BNDES Setorial setembro de 2014

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2 BNDES Setorial 40 setembro de 2014

3 Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social Presidente Luciano Coutinho Vice-presidente Wagner Bittencourt de Oliveira Editor Antônio Marcos Hoelz Ambrozio BNDES Setorial Publicação semestral editada em março e setembro Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, a opinião do BNDES. É permitida a reprodução parcial ou total dos artigos desta publicação, desde que citada a fonte. BNDES Setorial, n. 1, jul Rio de Janeiro, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, n. Semestral. ISSN Periodicidade anterior: quadrimestral até o n Economia - Brasil - Periódicos. 2. Desenvolvimento econômico - Brasil - Periódicos. I. Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. CDD Av. República do Chile, 100 Rio de Janeiro - RJ - CEP Tel.: (21) Fax: (21) ISSN

4 Sumário Inserção internacional das empresas farmacêuticas: motivações, experiências e propostas para o BNDES 5 Vitor Paiva Pimentel Renata de Pinho Gomes Thiago Leone Mitidieri Felipe França João Paulo Pieroni Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e Marcos H. F. Vital Martin Ingouville Marco Aurélio Cabral Pinto O setor de bebidas no Brasil 93 Osmar Cervieri Júnior Job Rodrigues Teixeira Junior Rangel Galinari Eduardo Lederman Rawet Carlos Takashi Jardim da Silveira Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo indicadores básicos 131 Sérgio Bittencourt Varella Gomes Paulus Vinicius da Rocha Fonseca A experiência do edital Inova Agro: dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio 163 Gisele Ferreira Amaral Diego Duque Guimarães Felipe Machado Bellizzi

5 A rota metalúrgica de produção de silício grau solar: uma oportunidade para a indústria brasileira? 205 Pedro Sérgio Landim de Carvalho Pedro Paulo Dias Mesquita Marco Aurélio Ramalho Rocio Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante 235 Luiz Felipe Hupsel Vaz Bernardo Hauch Ribeiro de Castro Daniel Chiari Barros Carlos Henrique Reis Malburg Filipe de Oliveira Souza Allan Amaral Paes de Mesentier Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo e estratégia de crescimento 283 André de Barros Rüttimann Paulus Vinicius da Rocha Fonseca Rafael de Carvalho Cayres Pinto Panorama de mercado painéis de madeira 323 André Carvalho Foster Vidal André Barros da Hora Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil 385 Bernardo Hauch Ribeiro de Castro Daniel Chiari Barros Luiz Felipe Hupsel Vaz Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil 427 Ricardo Rivera Ingrid Teixeira

6 Complexo Industrial da Saúde BNDES Setorial 40, p Inserção internacional das empresas farmacêuticas: motivações, experiências e propostas para o BNDES Vitor Paiva Pimentel Renata de Pinho Gomes Thiago Leone Mitidieri Felipe França João Paulo Pieroni * Resumo Desenha-se um cenário de concorrência mais acirrada no mercado farmacêutico brasileiro nos próximos anos, para o qual novas estratégias serão necessárias a fim de manter a competitividade da indústria no país. O trabalho aprofunda as motivações de uma estratégia particular, a inserção internacional, distinguindo entre movimentos de aquisição de novas competências e alavancagem das vantagens competitivas atuais. Na conclusão, discutem-se os possíveis papéis do BNDES no apoio a essa estratégia, como o financiamento à internacionalização e às exportações. * Respectivamente, economista, engenheira, economista, estagiário de economia e gerente setorial do Departamento de Produtos para a Saúde da Área Industrial do BNDES. Os autores agradecem às empresas e instituições visitadas, o apoio dos colegas das áreas Internacional e de Exportação do BNDES e os comentários críticos de Pedro Palmeira, Antônio Ambrósio e Eduardo Costa.

7 6 Introdução Inserção internacional das empresas farmacêuticas: motivações, experiências e propostas para o BNDES Alavancada pela pujança do mercado doméstico e pelas oportunidades geradas pelas políticas públicas, a indústria farmacêutica brasileira fortaleceu-se significativamente nas últimas décadas. Entretanto, um cenário de concorrência mais acirrada desenha-se para os próximos anos, em que as empresas devem enfrentar mais dificuldades na formação de preços e na gestão de seus portfólios. Entre os principais fatores que condicionam esse cenário, estão o fortalecimento do varejo farmacêutico e dos pagadores institucionais e a redução do número de patentes de medicamentos a expirar. Espera-se que essas pressões resultem em queda de rentabilidade do mercado brasileiro, ainda que as perspectivas de crescimento da demanda permaneçam altamente positivas (14% a.a.). Em estudo anterior conduzido pela equipe do BNDES [Gomes et al. (2014)], delinearam-se estratégias que vêm sendo adotadas pelas empresas brasileiras para manter e ampliar sua competitividade diante do que denominam um novo cenário de concorrência. No presente trabalho, o objetivo é aprofundar as motivações de uma estratégia particular, a inserção internacional das empresas farmacêuticas brasileiras. Para isso, realizou-se breve revisão bibliográfica das teorias da empresa multinacional (EMN). Em seguida, é discutida a experiência de internacionalização de empresas farmacêuticas, com foco nas seguidoras de países em desenvolvimento, que têm na indústria indiana a principal referência setorial. Com base no referencial teórico e nas experiências internacionais, o trabalho busca fundamentar as possíveis oportunidades de inserção internacional da indústria farmacêutica brasileira. Ao fim, apontam-se as estratégias desejáveis do ponto de vista do desenvolvimento econômico, social e tecnológico, adicionando um componente setorial à análise do processo de internacionalização da indústria brasileira. A pesquisa apresentou duas frentes de trabalho. Na pesquisa bibliográfica, procurou-se enfatizar os aspectos da internacionalização que mais se adequavam a uma visão dinâmica de evolução da indústria farmacêutica brasileira, tanto no plano teórico quanto no plano das experiências de outros países. Em particular, o caso indiano foi escolhido tendo em vista o sucesso desse país em projetar suas empresas farmacêuticas no mercado global.

8 Na segunda frente, foram realizadas entrevistas com pessoas-chave do ambiente de internacionalização e da indústria farmacêutica no Brasil: empresas brasileiras de controle nacional; empresas brasileiras de controle estrangeiro que exportam; Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa); Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil); Associação da Indústria Farmoquímica e de Insumos Farmoquímicos (Abiquifi), gestora do Projeto Setorial Integrado de internacionalização em parceria com a Apex-Brasil e demais associações do setor; áreas Internacional e de Apoio à Exportação do BNDES. O trabalho divide-se nas seguintes seções, iniciando-se por esta introdução. Na segunda seção, empreende-se uma breve revisão das motivações para o surgimento das EMNs, primeiramente de países desenvolvidos e, depois, dos países em desenvolvimento. Em seguida, discute-se a história da internacionalização da indústria farmacêutica, focalizando a experiência indiana como um caso de sucesso de inserção de um país em desenvolvimento. Na quarta seção, resgata-se a trajetória recente da indústria farmacêutica brasileira, explorando as motivações para que esta amplie sua inserção internacional e discutindo as principais iniciativas em curso nessa direção. Na quinta, descrevem-se as políticas públicas de apoio adotadas no mundo e no Brasil, buscando identificar o papel do BNDES nesse contexto. Ao fim, são tecidas considerações e propostas para atuação do Banco. 7 Complexo Industrial da Saúde Inserção internacional e empresas multinacionais As EMNs estão entre as instituições mais relevantes da economia contemporânea. Respondem por aproximadamente 10% do Produto Interno Bruto (PIB) e um terço das exportações mundiais [UNCTAD (2013)]. Além de seu indubitável papel econômico, tais empresas são objeto de opiniões políticas divergentes quanto a sua influência no cenário geopolítico internacional: enquanto alguns as veem como difusoras de tecnologia e das melhores práticas de gestão, outros tendem a enfatizar possíveis efeitos deletérios quanto à soberania de países [Grauwe e Camerman (2003)].

9 8 Mesmo que alguns autores relacionem o surgimento das EMNs à época de formação dos Estados nacionais, a disseminação das corporações multinacionais modernas veio a ocorrer somente após a Segunda Guerra Mundial, com a participação de empresas norte-americanas na reconstrução dos países europeus [Dias, Caputo e Marques (2012)]. Inserção internacional das empresas farmacêuticas: motivações, experiências e propostas para o BNDES Além das motivações intrinsecamente empresariais, foco desta seção, é impossível dissociar o crescimento e a consolidação das multinacionais de um contexto maior. Movimentos como a globalização e a liberalização financeira e comercial condicionam o escopo de atuação dessas empresas. Da mesma forma, o avanço tecnológico tem permitido uma drástica redução dos custos transacionais da atuação em vários países, com destaque para telecomunicações e logística [IMF (2000)]. Teorias da empresa multinacional A atuação em mercados externos envolve, necessariamente, a escolha do arranjo institucional que viabiliza o ingresso de recursos da empresa, como produtos e tecnologia, em países estrangeiros. Do ponto de vista dos fluxos econômicos, deve-se definir a base de onde os recursos deixam a empresa: o país de origem ou o país de destino [Dias (2012)]. No primeiro caso, a empresa passa a obter receita no exterior, por meio da exportação de bens físicos, de serviços e do licenciamento de tecnologias, marcas e patentes, por exemplo. Os produtos ou serviços deixam a empresa sem sofrerem alterações significativas. Por oposição, quando a empresa realiza investimento estrangeiro direto (IED) no país de destino, seu rol de recursos é ampliado e passa a ser influenciado pelo ambiente do destino. Surge uma nova empresa, a subsidiária, e o resultado passa a ser principalmente remessa de lucros para a matriz, além de eventuais compras de recursos intermediários. Para efeitos deste trabalho, uma empresa é multinacional ou internacionalizada quando ela realiza investimentos externos diretos, enquanto o termo inserção internacional fará referência a empresas que se utilizam de todas as possíveis formas de relacionamento com outros países e mercados, inclusive exportações e parcerias internacionais. Tendo em vista a complexidade e a multiplicidade de abordagens para o assunto, serão tratadas neste trabalho três das mais influentes teorias

10 da EMN: 1 o modelo OLI [Dunning (2001)], o fluxo de estabelecimento [Johanson e Vahlne (2009)] e a visão baseada em recursos [Teece (2014)]. O modelo OLI busca sintetizar três variáveis que justificariam as vantagens de uma multinacional sobre empresas locais: propriedade (ownership), localização (location) e internalização (internalization). Os ativos proprietários seriam aqueles que, por imperfeições estruturais de mercado, outras empresas não conseguiriam acessar ou construir facilmente. Incluem-se nessa categoria recursos e capacitações tecnológicas, habilidades gerenciais e propriedade industrial (marcas e patentes). As vantagens de localização referem-se à natureza geográfica dos ativos da empresa, como acesso exclusivo a recursos naturais escassos, matérias-primas-chave e infraestrutura logística. Por fim, a variável de internalização busca incorporar eventuais vantagens decorrentes da minimização dos custos de transação pela estrutura hierárquica da EMN, que facilitaria a transferência de ativos e recursos em seu interior. Assim, as empresas avaliariam suas vantagens e desvantagens em relação aos mercados de destino e escolheriam o modo de entrada ótimo [Dunning (2001)]. Entretanto, observações empíricas sobre multinacionais pioneiras indicam um padrão sequencial de inserção internacional, fundamentando a construção do modelo de fluxo de estabelecimento (establishment chain), oriundo da escola Uppsala. Segundo este, empresas buscariam inserção internacional por meio de exportações esporádicas e não sistemáticas (ad hoc). Em seguida, formalizariam o processo por acordos com representantes comerciais nos mercados mais relevantes. Em caso de sucesso, os representantes terceirizados seriam substituídos por equipe comercial própria, até que o tamanho do mercado justificaria a realização de investimentos diretos para a produção no local de destino [Johanson e Vahlne (2009)]. Assim, do ponto de vista temporal, o processo de internacionalização poderia ser dividido em três etapas inicial, de crescimento e madura. Cada uma seria marcada por custos e benefícios em função do ambiente interno (país de origem), do ambiente externo (local de destino) e das capacitações específicas da empresa. Além de uma dinâmica linear em relação ao modo de entrada, a empresa iniciaria por mercados cuja distância psíquica fosse menor, ou seja, países similares quanto a cultura, língua e instituições, e iria gradativamente ampliando seu escopo [Bruche (2011)]. 9 Complexo Industrial da Saúde 1 Para uma revisão mais ampla da literatura, ver Dias (2012).

11 10 O fenômeno da distância psíquica foi posteriormente estudado por diversos autores, com diferentes ênfases, como distância transnacional, distância cultural, distância institucional e a abordagem cultural, administrativa, geográfica e econômica (Cage). Uma característica comum aos estágios iniciais do processo de internacionalização é a procura por investimentos em países vizinhos ou em estágio similar de desenvolvimento, com o objetivo de minimizar tais distâncias. Nesse sentido, uma empresa de um país próximo teria vantagem competitiva em relação a empresas distantes e menos desvantagem em relação às empresas locais [Dias (2012); Yeoh (2011)]. Inserção internacional das empresas farmacêuticas: motivações, experiências e propostas para o BNDES Reduzidas as restrições da fase inicial, à medida que expandem sua atuação no mercado externo, as empresas ganham mais experiência e acabam alcançando legitimidade pela conformação a normas institucionais e sociais locais, auferindo ganhos que compensam os elevados custos iniciais de entrada [Bruche (2011)]. Por fim, a visão baseada em recursos, proposta em Teece (2014), entre outros, tem como objetivo ampliar o conceito de competências dinâmicas ao escopo da EMN. Tais competências seriam definidas como a capacidade da empresa de articular seus recursos (posição) por meio de rotinas (processos) com o objetivo de realizar suas atividades. As competências simultaneamente possibilitam e delimitam o escopo de atuação da empresa, inclusive no que diz respeito às oportunidades de inserção internacional, já que não estão disponíveis no mercado e devem ser construídas pelas empresas ao longo do tempo. Estariam mais aptas ao sucesso em âmbito internacional empresas capazes de construir e reconfigurar rotinas e modelos de negócio superiores às melhores práticas do mercado e detentoras de recursos valiosos, raros, difíceis de imitar e não substituíveis. Note-se, portanto, alguma compatibilidade entre as abordagens. A propriedade sobre ativos e recursos, apesar de definida em termos estáticos no modelo OLI, pode ser explicada como consequência das competências específicas e irreprodutíveis construídas pela empresa na visão baseada em recursos [Teece (2014); Dunning e Lundan (2010)]. Em suma, as teorias da internacionalização de empresas argumentam que as empresas precisam ser dotadas de vantagens competitivas para que possam iniciar seus processos de internacionalização.

12 Multinacionais de países emergentes Antes restrito aos países desenvolvidos, nas últimas décadas, tem-se observado o crescimento de EMNs oriundas dos chamados países emergentes. Em particular, o forte crescimento dos asiáticos nas décadas de 1970 e 1980 permitiu que alguns desses países passassem a exportar capital nas décadas posteriores. Concentrados em setores de manufatura, comércio e serviços de alta tecnologia, países como China, Coreia do Sul, Índia, Cingapura, Malásia e Taiwan tornaram-se alguns dos principais centros dinâmicos da economia mundial nas décadas de 1990 e 2000 [UNCTAD (2013)]. Esse movimento fica expresso na crescente participação dos países em desenvolvimento nos fluxos de saída de IED global, que superaram 30% em Ainda que expressivos, os resultados devem ser cotejados diante da forte desaceleração dos fluxos de investimento globais em função da crise de Conforme o Gráfico 1, considerando-se a década anterior à crise, a participação dos emergentes saiu de 8% em 1998 para 20% em Complexo Industrial da Saúde Gráfico 1 Investimento estrangeiro direto, fluxos de saídas de capital, US$ bilhões correntes % Participação dos países em desenvolvimento Desenvolvidos Em desenvolvimento Fonte: Elaboração própria, com base em UNCTAD (2005; 2008; 2013). As empresas oriundas de economias emergentes confrontam restrições ainda maiores para competir em mercados externos. Em geral, esses países apresentam mercados financeiros pouco desenvolvidos, em especial para investimentos de maior prazo e risco, além de eventuais problemas institucionais e macroeconômicos. Tais desafios afetam em particular o estágio

13 12 inicial de inserção internacional, em que a empresa precisa legitimar sua estratégia internamente [Bruche (2011)]. Inserção internacional das empresas farmacêuticas: motivações, experiências e propostas para o BNDES Também no estágio inicial, empresas oriundas de países em desenvolvimento enfrentam uma percepção negativa quanto à qualidade de seus produtos por parte dos consumidores, o chamado efeito país de origem. Por esse motivo, projetos greenfield são em geral preteridos, já que parcerias e aquisições de empresas e marcas locais podem minimizar tais efeitos [Kumar e Sing (2008)]. Por outro lado, as multinacionais emergentes possuem vantagem competitiva se comparadas às multinacionais de países desenvolvidos no momento de entrada e operação em outros mercados emergentes, uma vez que sua experiência em operar em seus países de origem constitui uma capacidade inimitável [Kumar e Sing (2008); Yeoh (2011)]. Dunning, Kim e Park (2008) notam, entretanto, que essas novas multinacionais buscaram a inserção internacional em um estágio competitivo anterior ao que se observou nas pioneiras norte-americanas. Ou seja, as empresas oriundas de países em desenvolvimento não apresentavam as vantagens competitivas necessárias para viabilizar o sucesso de longo prazo de suas estratégias de inserção internacional. Nesses casos, a internacionalização seria uma forma de acelerar estratégias de convergência (catch-up) dos países emergentes por meio da aquisição de competências tecnológicas e organizacionais nos países desenvolvidos. O movimento dos países emergentes, portanto, opõe-se às teorias abordadas na seção anterior, levando a uma ampliação da teoria da EMN para se adequar à crescente participação das empresas oriundas de economias emergentes [Dunning, Kim e Park (2008)]. Cantwell (2014) ressalta que as multinacionais não são meramente empresas com atuação em vários países. Sua estrutura organizacional modifica e é modificada pelos múltiplos ambientes em que está inserida, tornando- -se mais heterogênea à medida que se internacionaliza. A EMN integra recursos e competências específicos das diversas localidades em que está inserida, como conhecimentos tácitos associados aos sistemas nacionais de inovação, funcionando como um elo das cadeias globais de valor. Nesse sentido, o acesso a competências e a busca pelo aprendizado podem ser entendidos também como motivação para as empresas se internacionalizarem [Dunning e Lundan (2010); Teece (2014)].

14 Assim, podem-se relacionar esquematicamente as duas motivações explorar vantagens competitivas e buscar ativos não disponíveis a momentos distintos da história recente da internacionalização de empresas, mesmo se considerado apenas o caso dos países hoje desenvolvidos. O Quadro 1 resume as diferentes formas de entrada e o papel do governo nas duas motivações para inserção internacional. As multinacionais estabelecidas, oriundas de Estados Unidos e Europa nas décadas de 1950 e 1960, buscavam se aproveitar de suas vantagens competitivas existentes, e por isso optavam por subsidiárias de controle integral em projetos novos (greenfield), provavelmente com o objetivo de limitar a difusão de seus conhecimentos táticos. Por outro lado, as empresas japonesas e coreanas, quando seus respectivos países ainda eram emergentes, tinham como objetivo ampliar suas competências, e, assim, preferiam realizar parcerias (joint ventures) e adquirir empresas locais, para acelerar o processo de construção de conhecimentos tácitos, tanto tecnológicos quanto sobre o mercado-alvo [Dias (2012)]. 13 Complexo Industrial da Saúde Quadro 1 Esquema comparativo entre multinacionais oriundas de países desenvolvidos e emergentes Critério Motivação Forma de entrada Papel do governo Multinacionais estabelecidas Explorar vantagens competitivas existentes Investimento greenfield em subsidiárias de controle integral Missões comerciais, financiamento, seguros e garantias Empresas de países emergentes Buscar ativos, recursos e competências Alianças estratégicas, parcerias e joint ventures Condução de estratégias deliberadas de convergência (catch-up) Fonte: Adaptado de Dunning, Kim e Park (2008). Internacionalização na indústria farmacêutica Expansão internacional das farmacêuticas líderes O mercado farmacêutico global aproxima-se da marca de US$ 1 trilhão em 2014, sendo cerca de 70% da demanda oriunda dos países da chamada

15 14 tríade Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão [IMS Health (2014)]. Esses países são também a origem das maiores empresas do setor, denominadas big pharmas, gigantes que usualmente figuram na lista das mais importantes multinacionais do mundo [Fortune (2014)]. As vinte maiores empresas detêm aproximadamente 60% do mercado e todas possuem receita anual superior a US$ 10 bilhões (Tabela 1). Inserção internacional das empresas farmacêuticas: motivações, experiências e propostas para o BNDES Tabela 1 Ranking das vinte maiores empresas farmacêuticas por receita, US$ bilhões, 2013 Empresas Origem US$ bilhões Participação (%) 1 Novartis Suíça Pfizer EUA Safoni-Aventis França Merck & Co EUA Roche Suíça GlaxoSmithKline Reino Unido Johnson & Johnson EUA AstraZeneca Reino Unido Teva Israel Eli Lilly EUA Amgen EUA Abbvie (ex-abbott) EUA Boehringer Alemanha 17 2 Ingelheim 14 Bayer Alemanha Novo Nordisk Dinamarca Takeda Japão Actavis Reino Unido Mylan EUA Bristol-Myers- EUA 11 1 Squibb 20 Gilead Sciences EUA 11 1 Parcial vinte maiores Total mundial Fonte: IMS Health (2014).

16 Em geral, as big pharmas são empresas verticalmente integradas, envolvidas em todas as fases necessárias para o lançamento de medicamentos, como pesquisa e desenvolvimento (P&D), regulatório, manufatura, marketing e vendas. Além disso, atuam nos maiores mercados globais e nas diversas classes terapêuticas [Rosen (2005)]. A história de crescimento dessas empresas confunde-se com a da própria indústria farmacêutica. Até a primeira metade do século XX, a farmacêutica era uma divisão da indústria química, liderada por empresas alemãs e suíças da chamada Segunda Revolução Industrial. A indústria farmacêutica americana, à época, era fragmentada, com empresas de pequeno porte focadas na comercialização [McKelvey e Orsenigo (2001)]. A entrada das empresas norte-americanas no cenário global ocorreu com a revolução da penicilina, descoberta na Inglaterra em 1928 e cujos intermediários de síntese (sulfonamidas) foram obtidos pela primeira vez em 1935 nos laboratórios da alemã Bayer. Destacam-se, nesse sentido, o papel da demanda do Estado norte-americano, em esforço de guerra, e do acesso às competências das empresas europeias por meio de joint ventures, aquisições e relacionamentos informais prévios [Athreye e Godley (2009)]. O sucesso comercial dos antibióticos alterou significativamente o interesse da indústria por atividades de P&D, estreitando seus laços com a medicina e a farmacologia. Assim, na segunda metade do século XX, a indústria experimentou seu auge, com taxas de crescimento da demanda em dois dígitos nos países desenvolvidos e um amplo universo de alvos terapêuticos e necessidades de saúde não atendidas [McKelvey e Orsenigo (2001)]. Nesse contexto, as empresas mais bem-sucedidas foram justamente aquelas que abandonaram o foco exclusivo em seus países de origem e buscaram ampliar sua inserção internacional. As vantagens competitivas passaram a residir em medicamentos patenteados oriundos de laboratórios internos de P&D, produtos que poderiam atender a enormes populações (one size fits all), e que atingiam vendas globais superiores a US$ 1 bilhão, os chamados blockbusters. Em um cenário de apropriabilidade forte, principalmente nos países desenvolvidos, em que os resultados da P&D eram protegidos por redes de patentes de produto e processo, a expansão internacional pôde realizar- -se principalmente por meio de acordos comerciais e licenciamentos mútuos [Radaelli (2006)]. 15 Complexo Industrial da Saúde

17 16 Em paralelo, atividades de manufatura, tanto de princípios ativos quanto de formulação, foram também internacionalizadas. Embora relevantes em determinados produtos, as atividades industriais não eram, de forma geral, consideradas estratégicas pelas empresas, que geralmente focam seus recursos nas atividades de P&D e na comercialização [Lindman, Timsio e Ozbek (2008)]. Inserção internacional das empresas farmacêuticas: motivações, experiências e propostas para o BNDES Apesar dos movimentos de terceirização e realocação da manufatura em direção aos países asiáticos, principalmente a partir da década de 1990, a distribuição geográfica das plantas industriais das farmacêuticas líderes ainda reflete o legado de sua história. Conforme Gráfico 2, 66% das instalações produtivas dessas empresas 2 ainda se localizam nos principais mercados globais, enquanto apenas 13% das unidades de P&D das maiores farmacêuticas localizam-se fora dos países da tríade EUA, Europa e Japão [Lindman, Timsio e Ozbek (2008)]. Gráfico 2 Número de unidades industriais das cinquenta maiores empresas farmacêuticas globais, 2007 Outros % EUA % Japão 78 9% Europa % Fonte: Lindman, Timso e Ozbek (2008). Na mesma direção, ao longo das décadas de 1990 e de 2000, também atividades de P&D têm sido terceirizadas e internacionalizadas. Ainda que tenham sido em parte revertidos após a crise de 2008, tais movimentos 2 Os autores levantaram informações das cinquenta maiores empresas em termos de receita no ano de 2005.

18 permitiram alguma disseminação do conhecimento do P&D farmacêutico, antes restrito aos países desenvolvidos [Gomes et al. (2012); Pieroni et al. (2009)]. Como atividade central para a competitividade das empresas, a internacionalização da P&D envolve a preservação das competências necessárias à condução do processo, na medida em que a empresa comporta-se como nó central de uma rede de relacionamentos direcionada à absorção de conhecimentos externos. Nesse processo, a geografia das unidades de P&D segue um claro padrão de centralização de atividades nos principais centros de excelência globais, com destaque para a Califórnia (Estados Unidos) e ambas as regiões de Cambridge (Estados Unidos e Reino Unido) [Lindman, Timsio e Ozbek (2008)]. Ainda que apresente grandes empresas com atuação global, o mercado de medicamentos é altamente fragmentado, tanto por países quanto por classes de produtos. As autoridades nacionais detêm a prerrogativa de conceder autorização para o comércio de medicamentos (registro) e a maioria pratica alguma forma de controle de preços. Mesmo o sistema de propriedade intelectual, peça importante dos movimentos de redução das fronteiras na década de 1990, ainda é de competência nacional. Assim, a indústria é mais bem descrita como internacionalizada, ou seja, que atua e se adapta à realidade particular de cada país em que atua [Radaelli (2006)]. 17 Complexo Industrial da Saúde Farmacêuticas de países emergentes e o caso indiano O estudo da internacionalização das empresas farmacêuticas baseia-se tradicionalmente na observação das empresas dos países da tríade, em razão de sua relevância no cenário mundial. Apenas na última década, as chamadas empresas de economias emergentes ou seguidoras de países com industrialização recente começaram a despertar a atenção do mundo, em função de sua crescente importância no mercado. Essas empresas, em geral, não tiveram como motivação primária para a internacionalização o aproveitamento de vantagens competitivas já existentes, mas sim a possibilidade de construção de vantagens competitivas. A internacionalização seria uma forma de pular etapas (leapfroging) e superar suas desvantagens de seguidoras [Bruche (2011)].

19 18 Nesse caso, abordagens mais agressivas, baseadas em aquisições, por exemplo, permitiriam às empresas criar pontos de inflexão em suas trajetórias cumulativas de aprendizado. A aquisição de uma empresa que atue como garantidora de padrões de qualidade e segurança no país de destino pode ajudar a entrante a superar de forma mais efetiva problemas de legitimidade e credibilidade, em particular em uma indústria intensiva em tecnologia e altamente regulada como a farmacêutica [Yeoh (2011)]. Inserção internacional das empresas farmacêuticas: motivações, experiências e propostas para o BNDES Apesar de existirem estudos sobre internacionalização relacionados a vários setores e países emergentes, a indústria farmacêutica indiana tem sido amplamente discutida por muitos autores em função do desempenho positivo observado de suas principais empresas e de seu extenso histórico de atuação [Bruche (2011)]. Ao longo de sua trajetória, a indústria farmacêutica indiana ampliou suas capacitações em desenvolvimento de medicamentos e tecnologias de produção, estando, atualmente, à frente de outros países emergentes em relação à capacidade de P&D e ao conjunto de medicamentos sintéticos de maior complexidade. Nesse contexto, mão de obra industrial qualificada, capacidade imitativa e uma forte base em química foram essenciais para que atingisse seu estágio atual [Kale (2007)]. Algumas empresas criaram, ainda, competências organizacionais singulares que permitiram que se movessem ao longo da cadeia de valor, além da competitividade em custos tradicionalmente o ponto forte das empresas de economias emergentes e criassem posições sustentáveis em mercados globais [Ramachandran, Mukherji e Mukesh (2006)]. Historicamente, as empresas farmacêuticas indianas beneficiaram-se da exploração do ambiente institucional de seu país. Em particular, a Lei de Patentes vigente de 1970 até meados da década de 1990 reconhecia patente de processo, mas não de produto, viabilizando a era da engenharia reversa, em que as empresas indianas produziam moléculas protegidas em outros países por meio de processos não infringentes. 3 Por esse motivo, as empresas indianas cresceram com alto grau de verticalização, já que precisa- 3 Enquanto em 1970 o mercado indiano era claramente dominado por EMNs, após duas décadas da promulgação da Lei de Patentes, o mercado indiano passou a ser dominado por empresas locais, cuja participação saiu de 10% em 1970 para 70% em Em 1996, apenas quatro das dez maiores da Índia eram multinacionais estrangeiras [Athreye e Godley (2009)].

