PODER JUDICIÁRIO FEDERAL JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 1ª REGIÃO

Transcrição

1 A C Ó R D Ã O 1ª TURMA DANO MORAL. Se a falta imputada ao empregado como determinante para sua dispensa por justa causa, além de não comprovada nos autos, é capaz de comprometer a moral, a imagem e a dignidade do empregado, resta configurada a existência de dano moral indenizável. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de RECURSO ORDINÁRIO proveniente da MM. 28ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, em que são partes, XANTOCARPA PARTICIPAÇÕES LTDA., como recorrente, e DELMO VIDAL DE ALMEIDA, como recorrido. Inconformada com a r. sentença de fls. 86/91, da lavra da MM. juíza Claudia Maia Teixeira, que julgou procedente em parte o pedido, a reclamada dela recorre ordinariamente pelas razões de fls. 96/123. Sustenta, em resumo, que, de conformidade com as provas produzidas, é válida e legal a justa causa aplicada, tendo o recorrido incidido nas faltas previstas nas alíneas a e b do artigo 482 da CLT; que, assim, não são devidos o aviso prévio, o 13º salário proporcional, as férias proporcionais acrescidas do terço, a entrega das guias do seguro-desemprego e do FGTS e a multa de 40%; que, de toda sorte, não há no ordenamento jurídico disposição qualquer que justifique a indenização pelo não fornecimento das guias do seguro-desemprego, sendo também descabida, por falta de previsão legal, a conversão da entrega das guias para levantamento do FGTS em indenização; que sempre efetuou corretamente o recolhimento dos depósitos do FGTS durante o curso do contrato de trabalho; que era ônus do reclamante apontar as diferenças que entendia devidas, já que tem acesso aos valores que foram depositados em sua conta vinculada; que, ademais, o pedido formulado é por demais genérico; que não é devida a incidência do FGTS e da multa de 40% sobre as verbas postuladas, tanto porque se trata de acessório do principal que não existe, como, ainda, porque as verbas requeridas incidem apenas sobre verbas de natureza salarial, e, por fim, em face da aplicação da justa causa; que, por outro lado, é indevida a multa do art. 477 da CLT, tendo em

2 vista que o distrato se deu por justa causa e, também, porque, ante os diversos descontos justificados, o saldo foi negativo, inexistindo valores a serem quitados. Quanto às horas extras e reflexos, alega que, no caso, não se faz possível a aplicação da confissão ficta ante a ausência dos controles de frequência, até porque não houve determinação judicial para a sua apresentação, uma vez que o recorrido os impugnou já na inicial, sendo que ele não produziu qualquer prova capaz de demonstrar a veracidade da alegada incorreção do pagamento das horas extras registradas. Finalmente, quanto à indenização por danos morais, diz que a circunstância de a justa causa aplicada ter sido afastada judicialmente, por si só, não dá ensejo ao pagamento da referida indenização, tanto mais no valor deferido; que não agiu de modo a ferir a honra do recorrido, que, inclusive, não se desonerou do ônus da prova que, no pertinente, lhe incumbia. Acaso mantida a decisão no particular, requer a redução do valor arbitrado pelo MM. Juízo de primeiro grau, isso sob fundamento de que incumbe aos Magistrados ponderar, à luz das diretrizes já firmadas pela lei, doutrina e jurisprudência, o bem jurídico casualmente lesado, a gravidade e as condições em que se implementaram hipotética lesão, a posição social do ofendido e a capacidade econômica daquele que deverá indenizar Depósito recursal, a fls.98; custas, a fls.99. Contrarrazões juntadas a fls.135/138. É o relatório. V O T O DO CONHECIMENTO Conheço do recurso, porquanto preenchidos os pressupostos legais para a sua admissibilidade. DO MÉRITO DA JUSTA CAUSA Para o reconhecimento da justa causa, necessário se faz o cometimento de falta grave e atual, e, ainda, que haja relação de causa-efeito entre o ato praticado pelo empregado e a resolução do contrato. Além disso, a falta cometida há de impossibilitar a continuidade da relação empregatícia, e ser induvidosamente demonstrada, não bastando, para tanto, meros indícios, tendo em

