jesus Cristo por meio dos Doze A Igreja é em Cristo como que o sacramento ou o sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano (LG 1). O Pai nos alimenta por meio da Eucaristia A Eucaristia, instituída na última Ceia como memorial da morte e ressurreição do Senhor, tem também uma dimensão futura, enquanto alimento que prepara e conduz o cristão para a glória futura: Na última Ceia, na noite em que foi entregue, nosso Salvador instituiu o Sacrifício Eucarístico de seu Corpo e Sangue. Por Ele, perpetua pelos séculos, até que volte, o Sacrifício da Cruz, confiando 2

3 destarte à Igreja, sua dileta Esposa, o memorial de sua Morte e Ressurreição: sacramento de piedade, sinal de unidade, vínculo de caridade, banquete pascal, em que Cristo nos é comunicado em alimento, o espírito é repleto de graça e nos é dado o penhor da glória futura (SC 47). Na perspectiva do futuro, a Eucaristia é a antecipação do banquete escatológico do Messias, preparado pelo Pai. Todo aquele que recebe o corpo e o sangue do Senhor Jesus Cristo olha para a casa do Pai, à qual espera chegar, após as labutas desta vida terrena. Na celebração eucarística se concentra toda a história da salvação: criação, redenção e santificação, como ações isoladas de cada uma das três Pessoas divinas. Enquanto o cristão aguarda o cumprimento da promessa, e é alimentado pela Eucaristia, Jesus Cristo deixou o sacramento da Penitência como meio de conseguir o perdão dos pecados e purificar-se, preparando-se para gozar as alegrias sem fim da futura casa do Pai. João Paulo II explica como se dão esses acontecimentos: Toda a vida cristã é como uma grande peregrinação para a casa do Pai, de quem se descobre todos os dias o amor incondicional por cada criatura humana e, em particular, pelo filho pródigo. Tal peregrinação parte do íntimo da pessoa, alargando-se depois à comunidade crente até alcançar a humanidade inteira (TMA, 49). 2. A Igreja e Jesus Cristo A afirmação de que a Igreja deriva, ao menos de algum modo, de Cristo, é aceita por todos hoje, mesmo no meio protestante, embora permaneça aberta a questão sobre o sentido em que deriva de Cristo. Alguns defendem a tese de que os apóstolos, após a morte, ressurreição e ascensão de Cristo, ter-se-iam reunido novamente e ele teria esperado por isso. A teologia protestante afirma que não corresponderia à sua intenção a constituição, pelos discípulos, de uma nova comunidade escatológica de salvação, independente da judaica, em contraposição ao povo de Israel. Existe uma negação, por parte dos teólogos evangélicos, da sucessão da primazia do apóstolo Pedro, que veem nele apenas um modelo para os dirigentes futuros. O modernismo também nega a intenção de Jesus de fundar a Igreja. Lisy (escritor modernista) diz que Jesus anunciou o Reino de Deus e o que apareceu foi a Igreja, dando a entender que a Igreja não é a continuação do Reino de Deus e nem sequer foi querida por Jesus. Porém, hoje pode-se afirmar sem dúvida que Jesus é o fundador da Igreja, sendo ela fruto de sua intenção clara e opção segura. Veja-se Mt 16, A pedra de toque para afirmar-se o início da Igreja é Pentecostes, onde toda a preparação feita pelo Senhor passa a ser vivida e se torna eficaz. M. Schmaus afirma que se o povo de Israel tivesse correspondido à mensagem de Jesus, ele não teria fundado uma comunidade messiânica diferente daquela do AT. Mas isso aconteceu pela dureza dos corações do povo da antiga aliança, que impediu a renovação da mesma aliança, visto que o povo de Israel não aceitava a sua mensagem de renovação da antiga aliança. Diante da negativa dos judeus, Jesus coloca elementos que preparam a Igreja: a) Na encarnação: a vida total de Jesus forma o fundamento para a constituição total da Igreja. Os acontecimentos salvíficos constituem uma unidade de salvação, não podendo ser separados. 3