20 vam produzir os princípios ativos dos medicamentos que comercializavam [Radaelli e Paranhos (2013)]. O fraco mercado interno impulsionou os primeiros esforços de inserção internacional, ainda no fim da década de 1970, em direção aos mercados asiáticos e outros países em estágio similar de desenvolvimento. Os mercados desenvolvidos, entretanto, ainda eram inalcançáveis, tendo em vista as elevadas barreiras à entrada, em função das patentes de produto e da exigência de ensaios clínicos para produtos não inéditos. Tal situação alterou-se significativamente com a regulamentação dos medicamentos genéricos nos Estados Unidos, maior mercado farmacêutico do mundo. 4 Mesmo simplificadas, as capacitações necessárias para transitar em um ambiente regulatório novo foram desenvolvidas frequentemente por meio de parcerias e joint ventures. Além disso, em um ambiente desconhecido, gerado após a promulgação da lei, não havia exemplos a serem seguidos ou modelos de negócios já consagrados, exigindo das empresas inúmeras tentativas e experimentação, com comprometimento de recursos, o que tornava o ambiente ainda mais incerto [Ramachandran, Mukherji e Mukesh (2006)]. Durante a década de 1990, algumas transformações no ambiente comercial indiano mudaram a perspectiva da indústria, já fortalecida, que passou a ter maior concorrência no mercado local, especialmente com a entrada da Índia na Organização Mundial do Comércio (OMC) [Athreye e Godley (2009)]. Nesse período, a internacionalização na forma de investimentos no exterior foi um importante aspecto na estratégia de pular etapas da indústria farmacêutica indiana. Os investimentos no exterior aumentaram drasticamente a partir de 1990 e foram redirecionados para os países desenvolvidos do ocidente. Já estabelecidas no cenário farmacêutico global, nos anos 2000, as farmacêuticas tornaram-se as mais agressivas investidoras em países estrangeiros entre todos os setores industriais indianos. Se joint ventures e parcerias eram as formas de entrada mais adotadas, as aquisições tornaram-se mais importantes a partir de então. Possuindo, em geral, um vasto portfólio de produtos e produção de baixo custo, as empresas indianas buscavam, com 19 Complexo Industrial da Saúde 4 Lei Hatch-Waxman, de Antes dos Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido já possuíam leis de medicamentos genéricos. Entretanto, a entrada nesses mercados por empresas indianas era limitada pela fragmentação e baixa escala da demanda [GaBI (2014a); Kale (2007)].

21 20 a aquisição de empresas europeias e americanas, maior poder de distribuição, capacitações regulatórias e tecnológicas, além de ativos que pudessem aumentar suas capacitações para terceirização Contract Research Organization (CRO) e Contract Manufacture Organization (CMO). Com esse esforço, as empresas indianas conseguiram aproveitar o movimento de terceirização e internacionalização tanto de atividades produtivas quanto de serviços tecnológicos já com algum grau de especialização [Kumar e Sing (2008)]. Inserção internacional das empresas farmacêuticas: motivações, experiências e propostas para o BNDES A partir do início de 2014, no entanto, em função da intensificação da vigilância e dos padrões regulatórios nos Estados Unidos, algumas empresas indianas produtoras de farmoquímicos passaram a ter a qualidade e adequação de processos questionadas pelos órgãos fiscalizadores americanos, trazendo preocupações reais quanto à volta do estigma do país de origem, que parecia já superado [GaBI (2014b)]. Ao longo da trajetória da indústria farmacêutica indiana, observa-se que as empresas que iniciaram sua inserção internacional ainda nas décadas de 1970 e 1980, como a Ranbaxy, obtiveram resultados mais positivos no longo prazo. Essas empresas conseguiram se preparar melhor para o fortalecimento da concorrência gerado pela liberalização comercial, além de terem adquirido mais experiência com erros e acertos no mercado norte-americano de genéricos. No entanto, empresas cuja entrada ocorreu no fim da década de 1980 e início de 1990, caso da Dr. Reddy s, tiveram que adotar estratégias mais agressivas e arriscadas de inserção internacional, uma vez que encontraram um cenário competitivo mais estável e com boa parte dos espaços já ocupados [Yeoh (2011)]. O momento e a forma de entrada das empresas em mercados internacionais podem em parte ser explicados por seu perfil de liderança. Empresas de economias emergentes, em geral de origem familiar, tendem a ter processos de decisão mais fortemente centralizados e influenciados pelo comportamento e pelos valores do líder. Essa característica é ainda mais intensificada no caso de estratégias de longo prazo, que requerem grande comprometimento de tempo e recursos, como é o caso dos processos de inserção internacional [Ramachandran, Mukherji e Mukesh (2006)].

22 Trajetória e posicionamento atual da indústria farmacêutica brasileira Histórico Ao longo das décadas de 1970 e 1980, a indústria farmacêutica brasileira permaneceu fragmentada e baseada na imitação de produtos patenteados em outros países, com grande foco nas atividades de comercialização no mercado interno. Nesse período, o Brasil não reconhecia patentes farmacêuticas. 5 Na década de 1990, houve grande desmobilização produtiva, principalmente em função da baixa competitividade da indústria brasileira em um cenário de abrupta abertura comercial [Abifina (2003)]. Além disso, ao aderir ao Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights (acordo TRIPs), firmado em 1994, o Brasil optou por não utilizar o período de transição de dez anos, promulgando uma nova Lei de Patentes 6 já em 1996 [Pimentel et al. (2012)]. Conforme abordado na seção anterior, a indústria farmacêutica indiana foi capaz de crescer e até se internacionalizar nas décadas de 1980 e 1990, mesmo tendo passado por mudanças semelhantes no cenário internacional, como o acordo TRIPs e a abertura comercial. Em parte, isso pode ser atribuído às diferenças sutis de aplicação das flexibilidades disponíveis, como as patentes de processo e o período de transição [Radaelli e Paranhos (2013)]. Após um período de retração nos anos 1990, a década de 2000 marca a retomada da indústria farmacêutica brasileira, em função de dois fatores principais. Primeiro, uma explosão da demanda por medicamentos e outros produtos de saúde, resultado do aumento do poder aquisitivo e da melhoria da distribuição de renda, combinados com os processos de transição epidemiológica e demográfica. Assim, o mercado farmacêutico cresceu a taxas de dois dígitos na última década, aproximando-se da cifra de R$ 56 bilhões em 2013 [IMS Health (2014); Pimentel et al. (2012)]. Segundo, os medicamentos genéricos, estabelecidos 7 em 1999, representaram uma nova janela de oportunidade para a indústria brasi- 21 Complexo Industrial da Saúde 5 Lei 5.772, de Lei 9.279, de Lei 9.787, de 1999.

23 22 leira, principalmente após a ampliação das barreiras à entrada com a introdução de patentes. Os genéricos passaram a liderar o crescimento do mercado farmacêutico brasileiro, com taxas de crescimento anuais superiores a 25% em quantidade no período Esses produtos tornaram-se também reguladores de preço, viabilizando o acesso de milhões de pessoas que vinham sendo incluídas no mercado de consumo [Gomes et al. (2014)]. Inserção internacional das empresas farmacêuticas: motivações, experiências e propostas para o BNDES O crescimento acelerado da demanda doméstica e a redução das barreiras à entrada proporcionada pela instituição dos genéricos foram aproveitados principalmente pelas farmacêuticas de capital nacional. Conforme o Gráfico 3, a participação das empresas de capital nacional no mercado brasileiro superou a marca dos 50% em 2013, e as principais empresas ultrapassaram R$ 1 bilhão de receitas anuais. Além disso, elas vêm gradativamente adquirindo competências e ampliando seus esforços de inovação: o investimento em atividades inovativas já representa 4,8% da receita da indústria, dos quais aproximadamente 2,4% dedicados às atividades internas de P&D, enquanto os mesmos índices para a indústria de transformação permanecem estagnados em 2,5% e 0,7%, respectivamente [IBGE (2013)]. Gráfico 3 Participação dos laboratórios de capital nacional no mercado brasileiro (em R$ bilhões) % Empresas de controle nacional Empresas de controle estrangeiro Fonte: Elaborado por Sindusfarma, com dados do IMS Health.

24 Em paralelo aos movimentos de demanda, construiu-se no país uma nova estrutura regulatória e de políticas públicas para a indústria farmacêutica. O movimento, iniciado com a criação da Anvisa em 1999, ganhou força ao longo dos anos 2000, com destaque para instituição das Boas Práticas de Fabricação (BPF), prerrogativa para a produção e comercialização de medicamentos. Apesar do crescimento da participação das empresas de capital nacional no mercado brasileiro, a base industrial brasileira não tem sido capaz de atender plenamente à demanda doméstica por medicamentos, o que se expressa em saldos negativos crescentes na balança comercial, que atingiram US$ 8 bilhões em O crescimento do déficit não é um fenômeno específico da indústria farmacêutica, sendo relevante também no total da indústria de transformação. Entretanto, enquanto setor intensivo em tecnologia e conhecimento, apresenta um resultado ainda mais negativo que a média. Conforme se observa no Gráfico 4, a participação das importações no mercado farmacêutico brasileiro 8 cresceu sistematicamente acima do índice da indústria de transformação, em particular após 2009, superando a marca de US$ 10 bilhões em Complexo Industrial da Saúde Gráfico 4 Participação (%) de produtos importados no mercado doméstico, , , , , * 2013* Farmoquímicos e farmacêuticos Indústria de transformação Fonte: Elaboração própria, com base em CNI (2014). * Estimativas. 8 Foi utilizado o Índice de Penetração das Importações, conforme denomina CNI (2014).

25 24 O forte crescimento da demanda doméstica reflete-se em uma disposição para exportar inferior à da indústria de transformação brasileira. Entretanto, nota-se, na última década, um sistemático crescimento da participação das exportações na receita das farmacêuticas brasileiras, enquanto o mercado internacional perdeu espaço como destino da indústria de transformação (Gráfico 5). Assim, a farmacêutica aparece como o setor da indústria cujo percentual de exportações na receita mais cresceu nos últimos dez anos (73%), atingindo US$ 2,3 bilhões em exportação em Tal crescimento pode ser atribuído à maior presença das empresas brasileiras em mercados latino-americanos e à exportação de insulina para a Dinamarca, provavelmente em função do uso do Brasil como plataforma de exportação pela multinacional Novo Nordisk. Inserção internacional das empresas farmacêuticas: motivações, experiências e propostas para o BNDES Gráfico 5 Participação (%) das exportações na receita das empresas brasileiras, , , ,0 10 5, * 2013* Indústria de transformação Farmoquímicos e farmacêuticos Fonte: Elaboração própria, com base em CNI (2014). * Estimativas. Por fim, o forte crescimento da demanda levou também a uma mudança na composição da balança comercial. Na década de 1990, os insumos farmacêuticos respondiam por aproximadamente 70% do déficit, enquanto em 2013 são os produtos acabados que respondem por participação semelhante. Dentre os principais medicamentos acabados importados, destacam-se aqueles obtidos por rota biotecnológica oito dos dez principais produtos

26 farmacêuticos com maior valor de importação. Nesse caso, as competências para o desenvolvimento e a produção são diferentes daquelas construídas pelas empresas brasileiras ao longo da última década, configurando-se especialmente em um déficit de conhecimento [Reis, Landim e Pieroni (2011)]. Posicionamento atual A despeito do sucesso da indústria farmacêutica brasileira na última década, em particular das empresas de capital nacional, a continuidade das estratégias adotadas até o momento pode não ser suficiente para sua sustentação. Um novo cenário de concorrência na indústria delineia-se, composto por pressões nos mecanismos de formação de preços e na dinâmica de reposição de portfólio. Tais pressões devem atingir mais diretamente as margens e a rentabilidade da indústria, já que as perspectivas de mercado continuam positivas. Projeta-se que o mercado farmacêutico brasileiro seguirá crescendo a dois dígitos, com possibilidade de ultrapassar Alemanha e França e se tornar o quarto maior mercado global já em 2018, atrás de Estados Unidos, Japão e China [IMS Health (2013)]. No que diz respeito à formação de preços, observa-se crescente concorrência entre as próprias empresas atuando no Brasil, cada vez maiores e mais consolidadas, e fortalecimento dos compradores, tanto das grandes redes de farmácia quanto dos pagadores institucionais público e privados. Já as pressões de portfólio referem-se à redução do horizonte de medicamentos de síntese química com patentes a expirar e à possível equiparação dos medicamentos similares aos genéricos [Gomes et al. (2014)]. Nesse contexto, novos modelos de negócio, estratégias e competências tecnológicas são necessários. Uma primeira opção estratégica, apontada em Reis, Landim e Pieroni (2011), é a produção local de medicamentos biossimilares. Tendo em vista a baixa capacitação do país para o ingresso nessa nova trajetória, o catch-up poderia envolver transferência de tecnologia e o estabelecimento de parcerias de codesenvolvimento com empresas estrangeiras de base tecnológica. Além disso, tem sido implementada uma agenda de políticas públicas com o objetivo de induzir esse movimento, envolvendo financiamento, regulação e compras governamentais. 25 Complexo Industrial da Saúde

27 26 Outra estratégia seria a ampliação dos investimentos em P&D interna, fortalecendo as competências já detidas pelas empresas, em busca de produtos que envolvam inovação incremental com reais ganhos terapêuticos para os pacientes. Nessa direção, combinações de princípios ativos, redução do número de doses e troca de via de administração estão entre as possibilidades de inovação na qual as empresas brasileiras já detêm competências [Gomes et al. (2014)]. Inserção internacional das empresas farmacêuticas: motivações, experiências e propostas para o BNDES Em ambos os casos, a ampliação do escopo de mercado das farmacêuticas brasileiras poderia funcionar como um catalisador. Portfólios mais amplos e completos, que incluam produtos de maior valor agregado, mesmo biossimilares e medicamentos com inovações incrementais, demandam maior investimento de capital, o que poderia ser diluído pela atuação em mercado ampliado. Ao mesmo tempo, na medida em que se deseja o desenvolvimento de produtos inovadores, o mercado nacional pode não ser suficiente para compensar os custos de P&D envolvidos. Dessa forma, a trajetória e o posicionamento atual da indústria farmacêutica brasileira devem empurrar as empresas para uma maior inserção internacional. Na próxima seção, serão analisados alguns dos principais movimentos das empresas farmacêuticas brasileiras para isso, à luz das teorias da internacionalização e da experiência indiana. Principais iniciativas de inserção internacional em curso Conforme abordado na seção teórica deste trabalho, há duas motivações fundamentais para que as empresas busquem a inserção internacional: explo rar suas vantagens competitivas e buscar competências e recursos não disponíveis no país de origem. As farmacêuticas brasileiras que já buscam inserção internacional iniciaram o processo pelas exportações, principalmente direcionadas aos mercados latino-americanos, que representaram o destino de mais da metade das exportações do setor entre 2009 e 2013 (Gráfico 6). Em comparação a seus pares latinos, as empresas brasileiras apresentam vantagens competitivas relacionadas à escala e à qualidade sanitária. As economias de escala decorrem do tamanho do mercado brasileiro, que responde por aproximadamente 45% do mercado da região e cresce a taxas médias ligeiramente superiores [Abiquifi (s.d.); IMS Health (2014)].

28 Uma segunda vantagem competitiva advém do elevado padrão regulatório exigido pela Anvisa, tanto no que diz respeito às informações necessárias para registro quanto na qualidade e segurança exigida das operações industriais no país. A norma que estabelece as BPF 9 aproxima-se do guia da União Europeia, 10 o que propicia maior segurança e previsibilidade, principalmente em relação aos concorrentes asiáticos. Além disso, a Anvisa possui participação nos diversos fóruns internacionais e é reconhecida como referência, principalmente na América Latina. 11 Por esses motivos, alguns países da região aceitam o dossiê brasileiro sem muitas alterações, ou mesmo integralmente. Ainda, as operações industriais brasileiras atendem aos padrões internacionais exigidos para exportação para a América Latina sem grande necessidade de investimentos. 27 Complexo Industrial da Saúde Gráfico 6 Exportações brasileiras de medicamentos, por região de destino, Resto do mundo 7% Emergentes** 6% América Latina 52% Desenvolvidos* 35% Fonte: Elaboração própria, com base em AliceWeb/MDIC. Foram considerados os valores do capítulo 30 da NCM brasileira. * Alemanha, Canadá, Coreia do Sul, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, França, Itália, Japão, Reino Unido. ** China, Rússia, Índia, Turquia, Polônia, Arábia Saudita, Indonésia, Tailândia, Ucrânia, África do Sul, Egito, Romênia, Argélia, Vietnã, Paquistão e Nigéria. 9 Resolução da Diretoria Colegiada 29, de Ver ICH (2000). 11 Atualmente, a Anvisa possui mais de trinta atos internacionais com agências sanitárias de outros países.

29 28 O tamanho do mercado e a regulação também fazem do Brasil uma das portas de entrada para as empresas estrangeiras que desejam ampliar sua participação no mercado latino-americano. Em 2013, seis das dez maiores empresas exportadoras que participam do projeto setorial da Apex-Abiquifi são subsidiárias de multinacionais. Dentre as empresas de controle nacional, destaca-se a Blanver, que obtém da exportação de insumos farmacêuticos parte significativa de sua receita. Inserção internacional das empresas farmacêuticas: motivações, experiências e propostas para o BNDES Além das exportações, a América Latina também aparece como destino preferencial dos investimentos externos diretos da indústria farmacêutica brasileira, sendo o local de sete das oito subsidiárias de empresas farmacêuticas mapeadas por Dias (2012). Apesar de com estratégias e ritmos diferentes, algumas das principais empresas de capital nacional vêm se internacionalizando na região. Dentre elas, destacam-se o Cristália, com uma aquisição na Argentina, o Laboratório Blau, que adquiriu uma empresa colombiana, e a Eurofarma, que realizou seis aquisições. As aquisições tiveram como motivações tanto a ampliação dos mercados (força de vendas, registros) quanto o melhor aproveitamento da capacidade instalada no Brasil [Abiquifi (2014); Scaramuzzo (2011; 2013a)]. A inserção internacional da indústria brasileira parece alinhar-se aos modelos mais tradicionais, no que diz respeito tanto ao processo quanto às motivações. A atuação na América Latina inicialmente pela via das exportações coaduna-se com o fluxo de estabelecimento, baseando-se nas vantagens competitivas detidas pelas empresas brasileiras nesses mercados, além da proximidade cultural e geográfica. Posteriormente, as empresas passaram a realizar aquisições pontuais, com o objetivo de aprender gradativamente as características dos países de destino. Além disso, a motivação principal tem sido a utilização das vantagens competitivas existentes, com destaque para economias de escala, reconhecimento da qualidade dos produtos brasileiros e disponibilidade de recursos financeiros (capital próprio). No entanto, as empresas brasileiras ainda não se tornaram players regionais relevantes na América Latina, como a argentina Roemmers, presente em dez países. Esses movimentos aproximam-se da expansão das empresas indianas nas décadas de 1980 e 1990, aproveitando-se das vantagens de proximidade e do maior grau de desenvolvimento econômico do país de origem.

30 Entretanto, ressaltam-se duas diferenças entre os casos indiano e brasileiro. Em primeiro lugar, a farmacêutica brasileira tem se expandido com foco em produtos acabados, com baixo grau de verticalização da produção. Outra é o esforço brasileiro, desde o momento inicial, de construção de uma imagem de qualidade sanitária, capitaneada pela Anvisa e reforçada pelas empresas e associações de classe do setor. Também nos moldes indianos, mais recentemente algumas empresas brasileiras têm voltado seus esforços de inserção internacional para a busca de competências e ativos inexistentes no Brasil. Contudo, essa inserção relaciona-se menos às atividades produtivas e mais à busca por parcerias de P&D que possam aportar conhecimento no sistema de inovação brasileiro, em particular no caso da biotecnologia moderna. Assim, algumas empresas de base tecnológica, como Recepta e PharmaPraxis, entre outras, têm firmado parcerias de codesenvolvimento no exterior e acelerado o desenvolvimento de competências de inovação no país [Goes (2013)]. Em um contexto de redução de fontes de financiamento de empresas inovadoras nos Estados Unidos e Europa, após a crise de 2008, o porte de algumas farmacêuticas brasileiras já lhes permite acessar conhecimentos de sistemas de inovação de países desenvolvidos, por meio de parcerias, joint ventures ou aquisições. Um exemplo é a Brace, subsidiária da brasileira EMS nos Estados Unidos, cujo objetivo é inserir-se no sistema de inovação norte-americano. Nesse caso, há uma conjugação do aproveitamento de vantagens competitivas a disponibilidade de recursos financeiros em meio a um cenário de escassez internacional com a busca por ativos tecnológicos não disponíveis no Brasil [Scaramuzzo (2013b)]. Do ponto de vista da construção e do fortalecimento da indústria, ambas as motivações devem ser vistas como complementares. Ao atuar em mais mercados, o retorno potencial dos investimentos em P&D aumenta, já que a empresa terá maior poder de barganha caso o produto de fato chegue a mercado. Assim, a exploração das vantagens competitivas existentes contribui para a ampliação do porte e da capacidade financeira da empresa, o que é fundamental para sustentar os longos prazos de maturação dos investimentos mais arriscados. Por outro lado, a concorrência na indústria farmacêutica é pautada pelo constante deslocamento da fronteira da ciência, cujos desenvolvimentos 29 Complexo Industrial da Saúde

31 30 estão dispersos globalmente. Assim, as empresas que se restringem às competências tecnológicas disponíveis internamente podem ter dificuldades para criar e sustentar vantagens competitivas dinâmicas. Inserção internacional das empresas farmacêuticas: motivações, experiências e propostas para o BNDES Políticas públicas de apoio à inserção internacional Experiência internacional A participação do Estado no apoio à inserção internacional é amplamente disseminada, tanto no mundo desenvolvido quanto nos países emergentes. O Quadro 2 revela que os principais países desenvolvidos e em desenvolvimento possuem instrumentos de apoio público ao processo de internacionalização de suas empresas. Em um cenário de concorrência global cada vez mais acirrada, empresas oriundas de países que não dispõem de tais instrumentos acabam em desvantagem competitiva. Quadro 2 Instrumentos de apoio à internacionalização de empresas em países desenvolvidos e em desenvolvimento selecionados Informação e assistência técnica Financiamento Seguros e garantias Países desenvolvidos Alemanha X X X Coreia do sul X X X Dinamarca X X Estados Unidos X X X França X X Itália X X X Japão X X X Noruega X X X Reino Unido X X Suíça X X X Países em desenvolvimento Brasil X X China X X X Índia X X X Fontes: Além (2005) e CNI (2013).

32 Em relação à experiência recente de apoio público à inserção internacional de empresas, merece destaque o desempenho dos países asiáticos, em particular Japão, Coreia do Sul, Índia e China. O caso japonês, nas décadas de 1960 e 1970, é considerado paradigmático por conjugar o apoio à internacionalização com as políticas industrial e tecnológica. O monitoramento em relação ao cumprimento das metas pelo governo japonês contribuiu para que as empresas se capacitassem, tornando-as seguidoras competentes e, ao mesmo tempo, internalizando competências tecnológicas [Além (2005)]. Podem-se dividir as ações do Estado em quatro modalidades. Na primeira, os centros de informação oferecem serviços de inteligência comercial, contábeis e jurídicos e assistência técnica para a adaptação dos serviços e mercadorias às exigências do consumidor externo. Já as ações destinadas a proteger os investimentos das empresas nacionais (exportadoras de capital) no exterior incluem, por exemplo, acordos bilaterais de promoção e proteção recíproca de investimentos (APPIs) e acordos sobre propriedade intelectual, como o TRIPs. Por sua vez, os seguros e as garantias cobrem os riscos políticos e comerciais, destinando-se a empresas exportadoras, investidores e bancos financiadores. Por fim, o financiamento público visa compensar eventuais restrições de capital das empresas, o que é particularmente sensível na inserção internacional de empresas oriundas de países emergentes. O financiamento pode ser tanto às exportações quanto ao IED. O financiamento estatal à exportação constitui atividade consagrada e, em geral, pouco controversa, já que amplia a geração de divisas e de empregos para o país financiador. Já os resultados para o país emissor do IED quanto à geração de externalidades positivas, como criação de emprego, geração de divisas e aumento da produtividade, são bastante discutidos na literatura: por um lado, ao tornar as empresas mais competitivas, a internacionalização por si já teria efeitos benéficos ao país emissor do IED; por outro, o apoio ao investimento em países estrangeiros competiria com os recursos disponíveis para investimento na economia doméstica [Além e Madeira (2010); Catermol (2010)]. Em relação à geração de emprego, os impactos são indefinidos. Do lado negativo, haveria criação de postos de trabalho no exterior em detrimento do emprego gerado no país de origem. Do lado positivo, o crescimento da empresa, aliado às necessidades de gestão das atividades no exterior, pode 31 Complexo Industrial da Saúde

33 32 levar a um aumento do número de empregos e da qualificação profissional dos funcionários, conforme indicam estudos empíricos [CNI (2013); Dias, Caputo e Marques (2012)]. Inserção internacional das empresas farmacêuticas: motivações, experiências e propostas para o BNDES Também do ponto de vista da balança comercial, os resultados do IED são dúbios. Por um lado, ele pode levar à substituição de exportações pela produção no local de destino. Por outro, estimula as exportações de insumos (equipamentos e materiais). Assim, as consequências do apoio público à internacionalização para o país de origem não podem ser generalizadas. A unidade de análise relevante, nesse caso, é cada projeto individualmente, tanto na proposta quanto no monitoramento de sua implementação. Experiência e instituições brasileiras Apesar de relativamente pequeno em relação ao fluxo de IED mundial (0,5% em média), o estoque de investimentos brasileiros apresentou crescimento expressivo, em valores absolutos, passando de US$ 50 bilhões em 2001 para US$ 266 bilhões em 2012 [CNI (2013)]. Ao segmentar a análise pelas EMNs brasileiras, nota-se uma razoável diversidade setorial, embora a especialização produtiva se sobressaia: das 47 empresas brasileiras com maior inserção internacional, destacam-se os setores de serviços de engenharia e tecnologia de informação (sete empresas) e aqueles intensivos em recursos naturais (seis companhias). As empresas farmacêuticas não constam no estudo [Cretoiu (2013)]. As principais instituições oficiais brasileiras que apoiam empresas com projetos de inserção internacional são a Apex Brasil e o BNDES. A Apex-Brasil atua em duas frentes: promoção de exportações e atração de IED. O trabalho de promoção das exportações baseia-se em promoção comercial, informações sobre os mercados externos e capacitação de empresas. Desde 2009, a Abiquifi, em parceria com a Apex, coordena um projeto para ampliar a inserção internacional da cadeia farmacêutica. Entre as iniciativas, destacam-se o projeto comprador em que são realizadas rodadas de negócios entre empresas estrangeiras e brasileiras com o objetivo de atrair potenciais compradores de produtos nacionais e o projeto imagem sanitária, que envolve a recepção de delegações estrangeiras, de agências reguladoras, empresas farmacêuticas e instituições compradoras, para reuniões com a Anvisa, visitas às unidades fabris de empresas brasileiras e workshops setoriais.