3 vista os prejuízos de ordem profissional e econômica causados ao trabalhador. In casu, a reclamada, ora recorrente, alega que o reclamante foi dispensado por justo motivo, com fundamento nas alíneas a e b do art. 482 da CLT, uma vez que foi flagrado juntou com outro colega de trabalho retirando da empresa dois carrinhos cheios de queijo e colocando em um carro que os esperavam fora da loja. Cabia, pois, à recorrente comprovar, de modo a resultar indene de dúvida, o fato que aponta como desencadeador da justa causa, ou seja, o cometimento de ato de improbidade ou que envolvesse um mau procedimento, ônus do qual não se desonerou a contento. Com efeito, a testemunha por ela trazida a depor, conforme se verifica a fls.73, declarou o seguinte:...que pelo que sabe o autor estava dando saída de vários produtos pela entrada de produtos, que a saída dessas mercadorias, deveria ser feita pelos pdvs, ou seja, pelos caixas; que assistiu o fato no dia seguinte através de vídeo, por volta de 21:30 horas, o autor e outro funcionário dando saída de produtos por local inadequado; que estas mercadorias estavam sendo conduzidas por estes funcionários através de pranchas; que seriam inclusive maior do que a mesa de audiência; que a loja fecha as 22:00 horas; (...) que pelo que tem conhecimento a mercadoria que saiu não tinha sido lançada no caixa; que pode afirmar que a mercadoria não havia sido lançada no caixa; que não conferiu nos caixas se a mercadoria havia sido lançada, (...) que não foi necessário a formalização do furto na delegacia, pois o autor foi dispensado; que a gerência decidiu assim proceder pois a mercadoria já tinha saído e não poderia comprovar o furto; que o vídeo não registrou as mercadorias serem colocadas no carro, somente registrou o carro, que a placa do carro não foi vista; que uma testemunha viu a colocação da mercadoria no carro; que a testemunha fazia parte de uma empresa terceirizada que não faz mais parte da empresa. (destacou-se) É de ser considerado, assim, que tal depoimento se afigura por demais frágil, tendo em vista que o depoente, após ter dito que a mercadoria não havia sido lançada no caixa, veio a admitir que não conferiu nos caixas se a mercadoria havia sido lançada, relevando, ainda, notar que a testemunha ali mencionada como conhecedora do fato

4 não veio a juízo, não sendo, ademais, apresentado o vídeo a que faz referência. De tudo resulta, então, que, diversamente do que considera a recorrente, não restou cabalmente demonstrado o fato que aponta como determinante da justa causa aplicada, qual seja, o furto de mercadoria. Neste contexto, é de ser mantida a r. sentença recorrida, porque em perfeita consonância com o conjunto probatório dos autos. DO SEGURO- DESEMPREGO É certo que o fornecimento da documentação hábil à percepção do seguro-desemprego constitui obrigação do empregador por determinação legal, não lhe cabendo perquirir acerca do preenchimento, ou não, dos requisitos necessários à concessão do benefício, pois incumbe ao órgão gestor do referido programa aferir se o empregado implementou as condições exigidas pela legislação específica. Mas não menos certo é, outrossim, que a não entrega das guias do seguro-desemprego obsta a habilitação do reclamante à percepção do segurodesemprego, e, por consequência, a obtenção do benefício, razão pela qual deve o empregador, em circunstância que tal, arcar com o ônus de indenizar o prejuízo pecuniário sofrido, conforme, de resto, entendimento já consolidado na Súmula nº 389, II, do Colendo TST, com a redação que lhe foi dada pela Resolução nº 129/2005, de 5 de abril de 2005, verbis: SÚMULA Nº 389. SEGURO-DESEMPREGO. COMPETÊNCIA DA. DIREITO À INDENIZAÇÃO POR NÃO LIBERAÇÃO DE GUIAS. (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 210 e 211 da SDI-I). I- omissis II-O não-fornecimento pelo empregador da guia necessária para o recebimento do seguro-desemprego dá origem ao direito à indenização (ex-oj n.211- inserida em ). Portanto, deve ser mantida, também no particular, a r. sentença a quo, que condenou a recorrente a traditar as guias do seguro-desemprego ao recorrido, sob pena de pagar o equivalente em espécie em caso de sua omissão

5 DO FGTS Quanto ao FGTS, a ora recorrente foi condenada, apenas, a traditar ao recorrido as correspondentes guias no código 01, computados os 40%. No mais, tem-se que, diversamente do que considera, o recorrido não postula, de forma genérica, diferenças de FGTS, as quais, como se observa na alínea e do rol de pedidos (fls. 5), têm como fundamento a integração aos salários da média das horas extraordinárias e seus repousos remunerados, como decorrência dos pedidos formulados nas alíneas c e d (fls. 5), sendo, ainda, de observar que referidas parcelas possuem natureza nitidamente salarial. DA MULTA DO ART. 477 DA CLT Mantido o afastamento da justa causa aplicada, fica evidenciado o atraso no pagamento das parcelas resilitórias, uma vez que, dispensado o autor em 27 de novembro de 2009, conforme consta da inicial, foi ultrapassado o prazo a que se refere o 6º, alínea b, do mencionado dispositivo legal. Desse modo, devida se torna ao autor a multa prevista no 8º, do art. 477 da CLT, como bem entendeu o MM. Juízo de primeiro grau. Nego provimento. DAS HORAS EXTRAS E REFLEXOS Quanto a esse aspecto, procede o inconformismo da recorrente, pois, ainda que ela tenha sido intimada a trazer aos autos os controles de frequência, sob as penas do art. 355 c/c art. 359 e incisos do CPC, como mostra a certidão de notificação de fls.12, não cabe, no caso, mesmo não sendo atendida a determinação judicial, a aplicação da confissão presumida. Com efeito, é certo que, havendo controles da jornada de trabalho empreendida pela empregado, a prova das horas extraordinárias, a princípio, é, por excelência, documental, salvo se ficar comprovado que eles não são fidedignos. E, no caso, de conformidade com a causa de pedir exposta na petição inicial, o reclamante, de logo, desprezou os referidos documentos como meio de prova do horário que alega ter cumprido, na medida em que resta ali consignado que