4 b) Nos acontecimentos salvíficos da morte, ressurreição e do envio do Espírito Santo demonstram que Deus uno e trino é a fonte da obra chamada Igreja. A nova humanidade iniciada pelo Verbo feito carne continua presente hoje na Igreja por meio do Espírito Santo. c) Na última Ceia Cristo fez o ato de maior alcance para a fundação da Igreja, pois sua presença não é recordação vazia, mas palavra plena de realidade Fazei isto em memória de mim. d) No chamado dos discípulos e na escolha dos Doze vemos um dos acontecimentos mais importantes da vida pública de Jesus, preparado por uma noite de oração, como iniciativa exclusiva de Deus. e) Com o apóstolo Paulo inaugura-se o tempo dos Apóstolos que, apesar de não terem convivido com o Senhor, foram por Ele constituídos como membros do colégio apostólico. f) Com a plenitude do poder apostólico (Mt 18,18) é dado pelo Senhor um tríplice poder ao colégio apostólico: o poder de declarar algo como sendo permitido ou proibido; o poder de impor uma obrigação ou suspendê-la; o poder de admitir ou de excluir alguém da comunidade. g) Na missão confiada a Pedro (Mt 16,13-19; Lc 22,27-32 e Jo 21,15s) afirma-se o primado do mesmo. h) Com a missão do Espírito culmina a intenção de Jesus de formar a Igreja. Em Pentecostes foi determinada e concretizada a estrutura da Igreja, o Povo de Deus do NT, não apenas pela vontade de Jesus Cristo, mas também pela decisão dos homens por Ele chamados e determinados. O Espírito Santo deu aos discípulos a compreensão correta, que estava faltando, de Jesus Cristo e da sua obra. Portanto, a Igreja é obra de Deus, uno e trino. Não há duas Igrejas, mas apenas uma, querida e fundada por Ele. A Igreja é única e uma, assim como Deus é um e uno. 3. A Igreja e o Espírito Santo O Espírito Santo é a alma da Igreja: anima-a, suscita e distribui nela os seus dons. Essa alma não é uma alma que constitua um todo substancial com o corpo, pois o Espírito Santo é transcendente à Igreja, apesar de ser, também, imanente a ela, enquanto age nela. Também não é o espírito da Igreja, mas o Espírito de Deus. O Espírito Santo realiza na Igreja a função que a alma exerce no corpo, ao estar presente no Corpo de Cristo, que é a Igreja. O mesmo Espírito está presente, ao mesmo tempo, na cabeça, que é Cristo, e em seus membros, que são os batizados, os fiéis. A LG explica bem a função do Espírito Santo em relação à Igreja: O Espírito Santo habita na Igreja e nos corações dos fiéis como num templo. Por ele o Pai vivifica os homens mortos pelo pecado, até que em Cristo ressuscite seus corpos mortais. Neles ora e dá testemunho de que são filhos adotivos. Leva a Igreja ao conhecimento da verdade total. Unifica-a na comunhão e no ministério. Dota-a e dirige-a mediante os diversos dons hierárquicos e carismáticos. E adorna-a com seus frutos. Pela força do Evangelho, ele rejuvenesce a Igreja, renova-a perpetuamente e leva-a à perfeita união com seu Esposo. Pois o Espírito e a Esposa dizem ao Senhor Jesus: Vem. (LG 4) 4

5 Toda a moral cristã é motivada e regida pelo próprio Filho de Deus, e o Espírito Santo é a norma que rege essa vida, pois todo o batizado é templo do Espírito Santo, e por Ele torna madura sua vida cristã até que produza frutos. 4. A Igreja como comunhão Comunhão significa comunicação ou participação, união comum. Daí a Igreja, Copro de Cristo, ter como missão e essência a comunhão da humanidade com Deus e deste com aquela. Pois à comunhão plena com Deus maior anseio do coração humano se chega por Cristo, ao Pai, no Espírito Santo, por meio da Igreja. Não há como dissociar a Igreja e a comunhão com Deus. A esta só se chega por meio daquela de modo ordinário ou extraordinário. 5

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