34 Quanto ao BNDES, atualmente a instituição dispõe de dois principais instrumentos para apoiar a inserção internacional de empresas brasileiras, as linhas de financiamento às exportações e o financiamento à internacionalização. A linha de financiamento às exportações brasileiras (BNDES Exim), criada em 1990, possui duas modalidades. Na pós-embarque, o Banco financia a comercialização dos bens e serviços brasileiros no exterior, oferecendo prazo ao importador para o pagamento das exportações brasileiras, sendo a modalidade mais indicada para o apoio à exportação de bens de capital e serviços de engenharia, por exemplo. Já na modalidade pré-embarque, o BNDES financia o capital de giro de empresas exportadoras, sendo aplicável a um rol maior de setores industriais, inclusive o farmacêutico. Na linha de financiamento à internacionalização, criada em 2005, o BNDES pode apoiar investimentos de empresas brasileiras no exterior (IED), entre eles a compra de participação societária, a aquisição, implantação, ampliação ou modernização de plantas produtivas, canais de comercialização e centros de P&D. 12 Ressalta-se que a linha de internacionalização do BNDES atualmente utiliza custos de mercado como base para o financiamento. Foram realizadas vinte operações de apoio à internacionalização, das quais nove de financiamento reembolsável e 11 via participação acionária (BNDESPar). No setor farmacêutico, foi realizado financiamento reembolsável para a aquisição do laboratório argentino Quesada pela brasileira Eurofarma. 33 Complexo Industrial da Saúde Considerações finais e proposta de atuação setorial Neste trabalho, utilizou-se de três abordagens complementares para discutir a inserção internacional das empresas farmacêuticas brasileiras: as teorias da EMN, experiências de internacionalização da indústria farmacêutica e a trajetória particular do setor no Brasil. Como fenômeno relativamente recente, as teorias que versam sobre EMNs ainda são controversas. Duas variáveis aparecem com frequência no debate. Primeiro, a distância psíquica e suas variantes, que condicionam o escopo de atuação de uma empresa em seus primeiros movimentos no mercado internacional. Segundo, as competências dinâmicas, base 12 O BNDES é a principal fonte de financiamento de longo prazo às exportações e, a partir de 2005, quando passou a apoiar também o IED, tornou-se a principal instituição do Estado brasileiro engajada no apoio à inserção internacional de empresas brasileiras [CNI (2013)].

35 34 das vantagens competitivas, fundamentam as motivações principais para a inserção internacional de uma empresa: exploração de vantagens competitivas existentes e busca por ativos e conhecimentos não disponíveis no país de origem. Inserção internacional das empresas farmacêuticas: motivações, experiências e propostas para o BNDES Em função do constante deslocamento da fronteira tecnológica, a coexistência de tais motivações é uma característica marcante da indústria farmacêutica. As empresas e os países que tiveram êxito em ingressar na indústria foram aqueles que pularam etapas por meio do acesso a conhecimentos externos. Ao mesmo tempo, uma vez obtidos os ativos necessários, a atuação em mercado amplo potencializa significativamente o retorno do investimento. Essa dinâmica tem se repetido ao longo da história da indústria, tanto de países desenvolvidos, como Estados Unidos, quanto para países em desenvolvimento, como no caso indiano. A história da farmacêutica indiana revela, por outro lado, outra via para o ingresso nesse mercado, a imitação criativa. Contudo, apesar de ter crescido significativamente e se tornado a farmácia do mundo, essa trajetória ainda não proporcionou as competências necessárias para ingressar no universo de inovações radicais. Por esse motivo, após uma etapa inicial voltada para a ampliação do escopo de mercado de seus produtos, as empresas indianas têm redirecionado seus esforços de inserção internacional para a aquisição de competências de P&D nos países desenvolvidos. A indústria farmacêutica brasileira apresenta algumas similaridades e diferenças em relação ao caso da Índia. Em um cenário institucional diferente, e com alguns anos de atraso, a indústria brasileira ganhou força a partir dos genéricos. Entretanto, foi o dinamismo do mercado interno o principal impulsionador das empresas brasileiras, apoiadas pelas políticas públicas e por uma estrutura regulatória equilibrada. Por esse motivo, a inserção internacional do Brasil é ainda limitada, já que o mercado local tem sido mais do que suficiente para sustentar o crescimento das empresas brasileiras. Entretanto, em um cenário de concorrência mais acirrada, com provável redução da rentabilidade, e menos espaços competitivos para o lançamento de genéricos de síntese química, a inserção internacional deve ser uma das alternativas para a continuidade da expansão acelerada das empresas brasileiras e a internalização de competências tecnológicas. O Quadro 3 busca resumir os fatores impulsionadores e limitantes desse movimento.

36 Quadro 3 Fatores impulsionadores e limitantes da inserção internacional das empresas farmacêuticas brasileiras Fatores impulsionadores Redução de margens no mercado interno Adequação internacional do regulatório brasileiro Empresas com porte e elevada capacidade financeira Fonte: Elaboração própria. Fatores limitantes Continuidade do crescimento da demanda doméstica Baixa diferenciação de produto Pequeno histórico de inserção internacional Ao fim, discutiram-se as políticas públicas de apoio à inserção internacional, com ênfase em dois aspectos. Primeiro, o apoio do Estado à atuação de empresas no exterior, muitas vezes questionado, deve ser compreendido do ponto de vista geopolítico. Em alguma medida, os países sem políticas ativas com esse fim podem condenar suas empresas a uma situação de desvantagem na concorrência internacional. Na atuação que ultrapasse o papel de nivelador, as políticas públicas podem buscar induzir comportamentos que gerem externalidades positivas para o país. Nesse contexto, os bancos de desenvolvimento podem influenciar o comportamento de seus beneficiários demandando deles o cumprimento de um padrão de desempenho relacionado à gestão e à convergência com os objetivos das políticas públicas, além de contrapartidas específicas [Amsden (2001)]. No caso da indústria farmacêutica, observa-se nos últimos 15 anos uma convergência positiva entre as estratégias empresariais e os objetivos das políticas públicas. Destacam-se, por exemplo, a adesão das empresas à política de genéricos, fundamental para a ampliação do acesso da população a medicamentos, os investimentos para adequação das instalações produtivas às BPF determinadas pela Anvisa, a ampliação consistente do investimento empresarial em inovação e a diversificação produtiva em direção à biotecnologia moderna. Considerando a trajetória e o estágio atual da indústria farmacêutica brasileira, são desejáveis movimentos de internacionalização que visem à aquisição de competências e conhecimentos tecnológicos não disponíveis no país, que normalmente envolvem maior risco e prazo de maturação mais longo. Nesses casos, as externalidades positivas para o mercado e a sociedade são indiretas, necessitando de maior comprometimento das par- 35 Complexo Industrial da Saúde

37 36 tes envolvidas. Pela característica de flexibilidade, o uso dos instrumentos de participação acionária, por meio da BNDESPar, parece mais adequado para um eventual apoio do BNDES. Inserção internacional das empresas farmacêuticas: motivações, experiências e propostas para o BNDES Nesses casos, a negociação de contrapartidas específicas para o desenvolvimento da indústria farmacêutica brasileira seria desejável. A realização de atividades produtivas no país, por exemplo, deve ser priorizada caso os produtos advindos do exterior cheguem a mercado, não apenas para atender ao mercado interno como também para que o Brasil torne-se plataforma de exportação para os mercados globais. No que diz respeito a possíveis contrapartidas relacionadas a atividades de inovação, uma primeira possibilidade seria a ampliação dos investimentos em P&D acima da média da indústria farmacêutica brasileira. Os projetos poderiam contemplar ainda o desenvolvimento de fornecedores na cadeia de P&D e serviços tecnológicos no país, não apenas pela geração de demanda para os prestadores de serviços locais, mas também por meio de parcerias e investimento nessas empresas e da disponibilização de informações sobre melhores práticas internacionais que possam direcionar seus esforços. Etapas prioritárias da cadeia de P&D seriam o fortalecimento da infraes trutura para realização de ensaios pré-clínicos e clínicos de fase I, ainda incipientes no país, ou a participação ativa de instituições brasileiras em ensaios clínicos multicêntricos. Outras possibilidades incluem a participação em fundos de investimento para empresas de base tecnológica e o apoio à cooperação entre instituições científicas tecnológicas brasileiras e internacionais. Já o uso dos instrumentos tradicionais, por meio de linhas de crédito reembolsáveis, deve ser preferencialmente indicado para projetos de expansão comercial, em que a empresa alavanca as vantagens competitivas que já detém. Nesse caso, projetos que demonstrem a existência de externalidades positivas de curto prazo para a sociedade, como a ampliação de exportação e criação de novos mercados para produtos brasileiros, parecem mais adequados a esse instrumento. Assim, o apoio do BNDES à inserção internacional das empresas farmacêuticas pode distinguir entre seu papel nivelador de mercado e seu papel indutor de comportamentos, alinhando-se à teoria sobre as motivações dessa estratégia nas empresas. Projetos relacionados à expansão de mer-

38 cados, de empresas motivadas por alavancar vantagens competitivas existentes, podem ser financiados pelas linhas de crédito reembolsáveis, tanto de exportação pré-embarque quanto de internacionalização. Já a participação acionária, por meio da BNDESPar, poderia ser reservada a projetos de empresas farmacêuticas que visem à aquisição de competências tecnológicas que não estejam disponíveis no sistema de inovação brasileiro, com o requisito de que essas competências sejam internalizadas no país. Referências Abifina Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina. A indústria farmoquímica no Brasil. Rio de Janeiro: Abifina, jun Complexo Industrial da Saúde Abiquifi Associação Brasileira da Indústria Farmoquímica e de Insumos Farmacêuticos. Mercado Estatísticas. [s.d.]. Disponível em: < Acesso em: 4 jun Além, A. C.; Cavalcanti, C. E. O BNDES e o apoio à internacionalização das empresas brasileiras: algumas reflexões. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, n. 24, p , dez Além, A. C.; Madeira, R. Internacionalização e competitividade: a importância da criação de empresas multinacionais brasileiras. In: Além, A. C.; Giambiagi, F. (org.). O BNDES em um Brasil em transição, Rio de Janeiro, 2010, p Amsden, A. H. The rise of the rest : challenges to the west from lateindustrializing economies. Londres: Oxford University Press, Anvisa Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Atos internacionais entre a Anvisa e autoridades regulatórias estrangeiras. Disponível em: < Acesso em: 6 jun Athreye, S.; Godley, A. Internationalization and technological leapfrogging in the pharmaceutical industry. Industrial and Corporate Change, University of Oxford, v. 18, n. 2, p , fev Bruche, G. Emerging Indian Pharma multinationals: latecomer catchup strategies in a globalized high tech industry. European Journal of International Management, mai Disponível em: <

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44 Saneamento Ambiental BNDES Setorial 40, p Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019 Marcos H. F. Vital Martin Ingouville Marco Aurélio Cabral Pinto * Resumo O presente artigo analisa a política nacional para resíduos sólidos urbanos (RSU) residenciais nos municípios brasileiros, estimando-se o investimento necessário para a disposição final adequada (em aterros sanitários). Para tanto, foram realizadas estimativas para atingir uma das metas previstas no Plano Nacional de Resíduos Sólidos: a extinção de lixões até agosto de Conforme se pôde concluir, serão necessários recursos na ordem de R$ 2,5 bilhões para constituição de infraestrutura de aterros sanitários que atendam ao desafio de erradicar os vazadouros a céu aberto (lixões) e os aterros controlados no Brasil. * Respectivamente, economista e engenheiro do Departamento de Meio Ambiente da Área de Meio Ambiente do BNDES; e engenheiro do Departamento de Gestão Pública da Área de Infraestrutura Social do BNDES. Colaboraram com o trabalho: Ana Elisa F. Vital, Odette Lima Campos, Raphael Duarte Stein, Guilherme Martins, Marcos Ferran, José Guilherme Cardoso, Gabriel Rangel Visconti e Thaíse Nunes. 1 Na data de publicação do presente artigo, ainda não se havia cumprido a referida meta.

45 44 Introdução Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019 A disposição inadequada de RSU pode gerar tanto custos sociais quanto privados. No Brasil, alagamentos causados pela conjunção mudanças climáticas/disposição inadequada de resíduos afetam tanto consumidores quanto empresas quando de danos em infraestrutura capazes de comprometer o escoamento da produção ou o funcionamento do comércio. Desde 2010, o país enfrenta o desafio de implementação planejada de sistemas de coleta, seleção, tratamento e disposição adequada de RSU domiciliares, comerciais e industriais. O desafio tem sido enfrentado com o estabelecimento de marcos regulatórios e com compartilhamento de responsabilidade entre os entes federativos e a sociedade organizada. A Lei instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que imputa responsabilidades compartilhadas pela gestão integrada e pelo gerenciamento dos resíduos sólidos (incluindo os perigosos) aos geradores de resíduos, ao poder público (União, estados e municípios) e aos instrumentos econômicos aplicáveis. A referida lei foi regulamentada pelo Decreto 7.404/10, que estabelece normas e procedimentos para sua implementação, incluindo a obrigatoriedade de elaboração de planos municipais e estaduais de gerenciamento de RSU, assim como de Plano Nacional de Resíduos Sólidos. Para implementação dos termos previstos na lei, foi estabelecido comitê interministerial com atribuições de planejamento e gestão. Em 2011, elaborou-se, em versão preliminar, o Plano Nacional de Resíduos Sólidos. O plano aborda diagnóstico da situação recente da geração, coleta, tratamento e disposição de resíduos no país, metas quantitativas e as respectivas ações necessárias para atingi-las, assim como diferentes cenários institucionais. Dentre as metas da PNRS, destacam-se: i) extinção dos lixões a céu aberto até 2014; ii) redução em até 70% dos resíduos recicláveis ou reutilizáveis dispostos em aterros; iii) redução na geração de lixo de 1,1 kg/hab./dia para 0,6 kg/hab./ dia; e iv) inserção de 600 mil catadores. Pretende-se, no presente trabalho, estimar o montante de investimentos necessários para que o país construa, entre 2015 e 2019, parque nacional

46 de aterros sanitários capaz de receber a quantidade de RSU ainda disposta de modo inadequado no ano de Para cumprir esse objetivo, depois desta introdução, o artigo está estruturado em mais quatro seções. Na próxima seção, examina-se a PNRS. A terceira expõe e analisa diagnóstico da situação dos RSU no Brasil, com a finalidade de obtenção de parâmetros necessários para aplicação no modelo de estimativa de investimentos proposto. A lógica que permeia as estimativas bem como a análise dos resultados são apresentadas na quarta seção. As conclusões e propostas compõem a quinta seção. 45 Saneamento Ambiental A Política Nacional de Resíduos Sólidos A PNRS reúne conjunto de (i) princípios; (ii) objetivos; (iii) instrumentos; (iv) diretrizes; (v) metas; e (vi) ações com vistas à gestão integrada e ao gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos sólidos no Brasil. Princípios Prevenção e precaução Os princípios de prevenção e precaução induzem o poder público e a coletividade a agir de modo a evitar ou prevenir a ocorrência de ações dolosas para a sociedade. Em seu livro Direito Ambiental Brasileiro, Rehbinder define o princípio da precaução como: (...) o princípio da precaução reflete o conhecimento de que as atividades humanas tendo um impacto sobre o ambiente, muitas vezes têm consequências negativas que não podem ser completamente previsíveis ou verificáveis antes da ação. Em sua aplicação, o princípio da precaução requer que uma ação não deva ser executada se ela coloca um risco desconhecido de dano. Procedimentalmente, o princípio da precaução impõe, sobre aqueles que desejam empreender uma ação, o ônus da prova de que ela não prejudicará o ambiente [Rehbinder apud Wolfrum (2004, p. 28)]. Poluidor-pagador e protetor-recebedor Enquanto o princípio do poluidor-pagador pode ser encontrado em diferentes normativos brasileiros de cunho ambiental, o princípio do protetor-recebedor é relativamente novo. Conforme é possível inferir, tais princípios têm como objetivos imputar penalidades aos poluidores do meio

47 46 ambiente e incentivar os agentes econômicos que atuem de modo contrário premiando quem conserva e protege o ecossistema em que se insere. Para implementar tais princípios, a Lei de Crimes Ambientais foi alterada para incluir novas infrações e penalidades. No caso do protetor-recebedor, prevê-se, por exemplo, a possibilidade de descontos em impostos como o Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU). Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019 Desenvolvimento sustentável Outro princípio que norteia a PNRS é o de desenvolvimento sustentável. De acordo com UN (1987), o desenvolvimento econômico de uma dada nação pode ser dito sustentável (ao longo do tempo) se o uso de recursos no presente para atender às necessidades do presente não compromete a disponibilidade de recursos para que outras gerações satisfaçam suas necessidades no futuro. 2 O reaproveitamento dos RSU apresenta relação direta com o crescimento econômico e com o conceito de desenvolvimento sustentável, uma vez que o uso econômico dos RSU recicláveis reduz as pressões sobre matérias-primas específicas como papel e papelão (intensivos em terra e água) e petróleo e nafta (emissores de CO 2 ). Responsabilidade compartilhada Um dos pilares da PNRS é o da responsabilidade compartilhada entre consumidores, comerciantes e distribuidores, fabricantes, importadores e o poder público sobre a gestão do ciclo de vida dos produtos, ou seja, do retorno de parte dos produtos recicláveis para o sistema de produção e/ou da disposição adequada/tratamento de resíduos. O princípio está em linha com as melhores práticas internacionais, mas seu êxito depende de mudanças significativas na cultura de como entender, tratar e relacionar-se com os resíduos. Os sistemas de logística reversa 3 são a materialização do princípio da responsabilidade compartilhada, por meio do qual os agentes econômicos (fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes, consumidores e titulares de serviços públicos de limpeza e manejo) definem seus papéis 2 Humanity has the ability to make development sustainable to ensure that it meets the needs of the present without compromising the ability of future generations to meet their own needs [UN (1987)]. 3 Sistemas de logística reversa são bastante complexos, contemplando, de modo genérico: (i) sistemas de coleta seletiva ou postos de coleta; (ii) estações de transbordo e/ou triagem; (iii) reutilização/reciclagem; (iv) tratamento e disposição ambientalmente adequada dos resíduos.

48 em cada etapa do ciclo de vida do produto, desde a fabricação até a destinação adequada dos resíduos. Vale notar que, de acordo com a referida lei, os sistemas de logística reversa são obrigatórios para os seguintes setores: (i) agrotóxicos, seus resíduos e embalagens; (ii) pilhas e baterias; (iii) pneus; (iv) óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens; (v) lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista; (vi) produtos eletroeletrônicos. Enquanto alguns setores, por já possuírem legislação específica anterior à Lei /10, apresentam sistemas de logística reversa mais evoluídos (óleos lubrificantes usados e contaminados, embalagens de agrotóxicos e pneus inservíveis, por exemplo), outros setores ainda possuem acordos setoriais em fase de elaboração ou apreciação pela sociedade civil organizada (eletroeletrônicos, pilhas e baterias e lâmpadas mercuriais) através da submissão a audiências públicas ou mesmo a normativos federais específicos. 4 Dessa forma, os produtos citados na lei e mencionados no texto não constituem conjunto exaustivo, finito ou estático. Outrossim, o desenvolvimento tecnológico das nações (com viés em elevado ritmo de inovações de produto, notoriamente, em bens de consumo) 5 e a diversificação dos produtos fabricados imputam caráter dinâmico às questões associadas à fabricação, ao consumo e ao descarte de produtos. 47 Saneamento Ambiental Reutilização e reciclagem O reconhecimento do resíduo sólido reutilizável como bem econômico abre oportunidades industriais, comerciais e financeiras na exploração de todas as etapas, desde a produção até a reabsorção pela natureza, incluindo o duplo caráter (social e econômico) da participação dos catadores e de sua inclusão nos sistemas de logística reversa, qual seja: a geração de empregos formais e renda. O conjunto de todos os princípios que norteiam a Lei /10 encontram-se no Anexo II. Objetivos e diretrizes Constam da PNRS mais de 15 objetivos (e diretrizes), enunciados no Anexo III, dos quais se destacam os explicitados a seguir. 4 O Ministério do Meio Ambiente fará a avaliação das propostas de acordo setorial apresentadas. 5 Vale notar a dinâmica associada à indústria e ao mercado de produtos eletroeletrônicos.

49 48 Proteção à saúde pública Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019 A disposição inadequada de RSU no país tem gerado bolsões de miséria e favelas ao redor dos lixões (vazadouros a céu aberto), com subsequentes problemas de saúde pública, valendo citar: náuseas, irritação nas narinas, problemas pulmonares e até mesmo câncer por exposição ao metano oriundo da decomposição do lixo orgânico. Dada a variabilidade das concentrações de metais pesados e outras substâncias no chorume, 6 os efeitos são diferenciados, sendo consenso que idosos, crianças e gestantes são a população mais atingida. Muito do que se denomina, atualmente, de doenças negligenciadas 7 (doença de Chagas, doença do sono, leishmanioses, malária, febre amarela, tuberculose, entre outras) também pode ter sua origem no tratamento inadequado do lixo. Não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento e disposição adequados de resíduos sólidos urbanos A redução da geração de resíduos pode ser atingida de diferentes formas. Uma delas é reduzir o consumo de bens e serviços. Isso remonta questões sociológicas relacionadas ao consumo de massa e ao conceito explícito de crescimento da produção e da riqueza material como sinônimo de desenvolvimento das sociedades. Sob tal paradigma, uma vez que o consumo é importante driver da demanda agregada de curto e longo prazos, mantendo-se todo o restante constante, a filosofia da não geração pode ter efeitos recessivos. Estímulo à adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo Outra forma de se reduzir a geração de RSU é através da alteração dos sistemas de produção industriais, de modo a aumentar a eficiência do uso de materiais. Para que a produção continue a crescer sem que haja pressão sobre o uso de matérias-primas acima de seu nível intertemporal ótimo (nível de consumo presente que possibilita a produção e o consumo futuros), são necessárias inovações tecnológicas que permitam o mesmo nível 6 Líquido escuro, de odor desagradável e altamente poluente que escoa de massas de lixo orgânico ou de aterros sanitários, resultante da decomposição física, química e biológica de resíduos e da lixiviação por água das chuvas. 7 O termo doença negligenciada data da década de 1970 e se refere a doenças causadas por agentes infecciosos e parasitários.

50 de produção e consumo com menor utilização de insumos (aumento na eficiência do uso dos recursos). Adoção e aprimoramento de tecnologias limpas A PNRS cria espaço para o desenvolvimento de novas tecnologias 8 que possam reduzir os impactos ambientais (uso de matérias-primas e tratamento dos rejeitos) dos processos de produção e consumo. Vale notar que, do ponto de vista intertemporal, gastar menos com tratamento adequado de resíduos no presente significa gastar mais com saúde pública no futuro. Nesse sentido, vale lembrar o conceito de ecodesign, no qual os processos e produtos são concebidos de forma a ter menor impacto ambiental ao longo de todo o seu ciclo de vida. São exemplos: (i) redução na quantidade/volume de embalagens geradas por unidade de produto fabricado; (ii) utilização de tecnologias capazes de gerar produtos com maior grau de degradabilidade e absorção pelo meio ambiente 9 ; (iii) utilização de materiais passíveis de serem reciclados; (iv) aumento da durabilidade dos produtos. 10 Pode-se argumentar que não é parte do fenômeno inflacionário nacional a elevação dos custos de tratamento e disposição final, mas sim a internalização dos custos relacionados a coleta, transporte e tratamento adequados de resíduos, anteriormente ignorados. Vale notar que a sociedade já arcava com tais custos, não na forma de uma parcela dos preços dos produtos, mas na forma de custos sociais e ambientais (externalidades negativas do processo de produção e consumo), como internações médicas e remediação de solos e corpos hídricos. No que concerne a padrões de produção e consumo e geração e tratamento de resíduos sólidos, ressaltam-se os principais aprimoramentos capazes de resultar em impactos relevantes sobre as variáveis discutidas: i) metanização da fração orgânica do lixo; 49 Saneamento Ambiental 8 O termo tecnologias limpas refere-se a processos produtivos que se utilizem de menos matérias-primas, energia e outros materiais além de produzirem bens menos agressivos ao meio ambiente. 9 O aprofundamento dos conceitos de economia ecológica pode ser encontrado em Ruth (1993). 10 Entre fabricantes geradores de resíduos industriais, de um lado, e consumidores geradores de resíduos domiciliares urbanos, encontram-se empresas de gerenciamento de resíduos que terão a oportunidade de diversificar seu portfólio de tecnologias e oferecer serviços de valor agregado mais elevado.

51 50 ii) implementação de sistemas de coleta seletiva; Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019 iii) triagem de resíduos; iv) processos de reciclagem e reutilização; v) combustíveis derivados de resíduos; vi) compostagem; e vii) coprocessamento. Os planos de gerenciamento de resíduos sólidos Municípios e estados, assim como a União, devem elaborar planos de gerenciamento de resíduos, constando: (i) inventários de resíduos; (ii) passivos ambientais a serem remediados; (iii) explicitação dos responsáveis por cada etapa do gerenciamento de resíduos; (iv) procedimentos operacionais; (v) soluções consorciadas ou compartilhadas com outros geradores. A elaboração dos planos permitirá o monitoramento e gestão estratégica dos resíduos, de acordo com o perfil (quantidade e qualidade) do resíduo gerado em cada município. O diagnóstico é importante para identificação das tecnologias e dos modelos de gestão a serem implementados. Responsabilidades da União: o Plano Nacional de Resíduos Sólidos Coube à União estabelecer o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, que define os princípios e diretrizes que orientam os planos de resíduos dos estados e municípios e dos principais geradores industriais. O Plano Nacional de Resíduos Sólidos apresenta, ainda, metas quantitativas a serem cumpridas, como a extinção dos lixões, que deveria ocorrer até agosto de 2014, por exemplo. O Plano Nacional de Resíduos Sólidos foi inicialmente elaborado em 2011, com base em diagnóstico da situação dos RSU no Brasil desenvolvido por Ipea (2012). Em 2014, o plano encontra-se ainda em versão preliminar, datada de setembro de 2011, em análise para submissão e aprovação em audiência pública. Responsabilidades dos estados Os planos estaduais têm especial importância em aglomerados municipais e nas regiões metropolitanas. Considerando que a maioria dos municípios

52 brasileiros é de pequeno porte e têm limitada capacidade financeira e de recursos humanos para planejar e executar as ações necessárias para lidar com os seus resíduos sólidos, os estados têm a essencial função de articular os municípios de modo a criar soluções que permitam o compartilhamento e a minimização dos custos. Um bom exemplo é o que ocorreu em Minas Gerais, onde o governo estadual, em parceria com os municípios, desenvolveu um edital de concessão para os serviços de tratamento e disposição final de RSU que abrange a região metropolitana de Belo Horizonte, com exceção da própria capital. 51 Saneamento Ambiental Responsabilidades dos municípios É sobre os municípios, entretanto, que recai a maior responsabilidade, devido ao entendimento constitucional de que a geração de resíduos é uma problemática de âmbito local, sendo sua solução de competência municipal. O problema se torna mais grave ao constatar-se que os municípios não contam com a arrecadação de receitas específicas para o gerenciamento dos resíduos (como é o caso da iluminação pública) e recorrem a seu orçamento ordinário. As soluções desenvolvidas têm sido a criação de empresas municipais de gerenciamento de resíduos e autarquias responsáveis por seu gerenciamento são exemplos: Companhia de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro (Comlurb/RJ); 11 Autoridade Municipal de Limpeza Urbana de São Paulo (Amlurb); Superintendência de Limpeza Urbana (SLU)/Belo Horizonte; 12 Empresa de Limpeza Urbana de Salvador (Limpurb)/Salvador; Empresa de Limpeza Urbana do Recife (Emlurb); entre outras e a concessão dos serviços de coleta, triagem (quando for viável) e disposição final. Apesar de a PNRS prever recursos federais para auxiliar os municípios a implantar suas soluções, o acesso a esses recursos dependia da elaboração, até agosto de 2012, dos planos municipais de gerenciamento de resíduos sólidos. Raros são os casos, porém, dos municípios que atenderam a essa obrigação legal. Outros responsáveis Por fim, a PNRS incumbiu aos grandes geradores de resíduos sólidos e aos geradores de resíduos perigosos a obrigatoriedade de desenvolver 11 Empresa de economista mista. 12 Amlurb e SLU são parcerias público-privadas.

53 52 seus próprios planos de gerenciamento de resíduos, independentemente dos serviços municipais de resíduos. Os geradores são responsáveis pelo tratamento e destinação final dos resíduos por eles gerados e respondem civil e criminalmente pelos seus danos ambientais, mesmo que terceirizem esses serviços a empresas especializadas. Seus planos deverão ser apresentados e aprovados pelos órgãos ambientais competentes e servirão como condição para a renovação de suas licenças ambientais. Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019 A PNRS e a inserção social dos catadores A PNRS traz consigo uma preocupação social ao prever a participação de cooperativas e outras formas de associações de catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis em seus arranjos e destaca sua importância, desde a coleta seletiva até a logística reversa. O sistema de coleta seletiva de resíduos sólidos e a logística reversa priorizarão a participação de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis constituídas por pessoas físicas de baixa renda [Brasil (2010b), art. 40]. A PNRS destaca, ao longo de seu texto, a participação dos catadores e os coloca como importantes agentes, participativos e colaboradores, podendo ser inseridos no sistema produtivo. Com isso, valoriza a função social e contribui para a melhoria do meio ambiente (ao retirar dele materiais como papel, papelão, garrafas PET, latas de alumínio etc.). Em sistemas de logística reversa, as cooperativas possuem importante papel, por ser o primeiro elo do processo produtivo (coleta). Entretanto, no Brasil, ainda que existissem, em 2012, entre 400 mil e 600 mil catadores e aproximadamente organizações coletivas em funcionamento, apenas 10% dos catadores participavam de alguma dessas organizações. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em média, apenas 27% dos municípios declaram ter conhecimento da atuação dos catadores de material reciclado no processo de destinação final dos resíduos. Em áreas urbanas, esse percentual sobe para 50%. A inclusão dos catadores é meta quantitativa (inclusão de 600 mil catadores em sistemas formais de coleta) do Plano Nacional de Resíduos Sólidos.