6 A reclamada fazia controle escrito da freqüência do reclamante através de folhas de ponto que não expressavam a verdade das jornadas laboradas. (destacou-se), o que, enfatize-se, significa dizer que ditas folhas foram por ele consideradas imprestáveis como meio de prova da jornada cumprida. Sendo assim, competia ao reclamante, nos termos do art. 818 da CLT c/c art. 333, I, do CPC, comprovar que a prestação de serviços era desenvolvida consoante a jornada que aponta, ônus processual que não observou, já que não produziu qualquer prova em tal sentido. Logo, é de ser dado provimento ao recurso para suprimir da condenação o pagamento de horas extraordinárias e dos reflexos daí advindos nos meses cujos controles não vieram aos autos. DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS A falta imputada ao empregado que teria sido determinante para a aplicação da justa causa, qual seja, a de haver sido flagrado juntou com outro colega de trabalho retirando da empresa dois carrinhos cheios de queijo e colocando em um carro que os esperavam fora da loja, além de ter comprometido a moral, a imagem e a dignidade do empregado, não restou cabalmente demonstrada nos autos, de modo que ficou configurado o dano moral, tanto mais que o depoimento pessoal da própria recorrente (fls. 74 verso) revela que o fato alegado repercutiu no ambiente da empresa, sendo do conhecimento de alguns empregados. É induvidosa, portanto, a responsabilidade da recorrente em reparar o dano moral causado, de conformidade com o disposto no art. 5º, X, da Constituição da República c/c art. 927 do Código Civil. Nada obstante, a quantificação de tal indenização envolve aspectos que devem ser sopesados com acuidade, já que o valor a ser arbitrado há de atender o grau da lesão íntima causada à vítima e a capacidade econômica do empregador, e, notadamente, deve ter por objetivo inibir a repetição do ato pelo ofensor. Levando-se em conta todos esses fatores, bem assim a conduta do reclamado e o dano moral sofrido pelo reclamante, e considerando, em contrapartida, que a indenização não tem por finalidade o enriquecimento do

7 empregado, mas há de ter caráter eminentemente pedagógico, o valor que a tal título veio a ser fixado na r. sentença recorrida, qual seja, de R$ ,00 (cem mil reais), se afigura excessivo, devendo ser reduzido à importância de R$ ,00 (vinte mil reais), porquanto suficiente para reparar os danos morais experimentados pelo empregado e, ainda, para inibir a repetição da conduta do empregador. Dessarte, dou parcial provimento ao recurso da reclamada para reduzir a R$ ,00 (vinte mil reais) o valor da indenização por dano moral devida ao reclamante. PELO EXPOSTO, conheço do recurso, e, no mérito, dou-lhe parcial provimento para suprimir da condenação o pagamento de horas extras e dos reflexos daí advindos, bem assim para reduzir o valor da indenização por danos morais a R$ ,00 (vinte mil reais), nos termos da fundamentação supra, ficando, por consequência, reduzido o valor arbitrado à condenação a R$ ,00, com custas de R$ 600,00, pela reclamada, que, se lhe convier, poderá diligenciar na Receita Federal a devolução do que pago a maior. A C O R D A M os Desembargadores da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Primeira Região, por unanimidade, conhecer do recurso, e, no mérito, dar-lhe parcial provimento para suprimir da condenação o pagamento de horas extraordinárias e dos reflexos daí advindos, bem assim para reduzir o valor da indenização por danos morais a R$ ,00 (trinta mil reais), ficando, por consequência, reduzido o valor arbitrado à condenação a R$ ,00, com custas de R$ 600,00, pela reclamada, tudo consoante voto da Desembargadora Relatora. Rio de Janeiro, 22 de junho de RMPFL DESEMBARGADORA ELMA PEREIRA DE MELO CARVALHO Relatora