54 Diagnóstico da situação dos resíduos sólidos no Brasil: uma perspectiva regional Com base em estudos [Abrelpe (2013); Fade e BNDES (2013)], apresenta-se uma síntese de diagnóstico da situação da geração e destinação de RSU no Brasil, em Panorama geral: Brasil No Brasil, entre 2000 e 2012, o percentual de RSU destinado para aterros sanitários aumentou significativamente, passando de 35,4% para 58,3%, enquanto o volume destinado para aterros controlados e para lixões apresentou, respectivamente, reduções de 24,2% para 19,4% e de 32,5% para 19,8% [Abrelpe (2013)]. Tais percentuais, entretanto, mantiveram-se estáveis de 2008 a 2012, conforme Gráfico 1. De acordo com Abrelpe (2013), o Brasil gerou, em 2012, 62 milhões de toneladas de RSU, fração correspondente a aproximadamente 326 kg/hab., ou cerca de 0,94 kg/hab./dia. 53 Saneamento Ambiental Gráfico 1 Evolução da destinação de RSU no Brasil ( ) Destinação adequada (%) ,6% 38,6% 54,8% 56,8% 57,6% 58,1% 58% ,7% 11% Fonte: Elaboração própria, com base em FADE (2012). A geração, coleta e forma de destinação dos RSU diferem substancialmente entre as diferentes regiões brasileiras e sua distribuição espacial depende

55 54 da concentração populacional e da concentração de renda. Tais correlações são mostradas na Figura 1. Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019 Figura 1 Correlação entre PIB e geração de RSU/Brasil Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013) e IBGE (2010). Em 2012, Nordeste e Sudeste foram responsáveis, em conjunto, pela geração de 75% do total de RSU do país. Enquanto no Nordeste apenas 35,4% dos RSU foram destinados a aterros sanitários, em 2012, na Região Sudeste 72,2% dos RSU tiveram tal destinação. Do ponto de vista socioambiental, lixões e aterros controlados possuem impactos semelhantes, sendo ambos tratados como formas inadequadas de destinação de resíduos. [...] aterro controlado, que se constitui em áreas de antigos lixões que passaram por um processo de isolamento do entorno para minimizar os efeitos do chorume gerado, além da canalização deste chorume para tratamento adequado, remoção dos gases produzidos em diferentes profundidades do aterro, recobrimento das células expostas na superfície, compactação adequada, e gerenciamento do recebimento de novos resíduos [Cerbato e Argolo (2012, p. 6)]. Definiu-se, para fins de modelagem, RSU tratado de modo inadequado como soma dos volumes destinados a lixões e a aterros controlados, conforme Tabela 1.

56 Em média, em 2012, 51,5% dos RSU no Brasil ainda eram destinados de modo inadequado. Tabela 1 Geração e destinação do RSU por região do Brasil (2012), em t/dia RSU gerado (t/dia) A Aterros sanitários (%) B Aterros controlados (%) C Lixões (%) D Total de lixo destinado de modo inadequado (C+D) (%) Total de RSU destinado inadequadamente (t/dia) Norte ,1 29,8 35,1 64, Nordeste ,4 33,0 31,6 64, Centro-Oeste ,4 48,1 22,5 70, Sudeste ,2 17,3 10,5 27, Sul ,3 18,2 11,5 29, Brasil ,48 29,28 22,24 51, Fonte: Abrelpe (2013). 55 Saneamento Ambiental Ainda que a Região Nordeste seja responsável pela geração de apenas 25,7% dos RSU no país, responde por 32,3% do total não tratado (lixões ou aterros controlados). Ou, expondo-se de outra maneira: ainda que a geração de RSU na Região Nordeste seja menor do que na Região Sudeste, o elevado percentual destinado a aterros controlados e lixões acaba por gerar, em termos absolutos, maior quantidade de RSU a ser tratada do que na Região Sudeste. A discussão acerca da distribuição espacial dos RSU no território faz interseção com a discussão de adensamentos populacionais. Regiões com grandes aglomerações de indivíduos geram grandes volumes de RSU, enquanto pequenos municípios são menores geradores. A Tabela 2 apresenta as substanciais diferenças de densidade populacional entre as regiões do país. Outra informação relevante na compreensão do equacionamento das questões relacionadas ao tratamento de RSU consiste no percentual de habitantes residentes em grandes centros urbanos (o que permite soluções concentradas de grande escala) vis-à-vis o percentual de habitantes residentes e dispersos em pequenos municípios. A questão é especialmente relevante dado o fato de a Constituição Federal definir como responsabilidade de cada município o gerenciamento de seus próprios resíduos. Isso faz com

57 56 que grandes municípios, com maior pujança de receitas, possam investir em grandes aterros ou terceirizar as atividades de disposição e tratamento. Por outro lado, pequenos municípios, com menor escala de arrecadação de impostos, ficam limitados a soluções de pequena escala ou alternativas tecnológicas para tratamento de seus resíduos. Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019 Tabela 2 Densidade demográfica Brasil 2010 Região Território (km²) % território População % população Densidade populacional (hab./km²) Norte ,62 45, ,32 4,12 Nordeste ,73 18, ,83 34,15 Sudeste ,06 10, ,13 86,91 Sul ,08 6, ,36 48,57 Centro-Oeste ,79 18, ,37 8,75 Total ,27 100, ,00 22,43 Fonte: IBGE (2010). A Tabela 3 apresenta a distribuição dos municípios brasileiros por porte e região do país. Tabela 3 Número de municípios, por porte e região do país Até 30 mil Entre 30 mil e 250 mil Entre 250 mil e 1 milhão Acima de 1 milhão Total Norte Nordeste Sudeste Centro-Oeste Sul Total Fonte: Elaboração própria, com base em IBGE (2010). Geração e destinação de RSU no Brasil (2012): análise regional Sudeste Com população equivalente a 42% do total nacional (80 milhões de habitantes) e Produto Interno Bruto (PIB) correspondente a 50% do PIB brasileiro, o Sudeste respondeu por 48,8% do total de RSU gerado no país, no

58 ano de 2012, equivalentes a 98 mil toneladas por dia. Vale notar que, com apenas 10% do território nacional ( km 2 ), a região apresenta o maior índice de densidade demográfica (86,9 hab./km 2 ). Em 2012, na Região Sudeste, foram geradas 98 mil toneladas por dia de RSU, das quais 72% destinadas a aterros sanitários. O restante, cerca de t/dia de RSU (ou 26,3% do total de RSU tratado de modo inadequado no país), ainda necessitava ser tratado (Tabela 1). A Tabela 4 apresenta a geração de RSU por estado da Região Sudeste, bem como a quantidade ainda destinada de modo inadequado (fração não tratada) em cada estado. 57 Saneamento Ambiental Tabela 4 Geração de RSU e RSU não tratado Sudeste RSU gerado em 2012 (t/dia) RSU não tratado (t/dia) * % da fração não tratada em cada estado pelo total não tratado na região SP ,65 MG ,91 RJ ,42 ES ,01 Total ,00 Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013). * Quantidade estimada. O estado de São Paulo foi o maior responsável pela geração dos RSU do Brasil (25%), seguido do Rio de Janeiro (10,5%), de Minas Gerais (8,75%) e do Espírito Santo (1,5%). Das regiões brasileiras, o Sudeste apresenta a maior concentração de habitantes (83,8% dos indivíduos) em municípios de médio e grande portes (acima de 30 mil habitantes), sendo mais de 50% deles residentes em municípios com população superior a 250 mil habitantes, percentual equivalente a aproximadamente 40 milhões de indivíduos. Apenas 16% da população da região reside em municípios com menos de 30 mil habitantes, como mostra Tabela 5. Tal configuração espacial da população e, consequentemente, da geração de RSU requer soluções com porte/dimensões compatíveis, conforme discussão de resultados, exposta na subseção Resultados na quarta seção.

59 58 Tabela 5 Perfil dos municípios Sudeste Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019 Habitantes Número de municípios População % da população Até 30 mil ,08 Entre 30 mil e 250 mil ,80 Entre 250 mil e 1 milhão ,43 Acima de 1 milhão ,69 Total ,00 Fonte: Elaboração própria, com base em IBGE (2010). Por apresentar maior grau de adensamento populacional em centros urbanos do que as regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste, soluções associativas para o tratamento de resíduos podem ser exploradas uma vez que a distância (custo de transporte) é fator imprescindível para a viabilidade econômica da prestação de serviços de tratamento de RSU. As figuras 2, 3, 4, 5 e 6 apresentam distâncias entre as grandes aglomerações populacionais das regiões analisadas, mostrando ser economicamente inviável associações para fins de compartilhamento de aterros. Entretanto, ao redor de tais aglomerações, é possível observar certo número de municípios de pequeno e médio portes, possibilitando que esses municípios se utilizem dos aterros das grandes cidades. Pode-se citar o exemplo da implantação de aterro com capacidade de t/dia no município de Rosário (MA) que atende não somente a São Luís, mas também ao próprio município de Rosário. Espera-se, com o passar do tempo, que outro município também venha a utilizar a referida instalação. A aglomeração de municípios na Região Sudeste é ilustrada na Figura 2. Ressalta-se que, representando apenas 10% do território nacional e gerando 50% dos RSU do país, a destinação de RSU torna-se preocupante questão socioambiental para a região. Nesse caso, em que se observa elevada concentração espacial do RSU, espera-se que o custo de disposição seja mais elevado do que em outras regiões do país, assim como o preço pago pelos serviços de tratamento (gate fee). Assim sendo, enquanto os valores médios aplicados pelos municípios brasileiros para serviços de coleta de RSU e demais serviços de limpeza urbana, em 2006, giraram ao redor de R$ 49,80 e R$ 83,76 por habitante, respectivamente; na Região Sudeste, observaram-se valores de R$ 55,92 e R$ 96,72 por habitante [Abetre e FGV (2009)].

60 Figura 2 Distribuição da população no Sudeste zonas de saturação 59 Saneamento Ambiental Fonte: IBGE (2010). Nordeste Composta por nove estados, a Região Nordeste abriga 53 milhões de brasileiros em um território de 1,5 milhão de quilômetros quadrados, perfazendo índice de 34,15 hab./km 2. De acordo com Abrelpe (2013), foram geradas 51,7 mil toneladas por dia de RSU no Nordeste, em 2012 (Tabela 6). Naquele ano, o percentual de RSU destinado a aterros sanitários na região foi de apenas 35,4%, restando, portanto, aproximadamente, 33,4 mil toneladas por dia de RSU, ainda destinadas a lixões e aterros controlados, necessitando tratamento adequado. Tabela 6 Geração de RSU e RSU não tratado Nordeste Estado RSU gerado em 2012 (t/dia) RSU não tratados (t/dia) * Razão entre RSU não tratado no estado e RSU não tratado no Nordeste (%) AL ,43 BA ,35 CE ,53 (Continua)

61 60 Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019 (Continuação) Estado RSU gerado em 2012 (t/dia) RSU não tratados (t/dia) * Razão entre RSU não tratado no estado e RSU não tratado no Nordeste (%) MA ,07 PB ,59 PE ,39 PI ,87 RN ,41 SE ,37 Total ,00 Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013). * Quantidade estimada. Bahia, Ceará e Pernambuco ressaltam-se como maiores geradores, sendo responsáveis, em conjunto, por 60% do total de RSU gerados na região. Conforme Tabela 7, a Região Nordeste é caracterizada pelo elevado número de municípios com pequenas populações (com municípios com população abaixo de 30 mil habitantes), e grande parte da população nordestina (17 milhões de indivíduos) habita municípios com população inferior a 30 mil habitantes, sugerindo que parte substancial dos resíduos a serem tratados na região encontra-se espacialmente dispersa nesses pequenos municípios. Tabela 7 Perfil dos municípios Nordeste Habitantes Número de municípios População % da população da região Até 30 mil ,67 Entre 30 mil e 250 mil ,54 Entre 250 mil e 1 milhão ,33 Acima de 1 milhão ,46 Total ,00 Fonte: Elaboração própria, com base em IBGE (2010). É de se esperar que os RSU no Nordeste estejam espacialmente distribuídos conforme a distribuição de sua população. Diferentemente

62 do Sudeste, a Região Nordeste apresenta elevado percentual de sua população residente em municípios de pequeno e médio portes. Um terço da população reside em municípios com população inferior a 30 mil habitantes e outro terço reside em municípios com população entre 30 mil e 250 mil habitantes. O perfil de concentração populacional do Nordeste permite inferir que os RSU também se encontram mais esparsos no território, o que pode requerer soluções individualizadas, com menor possibilidade de associações entre municípios e menores escalas de aterros sanitários. Como foco de soluções de médio porte, apontam-se as regiões ao redor de Campina Grande (PB), Vitória da Conquista (BA) e Itaúna (BA). Merecem atenção os municípios com população entre 250 mil e 1 milhão de habitantes, passíveis de investimentos em aterros com capacidade para tratamento de 500 t/dia a t/dia. Destacam-se Teresina (PI), Picos (PI), Codó (MA), Sobral (CE), Iguatu (CE), Mossoró (PB), Aracaju (SE), Feira de Santana (BA), Iatuba (BA) e Vitória da Conquista (BA). 61 Saneamento Ambiental Figura 3 Distribuição da população no Nordeste Fonte: IBGE (2010). Apenas 7 milhões de habitantes vivem em grandes municípios do Nordeste, a saber: Salvador (BA), Recife (PE), São Luís (MA) e Fortaleza (CE). Acredita-se que o porte de tais municípios permita a participação da inicia-

63 62 tiva privada como parte das soluções relativas à coleta e destinação de RSU na região. Tomando-se o território nordestino, é possível perceber oito regiões definidas para logística dos RSU, conforme apresentado na Figura 3. Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019 Para fins de tratamento analítico, dividiu-se a Região Nordeste em três aglomerados. Isso se justifica pela extensão do território nordestino e pelo peso de cada um desses aglomerados no total de RSU gerado na região. Conforme Tabela 8, cada aglomerado respondeu em 2012 pela geração de aproximadamente um terço do total de RSU da região. Tabela 8 Geração e disposição de RSU, em 2012 Nordeste RSU gerado (t/dia) * RSU destinado inadequadamente (t/dia) % do total de RSU destinado inadequadamente na região Aglomerado (MA/PI/CE) Aglomerado (RN/PB/SE/PE/AL) Aglomerado 3 (BA) Total Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013). * Quantidade estimada por meio da multiplicação do total gerado em cada estado pela fração destinada de modo inadequado em cada região. Centro-Oeste Com extensão territorial de aproximadamente 1,6 milhão de quilômetros quadrados e população de apenas 14 milhões de habitantes, a região se ressalta pelo baixo índice de densidade demográfica (8,75 hab./km 2 ). A região possui outras peculiaridades, como elevado percentual de habitantes residentes em municípios de pequeno porte. Tal conjunção de fatores requer soluções específicas, conforme será discutido na próxima seção. Na Região Centro-Oeste, foram geradas, em 2012, cerca de 11,3 mil toneladas por dia de RSU (Tabela 9). Desse volume, 70% (equivalentes a cerca de 7,9 mil t/dia) foram dispostos de modo inadequado (vazadouros a céu aberto e aterros controlados). Assim, o Centro-Oeste brasileiro se ressalta não pelo elevado nível absoluto de geração de RSU, mas pela elevada fração não trata-

64 da. Do ponto de vista socioambiental, investimentos que elevem a taxa de destinação adequada de RSU na região podem ter impactos bastante relevantes. 13 Tabela 9 Geração de RSU e RSU não tratado Centro-Oeste Centro-Oeste RSU gerado em 2012 (t/dia) RSU não tratado (t/dia) * Razão entre RSU não tratado no estado e RSU não tratado no Centro-Oeste (%) DF ,70 GO ,43 MT ,18 MS ,70 Total ,00 63 Saneamento Ambiental Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013). * Quantidade estimada. As principais aglomerações populacionais do Centro-Oeste encontram-se ao redor das capitais: Goiânia (GO), Cuiabá (MT), Campo Grande (MS) e Brasília (DF). Goiás ressalta-se como maior gerador (39,4% do total de RSU gerado na região), com grande volume de resíduos não tratados (4,5 mil toneladas por dia). As distâncias entre tais aglomerados é, em média, de 700 km, o que permite inferir a necessidade de implementação de soluções locais de grande porte para os centros urbanos, individualizadas e em conformidade com as aglomerações populacionais da região, Figura 4. O perfil das aglomerações populacionais do Centro-Oeste brasileiro difere do de outras regiões do país. Conforme Tabela 10, o número de habitantes dispersos em municípios com população abaixo de 30 mil habitantes (3,6 milhões de habitantes) equivale ao número de habitantes aglomerados nos dois maiores centros urbanos 3,8 milhões de habitantes em Goiânia (GO) e Brasília (DF). 13 Vale ressaltar que os grandes municípios das regiões menos desenvolvidas são aqueles passíveis de implementação de sistemas mais modernos de tratamento de RSU. Isso porque uma vez que tais regiões não possuem sequer as etapas iniciais de coleta, ao serem implementados, os novos sistemas de tratamento podem ser instalados, desde sua concepção, já contemplando a coleta seletiva, estações de triagem, reciclagem e outras alternativas de extração de riqueza dos RSU.

65 64 Figura 4 Distribuição da população no Centro-Oeste Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019 Fonte: IBGE (2010). Isso pode significar que a região requer soluções bastante heterogêneas no tocante ao tratamento dos RSU. Ao mesmo tempo em que se faz necessária a implementação de grandes aterros em poucas capitais, será necessária também a implementação de pequenos aterros que atendam à população dos pequenos municípios. Tabela 10 Perfil dos municípios Centro-Oeste Habitantes Número de municípios População % da população da região Até 30 mil ,63 Entre 30 mil e 250 mil ,91 Entre 250 mil e 1 milhão ,95 Acima de 1 milhão ,51 Total ,00 Fonte: Elaboração própria, com base em IBGE (2010). Norte Com aproximadamente 3,8 milhões de quilômetros quadrados de extensão (equivalentes a 40% do território nacional) e população de apenas 15 milhões de habitantes, a Região Norte apresenta a menor densidade po-

66 pulacional do país (4,12 hab./km 2 ), sendo responsável por apenas 10% dos RSU gerados no Brasil em Na região, foram geradas cerca de 13,7 mil toneladas por dia de RSU, em 2012 (Tabela 11). Desse volume, 65% foram destinados de modo inadequado (8,9 mil toneladas por dia). Tabela 11 Geração de RSU e RSU não tratado Norte Norte RSU gerado em 2012 (t/dia) RSU não tratado (t/dia) * Razão entre RSU não tratado no estado e RSU não tratado no Norte (%) AC ,11 AP ,25 AM ,71 PA ,82 RO ,72 RR ,57 TO ,82 Total ,00 65 Saneamento Ambiental Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013). * Quantidade estimada. Pará e Amazonas (Belém e Manaus) destacam-se como centros geradores de RSU na região, sendo responsáveis, conjuntamente, por 70% dos RSU gerados em A concentração dos RSU propicia, conforme se vem argumentando, soluções de grande escala. Conforme Tabela 12, dos 455 municípios da Região Norte, Manaus e Belém requerem solução em grande escala. Já os outros 338 municípios abaixo de 30 mil habitantes requerem soluções tecnológicas de pequena escala e modelo de implementação com muitas unidades distribuídas ou, eventualmente, soluções tecnológicas alternativas. A Região Norte apresenta 66% de seus habitantes residentes em municípios com população inferior a 250 mil indivíduos, ou seja, com elevado percentual de habitantes residentes em municípios pequenos e médios. Finalmente, os seis municípios (Boa Vista, Santarém, Rio Branco, Macapá, Porto Velho e Ananindeua) com população entre 250 mil e 1 milhão de habitantes requerem solução em escala intermediária.

67 Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e Tabela 12 Perfil dos municípios Norte Habitantes Número de municípios População % da população da região Até 30 mil ,13 Entre 30 mil e 250 mil ,79 Entre 250 mil e 1 milhão ,94 Acima de 1 milhão , ,00 Total Fonte: Elaboração própria, com base em IBGE (2010). Figura 5 Distribuição da população na Região Norte Fonte: IBGE (2010). Conforme será discutido na próxima seção, soluções de pequena escala são mais onerosas do que soluções concentradas de larga escala. Para os pequenos municípios da Região Norte, em sua maioria com menos de 5 mil habitantes e muito distantes uns dos outros, soluções individualizadas e com outras tecnologias específicas que não aterros sanitários podem se fazer necessárias. Sul A Região Sul do país apresenta a melhor situação geral de tratamento de RSU no país. Com território de km2 e população de 27 milhões BS40-book 66 20/10/14 20:50

68 de habitantes, a região tem os maiores índices de densidade demográfica do Brasil (48,57 hab./km 2 ). Em 2012, foram geradas cerca de 21,3 mil toneladas por dia de RSU na Região Sul do Brasil (Tabela 13). Desse total, 70% foram destinados a aterros sanitários, restando-se aproximadamente 6,3 mil toneladas de lixo a serem tratadas (apenas 6,1% do total de RSU destinado de modo inadequado no país). Tabela 13 Geração de RSU e RSU não tratado Norte 67 Saneamento Ambiental Sul RSU gerado em 2012 (t/dia) RSU não tratado (t/dia) * Razão entre RSU não tratado no estado e RSU não tratado no Norte (%) PR ,85 SC ,61 RS ,53 Total ,00 Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013). * Quantidade estimada. Paraná e Rio Grande do Sul ressaltam-se como maiores geradores na região. Comparativamente a outras regiões do país, o Sul apresenta a melhor situação no que concerne a coleta, destinação e uso alternativos de técnicas de tratamento de resíduos. Tabela 14 Perfil dos municípios Sul Habitantes Número de municípios População % da população da região Até 30 mil ,40 Entre 30 mil e 250 mil ,43 Entre 250 mil e 1 milhão ,64 Acima de 1 milhão ,53 Total ,00 Fonte: Elaboração própria, com base em IBGE (2010). Com municípios (um quinto do total nacional) e apenas 6,25% do território brasileiro, a Região Sul se destaca pelo elevado percentual de habitantes residentes em municípios com menos de 250 mil habitantes

69 68 (19,3 milhões de indivíduos ou 70% da população). Ressalta-se o grande número de pequenos municípios (1.017 municípios com menos de 30 mil habitantes, conforme Tabela 14). Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019 Figura 6 Distribuição da população na Região Sul Fonte: IBGE (2010). A Região Sul, portanto, com pequena geração e elevada destinação adequada, aponta como alvo prioritário de políticas públicas segmentos de coleta seletiva, reciclagem e educação ambiental, bem como a introdução de soluções inovadoras. Geração per capita de resíduos, por região do país Tabela 15 Geração de RSU per capita, por região (em kg/hab./ano) Regiões Variação (%) Norte 1,154 1,145 (0,78) Nordeste 1,302 1,309 0,50 Centro-Oeste 1,250 1,251 0,10 Sudeste 1,293 1,295 0,10 Sul 0,887 0,905 2,00 Fonte: Abrelpe (2013).

70 Figura 7 Variação na geração de RSU no Brasil, Figura 7A Geração de RSU (t/ano) Saneamento Ambiental Figura 7B Geração de RSU per capita (kg/hab./dia) 381,6 383,6 0,4% Fonte: Abrelpe (2013). De acordo com a Tabela 15, o perfil de geração de RSU em termos de kg/hab./dia difere de acordo com a região do país. Note que os maiores geradores em termos absolutos (Sudeste e Nordeste) também são os maiores geradores em termos per capita. Ressalta-se que no Nordeste tal rela-

71 70 ção não somente é a maior apresentada no país, mas também teve a maior elevação registrada no período analisado, de 0,5%. O caráter turístico de certas regiões pode ser considerado possível fator explicativo para as discrepâncias observadas. Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019 Com crescimento de 1,3% na geração total de resíduos e 0,9% da população brasileira, observou-se elevação de 0,4% no índice de geração de resíduos per capita no Brasil, conforme ilustrado Figura 7. Municípios pequenos apresentam elevados valores de geração (em kg/hab./dia), enquanto municípios maiores apresentam valores menores. Investimentos necessários para extinção de lixões no país Dada a atual situação de geração e disposição de resíduos no país (exposta na terceira seção), pergunta-se: qual o investimento necessário para implementação de aterros sanitários suficientes para tratar a fração dos RSU ainda destinados de modo inadequado no país pelos próximos quatro anos ( )? Parâmetros de modelagem As estimativas propostas dependem fundamentalmente de três parâmetros: 1) quantidade de resíduos disposta inadequadamente no Brasil em cada região (Tabela 1); 2) custo de implementação de aterros sanitários de diferentes portes pequeno (100 t/dia), médio I (500 t/dia), médio II (1.000 t/dia) e grande (2.000 t/dia); e 3) distribuição espacial dos RSU destinados de modo inadequado no território nacional (utilizou-se como proxy a distribuição espacial da população de cada estado). A fração ainda não tratada ou disposta inadequadamente em 2012, por região, é apresentada na Tabela 16, os custos de implementação de aterros sanitários de diferentes tamanhos são apresentados nas tabelas 17 e 18, e a distribuição da população por estado e porte de município utilizada como peso para ponderação dos resultados na Tabela 19.

72 Fração de RSU não tratada no Brasil, por região A fração de RSU destinada de modo inadequado em cada região do país foi analisada na Tabela 1. As informações relevantes para fins de estimativa são reproduzidas na Tabela 16. Tabela 16 Fração não tratada, por região, em 2012 SE NE N CO S 0,278 0,646 0,649 0,706 0, Saneamento Ambiental Fonte: Abrelpe (2013). Custo de implementação de aterros sanitários no Brasil, por porte Composto principalmente por obras civis, o custo de implantação de aterros sanitários varia, de forma simplificada, em função de sua capacidade de recebimento total de resíduos, comumente mensurada pelo fluxo de recebimento diário (expresso em t/dia), bem como do tempo de vida útil do aterro. De modo geral, os aterros sanitários são repartidos em diferentes regiões, ou células. Inicialmente, apenas uma célula é aberta e operada durante um período médio de três a quatro anos até que sua capacidade tenha sido exaurida. Após tal período, faz-se necessário investimento incremental em nova célula. E assim sucessivamente, até que a capacidade total do aterro seja completamente utilizada. As estimativas do presente modelo consideram os custos de pré-implantação e implantação apenas da primeira célula. Como o tempo de vida útil total de um aterro é de vinte anos, para obtenção do custo de solução para toda a sua vida útil, grosso modo, o leitor pode multiplicar os valores encontrados nos resultados por cinco. Concluídas as operações, segue-se etapa de fechamento do aterro, geralmente por meio de cobertura vegetal. Por fim, o aterro segue sendo monitorado até garantir que seus efeitos sobre o meio ambiente estejam devidamente estabilizados. Conforme Abetre e FGV (2009), os investimentos em aterros sanitários podem ser divididos em cinco etapas: pré-implantação, implantação, operação, encerramento e pós-operação.

73 72 Tabela 17 Custos de implementação de aterros sanitários por etapa (em R$) Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019 Grande t/dia Médio I t/dia * Médio II Pequeno 500 t/dia * 100 t/dia Pré-implantação Implantação Operação Encerramento Pós-encerramento Total Fonte: Abetre e FGV (2009). * Abetre e FGV (2009) apresentam custos para três tamanhos de aterro (100 t/dia, 800 t/dia e t/dia). Procedeu-se à construção de uma curva de economia de escala com esses três pontos da qual se puderam obter, por extrapolação, os custos dos aterros de t/dia e 500 t/dia. Com base em Abetre e FGV (2009), foi possível estimar o custo das etapas iniciais de pré-implantação e implantação de aterros de diferentes portes, conforme Tabela 17. Optou-se por considerar apenas os custos de pré-implantação e implantação por dois motivos: em primeiro lugar, a implantação de empreendimentos costuma gerar demanda por recursos; em segundo lugar, o objetivo do estudo é estimar a necessidade de capital inicial a ser imobilizada de modo a implantar a quantidade necessária de aterros para tratar os RSU ainda não tratados em Adotou-se como premissa que, uma vez implantado o aterro e aberta a primeira célula, a atividade de prestação de serviços de aterramento ao longo da vida útil da primeira célula (em média, quatro anos) gera receitas suficientes para cobrir os custos de operação e as necessidades de investimento futuras para a expansão das novas células. Portanto, a abertura das células subsequentes e as etapas de encerramento e pós-encerramento não representam necessidade de novos recursos. A rentabilidade média, bem como fluxo de caixa de aterros sanitários, pode ser vista em Martins (2014). Vale notar que, uma vez que a base de dados disponível apresentava valores nominais de 2007, foi necessária atualização desses valores. Para tanto, tomou-se por base a evolução do Índice Nacional da Construção Civil Disponibilidade Interna (INCC-DI), calculado pela Fundação Getulio Vargas, entre 2008 e A Tabela 18 mostra tanto os valores nominais de 2007 como o valor total de implementação atualizado.

74 Tabela 18 Custos de implementação de aterros (em R$) 73 Grande t/dia Médio I Médio II Pequeno t/dia * 500 t/dia * 100 t/dia Pré-implantação Implantação Total Total atualizado Fonte: Elaboração própria, com base em Abetre e FGV (2009). * Abetre e FGV (2009) apresentam custos para três tamanhos de aterro (100 t/dia, 800 t/dia e t/dia). Procedeu-se à construção de uma curva de economia de escala com esses três pontos da qual se puderam obter, por extrapolação, os custos dos aterros de t/dia e 500 t/dia. Saneamento Ambiental Parâmetros de calibragem de resultados: distribuição dos municípios brasileiros, por porte e estado da federação Apesar da quantidade (fluxo diário) de RSU destinado de modo inadequado em 2012 ser bem conhecida, não se pode dizer o mesmo de sua distribuição espacial. Assim, utilizou-se a distribuição espacial da população, por classes de municípios, para fins de ponderações das estimativas. Como exemplo, se 11,6% da população do estado de São Paulo vive em cidades com menos de 30 mil habitantes (Tabela 19), supôs-se, por sua vez que, aproximadamente, 11,6% dos RSU gerados no estado encontram-se nesse porte de municípios. Disso depende o porte ou o tipo de solução tecnológica a ser adotada. Estados formados por muitos pequenos municípios deverão requerer maior participação de soluções consorciadas e/ou de pequenas escala do que estados formados por poucos grandes municípios (sugerindo peso maior em soluções de grande escala). Tabela 19 Distribuição percentual de habitantes por porte de município Até 30 mil habitantes (%) Entre 30 mil e 250 mil (%) Entre 250 mil e 1 milhão (%) Acima de 1 milhão (%) SP 11,6 34,4 24,9 28,8 MG 34,6 36,3 16,9 12,1 RJ 5,1 27,2 22,8 44,7 ES 4,2 22,2 8,65 64,8 AL 53,2 46,7 0,0 0,0 BA 35,0 39,7 6,1 19,0 (Continua)

75 74 Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019 (Continuação) Até 30 mil habitantes (%) Entre 30 mil e 250 mil (%) Entre 250 mil e 1 milhão (%) Acima de 1 milhão (%) CE 22,8 44,3 3,8 28,9 MA 43,4 56,5 0,0 0,0 PB 48,8 21,6 29,4 0,0 PE 22,6 37,9 21,9 17,4 PI 68,6 31,3 0,0 0,0 RN 40,3 26,0 33,5 0,0 SE 36,7 35,6 27,6 0,0 DF 0,0 0,0 0,0 100,0 GO 34,6 48,5 16,8 0,0 MT 37,7 35,7 26,5 0,0 MS 33,8 34,0 32,1 0,0 AC 29,0 25,1 45,8 0,0 AP 19,4 21,0 59,5 0,0 AM 21,0 27,2 0,0 51,7 PA 19,5 52,0 10,1 18,3 RO 31,5 41,0 27,3 0,0 RR 37,0 0,0 63,0 0,0 TO 55,8 44,1 0,00 0,0 PR 30,8 33,4 18,9 16,7 SC 33,6 46,4 19,9 0,0 RS 28,1 43,6 15,0 13,1 Fonte: Elaboração própria, com base em dados de IBGE (2010). O modelo extinção de lixões e aterros controlados até 2019 O presente modelo permite estimar o investimento total em aterros sanitários necessários para se tratar a fração que atualmente está disposta de modo inadequado no país. O cálculo segue o seguinte roteiro: Passo 1: Estimativa da quantidade de RSU não tratada, por estado da federação Primeiramente, obteve-se a quantidade de resíduos gerados em cada estado/região (tabelas 4, 6, 9, 11 e 13). Multiplicou-se, então, pela fração não

76 tratada em cada estado/região (Tabela 16) para se obter a quantidade de resíduos não tratados por estado/região (tabelas 4, 6, 9, 11 e 13). Passo 2: Ponderação dos RSU não tratados em função da concentração da população em diferentes portes de municípios Em seguida, multiplicou-se o resultado obtido no passo 1 pela fração de habitantes correspondente a cada classe de município (Tabela 19) com a finalidade de se estimar a quantidade de resíduos gerados em cada estado da federação, por porte de município. Passo 3: Módulos de investimento Foram especificados quatro módulos de investimento em aterros sanitários, em função da capacidade (módulo I: 100 t/dia; módulo II: 500 t/dia; módulo III: t/dia; módulo IV: t/dia). Passo 4: Estimativa da quantidade de aterros, por escala e porte de município Para estimar o número de aterros de cada porte a ser implantado em cada estado da federação, procedeu-se o seguinte cálculo: (1) obteve-se a quantidade de RSU não tratado em cada estado de acordo com a classe de município; (2) dividiu-se o resultado encontrado (t/dia) de RSU não tratado em municípios de pequeno porte em dado estado pela capacidade do aterro módulo 1. O mesmo procedimento foi repetido para municípios de portes superiores. Passo 5: Investimentos necessários Determinada a quantidade de aterros, por porte de município em cada estado da federação, multiplicou-se essa pelos respectivos custos de investimentos para estimar os custos de implementação dos respectivos mix de aterros. Dessa forma, o modelo permite estimar a quantidade de investimentos necessária para tratar os resíduos dispostos de modo inadequado em cada estado da federação por escala de aterro, por período de três a quatro anos (tempo de vida útil de cada célula), conforme análise a seguir Saneamento Ambiental 14 Vale notar que a problemática envolvendo os RSU consiste em um fenômeno dinâmico. Como tal, os conceitos de estoque (passivo ambiental ou RSU acumulado no tempo) e fluxo (RSU gerado a cada ano) se fazem presentes. O estoque ou passivo ambiental consiste nos RSU acumulados nos últimos anos. O fluxo consiste na quantidade de RSU ainda a ser gerada nos próximos anos, dependendo do crescimento populacional e do PIB.

77 76 Resultados Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019 Sudeste A leitura da Tabela 20 permite inferir com base nas estimativas que, na Região Sudeste, seriam necessários 39 aterros com escala para tratamento de 100 t/dia, 18 aterros com capacidade para tratamento de 500 t/dia, seis aterros com capacidade para tratamento de t/dia e quatro aterros com capacidade para tratar t/dia de RSU. Tabela 20 Número de aterros necessários para tratar os RSU destinados de modo inadequado na Região Sudeste Resíduos não tratados Pequeno 100 t/dia Médio I 500 t/dia Médio II t/dia Grande t/dia SP ,03 18,35 10,86 3,93 2,27 MG 4.890,58 16,93 3,55 0,83 0,30 RJ 5.849,40 3,02 3,19 1,34 1,31 ES 821,77 0,35 0,37 0,07 0,27 Total ,77 38,65 17,97 6,17 4,14 Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013). Os resultados apresentados pelo modelo proposto merecem discussão. Sugere-se a implementação de 39 pequenos aterros (100 t/dia) para atender à totalidade dos municípios com população abaixo de 30 mil habitantes na região. À primeira vista, tal número pode parecer insuficiente ou irrealista. Análise mais detalhada permite argumentação que corrobora tal resultado. Conforme discutido na terceira seção, a proximidade (densidade populacional) entre tais municípios propicia soluções compartilhadas. Para fins ilustrativos, tome-se o seguinte exemplo didático: dividindo-se a área total da Região Sudeste ( km 2 ) por 39 aterros, obtém-se cobertura média de km 2 /aterro. Dividindo-se, para fins analíticos, a Região Sudeste em 39 sub-regiões circulares, é possível encontrar o raio médio de cobertura de cada aterro. No exemplo em questão, observa-se que a implementação desses 39 aterros permitiria raio de cobertura de 85 km para cada aterro. De acordo com a literatura, dentro desses limites, soluções associativas podem se mostrar economicamente viáveis. Nesse caso, os consórcios teriam que ser formados por aproximadamente trinta municípios. O

78 modelo sugere a implementação desses consórcios, sobretudo, nos estados de São Paulo e Minas Gerais. Vale notar que as duas colunas à direita apresentam números fracionados. Adotou-se tal procedimento pela seguinte razão: entende-se que meio aterro de grande escala (com capacidade para processar t/dia) equivaleria a um aterro de t/dia; que meio aterro de t/dia equivaleria a um aterro de 500 t/dia; e assim por diante. De outro modo, o arredondamento do valor 0,3 aterro de t/dia levaria, por exemplo, à conclusão de que o ES não necessitaria de nenhum aterro de grande escala (uma vez que 0,3 seria arredondado para baixo), distorcendo as conclusões. De fato, 0,3 x t/dia = 600 t/dia. Assim, a leitura dessas colunas merece atenção. A Tabela 21, por sua vez, apresenta a distribuição da necessidade estimada de investimentos em aterros sanitários, por porte de aterro e estado da região. De acordo com as estimativas, o Sudeste necessitaria de investimentos de R$ 652 milhões para implementar seu parque de aterros sanitários. 77 Saneamento Ambiental Tabela 21 Estimativas de investimento Sudeste (em milhões de R$) Pequeno 100 t/dia Médio I 500 t/dia Médio II t/dia Grande t/dia Total SP 94,25 120,06 70,86 78,99 364,16 MG 86,95 39,30 14,91 10,30 151,47 RJ 15,49 35,30 24,06 45,47 120,32 ES 1,78 4,05 1,28 9,27 16,37 Total 198,47 198,71 111,11 144,02 652,31 Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013), IBGE (2010) Abetre e FGV (2009). Vale notar que o Sudeste requer recursos da mesma ordem de grandeza tanto para implantação de aterros com capacidade para tratamento de 100 t/dia de RSU (da ordem de R$ 198 milhões) quanto para implementação de aterros com capacidade para tratamento de t/dia (ao redor de R$ 144 milhões). Nordeste A Tabela 22 permite inferir com base nas estimativas do modelo proposto que a Região Nordeste necessitaria da construção de 121 aterros de pequeno porte (100 t/dia), além de outros 27 aterros médios I (500 t/dia), quatro

79 78 aterros médios II (1.000 t/dia) e outros dois grandes aterros (2.000 t/dia). Novamente, vale notar as duas colunas à direita, com números fracionados. No estado da Bahia, por exemplo, os valores de 0,83 aterro grande (equivalente a t/dia) e de 0,54 aterro médio II (equivalente a 540 t/dia) mostram a necessidade de implementação de aterros de médio e grande portes. Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019 Tabela 22 Número de aterros necessários para tratar os RSU destinados de modo inadequado na Região Nordeste RSU não tratado Pequeno 100 t/dia Médio I 500 t/dia Médio II t/dia Grande t/dia AL 1.813,32 9,66 1,69 0,00 0,00 BA 8.798,52 30,82 6,99 0,54 0,84 CE 5.852,76 13,38 5,19 0,22 0,85 MA 4.363,08 18,95 4,94 0,00 0,00 PB 2.199,63 10,75 0,95 0,65 0,00 PE 5.472,27 12,37 4,16 1,20 0,48 PI 1.959,32 13,45 1,23 0,00 0,00 RN 1.805,57 7,29 0,94 0,61 0,00 SE 1.126,62 4,14 0,80 0,31 0,00 AL ,09 0,00 0,00 0,00 0,00 120,81 26,89 3,53 2,17 Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013) e IBGE (2010). Assim como na Região Sudeste, os resultados propostos pelo modelo para a Região Nordeste merecem discussão. Nesse caso, sugere-se a implementação de 121 pequenos aterros (100 t/dia) para atender à totalidade dos municípios com população abaixo de 30 mil habitantes na região. Dividindo-se o número de municípios de pequeno porte pelo total de pequenos aterros, obtém-se a relação de 12 municípios compartilhando cada aterro. Para que isso seja viável, entretanto, faz-se necessário que a distância entre eles esteja dentro do raio econômico da atividade. Tome-se o exemplo didático utilizado anteriormente. Dividindo-se a área total da Região Nordeste (3,8 milhões de quilômetros quadrados) por 121 aterros, obtém-se cobertura média de km 2 /aterro. Dividindo-se, para fins analíticos, a Região Nordeste em 121 sub-regiões circulares é possível encontrar o raio médio de cobertura de cada aterro. No exemplo em questão, observa-se que a implementação desses 121 aterros permitiria

80 raio de cobertura de 100 km para cada aterro. De acordo com a literatura, dentro desses limites, soluções associativas tendem a apresentar viabilidade econômica. Tabela 23 Estimativas de investimento Nordeste (em milhões de R$) Pequeno 100 t/dia Médio I 500 t/dia Médio II t/dia Grande t/dia Total AL 49,61 18,74 0,00 0,00 68,35 BA 158,25 77,32 9,76 29,19 274,52 CE 68,71 57,38 4,05 29,47 159,62 MA 97,29 54,60 0,00 0,00 151,89 PB 55,21 10,55 11,66 0,00 77,42 PE 63,51 45,98 21,63 16,62 147,73 PI 69,05 13,59 0,00 0,00 82,65 RN 37,41 10,42 10,92 0,00 58,74 SE 21,28 8,87 5,60 0,00 35,76 Total 620,34 297,45 63,62 75, ,69 79 Saneamento Ambiental Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013), IBGE (2010) e Abetre (2009). A Tabela 23 apresenta conclusão interessante: ainda que o Nordeste seja responsável por apenas 25% dos RSU gerados no país, o baixo índice de tratamento, em conjunto com o perfil de distribuição dos municípios (grande número de municípios abaixo de 30 mil habitantes), faz com que a região necessite de mais investimentos do que a Região Sudeste. Para implementar o parque com a combinação de aterros proposta na Tabela 22, seriam necessários valores próximos de R$ 1 bilhão. A grande concentração de habitantes em cidades de pequeno e médio portes requer a concentração de recursos nesses municípios. Em particular, a necessidade de recursos para atender aos pequenos municípios nordestinos (ao redor de R$ 620 milhões) é praticamente equivalente à quantidade de recursos necessária para atender a toda a Região Sudeste (R$ 652 milhões). Centro-Oeste A Tabela 24 permite inferir, com base nas estimativas do modelo proposto, que a Região Centro-Oeste necessitaria da construção de 150 aterros de

81 80 pequeno porte (100 t/dia), além de outros sete aterros médios I (500 t/dia), dois aterros médios II (1.000 t/dia), além de um grande aterro (2.000 t/dia) para atender a Brasília (DF). Assim como nas outras regiões, o número de 1,6 aterro de t/dia poderia ser substituído por um aterro de t/dia e outro de 500 t/dia. Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019 Tabela 24 Número de aterros necessários para tratar os RSU destinados de modo inadequado na Região Centro-Oeste RSU não tratado Pequeno 100 t/dia Médio I 500 t/dia Médio II t/dia Grande t/dia DF 2.912,96 0,00 0,00 0,00 1,46 GO 4.468,98 15,47 4,34 0,75 0,00 MT 2.173,77 8,21 1,55 0,58 0,00 MS 1.779,12 6,01 1,21 0,57 0,00 Total ,83 29,69 7,11 1,90 1,46 Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013). Assim como na Região Nordeste, os resultados propostos pelo modelo para a Região Centro-Oeste são passíveis de ressalvas. No caso da Região Centro-Oeste, sugere-se a implementação de trinta pequenos aterros (100 t/dia) para atender à totalidade dos 394 municípios com população abaixo de 30 mil habitantes na região. Dividindo-se o número de municípios de pequeno porte pelo total de pequenos aterros, obtém-se a relação de 13 municípios compartilhando cada aterro. Para que isso seja viável, entretanto, faz-se necessário que a distância entre eles esteja dentro do raio econômico da atividade. Conforme Tabela 2, a baixa densidade demográfica da região pode dificultar soluções compartilhadas. Tome-se novamente o exemplo didático utilizado. Dividindo-se a área total da Região Centro-Oeste (1,6 milhão de km 2 ) por trinta aterros, obtém-se cobertura média de km 2 /aterro. Dividindo-se, para fins analíticos, a Região Centro-Oeste em trinta sub-regiões circulares, é possível encontrar o raio médio de cobertura de cada aterro. No exemplo em questão, observa-se que a implementação desses trinta aterros permitiria raio de cobertura de 128,5 km para cada aterro. De acordo com a literatura, dentro desses limites, soluções associativas mostram-se economicamente inviáveis para atender à região. Nesse caso, vale notar que as soluções devem ser individualizadas, o que tende a aumentar o custo médio de imple-

82 mentação de sistemas de tratamento nessas regiões em comparação ao custo de implementação de aterros em regiões onde certos custos fixos (estradas, canteiros, balanças, custo da terra etc.) podem ser compartilhados por mais de um município. Tabela 25 Estimativas de investimento Centro-Oeste (em milhões de R$) Pequeno 100 t/dia Médio I 500 t/dia Médio II t/dia Grande t/dia Total DF 0,00 0,00 0,00 26,23 26,23 GO 79,42 48,02 13,54 50,63 191,60 MT 42,17 17,18 10,38 0,00 69,72 MS 30,88 13,40 10,30 0,00 54,58 152,47 78,60 34,21 76,86 342,14 Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013). 81 Saneamento Ambiental A Tabela 25 reflete o elevado custo de implementação de grande número de pequenos aterros na Região Centro-Oeste. Ressalta-se que a estimativa de investimentos em aterros de pequeno porte (ao redor de R$ 152 milhões) é duas vezes a necessidade de recursos a serem aplicados em aterros de grande porte (2.000 t/dia) na região. Norte A Tabela 26 permite inferir, com base nas estimativas do modelo proposto, que a Região Norte necessitaria da construção de 22 aterros de pequeno porte (100 t/dia), além de outros sete aterros médios I (500 t/dia), um aterro médio II (1.000 t/dia) e um grande aterro (2.000 t/dia). Novamente, note que o estado do Amazonas necessita de 0,5 aterro de t/dia, ou seja, de um aterro de t/dia, ou, ainda, dez aterros de 100 t/dia. Já o estado do Pará necessitaria de 0,3 aterro de t/dia (ou seja, um aterro de 600 t/dia) e 0,37 aterro de t/dia (equivalente a quatro aterros de 100 t/dia). A configuração final do parque de aterros de cada região acaba por ser definida com base na distribuição espacial dos RSU em cada uma. O resultado apresentado pelo modelo proposto sugere a implementação de 22 pequenos aterros (100 t/dia) para atender à totalidade dos 338 com população abaixo de 30 mil habitantes na região.

83 82 Tabela 26 Número de aterros necessários para tratar os RSU destinados de modo inadequado na Região Norte Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019 RSU não tratado Pequeno 100 t/dia Médio I 500 t/dia Médio II t/dia Grande t/dia AC 366,69 1,06 0,18 0,17 0,00 AP 379,67 0,74 0,16 0,23 0,00 AM 2.473,34 5,19 1,35 0,00 0,64 PA 4.000,44 7,82 4,16 0,40 0,37 RO 778,80 2,46 0,64 0,21 0,00 RR 229,75 0,85 0,00 0,14 0,00 TO 697,68 3,89 0,62 0,00 0,00 Total 8.926,35 22,01 7,11 1,16 1,01 Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013). Para fins ilustrativos, tome-se o seguinte exemplo didático: dividindo-se a área total da Região Norte (3,8 milhões de quilômetros quadrados) por 22 aterros, obtém-se cobertura média de km 2 /aterro. Dividindo-se, para fins analíticos, a Região Norte em 22 sub-regiões circulares, é possível encontrar o raio médio de cobertura de cada aterro. No exemplo em questão, observa-se que a implementação desses 22 aterros permitiria raio de cobertura de 234,5 km para cada aterro. De acordo com projetos de estações de transbordo e aterros ao redor de grandes regiões metropolitanas financiados pelo BNDES, observam-se raios econômicos que variam de 60 km a 90 km. Assim, parece razoável considerar, ao atual custo dos combustíveis e gate fees, que 100 km seja a distância limítrofe para que a atividade de coleta, transporte e destinação se viabilize sem a necessidade de subsídios governamentais. Sabidamente, tais distâncias inviabilizam a possibilidade de compartilhamento de aterros entre municípios, sugerindo que o modelo proposto não é o mais adequado para tratar a problemática dos RSU na região. Provavelmente, essa região requererá outros tipos de tecnologias, além dos aterros sanitários, para tratamento e destinação de seus resíduos. A Tabela 27 apresenta a necessidade total de investimentos na região, da ordem de R$ 247 milhões, ou 10% do total de investimentos requeridos no país.

84 Tabela 27 Estimativas de investimento Norte (em milhões de R$) Pequeno 100 t/dia Médio I 500 t/dia Médio II t/dia Grande t/dia Total AC 5,47 2,04 3,03 0,00 10,53 AP 3,78 1,77 4,07 0,00 9,62 AM 26,67 14,89 0,00 22,26 63,82 PA 40,13 46,03 7,28 12,75 106,20 RO 12,63 7,08 3,83 0,00 23,54 RR 4,37 0,00 2,61 0,00 6,97 TO 19,99 6,82 0,00 0,00 26,81 Total 113,04 78,63 20,82 35,01 247,50 Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013) e Abetre e FGV (2009). 83 Saneamento Ambiental Sul A Região Sul do país não somente gera menos RSU que outras regiões do país (apenas 10 % dos RSU gerados) como, além disso, destina elevado percentual a aterros sanitários, sendo responsável por apenas 5% dos RSU tratados de modo inadequado. A Tabela 28 permite inferir que a Região Sul necessitaria da construção de 19 aterros de pequeno porte (100 t/dia), além de outros cinco aterros médios I (500 t/dia) e um aterro médio II (1.000 t/dia). Tabela 28 Número de aterros necessários para tratar os RSU destinados de modo inadequado na Região Sul RSU não tratado Pequeno 100 t/dia Médio I 500 t/dia Médio II t/dia Grande t/dia PR 2.526,58 7,78 1,69 0,48 0,21 SC 1.370,06 4,61 1,27 0,27 0,00 RS 2.442,83 6,87 2,13 0,37 0,16 Total 6.339,47 19,26 5,10 1,12 0,37 Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013). A proximidade entre centros urbanos na região propicia a formação de consórcios, principalmente ao redor de regiões metropolitanas. Com pequenos municípios, o modelo proposto sugere que cada aterro seja compartilhado por aproximadamente 54 municípios. Com extensão ,08 km 2,

85 84 seguindo o exemplo didático proposto, cada aterro teria um raio de cobertura de 97 km. Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019 Tabela 29 Estimativas de investimento Sul (em milhões R$) Pequeno 100 t/dia Médio I 500 t/dia Médio II t/dia Grande t/dia Total PR 40,0 18,7 8,6 7,3 74,7 SC 23,7 14,1 4,9 0,0 42,7 RS 35,3 23,6 6,6 5,6 71,1 Total 98,9 56,4 20,2 12,9 188,4 Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013). De acordo com as estimativas, seriam necessários ao redor de R$ 188 milhões em investimentos para implementar o parque de aterros necessário para tratar os RSU não tratados na região. Conclusões e propostas O Plano Nacional de Resíduos Sólidos estabeleceu metas a serem cumpridas até agosto de No momento da publicação deste artigo, parte das metas ainda não havia sido cumprida. Entre elas, observa-se a previsão de extinção de todos os lixões (vazadouros a céu aberto) no Brasil. O presente estudo trata o tema com enfoque nas necessidades de investimentos necessárias para a destinação dos RSU em aterros sanitários. Procurou-se estimar a monta de investimentos necessários para a substituição dos lixões (e também dos aterros controlados) por aterros sanitários. Para tanto, foram utilizados dados informados por Abrelpe (2013) acerca da geração e destinação de RSU no Brasil. A sugestão de uma modelagem de cálculo de estimativas de investimentos apresenta, de modo geral, dois desafios: (i) o desenvolvimento da lógica com a qual as varáveis se inter-relacionam de modo a obter os resultados; e (ii) a existência de dados que possam definir as condições de cálculo. No caso do presente artigo, observou-se dificuldade em obter base de dados atualizada e sistematizada com valores nominais do custo de implementação de aterros sanitários de diferentes escalas. Os resultados do modelo apontam para algumas conclusões. As regiões Nordeste e Sudeste respondem, juntas, por 70% do total de RSU gerados no

86 país e também por 70% do total de RSU destinado de modo inadequado no Brasil. Dessa forma, mostram-se regiões prioritárias como alvo de políticas públicas para o setor. As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste têm os maiores déficits de aterros sanitários, com apenas 30% dos resíduos sendo tratados com essa tecnologia, enquanto Sul e Sudeste destinam, em média, 70% de seus RSU a aterros. As regiões brasileiras, por possuírem distribuição populacional bastante heterogênea, apresentam também heterogeneidade na concentração/dispersão dos RSU no território, que se refletem nas tecnologias a serem implantadas em cada região. Com relação às estimativas de investimento, de acordo com o modelo proposto, estimou-se a necessidade de investimentos da ordem de R$ 2,5 bilhões em aterros sanitários de diferentes portes para atender à necessidade de tratamento de RSU que até o ano de 2012 ainda eram destinados a lixões e aterros controlados no Brasil. A distribuição de investimentos por região é sumariada na Tabela Saneamento Ambiental Tabela 30 Investimentos necessários para extinção de lixões no Brasil (em milhões de R$) Região Investimentos necessários Nordeste 1.056,68 Sudeste 652,31 Centro-Oeste 342,14 Norte 247,50 Sul 188,40 Total 2.487,04 Fonte: Elaboração própria, com base em Abetre e FGV (2009) e Abrelpe (2013). No Nordeste, verifica-se maior quantidade de resíduos destinados de forma inadequada, aproximadamente 33,4 mil toneladas por dia, e, ao mesmo tempo, registra-se elevada concentração populacional, 34,15 hab./km. Somando-se as precárias condições de saúde pública e infraestrutura de saneamento, tais fatores sugerem que o Nordeste deveria ser prioridade na implantação de aterros sanitários (erradicando-se os vazadouros a céu aberto). Destacam-se os estados da Bahia, Ceará e Pernambuco como foco

87 86 de política, uma vez que, juntos, somam 60% dos resíduos destinados inadequadamente na Região Nordeste. Estimou-se que seriam necessários valores em torno de R$ 1 bilhão para implantar parque de aterros sanitários capaz de tratar a totalidade dos resíduos que hoje são destinados a lixões e aterros controlados na região. Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019 De acordo com as estimativas documentadas no referido artigo, tal parque deveria ser formado por mix de aterros de grande (2.000 t/dia), médio (de 500 t/dia a t/dia) e pequeno porte (100 t/dia). Em particular, a distância média existente entre pequenos municípios da região indica necessidade de número elevado de pequenos aterros encarecendo-se o custo total de implementação, dadas as economias de escala observáveis. Não se deve, entretanto, negligenciar a situação de grande número de pequenos municípios onde os outros 40% do volume total de RSU não tratados na Região Nordeste estão dispersos. Para tais municípios, estimou-se necessidade de implementação de 121 pequenos aterros (100 t/dia). No caso do Nordeste, em que o raio médio de cobertura desses 121 aterros é inferior a 100 km, soluções consorciadas apresentam atratividade econômica. A Região Norte possui pequena participação no PIB nacional (e, portanto, na geração de RSU), baixa densidade demográfica (com elevada concentração de geração de RSU em poucos municípios de grande porte: notoriamente, Manaus, Belém e Porto Velho) e reduzida taxa de destinação adequada. Destarte, ainda que a geração seja pequena, em volume e percentual, as elevadas taxas de destinação inadequada trazem à tona a necessidade de endereçar a questão. Os investimentos totais em aterros foram estimados em R$ 250 milhões, sendo 50 % em pequenos aterros (22 unidades de R$ 5 milhões) e os outros 50% em médios e grandes (nove unidades de diferentes portes). Merecem atenção sistemas tecnológicos em municípios passíveis de cheias de rios intermitentes. O Centro-Oeste brasileiro apresenta, de acordo com a Figura 4, grandes aglomerados populacionais distantes uns dos outros (Brasília, Goiânia e Cuiabá encontram-se a 700 km de distância umas das outras e possuem, ainda, diversas cidades em suas cercanias), sugerindo a necessidade de soluções de médio e grande portes. Ainda que os resultados do modelo apontem a necessidade de investimentos em pequenos aterros tanto na Região Norte quanto na Centro-Oeste, a distância entre os pontos de geração de RSU em

88 cada região pode facilitar ou dificultar a implementação desses pequenos aterros bem como a formação de consórcios intermunicipais. Tais argumentos apontam necessidade de soluções para tratamento dos resíduos na fonte de geração, por meio de outras tecnologias a depender da composição do resíduo. O Sul e o Sudeste contam com boa cobertura de serviços de coleta e destinação adequada de resíduos, em comparação com o restante do país. No Sudeste, entretanto, o estado de São Paulo ainda é responsável por 58% dos resíduos dispostos de forma inadequada na região e deve ser priorizado na instalação de aterros de médio e grande portes. A densidade demográfica é propícia aos consórcios intermunicipais. A tendência nessas regiões é a difusão de outras tecnologias que visam à valorização de resíduos, seu aproveitamento energético e econômico na indústria. Implementação de sistemas de logística reversa, reciclagem, compostagem, coprocessamento, entre outras tecnologias de maior valor agregado e investimento já começam a surgir dentro dos portfólios de empresas nessas regiões. Os locais onde estão instalados os aterros sanitários acabam por transformar-se em parque industrial de valorização de resíduos. Apoiar essa transformação pode ser uma perspectiva desejável para as regiões Sul e Sudeste. O modelo sugere que há regiões, principalmente onde se verificam maiores concentrações populacionais, onde os consórcios entre municípios viabilizam o compartilhamento de aterros sanitários. Percebe-se que essa modalidade de atuação ainda tem sido pouco utilizada. Em Minas Gerais, o governo do estado lançou um edital de parceria público-privada englobando a região metropolitana, exceto Belo Horizonte, que poderia ser replicado em outras regiões. O modelo sugere ainda que, em outras regiões, principalmente no Norte e no Centro-Oeste, o consórcio entre municípios é insuficiente para solucionar, de forma economicamente viável, o problema da destinação dos RSU apenas via aterros sanitários. Para essas regiões, deve-se verificar a aplicabilidade de outras tecnologias. Ressalta-se, portanto, a necessidade de políticas regionais específicas (taylor made) para o tratamento dos RSU, dependendo da região analisada, uma vez que existem diferenças significativas no perfil de 87 Saneamento Ambiental

89 88 geração de RSU, na distribuição de riqueza e renda, assim como nas taxas de coleta, destinação e tratamento entre as regiões brasileiras. Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019 Anexo I Conceitos e definições (Cap. II, Art. 3, Lei /10) Capítulo II Art. 3 I Acordo Setorial II Área contaminada III Área órfã contaminada IV Ciclo de vida do produto Das definições Ato de natureza contratual firmado entre o setor público e fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, tendo em vista a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto. Local onde há contaminação causada pela disposição, regular ou irregular, de quaisquer substâncias ou resíduos. Área contaminada cujos responsáveis pela disposição não sejam identificáveis ou individualizáveis. Série de etapas que envolvem o desenvolvimento do produto, a obtenção de matérias-primas e insumos, o processo produtivo, o consumo e a disposição final. V Coleta Seletiva Coleta de resíduos sólidos previamente segregados conforme sua constituição ou composição. VI Controle Social VII Destinação final ambientalmente adequada VIII Disposição final ambientalmente adequada IX Geradores de resíduos sólidos X Gerenciamento de resíduos sólidos Conjunto de mecanismos e procedimentos que garantam à sociedade informações e participação nos processos de formulação, implementação e avaliação das políticas públicas relacionadas aos resíduos sólidos. Destinação de resíduos que inclui a reutilização, a reciclagem, a compostagem, a recuperação e o aproveitamento energético ou outras destinações admitidas pelos órgãos competentes do Sisnama, do SNVS e do Suasa, entre elas a disposição final, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos. Distribuição ordenada de rejeitos em aterros, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos. Pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, que geram resíduos sólidos por meio de suas atividades, nelas incluído o consumo. Conjunto de ações exercidas, direta ou indiretamente, nas etapas de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destinação final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, de acordo com plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos ou com plano de gerenciamento de resíduos sólidos, exigidos na forma desta Lei. (Continua)

90 (Continuação) Capítulo II Art. 3 XI Gestão integrada de resíduos sólidos XII Logística reversa XIII Padrões sustentáveis de produção e consumo XIV Reciclagem XV Rejeitos XVI Resíduos sólidos XVII Responsabilidade compartilhada XVIII Reutilização XIX Serviço público de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos Das definições Conjunto de ações voltadas para a busca de soluções para os resíduos sólidos, de forma a considerar as dimensões política, econômica, ambiental, cultural e social, com controle social e sob a premissa do desenvolvimento sustentável. Instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos ou outra destinação ambientalmente adequada. Produção e consumo de bens e serviços de forma a atender as necessidades das atuais gerações e permitir melhores condições de vida, sem comprometer a qualidade ambiental e o atendimento das necessidades das gerações futuras. Processo de transformação dos resíduos sólidos que envolve a alteração de suas propriedades físicas, físico-químicas ou biológicas, com vistas à transformação em insumos ou novos produtos, observadas as condições e os padrões estabelecidos pelos órgãos competentes do Sisnama e, se couber, do SNVS e do Suasa. Resíduos sólidos que, depois de esgotadas todas as possibilidades de tratamento e recuperação por processos tecnológicos disponíveis e economicamente viáveis, não apresenta outra possibilidade que não a disposição ambientalmente adequada. Material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d água, ou exijam para isso soluções técnica ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível. Conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos RSU, para minimizar o volume de resíduos e rejeitos gerados. Processo de aproveitamento dos resíduos sólidos sem sua transformação biológica, física ou físico-química, observadas as condições e os padrões estabelecidos pelos órgãos competentes do Sisnama e, se couber, do SNVS e do Suasa. Conjunto de atividades previstas no art. 7º da Lei nº , de Saneamento Ambiental

91 90 Anexo II Princípios e Objetivos (Cap. II, Art.6 e Art. 7, Lei /10) Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019 Princípios I Prevenção II Poluidor-pagador e o protetor-recebedor III Visão sistêmica... IV- Desenvolvimento sustentável V Ecoeficiência VI Cooperação entre diferentes esferas de governo VII Responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto VIII Reconhecimento do resíduo sólido reutilizável como um bem econômico IX Respeito às diversidades locais e regionais X Direito à informação XI Razoabilidade e a proporcionalidade Objetivos I Proteção da saúde pública II Não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento... III Estímulo à adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo IV Adoção, desenvolvimento e aprimoramento de tecnologias limpas... V Redução do volume e da periculosidade VI Incentivo à indústria de reciclagem... VII Gestão integrada de resíduos sólidos VIII Articulação entre diferentes esferas do setor público IX Capacitação técnica... X Regularidade, continuidade, funcionalidade... XI Prioridade nas aquisições e contratações governamentais para: (a) produtos reciclados e recicláveis; (b) bens, serviços e obras que considerem... XII Integração dos catadores de materiais reutilizáveis XIII... implementação da avaliação do ciclo de vida do produto XIV Incentivo ao desenvolvimento de sistemas de gestão ambiental empresarial XV Estímulo à rotulagem ambiental e ao consumo sustentável Anexo III Instrumentos selecionados pelos autores (Cap.II, Art. 8, Lei /10) Instrumentos I Os planos de resíduos sólidos II Os inventários e o sistema declaratório anual de resíduos sólidos (Continua)

92 (Continuação) Instrumentos III A coleta seletiva, os sistemas de logística reversa e outras ferramentas relacionadas à implementação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos IV O incentivo à criação e ao desenvolvimento de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis V O monitoramento e a fiscalização ambiental, sanitária e agropecuária VI A cooperação técnica e financeira entre os setores público e privado VII A pesquisa científica e tecnológica VIII Educação ambiental IX Incentivos fiscais, financeiros e creditícios X O Fundo Nacional de Meio Ambiente e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico XI Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão de Resíduos Sólidos (Sinir) XII Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (Sinisa) XIII Os conselhos de meio ambiente e, no que couber, os de saúde XIV Os órgãos colegiados municipais destinados ao controle social dos serviços de resíduos sólidos urbanos XV O Cadastro Nacional de Operadores de Resíduos Perigosos XVI Os acordos setoriais XVII No que couber, os instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente XVIII Os termos de compromisso e os termos de ajustamento de conduta XIX O incentivo à adoção de consórcios ou de outras formas de cooperação entre os entes federados, com vistas à elevação das escalas de aproveitamento e à redução dos custos envolvidos. 91 Saneamento Ambiental Fonte: Brasil (2010a). Referências Abetre Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos; FGV Fundação Getulio Vargas. Estudo sobre os aspectos econômicos e financeiros da implantação e operação de aterros sanitários. Rio de Janeiro: FGV, Abrelpe Panorama dos resíduos sólidos no Brasil Disponível em: < Acesso em: 11 jun Brasil. Casa Civil da Presidência da República, Lei , de 2 de agosto de Diário Oficial da União, 3 ago. 2010a.

93 92. Casa Civil da Presidência da República. Decreto 7.404, de 23 de dezembro de Diário Oficial da União, 23 dez. 2010b, edição extra. Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e Ministério do Meio Ambiente. Plano Nacional de Resíduos Sólidos. Versão preliminar. Brasília, ago Cerbato, F.; Argolo, J. Análise técnica e Socioambiental do Aterro Controlado do Município de Amargosa-BA. Entrelaçando Revista Eletrônica de Culturas e Educação, n. 5, ano III, jan.-abr ISSN FADE-UFPE; BNDES Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da Universidade Federal de Pernambuco; Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Análise das diversas tecnologias de tratamento e disposição final de resíduos sólidos urbanos no Brasil, Europa, Estados Unidos e Japão. Dez IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Diagnóstico dos resíduos sólidos urbanos. Brasília, Martins, G. Atuação do BNDES no setor de resíduos sólidos urbanos. Rio de Janeiro: BNDES, Ruth, M. Integrating economics, ecology and thermodynamics. Netherlands: Kluwer Academic Publishers. London, Wolfrum, R. O Princípio da Precaução. In: Varella, M. D.; Platiau, A. F. B. (org.). Princípio da Precaução: Coleção Direito Ambiental em Debate. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, UN United Nations. Our common future report of the World Commission on Environment and Development. New York, 1987.

94 Bebidas BNDES Setorial 40, p O setor de bebidas no Brasil Osmar Cervieri Júnior Job Rodrigues Teixeira Junior Rangel Galinari Eduardo Lederman Rawet Carlos Takashi Jardim da Silveira * Resumo O presente trabalho traz um panorama da evolução recente do setor de bebidas através da análise de dados oficiais de produção, consumo, investimentos e balança comercial. Além disso, comentam-se as principais características de mercado que atualmente impactam a competitividade das empresas produtoras de bebidas. Busca-se, assim, analisar dados e organizar informações a fim de traçar perspectivas para o setor nos próximos anos. * Respectivamente, engenheiro, gerente, economista e estagiários do Departamento de Bens de Consumo, Comércio e Serviços da Área Industrial do BNDES.

95 94 Introdução O setor de bebidas no Brasil Este artigo discute alguns dos principais temas relativos ao setor de bebidas, caracterizado no passado recente por um forte crescimento e, em relação ao futuro próximo, por questões que vão além das variáveis mais tradicionais, passando por segmentações de alto valor agregado e chegando ao que vem sendo chamado de economia da experiência. No Brasil, a produção de refrigerantes destaca-se como o principal item do setor de bebidas, aparecendo em seguida a produção de cervejas. Esses ramos apresentam números robustos, respondendo por fração significativa do valor adicionado da indústria de transformação. Mesmo não sendo um setor de trabalho intensivo, em termos absolutos o setor é responsável pela geração de dezenas de milhares de postos de trabalho. Em relação ao comércio exterior, cervejas e refrigerantes mostram baixíssima penetração das importações, embora o saldo comercial seja deficitário, por conta de insumos-chave, por exemplo o malte. Os números do setor de bebidas são apresentados na próxima seção. Além de números expressivos, o setor ostenta ampla difusão regional, o que se deve às características do produto, composto quase integralmente por água. Esse aspecto faz com que a opção por produzir localmente seja mais racional, com a redução nos custos logísticos compensando eventuais economias de escala que poderiam ser obtidas por meio de maior concentração da produção. Esse aspecto dá ao setor certa ubiquidade, tornando-o um elemento que contribui com a dinamização de regiões pouco industrializadas, até mesmo por conta da cadeia produtiva envolvida, que inclui, por exemplo, distribuição, armazenagem, comercialização, obtenção de insumos e produção de embalagens. A terceira seção apresenta de modo resumido os principais processos produtivos do setor, incluindo-se breve descrição das cadeias. As estruturas de mercado da indústria de cervejas e da de refrigerantes mostram-se fortemente concentradas e caracterizam-se pela presença de empresas e marcas líderes. Em relação ao padrão de concorrência, destacam-se como variáveis estratégicas maciços investimentos em marketing e controle de canais de distribuição. A quarta seção discute o mercado de bebidas. O setor de bebidas deve seu peso econômico à atuação das grandes empresas, que se dedicam à produção em larga escala de semicommodities competindo via marca e aumentando as margens de lucro por meio de ganhos

96 de produtividade. Contudo, há um crescente segmento em que predominam empresas pequenas e médias que enfatizam a diferenciação como forma de competição, oferecendo produtos premium destinados ao público da classe de consumo A. A quinta seção aborda esse fenômeno ao estudar três casos: cervejas especiais, cachaça artesanal e exploração turística do vinho. Com demanda correlacionada diretamente ao crescimento econômico e a novos padrões de consumo, o setor de bebidas possui boas perspectivas de expansão, sobretudo nos segmentos de maior valor agregado. A última seção deste artigo, além de apresentar as conclusões, deixa reflexões sobre os desafios e oportunidades associados ao setor de bebidas. 95 Bebidas O setor de bebidas no Brasil e no mundo As variedades produzidas no Brasil A fim de estipular um conjunto de variáveis que reflitam a composição recente da produção brasileira de bebidas industrializadas, o presente trabalho adotou a lista de produtos da Pesquisa Industrial Anual (PIA) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 1 para o setor. Por esse critério, as bebidas estão agrupadas em cinco segmentos, correspondentes às cinco classes de atividades econômicas da CNAE de fabricação de bebidas. Sendo assim, o universo dos dados utilizados na análise que segue está limitado aos produtos da referida lista. A Tabela 1 indica, para o acumulado do período, os percentuais de participação de cada classe CNAE (em negrito) na produção da Divisão 11 (bebidas), além dos percentuais de participação de cada bebida nas respectivas classes CNAE e no setor bebidas. Os percentuais foram calculados para volume e valor das vendas. Os números oferecem, com base em médias, uma ideia da composição da produção da indústria brasileira. Os refrigerantes despontam como o principal produto do setor, seguidos da produção de cervejas juntos, ultrapassam 75% do valor total da produção de bebidas, exclusive xaropes. Aguardentes e outras bebidas destiladas, vinhos e águas envasadas completam o quadro. 1 A Lista de Produtos da Indústria (Prodlist-Indústria) é uma lista detalhada de bens e serviços industriais investigados através da PIA-Produto, elaborada segundo conceitos de harmonização e articulação entre a Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) e a Classificação Central de Produtos (Central Product Classification CPC).

97 96 Tabela 1 Composição do setor de bebidas, segundo valor das vendas e volume produzido Brasil, acumulado (em %) O setor de bebidas no Brasil Segmento Participação Na classe No setor Valor Volume Valor Volume Refrigerantes e outras 100,0 100,0 45,7 46,5 bebidas não alcoólicas Refrigerantes 73,1 96,9 33,4 45,1 Preparações em xarope 23,9 0,4 10,9 0,2 para elaboração de bebidas, para fins industriais Bebidas não alcoólicas 1,5 1,8 0,7 0,8 de outros tipos, exceto guaraná natural, sucos ou refrescos de frutas Bebidas isotônicas 1,0 0,6 0,5 0,3 Águas minerais ou 0,3 0,3 0,1 0,1 águas gaseificadas com adoçantes ou aromatizantes Bebidas energéticas 0,1 0,1 0,1 0,0 Preparações em xarope 0,1 0,0 0,0 0,0 para elaboração de bebidas, exceto para fins industriais Malte, cervejas e chope 100,0 100,0 42,7 37,3 Cervejas ou chope 100,0 100,0 42,7 37,3 Aguardentes e outras 100,0 100,0 6,6 5,0 bebidas destiladas Aguardente de canade-açúcar 48,8 79,0 3,2 3,9 (cachaça ou caninha); rum ou tafiá Bebidas alcoólicas 24,8 10,6 1,6 0,5 destiladas, de outros tipos (aguardente de frutas, gim, genebra etc.) Uísques 11,2 1,7 0,3 0,1 Vodca 10,7 6,3 0,7 0,3 Aguardente de vinho ou de bagaço de uva (conhaque, brande etc.) 4,5 2,5 0,7 0,1 (Continua)

98 (Continuação) Segmento Participação Na classe No setor Valor Volume Valor Volume 97 Bebidas Vinhos 100,0 100,0 2,8 1,3 Vinhos de uvas, exceto do tipo champanha Misturas de bebidas fermentadas ou de bebidas não alcoólicas com fermentadas Vinhos de uvas frescas, tipo champanha Sidra ou outras bebidas fermentadas 57,9 64,9 1,6 0,8 18,5 20,2 0,5 0,3 14,3 6,1 0,4 0,1 6,4 5,8 0,2 0,1 Vermutes ou outros 2,9 3,0 0,1 0,0 vinhos de uvas frescas aromatizados Águas envasadas 100,0 100,0 2,3 9,9 Águas minerais naturais, 99,2 97,1 2,2 9,7 sem adoçantes ou aromatizantes, inclusive gaseificadas Água purificada adicionada de sais minerais, sem adoçantes ou aromatizantes, inclusive gaseificadas 0,8 2,9 0,0 0,3 Fonte: IBGE PIA-Produto. Comparando os percentuais de participação em valor das vendas e volume produzido, é possível estabelecer uma noção de valor agregado para os produtos. O caso mais emblemático é o dos xaropes concentrados destinados à indústria de refrigerantes. No acumulado do período representaram 23,9% do valor das vendas de sua classe e apenas 0,4% do volume produzido, evidenciando que se trata de um produto de elevado valor agregado. O mesmo pode ser dito do uísque, da vodca, de outras bebidas alcoólicas destiladas e dos vinhos de uva frescas tipo champanha, cuja qualidade vem sendo reconhecida em anos recentes. Por outro lado, os refrigerantes, os vinhos de uvas (exceto do tipo champanha) e as aguardentes de cana-de-açúcar destacam-se como produtos de valor agregado relativamente baixo,

99 98 uma vez que, dentro de suas respectivas classes, a participação no valor das vendas desses produtos é substancialmente inferior à participação na quantidade produzida. O setor de bebidas no Brasil Produção, emprego e comércio exterior do Brasil De acordo com informações da PIA 2011 do IBGE (PIA-Empresa), o setor de fabricação de bebidas responde por aproximadamente 4% do valor adicionado da indústria de transformação brasileira. Por ser intensivo em capital, o setor tende a ser menos expressivo no que tange ao fator trabalho. Ainda assim, emprega cerca de 144 mil pessoas no mercado formal, o que corresponde a 2,2% do pessoal ocupado na indústria de transformação do Brasil. Em razão do fácil acesso a fontes de água no Brasil (um dos principais insumos da produção de bebidas), a localização geográfica das plantas industriais do setor é orientada pela proximidade a seus mercados consumidores. Sendo assim, essa indústria encontra-se distribuída por todo o território nacional. A Tabela 2 ilustra esse fato, demonstrando que o emprego no setor ao longo do espaço geográfico brasileiro assemelha-se à distribuição da população, o que revela também sua importância enquanto gerador de postos de trabalho em áreas periféricas do país. Tabela 2 Distribuição regional do emprego nos segmentos que compõem o setor de bebidas e da população brasileira, 2012 (em %) Segmento Região natural Total (%) Fabricação de aguardentes e outras bebidas destiladas Fabricação de vinho Fabricação de malte, cervejas e chopes Norte (%) Nordeste (%) Sudeste (%) Sul (%) Centro- Oeste (%) (Continua)

100 (Continuação) Segmento Região natural Total (%) Fabricação de águas envasadas Fabricação de refrigerantes e de outras bebidas não alcoólicas Total emprego no setor de bebidas Norte (%) Nordeste (%) Sudeste (%) Sul (%) Centro- Oeste (%) População (2010) Fontes: MTE Rais 2012; IBGE Censo Demográfico Bebidas O setor vem apresentando grande dinamismo. Segundo o Gráfico 1, que apresenta informações da Pesquisa Industrial Mensal do IBGE (PIM-PF), o crescimento acumulado da produção física de bebidas no Brasil chegou a 50% no período Nesse período, a taxa média de crescimento do volume produzido foi de 4,2% a.a. Dado que nesse intervalo de tempo o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cresceu a uma taxa média real de 3,7% a.a., esses números revelam como o setor apresentou uma resposta elástica ao crescimento da renda da população. Contudo, uma pequena queda na produção de refrigerantes, o baixo crescimento do PIB registrado desde 2011 e alterações tributárias contribuíram para a estagnação da produção física no passado recente, o que não anula, porém, o caráter expressivo da trajetória observada ao longo dos últimos dez anos. Como visto anteriormente, a produção nacional tem no refrigerante e na cerveja 2 seus dois grandes produtos. Juntos, esses dois segmentos representam aproximadamente 82% do volume produzido e 76% do valor total das vendas de bebidas no Brasil. Dessa forma, a dinâmica do setor de bebidas no país é substancialmente dependente do desempenho desses dois segmentos. Os gráficos 2 e 3 complementam o anterior, evidenciando os bons resultados da produção de cervejas e refrigerantes no Brasil. 2 Segundo informação obtida em vista a um grande fabricante, o volume de chope (cerveja não pasteurizada) produzido e consumido no Brasil representa entre 2% e 3% do volume da cerveja.

101 grafico Gráfico 1 Índice acumulado do crescimento da produção física de bebidas Brasil, (2003=100) O setor de bebidas no Brasil Fonte: IBGE PIM-PF. grafico 02 Gráfico 2 Produção de cervejas Brasil, (em milhões de litros) * Fonte: IBGE PIA-Produto. * Dados estimados por meio de estatísticas obtidas do Sistema de Controle de Produção de Bebidas (Sicobe).

102 grafico 03 Gráfico 3 Produção de refrigerantes Brasil, (em milhões de litros) Bebidas * Fonte: IBGE PIA-Produto. * Dados estimados por meio de estatísticas obtidas do Sicobe. grafico 04 Gráfico 4 Balança comercial brasileira de bebidas (em milhões de US$) (500) (264) (790) (1.000) Importação Exportação Saldo Fonte: AliceWeb/Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). A balança comercial brasileira de bebidas vem apresentando déficits crescentes nos últimos anos, conforme ilustra o Gráfico 4. As exportações cresce-

103 102 ram no período a uma taxa média de 2,4% a.a. As importações, por seu turno, avançaram em ritmo mais forte, acelerando a partir de De 2001 a 2006, as importações cresceram em média 6,9% a.a. e, de 2006 a 2012, essa taxa subiu a 15,8% a.a. O Gráfico 5 desagrega os resultados da balança comercial em três grupos: bebidas alcoólicas, bebidas não alcoólicas e maltes principal insumo agrícola para a fabricação da cerveja. Na média do período analisado, os grupos de bebidas alcoólicas e não alcoólicas responderam, respectivamente, por 50% grafico e 4% do déficit. O 05 restante (46%) foi representado pela importação de maltes. O setor de bebidas no Brasil Gráfico 5 Composição do déficit da balança comercial brasileira de bebidas (em milhões de US$) 50 0 (50) 62 (100) (150) (200) (250) (300) (324) (350) (400) (450) (408) (404) 2012 Bebidas não alcoólicas Bebidas alcoólicas Maltes Fonte: AliceWeb/Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). As bebidas produzidas em grandes volumes, destinadas basicamente ao mercado interno, têm como característica uma relativa homogeneidade. No entanto, o crescimento da renda acarreta mudanças de hábitos de consumo, que em parte dos compradores reflete-se em busca por diferenciação via aquisição de produtos mais sofisticados. Esse processo, que vem ocorrendo no Brasil, leva ao aumento da procura por produtos importados. O crescimento dos coeficientes de penetração das importações reforça a ideia dessa tendência para o mercado brasileiro. Os dados da Tabela 3 mostram que os vinhos figuram como a principal bebida estrangeira procurada.

104 Tabela 3 Coeficiente de penetração das importações de segmentos do setor de bebidas Brasil, (em %) Bebida Vinhos 12,40 14,80 17,70 18,90 16,60 18,30 18,50 Destilados 2,70 3,30 3,20 2,80 2,70 3,50 4,40 Refrigerante e 0,25 0,23 0,25 0,29 0,28 0,28 0,43 outras bebidas não alcoólicas Cervejas 0,02 0,03 0,06 0,10 0,08 0,10 0,21 Águas 0,06 0,09 0,12 0,14 0,09 0,11 0,19 Fonte: AliceWeb/MDIC. 103 Bebidas A indústria de bebidas no mundo O consumo de cervejas e refrigerantes O Brasil conquistou em anos recentes a terceira posição na lista dos maiores consumidores mundiais de cervejas e refrigerantes. Conforme evidencia o Gráfico 6, o consumo brasileiro é inferior apenas ao verificado nos Estados Unidos da América (EUA) e na China. grafico 06 Gráfico 6 Maiores consumidores mundiais de cervejas e refrigerantes, 2011 (em milhões de hectolitros) EUA 69% 31% China 21% 79% Brasil México Alemanha 57% 71% 48% 52% 29% 43% Rússia 29% 71% Reino Unido 54% 46% Refrigerantes Cervejas Fonte: Elaboração própria, com base em dados da Kirin Beer University (para cervejas) e da IndexMundi (para refrigerantes).

105 104 Por outro lado, no que tange ao consumo per capita, os números brasileiros são relativamente tímidos. Ao consumir uma média de 67 litros de cerveja/habitante/ano, o país ocupa apenas a 24ª posição do ranking de consumo per capita mundial, que é liderado por República Tcheca (147 litros/habitante/ano), Áustria (108 litros/habitante/ano) e Alemanha (108 litros/habitante/ano), segundo informações da Kirin Beer University. Em relação aos refrigerantes, o Brasil consome cerca de 85 litros/habitante/ano, o que o faz ocupar a 12ª posição do ranking mundial, em cujas primeiras posições estão os EUA (170 litros/habitante/ano), o México (146 litros/habitante/ano) e o Chile (127 litros/habitante/ano), de acordo com dados do Euromonitor. O setor de bebidas no Brasil A produção de cerveja Com relação à cerveja, a Tabela 4 lista os dez países que mais produziram em 2012, conjunto que respondeu por 66,4% da produção mundial. A tabela também apresenta um comparativo com os respectivos desempenhos no ano de Nesse intervalo, Brasil, Rússia e Alemanha alternaram posições no ranking entre as colocações três e cinco. No entanto, a partir de 2010, o Brasil consolidou-se como o terceiro maior produtor mundial. Cabe destacar o grande aumento na produção dos chamados BRICS: Brasil (+61%); Rússia (+77%); Índia 3 (+254%); China (+123%); e África do Sul 4 (+28,6%). Por outro lado, entre os dez maiores produtores, as reduções mais acentuadas couberam ao Reino Unido (-24%), Japão (-22%) e Alemanha (-14%). Tabela 4 Principais produtores de cerveja do mundo nos anos 2000 e 2012 País Ranking Produção (milhões hectolitros) Market share Variação Variação Por Acumulado país China 1 o 2 o 1 490, , ,8 25,1 25,1 EUA 2 o 1 o 1 229, ,500-1,4 11,8 36,9 Brasil 3 o 4 o 1 132,800 82, ,8 6,8 43,7 Rússia 4 o 8 o 4 97,400 54, ,4 5,0 48,7 (Continua) 3 Índia não figura na tabela, pois ocupa a 20ª posição no ranking África do Sul não figura na tabela, pois ocupa a 11ª posição no ranking 2012.

106 (Continuação) País Ranking Produção (milhões hectolitros) Variação Variação Por país Market share 2012 Acumulado Alemanha 5 o 3 o 2 94, ,429-14,3 4,8 53,5 México 6 o 6 o - 82,500 57, ,7 4,2 57,7 Japão 7 o 5 o 2 55,465 70,998-21,9 2,8 60,6 Reino 8 o 7 o 1 42,049 55,279-23,9 2,2 62,7 Unido Polônia 9 o 12 o 3 37,800 24, ,5 1,9 64,7 Espanha 10 o 9 o 1 33,000 26, ,0 1,7 66,4 Demais 656, , ,4 33,6 100,0 Mundo 1.951, , ,1 BRICS 739, , ,8 37,9 Mundo sem BRICS 1.211, , ,7 62,1 Fonte: Barth-Haas Group. 105 Bebidas No que se refere às grandes companhias mundiais de cerveja, destaque para a belga-brasileira Anheuser-Bush InBev S.A. (AB InBev) 5 (Tabela 5). A empresa foi criada em 2004 pela fusão entre a brasileira Companhia de Bebidas das Américas (Ambev) e a belga Iterbrew, dando origem à InBev, que passou a ser a maior fabricante mundial de cerveja. Em 2008, a InBev adquiriu a segunda maior fabricante à época, a companhia Anheuser-Busch, dos EUA (cuja marca de cerveja mais conhecida é a Budweiser). Tabela 5 Maiores companhias de cerveja do mundo em 2012, segundo o volume produzido Companhia País Produção (milhões de hectolitros) Market share 2012 Por companhia (%) Acumulado (%) AB Inbev * Brasil e Bélgica 352,900 18,1 18,1 (Continua) 5 A AB InBev possui produção e acordos comerciais nos principais mercados do mundo. Com mais de duzentas marcas de cerveja em seu portfólio, teve em 2013 uma receita de US$ 43,2 bilhões. A companhia emprega mais de 150 mil funcionários em 24 países.

107 106 O setor de bebidas no Brasil (Continuação) Companhia País Produção (milhões de hectolitros) Market share 2012 Por companhia (%) Acumulado (%) SABMiller ** Reino Unido 190,000 9,7 27,8 Heineken Holanda 171,700 8,8 36,6 Carlsberg Dinamarca 120,400 6,2 42,8 China China 106,200 5,4 48,2 Resources Snow Breweries Ltd. Tsingtao China 78,800 4,0 52,3 Brewery Group Grupo Modelo México 55,800 2,9 55,1 Molson-Coors EUA e Canadá 55,100 2,8 58,0 Yanjing China 54,000 2,8 60,7 Kirin Japão 49,300 2,5 63,3 Demais 717,081 36,7 100,0 companhias Total 1.951,281 Fonte: Barth-Haas Group. * Ainda sem considerar a incorporação do Grupo Modelo, concluída em jun ** Sem considerar a joint venture com a China Resources Snow Breweries Ltd. O case da Ambev A Ambev resultou da associação, em 1999, entre a companhia Cervejaria Brahma e a companhia Antarctica Paulista. Foi criada com o objetivo de se transformar em uma empresa com atuação multinacional, de porte compatível com os players já estabelecidos no exterior e em condições de competir no mercado mundial de cervejas e refrigerantes, em especial na América Latina. Atualmente, é responsável pelas operações do Grupo AB-Inbev nas Américas, operando em 14 países. Quando de sua criação, em 1999, a produção de cerveja das companhias Brahma e Antarctica foi de aproximadamente 52,3 milhões de hectolitros. 6 Segundo dados divulgados pela Ambev, sua produção no país, em 2013, atingiu 83,0 milhões de hectolitros de cerveja e 30,2 milhões de hectolitros 6 Segundo estatísticas do Sindicerv. Não foi possível encontrar o dado referente a refrigerantes.

108 de refrigerantes e bebidas não alcoólicas e não carbonatadas. Nas operações internacionais, 7 o volume de vendas no mesmo ano alcançou 52,0 milhões de hectolitros, considerando todos os produtos comercializados. Hoje a Ambev possui um parque fabril de 35 plantas no país e 42 no exterior. 8 Sua rede de distribuição no Brasil está presente em aproximadamente 1 milhão de pontos de venda (o país possui cerca de 1,2 milhão de pontos de venda). A estrutura de distribuição nacional está dividida em uma rede de 153 distribuidores terceirizados exclusivos e um sistema próprio composto de 83 centros de distribuição direta, próximos às grandes regiões urbanas. Os fortes investimentos de expansão realizados pela companhia ao longo dos últimos anos contaram, além de captações nos mercados de capital nacional e internacional, com linhas de crédito disponibilizadas pelos principais bancos estrangeiros e brasileiros, entre os quais o BNDES. A classificação de risco da companhia como grau de investimento pelas principais classificadoras de risco internacionais proporcionou à empresa acesso a instrumentos adequados de financiamento. 107 Bebidas Cadeias produtivas Uma forma possível de descrever as cadeias produtivas das bebidas industrializadas consiste em agrupar seus processos em três conjuntos, tendo como elo central a fabricação, como elo a montante o fornecimento de insumos e, por fim, como elo a jusante a distribuição do produto acabado até o ponto de venda. Com base nesse critério, as cadeias produtivas dos dois principais produtos do setor brasileiro de bebidas cerveja e refrigerante serão caracterizadas a seguir. As duas bebidas oferecem grandes oportunidades de economias de escopo e, por esse motivo, são muitas vezes produzidas em uma mesma unidade industrial. Contudo, seus processos de fabricação guardam diferenças importantes em nível de complexidade. Dessa forma, o 7 De acordo com relatórios disponibilizados no website da Ambev, a representatividade dos mercados na receita líquida em 2013 está assim agrupada: Brasil (cervejas 52,9% e refrigerantes e não carbonatadas 10,4%); América Latina Sul Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia e Chile (20,3%); Canadá (12,2%); e Hila-Ex El Salvador, Equador, Guatemala, Nicarágua, Peru e República Dominicana (4,1%). 8 Assim localizadas: Argentina (13); Bolívia (8); Canadá (6); Uruguai (4); Peru (2); Paraguai (2); Guatemala (2); República Dominicana (2); Equador (1); Chile (1); Saint Vicente (1); e Dominica (1).

109 108 compartilhamento de operações entre as duas bebidas acontece no início da cadeia, na aquisição de embalagens, e ao fim, quando os produtos entram no sistema de distribuição. O setor de bebidas no Brasil Cerveja fornecedores Insumos agrícolas A cerveja é produzida a partir do malte, produto resultante da germinação parcial dos grãos da cevada. No entanto, a legislação 9 brasileira permite que parte do malte seja substituída por outras fontes de carboidratos fermentáveis, denominadas adjuntos cervejeiros, em uma proporção de até 45% em peso. A lei considera adjuntos cervejeiros os cereais aptos ao consumo humano e os amidos e açúcares de origem vegetal, sendo o milho e o arroz os mais empregados pelas cervejarias brasileiras. Dessa forma, a cadeia produtiva da cerveja se inicia no campo, com a possibilidade de utilização dos insumos agrícolas que oferecerem os melhores preços. Maltarias Depois de colhida entre fim de outubro e início de dezembro, no Brasil, a cevada segue para a maltaria. Nessa etapa, os grãos recebem água, a fim de desencadear um processo de germinação. Estocados em ambiente com temperatura e umidade controladas, a germinação é interrompida por meio de secagem. Após um processo de torrefação, a cevada está transformada em malte. A produção das maltarias brasileiras atende a cerca de um terço da demanda interna, e está concentrada em quatro unidades industriais: Rio Grande do Sul (2); Paraná (1); e São Paulo (1). Como visto na seção sobre a balança comercial, o malte é um produto em que o Brasil é deficitário. Entre os anos de 2005 a 2012, as importações líquidas cresceram a uma taxa de 24% a.a., totalizando no acumulado do período um déficit de aproximadamente US$ 2 bilhões. Os grandes volumes são provenientes do Uruguai e da Argentina, contudo, a produção das chamadas cervejas gourmet e cervejas artesanais demanda maltes específicos, provenientes em sua maioria de países da Europa. 9 Decreto 6.871, de 4 de junho de 2009, Art. 36.

110 As companhias que adotam a estratégia de verticalização costumam possuir maltarias próprias. É o caso da empresa líder do setor no Brasil (Ambev S.A.), que possui duas maltarias no Rio Grande do Sul, duas no Uruguai e três na Argentina. 109 Bebidas Máquinas e equipamentos Os principais bens de capital empregados nas cervejarias consistem em silos de armazenagem, moinhos, filtros, tanques, caldeiras, trocadores de calor e esteiras. Esse maquinário é comum a outras indústrias, principalmente as do setor de alimentos. Seu estágio tecnológico é considerado maduro, e as principais fontes de melhoria estão relacionadas a temas como diminuição do consumo de água e de energia e redução das emissões de CO 2 e de resíduos. Com relação aos equipamentos de envase, cabe ressaltar que as grandes empresas, que operam fábricas com linhas de alta velocidade de enchimento de latas e garrafas, dispõem de poucas opções de fornecedores. Tais máquinas possuem um conteúdo tecnológico dominado por poucos fabricantes 10 de atuação mundial. Já as unidades produtivas de menor capacidade podem contar com fornecedores locais. Embalagens O suprimento para embalagens envolve garrafas de vidro, rótulos, rolhas metálicas ( tampinhas para garrafas) e latas de alumínio. A empresa líder do setor verticaliza toda sua necessidade de rótulos e rolhas metálicas e parte de sua necessidade de garrafas. O restante da demanda da indústria cervejeira é atendido por empresas atuantes no Brasil. Também são fornecidos pelo mercado interno materiais como caixa-cartão, engradados, pallets, filmes plásticos, entre outros. Cerveja fabricação Cervejarias de grande porte Embora existam variações de aromas e sabores entre as cervejas fabricadas pela grande indústria e aquelas produzidas por microcervejarias, ou mesmo por cervejeiros artesanais, elas são produzidas seguindo basicamente 10 Os principais fabricantes são: Krones (Alemanha); KHS (Alemanha); e Sidel (Suíça).

111 110 o mesmo processo de fabricação. A descrição de um processo genérico pode ser sintetizada em quatro etapas: mostura; fervura; fermentação; e maturação. Ao ingressar na linha de produção da cervejaria, o malte recebe água, calor e lúpulo, 11 visando à obtenção de uma mistura líquida açucarada chamada mosto, que é a base para a futura cerveja. O processo de produção do mosto baseia-se exclusivamente em fenômenos naturais, consistindo basicamente em um cozimento. Após seu preparo, o mosto recebe a levedura 12 e é colocado em tanques fermentadores. Nesse período, os açúcares do mosto são transformados em álcool e gás carbônico. Uma vez concluída a fermentação, a cerveja passa por um processo de maturação. Nesse período, sutis transformações ocorrem para aprimorar o sabor da cerveja. Ao fim dessa etapa, a cerveja está praticamente concluída, restando apenas um processo de filtragem, que visa eliminar partículas em suspensão. O envase pode ser feito em garrafas, latas ou barris. Nessa fase, a cerveja é submetida à pasteurização, a fim de garantir esterilidade microbiológica ao produto, o que resulta em maior prazo de validade. Quando não pasteurizada, a cerveja recebe o nome de chope (ou chopp), e geralmente é envasada em barris de alumínio. Em uma unidade de grande escala, o processo produtivo descrito pode ser concluído em até dez dias. Já em uma microcervejaria, ou na produção artesanal, em que se buscam características bastante particulares de aroma e sabor, o tempo de produção pode ultrapassar os vinte dias. O setor de bebidas no Brasil Microcervejarias Em uma indústria caracterizada pela concentração de mercado, as microcervejarias vêm despontando regionalmente. Estima-se que o Brasil possua cerca de duzentas microcervejarias. A maior parte delas está localizada nas regiões Sul e Sudeste, porém a atividade vem se tornando popular nas demais regiões do país. 11 Lúpulo é a flor de uma planta trepadeira, responsável pelo aroma e amargor característicos da cerveja, além de atuar como conservante natural. Embora seja um insumo totalmente importado, sua participação no valor da produção da cerveja é marginal. 12 Levedura é um fermento natural responsável pela transformação dos açúcares do malte em álcool e gás carbônico.

112 As microcervejarias, em sua maioria, prezam pelo cumprimento da Lei Alemã de Pureza, 13 com o objetivo de ofertar no mercado uma bebida elaborada e de características especiais, sem visar à concorrência em preço com as marcas das grandes companhias. O crescimento da renda da população tem sido um fator importante para a migração dos consumidores para produtos mais caros. Contudo, em virtude do limitado raio de distribuição, esses fabricantes costumam atender apenas ao município onde estão instalados. 111 Bebidas Cervejeiros artesanais Os cervejeiros artesanais são apreciadores da bebida que exercem a produção como um hobby. Trata-se de um mercado para os insumos da fabricação artesanal, e não da bebida em si. Apesar de ainda incipiente no Brasil, se comparado às experiências vistas nos EUA e na Europa, o comércio de maltes, leveduras e lúpulos especiais em sua maioria importados é uma atividade que tem apresentado bom ritmo de crescimento no país. Cerveja distribuição O modelo de distribuição usual das grandes cervejarias consiste em dois canais: centros próprios de distribuição direta e contratos com empresas terceirizadas. Através dos centros próprios de distribuição direta, as companhias atendem a importantes clientes das grandes regiões urbanas. Já as distribuidoras contratadas buscam os produtos diretamente nas fábricas para realizar outras entregas. O comércio atacadista completa esse elo da cadeia atuando nos pontos de venda que não são atendidos diretamente pelos centros de distribuição ou pelas distribuidoras terceirizadas. Refrigerante fornecedores Matérias-primas Os refrigerantes são bebidas constituídas basicamente pela mistura de quatro ingredientes: água; açúcar (ou edulcorantes); extratos concentrados e gás carbônico. Participam também substâncias coadjuvantes, principalmente conservantes, acidulantes e antioxidantes. 13 A Lei Alemã de Pureza limita em quatro os ingredientes utilizados na fabricação da cerveja: água, lúpulo, malte (de cevada ou de trigo) e levedura. É proibido o uso de qualquer conservante ou cereal não maltado.

113 112 Os extratos concentrados são os responsáveis pelas características de cor, aroma e sabor dos refrigerantes. Os tipos mais consumidos no Brasil são o tipo cola, o guaraná e o sabor frutas (laranja, limão, uva etc.). São produzidos em unidades industriais próprias principalmente a fim de guardar sua fórmula sob segredo industrial e depois entregues aos fabricantes de refrigerantes. Como visto na seção sobre o perfil da produção brasileira, os xaropes concentrados apresentam alto valor agregado. Na classe de refrigerantes e outras bebidas não alcoólicas, responderam, no período analisado, por 24% do valor da produção e apenas 0,4% do volume. O açúcar é utilizado para conferir sabor doce e encorpar a bebida. É totalmente adquirido no mercado interno e possui preço atrelado a cotações internacionais e ao dólar. Nos refrigerantes de baixa caloria, o açúcar é substituído por edulcorantes, sendo os mais empregados a sacarina e o ciclamato. Os edulcorantes também são adquiridos no mercado interno. O dióxido de carbono é um gás industrial de inúmeras aplicações. É um insumo que pode ser comprado de empresas fornecedoras, ou produzido dentro da própria fábrica de refrigerantes. Injetado nas bebidas processo conhecido como carbonatação, sua função é realçar o paladar e a aparência do produto. A expansão do gás quando o líquido é ingerido confere a sensação de refrescância característica dos refrigerantes. O setor de bebidas no Brasil Máquinas e equipamentos Os bens de capital empregados consistem em tanques, filtros, equipamentos de geração de frio, carbonizadores (máquinas que injetam o gás carbônico no líquido), esteiras, sopradores de pré-formas de embalagens PET, entre outros. Tais equipamentos são comuns a outras indústrias, sua tecnologia é difundida e podem ser adquiridos internamente. Da mesma forma que na cadeia produtiva da cerveja, no que se refere ao maquinário de envase em linhas de alta velocidade nas grandes fábricas, são poucas as opções de fornecedores, e os principais fabricantes são estrangeiros. Já as unidades produtivas de menor capacidade podem contar com fornecedores locais, principalmente para o envase de embalagem PET.

114 Embalagens Os refrigerantes são envasados em garrafas de vidro, latas de alumínio e predominantemente em embalagens PET. 14 O PET inicia seu processo em uma fábrica de bebidas em pré-forma, que consiste em um tubo de pequenas dimensões que é aquecido e soprado dentro de um molde, no formato da garrafa que receberá a bebida. Em grandes fábricas, o PET chega em granulado, para ser transformado em pré-forma. As garrafas de vidro e as latas de alumínio também são adquiridas no mercado nacional, bem como engradados, pallets e filmes plásticos. 113 Bebidas Refrigerante fabricação Grandes fabricantes A produção dos refrigerantes resume-se à mistura de poucos ingredientes, sendo consideravelmente simples se comparada à fabricação das cervejas. Apesar de os grandes fabricantes e pequenas empresas regionais diferirem substancialmente quanto à escala de produção, o processo de fabricação é basicamente o mesmo, consistindo na diluição dos extratos concentrados em água carbonatada e adoçada (com açúcar ou edulcorantes). Também são adicionados antioxidantes, que previnem a influência negativa do oxigênio na bebida, acidulantes, que realçam o sabor, e conservantes. Os grandes fabricantes responderam em 2013 por aproximadamente 78% do market share do mercado de refrigerantes. A maior companhia mundial está presente no Brasil desde A The Coca-Cola Company atua no país através do Sistema Coca-Cola Brasil, formado pela Coca-Cola Brasil em parceria com grupos empresariais independentes, chamados de fabricantes autorizados. Em regime de franquia, essa estrutura deteve em 2013 aproximadamente 60% de market share no mercado brasileiro de refrigerantes. A Ambev S.A., por sua vez, possui instalações próprias para a fabricação de suas marcas e também é responsável pela produção e distribuição dos produtos da PepsiCo no Brasil. A companhia adota a estratégia da verticalização na produção do guaraná utilizado na fabricação de seu 14 Como será visto mais à frente, dados do Sicobe mostram que 77% do volume de refrigerante produzido no Brasil é envasado em garrafa PET.

115 114 concentrado, contratando também a produção de agricultores independentes da Região Amazônica. O setor de bebidas no Brasil Fabricantes regionais As empresas de menor porte, fabricantes das chamadas tubaínas ou refrigerantes de marca B, representaram aproximadamente 22% do market share de refrigerantes em De atuação regional, elas atendem à demanda próxima de suas fábricas, uma vez que não possuem sistemas de distribuição como os das grandes companhias. A introdução das embalagens PET foi o grande impulso ao crescimento desse tipo de fabricante, que pôde colocar seus produtos em supermercados, em embalagens de grande volume. Refrigerante distribuição Refrigerantes e cervejas produzidos pelas grandes companhias são escoados através dos mesmos canais: centros próprios de distribuição direta e via empresas distribuidoras contratadas. Já os refrigerantes tubaínas realizam entregas diretas a pontos de venda próximos às fábricas, especialmente supermercados, e contam com os comércios atacadistas para escoar o restante da produção. Características do mercado brasileiro e fatores de competitividade Concentração O mercado de bebidas no Brasil apresenta elevada concentração, porém com acirrada rivalidade entre os fabricantes. Essa tendência é dada em virtude da existência de altas barreiras à entrada de novos competidores, e também pelas características das cadeias produtivas dos produtos mais importantes, que demandam grandes escalas nas operações a fim de obter custos competitivos e explorar oportunidades de economias de escopo. Conforme ilustra o Gráfico 7, no ano de 2013, quatro companhias responderam por 98% do volume total de cerveja produzido no Brasil, enquanto apenas duas companhias foram responsáveis por 78% do volume total de refrigerante.

116 Gráfico 7 Market share dos produtores brasileiros de cerveja e refrigerante grafico em 2013, 07 segundo o volume produzido Cerveja Refrigerante 115 Bebidas Heineken 8,4% Outras 1,6% Ambev/Pepsi 18,4% Brasil Kirin 10,8% Ambev Coca-Cola 67,9% 59,9% Petrópolis 11,3% Outros 21,7% Fonte: Ambev. A tendência à concentração não é exclusividade do mercado brasileiro. Essa característica tem avançado em âmbito global no setor, cujas transformações ocorridas nas últimas décadas tiveram nas fusões, aquisições e licenciamentos de marcas entre diversas companhias de atuação mundial o principal fator de dinamismo. Foge do escopo deste estudo, no entanto, uma narrativa mais detalhada a respeito dos recentes movimentos de compras, associações e parcerias das principais companhias estrangeiras. Cabe destaque, contudo, ao caso brasileiro da Ambev. Empresa formada em 1999 pela fusão das rivais companhia Cervejaria Brahma e companhia Antarctica Paulista e transformada nos anos seguintes na maior empresa de produção e comercialização de bebidas do mundo, a AB Inbev, após juntar-se à belga Interbrew e comprar a maior cervejaria americana, a Anheuser-Bush (fabricante, entre outras, da cerveja Budweiser), em O poder das marcas Dado que a forte competição entre os principais concorrentes se dá através de atributos subjetivos relacionados às preferências pessoais dos consumidores e que o poder de fixação de preços acontece via construção

117 116 de marcas, o setor demanda altos gastos com propaganda, tendo nessa necessidade uma das grandes barreiras a novos entrantes. Com relação aos investimentos em propaganda, as principais ferramentas utilizadas são as campanhas publicitárias em comerciais de televisão, cinema, rádio, veículos de informação impressa e virtual, além de patrocínios em atividades esportivas, sociais e culturais. Segundo as informações apresentadas na Tabela 6, o setor de bebidas brasileiro investiu R$ 5,864 bilhões em anúncios no ano de Ressalte-se que, nesse ano, o setor de bebidas ocupou a oitava posição do ranking setorial de investimentos em publicidade no Brasil, enquanto a Ambev se posicionou no quarto lugar no ranking empresarial, atrás de Unilever Brasil, Casas Bahia e Genomma. O setor de bebidas no Brasil Tabela 6 Investimentos em publicidade das empresas do setor de bebidas Brasil, (em R$ bilhões) Ano Setor de bebidas Cerveja refrigerante Demais bebidas ,864 2,744 1,475 1, ,278 2,709 1,314 1, ,803 2,385 1,239 1,180 Fonte: Ibope. Distribuição Outra grande barreira à entrada de novos competidores no setor de bebidas é a distribuição. Nesse elo da cadeia, a competição entre as companhias é agressiva, e não raro ela chega a ser motivo de disputas judiciais, quando acordos de distribuição são caracterizados como concorrência desleal. A eficiência logística dos fabricantes nacionais, que vencem o desafio de levar suas bebidas a milhares de pontos de vendas espalhados pelo Brasil, é talvez a principal barreira à entrada de companhias internacionais. Fusões, aquisições e parcerias acabam sendo a melhor estratégia para empresas estrangeiras ingressarem no mercado interno, que conta com algo em torno de 1,2 milhão de pontos de venda. Grandes centros de distribuição próprios e acordos com várias revendas terceirizadas são o modelo usual entre os maiores fabricantes de be-

118 bidas. Além disso, a atuação de equipes de vendas providas de sistemas on-line de registro de pedidos é crucial para a distribuição alcançar agilidade na entrega a custos competitivos. Algumas companhias adotam práticas de compartilhamento de caminhões com outras empresas, inclusive de fora do setor de bebidas. Os exemplos mais comuns incluem parcerias com fabricantes de alimentos e outros produtos comercializados nos mesmos pontos de venda. Construção de pavilhões para estocagem, aquisição de frota de caminhões e equipamentos de movimentação de carga são os itens de maior participação nos investimentos das empresas que firmam contratos de distribuição com os fabricantes. 117 Bebidas Embalagens As estratégias de concorrência de mercado entre as principais companhias incluem as embalagens nas quais os produtos são envasados. O design de recipientes é uma importante ferramenta para os fabricantes atingirem diferentes classes de consumidores, seja em razão do apelo visual atribuído ao produto, seja atendendo a preferências e hábitos de consumo. Além disso, o uso de determinados tamanhos, materiais e formatos é um facilitador para a distribuição. Com base nos dados fornecidos pelo Sicobe, da Receita Federal, expressos na Tabela 7, os tipos de embalagens utilizados para envase de cervejas e refrigerantes ficaram assim distribuídos: Tabela 7 Tipos de embalagens utilizados para o envase de cervejas e refrigerantes (em %), por região brasileira Cervejas ( ) Brasil Norte Nordeste Centro- Oeste Sudeste Lata Sul Vidro retornável Vidro descartável e outros (Continua)

119 118 O setor de bebidas no Brasil (Continuação) Refrigerantes ( ) Brasil Norte Nordeste Centro- Oeste Sudeste Lata PET Vidro e outros Fonte: Sicobe Receita Federal. Nota: Percentuais médios com base nos volumes produzidos no período Cabe frisar que a tabela informa os tipos de embalagens empregadas nas fábricas. Sendo assim, os percentuais não refletem, necessariamente, a distribuição nos pontos de venda das regiões do país. Sul Conforme mostra a Tabela 7, os refrigerantes são envasados predominantemente (77%) em embalagens PET. A possibilidade de utilização desse material abriu grandes possibilidades para as empresas regionais, fabricantes das chamadas tubaínas, ou refrigerantes de marca B. Como exposto anteriormente, o market share de refrigerantes em 2013 teve uma fatia de 21,7% para outras marcas, enquanto para a cerveja essa parcela foi inferior a 2%. Essas empresas concorrem basicamente em preço e exploram a demanda local perto de suas fábricas. As vendas de tubaínas são concentradas em supermercados em sua maioria em garrafas PET de dois litros, uma vez que a colocação de seus produtos em pontos de venda como bares e restaurantes exige uma complexa rede de distribuição. Além disso, a utilização do PET elimina a necessidade de manutenção de grandes estoques de embalagens de vidro retornável. No mercado da cerveja, a garrafa de vidro retornável responde por 58% do volume. Apesar de demandar maior consumo de água nas fábricas por conta de sua lavagem, e além de exigir um processo logístico de retorno dos vasilhames, esse tipo de embalagem torna-se uma opção mais barata para o consumidor, que paga apenas pelo líquido. Já as latas de alumínio atendem a hábitos de consumo em que a conveniência de transportar e consumir a bebida em pequenas quantidades é importante. As embalagens, de forma geral, são um meio de comunicação dos fabricantes e são utilizadas para reforçar a marca e manter um relacionamento com os consumidores. As grandes companhias costumam lançar várias latas temáticas ao longo do ano, sendo muitas delas apenas de alcance regional.

120 Renda e demanda Com clima tropical, de temperaturas quentes na maior parte do ano e na maioria das regiões, o país tem um ambiente ideal para o consumo de bebidas geladas. O contingente populacional, com aproximadamente 202 milhões de pessoas (em maio de 2014), também se configura em grande demanda potencial, especialmente por boa parte da população ser jovem. Tendo em vista essas condições naturais, o crescimento da renda da população é o principal propulsor das vendas das companhias de bebidas. Uma vez que os produtos do setor não são itens de primeira necessidade nas escolhas de consumo das pessoas, o aumento do poder aquisitivo é o fator que materializa o potencial natural da demanda brasileira. Com base na relação observada, por meio do Gráfico 8, entre o crescimento do PIB e o crescimento das vendas dos principais produtos do setor (cervejas e refrigerantes), tem-se uma amostra de como a demanda interna pode responder de forma elástica ao incremento da renda, ao que se acrescentam os movimentos redistributivos que, independentemente de variações na renda total, têm gerado camadas médias de consumo de produtos não essenciais por meio da migração de famílias das classes de consumo E e D para as classes C e B. grafico 08 Gráfico 8 Crescimento acumulado do PIB e das vendas de cervejas e refrigerantes Brasil, Bebidas Refrigerantes Cervejas PIB Fontes: IBGE PIA-Produto; IBGE Contas Nacionais.

121 120 Oportunidades O setor de bebidas no Brasil Pode-se creditar às recentes transformações socioeconômicas verificadas no Brasil, sobretudo o crescimento com distribuição de renda e a emergência da chamada nova classe média, parte significativa do bom desempenho apresentado pelo setor de bebidas do país. Independentemente da continuidade ou não dos fatores que determinaram a ampliação da demanda por esses produtos, a indústria de bebidas do Brasil poderá incrementar suas receitas nos próximos anos por meio de canais alternativos. Entre as opções, elencam-se o desenvolvimento de produtos de maior qualidade, com foco em segmentos específicos de consumidores, e a exploração do turismo associado à produção de bebidas. A presente seção aborda esses temas, apresentando como exemplos o caso das cervejas especiais, o das cachaças artesanais e o do enoturismo. Cervejas especiais Embora não haja uma definição universalmente aceita do que se convencionou chamar de cervejas especiais, pode-se dizer que estas compreendem as variedades produzidas a partir de matérias-primas superiores, por meio de processos produtivos que primam pela qualidade do produto final. Já as cervejas artesanais, um subconjunto das especiais, são definidas por critérios mais objetivos. Segundo a Brewers Association, as cervejas artesanais são aquelas produzidas em baixa escala (até 6 milhões de barris por ano), por produtores independentes (o mestre cervejeiro detém, pelo menos, 75% do capital da cervejaria) e sob a égide de determinada tradição, que pode ser entendida como a perpetuação de características singulares do produto. O consumo dessas cervejas apresenta alta elasticidade-renda, e a preferência dos consumidores por esses produtos é pautada mais por critérios de qualidade e de diversidade de ingredientes, aromas e sabores do que por seu preço em si. Sua demanda também é influenciada pelo desejo de diferenciação, isto é, pelo status social proporcionado pelo consumo de rótulos especiais. Inclui-se aí o consumo personalizado, isto é, a demanda por rótulos desenvolvidos sob encomenda, que atendem a especificações elaboradas pelos clientes. A produção e o consumo de cervejas especiais no Brasil vêm crescendo a um ritmo acelerado nos últimos anos. Segundo matéria publicada na

122 Folha de São Paulo, 15 no período , as vendas de cervejas especiais fabricadas no país cresceram 131%, enquanto as de cervejas de origem importada cresceram 184%. O aumento do poder aquisitivo das famílias, a melhoria da distribuição de renda e a sofisticação do padrão de consumo (que tipicamente acompanha esses processos) são os principais fatores explicativos desse fenômeno. Apesar disso, em comparação com outros países, em especial os EUA, onde as cervejas artesanais representaram 7,8% do volume e 14,3% do faturamento do mercado cervejeiro em 2013 (Brewers Association), o mercado brasileiro ainda é pouco expressivo: no mesmo ano, a Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe) estima que o volume produzido de cervejas artesanais no Brasil tenha respondido por menos de 1% do total. O mercado de cervejas especiais no Brasil é composto pelas artesanais (nacionais e importadas) e por cervejas de qualidade superior, controladas por grandes grupos, como a Baden Baden e a Eisenbahn. A produção nacional de cervejas especiais é empreendida, principalmente, em microcervejarias e em cervejarias de médio porte. Segundo o Portal Cervesia 16 e o Sindicerv, em 2011 o Brasil contava com cerca de 170 microcervejarias e trinta cervejarias regionais. A maior parte das empresas do país está localizada nas regiões Sul e Sudeste (80%), com destaque para os estados de São Paulo (24%), Rio Grande do Sul (17%) e Santa Catarina (13%). Essas regiões concentram também a maior parte da produção domiciliar, isto é, os microprodutores caseiros, que distribuem seus produtos para clubes de cerveja, ou desenvolvem a atividade como um hobby. A comercialização das cervejas especiais é realizada principalmente por meio de lojas especializadas, bares e clubes de cerveja, ou diretamente por algumas cervejarias. No entanto, a oferta de rótulos em redes de supermercados tem se tornado cada vez mais comum. Ao contrário da grande indústria, cuja diferenciação depende de vultosos investimentos em marketing, os produtores de cervejas especiais adotam outras estratégias para divulgar seu portfólio: matérias em revistas especializadas, concursos, feiras regionais, nacionais e internacionais, formação de beers sommeliers e cursos de cervejeiro. Ressalte-se que as revistas, os concursos e feiras cumprem 121 Bebidas 15 Disponível em: < -espaco-ate-em-favelas-brasileiras.shtml>. Acesso em: 9 jun <

123 122 não só a função de divulgar e difundir rótulos, mas também de estimular a criação e o aperfeiçoamento de receitas e de influenciar as preferências dos consumidores. Na atual conjuntura, espera-se que o mercado de cervejas especiais, bem como sua produção nacional industrial e caseira, continue se expandindo a um ritmo acelerado. De acordo com a Abrabe, a perspectiva do mercado é de que o market share das cervejas artesanais suba, em até dez anos, para 2%. O setor de bebidas no Brasil Cachaça artesanal A bebida alcoólica tipicamente associada ao Brasil, conhecida por diversos nomes populares, como cachaça, aguardente, pinga, caninha, branquinha etc., possui dez variedades, segundo a legislação brasileira. A maior parte delas corresponde a atributos (adição de açúcar e tempo envelhecimento) imputados aos dois tipos básicos da bebida: a aguardente de cana e a cachaça. Segundo a Instrução Normativa 13, de 29 de junho de 2005, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a primeira é definida como a bebida com graduação alcoólica de 38% a 54%, a 20ºC, obtida do destilado alcoólico simples de cana-de-açúcar ou pela destilação do mosto fermentado do caldo de cana-de-açúcar. A segunda é a denominação típica e exclusiva da aguardente de cana produzida no Brasil, com graduação alcoólica de 38% a 48%, a 20ºC, obtida pela destilação do mosto fermentado do caldo de cana-de-açúcar, com características sensoriais peculiares, podendo ser adicionada de açúcares até 6 g/l. Com vistas a simplificar a análise, o presente trabalho utilizará a denominação cachaça para representar as supracitadas variedades existentes. Boa parte da população brasileira tem a visão de que a cachaça é um produto forte, de qualidade inferior a destilados típicos de outros países, como o uísque. Essa ideia é diretamente relacionada com a alta percentagem do consumo da chamada cachaça industrial no país, cujos preços convidativos e o maior acesso aos canais de distribuição as tornam mais presentes no comércio varejista do Brasil. Contudo, há outro segmento do mercado de cachaça, o das bebidas artesanais, que, por contar com produtos de alta qualidade e preços inferiores aos produtos premium do mercado internacional, possui potencial de expansão, tanto no mercado interno como no externo.

124 A cachaça industrial é produzida em larga escala por meio de equipamentos conhecidos por colunas de destilação que, em geral, são fabricados de aço inoxidável, material que compromete algumas características sensoriais do produto final. Já a cachaça artesanal geralmente é produzida em alambiques de cobre, material dotado de propriedades que resultam em uma bebida mais fina quanto a sabores e aromas. Características próprias dos processos de fabricação também influenciam no diferencial de qualidade dos produtos obtidos por métodos industriais e artesanais. Rota (2008) explica que, durante a produção da cachaça artesanal, a destilação do mosto é empreendida de forma descontínua, permitindo melhor eliminação de compostos secundários. Nesse processo, a separação das substâncias dotadas de diferentes graus de volatilidade é realizada em distintas etapas. O volume destilado é separado em três partes: a cabeça, onde estão as substâncias mais voláteis (de pior qualidade), a cauda, onde estão as substâncias menos voláteis (também de baixa qualidade), e o coração, que é a fração intermediária e mais nobre. Esta última parte corresponde a aproximadamente 80% do volume total destilado. Já a produção industrial é empreendida de forma contínua. Esse processo conta com a vantagem de ser relativamente rápido, porém tem como consequência uma separação menos apurada da parte nobre da cachaça, acarretando perda de qualidade. Em função de economias de escala na produção, o custo médio da cachaça industrial é inferior ao da artesanal, o que implica em uma segmentação do público-alvo desses produtos. A primeira geralmente é consumida por pessoas de menor poder aquisitivo, enquanto a segunda é mais demandada pelo público de renda relativamente elevada, que foca mais a qualidade do produto que seu preço. O Brasil possui uma capacidade de produção de cachaça da ordem de 1,4 bilhão de litros anuais, segundo informações da ExpoCachaça. 17 A maior parte dessa capacidade (mais de 80%) destina-se a obter a bebida pelo método industrial. O estado de São Paulo destaca-se como o maior produtor por esse método, enquanto Minas Gerais lidera a produção artesanal. De acordo com o Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac), existem no país cerca 40 mil produtores de cachaça, dos quais 98% são constituídos de 123 Bebidas 17 Disponível em: < Acesso em: 6 jun

125 124 micro e pequenos empresas (MPME). Estima-se que 85% dessas MPME encontram-se operando de maneira informal. Um dos desafios para tornar a cachaça artesanal um produto competitivo e difundido pelo território nacional consiste na regularização desse grande contingente de empresas que, enquanto mantidas na informalidade, encontram-se sem acesso ao crédito e aos canais formais de distribuição. Outro desafio do setor consiste em tornar a cachaça mais conhecida no mercado externo. Apenas 1% da produção nacional é exportado, valor sobremaneira inferior ao de destilados associados a outros países. Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), 18 a Escócia exporta cerca de 80% de sua produção anual de uísque. Enquanto o Brasil obtém receitas de pouco mais de US$ 17 milhões com a exportação da cachaça, o México obtém US$ 300 milhões com a tequila. Para reverter esse quadro, é necessário tornar o produto desejável por classes superiores de renda, tanto no mercado interno como no externo. Para tal, é imprescindível regularizar a produção informal, ampliar os investimentos para divulgação do produto, valorizando sua brasilidade, além de investir na promoção das marcas e em design de embalagens. Destaque-se que o potencial da cachaça como bebida a ser internacionalizada nos próximos anos vem sendo acompanhado por grandes grupos econômicos. O comportamento de grandes multinacionais de bebidas em solo brasileiro evidencia esse fato, com as aquisições da Sagatiba (pela Campari, em 2011), da Ypioca (pela Diageo, em 2012) e da Natique (pela Osborne, em 2013). O setor de bebidas no Brasil O turismo associado à produção e ao consumo de bebidas A geração de valor pela cadeia produtiva de algumas bebidas não se restringe aos elos industriais, agrícolas e serviços complementares (marketing, transporte, comércio etc.). A vitivinicultura, por exemplo, é capaz de gerar um produto marginal, ainda pouco explorado no país, e que poderá ganhar maior relevância econômica nos próximos anos: o enoturismo atividade composta por um mix de serviços de entretenimento, comércio, alojamento e alimentação, por meio dos quais o turista é posto no centro da experiência da produção e do consumo de vinhos, com visitas guiadas a cultivos de vi- 18 Disponível em: < -interno-e-externo/>. Acesso em: 6 jun

126 deiras, a instalações destinadas à produção e ao armazenamento de vinhos, além de lojas, bares ou restaurantes dedicados à venda, à degustação ou à harmonização da bebida com pratos especiais. Além de ampliar as receitas dos produtores, o enoturismo gera externalidades positivas para a região em que é desenvolvida. O turismo na Serra Gaúcha, por exemplo, antes concentrado nas cidades de Gramado e Canela, vem ampliando suas fronteiras, dado o desenvolvimento do enoturismo no Vale dos Vinhedos, região que compreende os municípios de Bento Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul. Valduga (2012) destaca que, a reboque do enoturismo, algumas atividades da região vêm apresentando crescente dinamismo, sobretudo pequenas firmas como restaurantes, queijarias, hotéis etc. Em 2011, a região recebeu 228 mil pessoas, um aumento de mais de 60% em relação a 2007, evidenciando o progresso do setor. Além dos passeios turísticos, o enoturismo no Brasil conta também com eventos tradicionalmente realizados em regiões produtoras. Dentre eles, destacam-se, a Festa Nacional do Vinho, a Festa do Champanha, a Festa da Vindima e a Festa Nacional da Uva. Esta última corre desde a década de 1930 e em 2013 mais de 600 mil pessoas passaram por ela. A despeito dos bons resultados já obtidos pelo enoturismo na Região Sul do Brasil, ainda há espaço para sua ampliação. Em roteiros tradicionais da Europa, sobretudo da França, Espanha, Portugal e Alemanha, o enoturismo chega a competir com visitações a museus e importantes monumentos históricos. Reconhecendo o potencial do enoturismo no Brasil, o Ministério do Turismo vem promovendo algumas iniciativas que contemplam incentivos ao setor. O projeto Talentos do Brasil Rural busca promover a comercialização de produtos e serviços da agricultura familiar. Entre os roteiros que o integram, estão incluídos o Caminhos do Vinho (PR) e o Vale dos Vinhedos (RS). O projeto Economia da Experiência tem por objetivo fortalecer os pequenos negócios, apoiando os empreendedores locais agregando valor aos produtos turísticos do país. Nesse projeto, a Região da Uva e Vinho novamente se faz presente. Por fim, o ministério divulgou um mapa completo do Brasil, por meio do qual analisa o turismo por unidade da federação. Nesse estudo, o Vale do São Francisco, na Bahia, é apontado como nova fronteira para o enoturismo do país. 125 Bebidas

127 126 O apoio do BNDES O setor de bebidas no Brasil Os financiamentos do BNDES para o setor de bebidas tiveram um grande crescimento em anos recentes, em especial no período entre 2004 a 2012, no qual os desembolsos avançaram a uma taxa média de 37% a.a. O Gráfico 9 mostra os recursos totais liberados anualmente, destacando a destinação dos financiamentos segundo as classes de produtos. A Tabela 8 indica a participação, triênio a triênio, de cada classe de bebidas nos desembolsos do BNDES para o setor. grafico 09 Gráfico 9 Desembolsos do BNDES para o setor de bebidas Brasil, (em R$ milhões) Malte, cervejas e chope Refrigerantes e outras bebidas não alcoólicas Vinhos Aguardente e outras bebidas destiladas Águas envasadas Fonte: BNDES. Tabela 8 Participação nos desembolsos do BNDES para o setor de bebidas (em %) Classes do setor de bebidas Malte, cervejas e chope Refrigerantes e outras bebidas não alcoólicas Participação ,2 65,0 68,1 17,8 27,4 19,2 Vinhos 3,6 3,2 5,3 (Continua)

128 (Continuação) Classes do setor de bebidas Aguardentes e outras bebidas destiladas Participação ,0 2,7 3,2 Águas envasadas 1,5 1,7 4,1 Fontes: BNDES; IBGE PIA-Produto. 127 Bebidas Observa-se que a liderança da cerveja nos financiamentos se dá em proporção bastante superior a sua participação relativa na produção do setor de bebidas. O fato é reflexo da maior complexidade de sua produção em comparação aos processos produtivos das outras bebidas. Por fim, nota-se em geral que as classes demandaram financiamentos cada vez maiores nos triênios referidos na tabela. No entanto, o último triênio indica um crescimento na participação dos desembolsos para as classes de águas envasadas e vinhos. Esse fato aponta para um provável aumento de importância relativa desses segmentos nos próximos anos. Considerações finais Os números apresentados no presente trabalho evidenciam a importância da produção de bebidas para a economia brasileira. Com importante contribuição para o valor adicionado da indústria de transformação, o volume de produção coloca o Brasil na terceira posição entre os maiores produtores e consumidores de cervejas e refrigerantes no mundo. O setor é relevante também em função do número de pessoas que emprega, bem como pela distribuição regional de suas plantas produtivas, que favorece a criação de postos de trabalho por todo o território nacional. O setor destaca-se ainda como um notório exemplo de uma indústria tradicional que soube aproveitar bem as oportunidades geradas pelo crescimento econômico brasileiro nos últimos anos e pela emergência de uma nova classe de consumo no país. Reconhecendo o quadro econômico favorável, as empresas do setor investiram em capacidade produtiva, obtiveram ganhos de produtividade e ampliaram a variedade de produtos ofertados. Como consequência, as vendas do setor cresceram proporcionalmente mais do que o PIB do país.

129 128 Ainda que a conjunção de eventos tão favoráveis a essa indústria não venha a ocorrer em um futuro próximo, a indústria de bebidas conta ainda com grandes oportunidades de crescimento. Não obstante, as vias a percorrer e os desafios a enfrentar são agora menos óbvios. Além da necessidade de manter os investimentos promotores da produtividade do parque industrial, oportunidades estão abertas no campo da diferenciação de produtos e no dos serviços voltados à experiência de consumo. Com vistas a ilustrar essas oportunidades, o presente trabalho elegeu as cervejas especiais, a cachaça artesanal e o enoturismo como possíveis fronteiras de expansão das receitas do setor. É interessante destacar que a essência dessas oportunidades está na valorização de atributos intangíveis, como a qualidade dos produtos, a promoção das marcas e o design de embalagens. Nesse sentido, a indústria de bebidas não se distingue das demais indústrias tradicionais e, caso venha a ser tão bem-sucedida como o foi no passado recente, poderá, mais uma vez, tornar-se um exemplo a ser seguido por toda essa classe industrial. O setor de bebidas no Brasil Referências Abrabe Associação Brasileira de Bebidas. Categorias. Disponível em: < Acesso em: 9 jun Brasil. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa 13, de 29 de junho de Dispõe sobre os destilados de cana. Diário Oficial da União, 30 jun Brewers Association. Brewers Association: craft continues to brew growth. Press Releases. Boulder, 18 mar Disponível em: < show?title=brewers-association-craft-continues-to-brew-growth>. Acesso em: 4 jun Casado, L. Potencial da cachaça atrai investimento das múltis. Valor Econômico, São Paulo, 24 jul Figueiredo, R. Diferenças entre Cachaça Artesanal X Cachaça Industrial. Mapa da cachaça, 25 mai Disponível em: < mapadacachaca.com.br/artigos/diferencas-entre-cachaca-artesanal-ecachaca-industrial/>. Acesso em: 6 jun

130 Kirkegaard, M. What is craft beer. Australian Brews News, 26 jan Disponível em: < Acesso em: 4 jun Locks, E. B. D.; Tonini, H. Enoturismo: o vinho como produto turístico. Revista Turismo em Análise, São Paulo, v. 2, n. 16, nov Reinold, R. M. O mercado cervejeiro brasileiro atual: potencial de crescimento. Cervesia. Disponível em: < dados-estatisticos/760-o-mercado-cervejeiro-brasileiro-atual-potencialde-crescimento.html>. Acesso em: 6 jun Rota, M. B. Efeito da bidestilação na qualidade sensorial da cachaça. Dissertação (Mestrado em Ciência de Alimentos) Universidade Estadual Paulista, Araraquara, Telles, D. Dossiê Cerveja Artesanal. Revista Galileu, Porto Alegre, n. 270, p , jan Valduga, V. O desenvolvimento do enoturismo no Vale dos Vinhedos. Revista de Cultura e Turismo, Ilhéus, n. 2, jun Bebidas Sites consultados Alambique da Cachaça < ExpoCachaça <

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132 Aeronáutica BNDES Setorial 40, p Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo indicadores básicos Sérgio Bittencourt Varella Gomes Paulus Vinicius da Rocha Fonseca * Resumo O setor de transporte aéreo apresenta muitas especificidades, notadamente quanto aos aspectos econômicos e operacionais das empresas. Nesse contexto, o presente artigo apresenta os principais indicadores econômico operacionais utilizados no mercado, a fim de situar determinada empresa ou grupo de empresas em seu espaço de atuação. Indicadores como ASK, RPK, load factor, RASK, CASK, utilização diária da frota, etapa média, peso da conta de combustível, entre outros, são muito utilizados no mercado. Valores típicos desses indicadores, tanto para empresas como agregados para países como o Brasil e os Estados Unidos da América (EUA), são exibidos e comentados. Isso permite obter-se um quadro inicial mais completo que serve de base para a subsequente análise econômico-financeira, pilar para a concessão (ou não) do crédito bancário. Na conclusão, o artigo aponta que o RASK e o CASK são os dois indicadores mais importantes de todos e mostra o porquê disso. * Respectivamente, gerente do Departamento de Comércio Exterior 1 da Área de Comércio Exterior do BNDES e PhD em Dinâmica de Voo (Cranfield University, Inglaterra); e contador do Departamento de Comércio Exterior 1 da Área de Comércio Exterior do BNDES, com MBA em Controladoria e Finanças pela Universidade Candido Mendes (Ucam).

133 132 Introdução Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo indicadores básicos O setor de transporte aéreo comercial de passageiros ocupa, na era contemporânea, um lugar de destaque na mídia em geral. Com um fatura mento global agregado previsto de US$ 746 bilhões em 2014 [Rostás (2014)], o setor constitui apenas 1% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. O destaque dado na mídia, porém, apenas reflete o interesse do grande público, o qual se considera, na atualidade, legítimo usuário real ou potencial desse modal. Tal quadro resulta de dois fatores essenciais. O primeiro pode ser descrito como a massificação desse meio de transporte, ocorrida em escala global ao longo das últimas décadas. Isso se deveu essencialmente à queda no valor real das tarifas e ao paulatino crescimento da renda média nos países emergentes. O segundo fator tem a ver com a mudança estrutural dos canais de distribuição do setor: hoje, a predominância é claramente detida pela internet, com a redução de custos daí decorrente. Isso é válido tanto para o caso do usuário que faz uso de seu computador pessoal (ou mesmo de seu tablet ou telefone celular), como para quando a aquisição do bilhete e/ou a escolha de itinerários ainda se dê por meio de agentes de viagem. Por outro lado, para além do público viajante em geral, o transporte aéreo também desperta o interesse de todos os agentes envolvidos com sua operação cotidiana, sua regulamentação, sua infraestrutura, seus investimentos, o fornecimento de seus insumos (incluindo a indústria aeronáutica) etc., ou seja, os chamados stakeholders do setor. Para todo esse vasto público, a necessidade de um conhecimento técnico básico do setor é fundamental, pois só assim tais agentes poderão otimizar seu posicionamento no ambiente geral hoje existente. No caso do BNDES, de sua Área de Exportação (AEX) é exigido um conhecimento técnico aprofundado sobre a indústria do transporte aéreo em geral. Isso para respaldar as análises de crédito para as empresas aéreas que adquirem aeronaves fabricadas no país notadamente as da Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A. (Embraer) e daqui exportadas. Além disso, diversas consultorias e agentes do sistema financeiro nacional já cobrem o setor de transporte aéreo, dado que, das principais empresas do país, duas têm ações listadas em bolsa de valores e uma terceira deverá realizar oportunamente sua Oferta Primária de Ações (OPA) (em inglês, Initial Public Offer IPO).

134 A proposta do presente artigo é atender a essa necessidade de conhecimento técnico básico por meio da apresentação e explanação dos principais indicadores de desempenho econômico-operacional das empresas de transporte aéreo e, assim, permitir que a análise, feita por meio desses indicadores, leve rapidamente à composição do quadro econômico-operacional associado a qualquer empresa aérea ou mesmo ao setor, seja em sua expressão por país, por região do mundo ou mesmo de forma global. É importante destacar que, no setor de transporte aéreo, a análise de desempenho econômico-operacional, assunto deste artigo, forçosamente precede a análise baseada em indicadores financeiros, ou seja, aquela com fulcro nas demonstrações financeiras consolidadas. Isso porque essa última análise é vista como o desdobramento final da primeira e só poderá ser entendida, em sua plenitude, de forma conjunta com aquela. Tal particularidade do setor de transporte aéreo deve-se a sua natureza essencial e às especificidades a ela associadas. Tanto isso é verdade, que boa parte dos indicadores que serão aqui apresentados integra uma convenção, assinada pela maior parte dos países, inclusive pelo Brasil. Conhecida como a Convenção de Chicago de 1944, esta foi, na verdade, a ocasião que fundou a Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO, na sigla em inglês) órgão vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU), com sede em Montreal, no Canadá. Por compromisso entre os estados-membros que integram a ICAO, a autoridade aeronáutica de cada país fornece, anualmente, ao banco de dados daquela organização os valores dos principais indicadores econômico-operacionais que são o objeto deste artigo, apurados por empresa aérea e também de forma agregada para o país. Isso faz com que o transporte aéreo seja um dos ramos da atividade econômica mundial com mais disponibilidade de dados acerca de seu desempenho ao longo do tempo. Complementando a proposta mencionada anteriormente, popularizar as análises que se tornam possíveis por meio de indicadores econômico-operacionais é, assim, o outro objetivo do presente artigo. Além disso, serão apresentadas comparações entre valores de indicadores de empresas americanas e brasileiras, elaboradas com base em dados publicados pela ICAO, demonstrativos financeiros de empresas aéreas e dados extraídos do banco de dados The Airline Analyst. 133 Aeronáutica

135 134 O artigo encontra-se dividido em quatro seções, com esta introdução. Na segunda, são apresentados os conceitos dos indicadores de tráfego, econômicos (estes com a análise do caso JetBlue para exemplificar), de frota, de pessoal, singulares e indicadores para validação de análises comparativas. A terceira seção traz algumas inferências sobre o uso dos indicadores, seguida da última parte, que traz as conclusões do artigo. Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo indicadores básicos Indicadores econômicos e operacionais de empresas aéreas Muitos são os indicadores usualmente utilizados para a análise econômico operacional de companhias aéreas. Neste artigo, serão apresentados os conceitos e algumas comparações dos mais utilizados, passando pelos aspectos mais relevantes da operação de uma empresa aérea. Indicadores de tráfego Entende-se por tráfego, em transporte aéreo, a movimentação de pessoas, carga aérea, mala postal etc., enfim, tudo aquilo que se desloca pelo ar, por meio de aeronave comercial, de um local A para outro local B. Desnecessário dizer que praticamente todo esse tráfego é pagante, porém, por diversos motivos, as empresas transportam sempre um resíduo de tráfego não pagante, boa parte do qual é constituído por seus próprios empregados em deslocamentos entre as bases da empresa. Compreendendo-se assim que o transporte aéreo envolve tanto pessoas como coisas sendo deslocadas espacialmente, chega-se à formulação do que constitui oferta de serviços de transporte aéreo e demanda por viagens aéreas, sintetizadas por meio dos dois indicadores fundamentais do setor: ASK e RPK. Quadro 1 Indicadores de transporte de passageiros Indicador Definição Observação De oferta: ASK Available seat.km (assentos oferecidos vezes quilômetros): resultado da multiplicação do número de assentos de cada aeronave da empresa pela distância percorrida em cada voo. É, assim, o número de unidades produzidas, ao longo do ano, na modalidade transporte de passageiros. Empresas americanas trabalham com o indicador available seat.miles (ASM). Multiplicando-se ASM por 1,609, obtém-se o corres pondente ASK. É um número cuja ordem de grandeza situa-se na casa dos bilhões para a maioria das empresas aéreas. (Continua)

136 (Continuação) 135 Indicador Definição Observação De demanda: RPK Fonte: Elaboração própria. Revenue pax.km (passageiros pagantes transportados vezes quilômetros): resultado da multiplicação do número de passageiros pagantes transportados pela distância percorrida em cada voo. É, assim, o número de unidades vendidas pela empresa ao longo do ano na modalidade transporte de passageiros. Para as americanas, é o RPM (converter usando o fator 1,609, como em ASK). É um número cuja ordem de grandeza situa-se na casa dos bilhões para a maioria das empresas aéreas. Aeronáutica O terceiro indicador fundamental surge da necessidade de se saber quanto da oferta posta no mercado transformou-se, de fato, em demanda por viagens aéreas. Quadro 2 Indicador de aproveitamento da oferta de transporte de passageiros Indicador Definição Observação Load factor (LF) (%) Fonte: Elaboração própria. Load factor (fator de ocupação, aproveitamento): é igual a RPK dividido por ASK, ou seja, é o percentual de vendas sobre a produção. Como tal, é o indicador básico da eficiência de comercialização da empresa. Também conhecido como aproveitamento. Situa-se normalmente entre 55% e 85%, e a média mundial situa-se atualmente na casa dos 80%. Abaixo de 50% dificilmente a empresa será rentável, e acima de 85%-90%, dado que esse indicador é uma média, a empresa já estará deixando gente no chão ou perdendo passageiros para a concorrência (ponto de saturação, spill). Só empresas charteiras de fretamentos turísticos podem (e devem) operar com LF na faixa de 95%-100%. Pode-se observar, no Gráfico 1, que o mercado brasileiro de transporte aéreo de passageiros apresentou taxas de crescimento significativas, com ocupação média das aeronaves subindo de 67,5% em 2007 para 75,5% em Isso permite concluir que a demanda vem apresentando um crescimento maior que a oferta, resultando em maior aproveitamento nos voos. Por outro lado, o mercado norte-americano, já maduro, além de ser o maior do mundo [Fonseca, Gomes e Queiroz (2014)], sofreu uma redução na demanda entre 2007 e Isso foi acompanhado de uma redução ainda maior na oferta, resultando no aumento do load factor de 80,1% para

137 136 82,9%, conforme demonstra o Gráfico 2, e refletindo uma busca de maior aproveitamento e rentabilidade. Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo indicadores básicos grafico 01 Gráfico 1 Evolução da oferta (ASK), da demanda (RPK) e do aproveitamento (LF) das empresas brasileiras, no período de 2007 a 2012 ASK e RPK (bilhões) ,3% 66,8% 65,9% ASK total 2009 RPK total 70,6% Fonte: Elaboração própria, com base em dados da ICAO. grafico ,4% 2011 Load factor 74,5% Gráfico 2 Evolução da oferta (ASK), da demanda (RPK) e do aproveitamento (LF) das empresas norte-americanas, no período de 2007 a Load factor (%) ,1% 79,8% 80,5% 82,2% 82,2% 82,9% ASK e RPK (bilhões) Load factor (%) ASK total RPK total Load factor Fonte: Elaboração própria, com base em dados da ICAO.

138 Quadro 3 Indicadores de transporte de passageiros 137 Indicador Definição Observação Pax Número de passageiros transportados no ano. Dá uma ideia do porte da empresa, de sua fatia de mercado dentro de um país, região etc. e entra no cálculo de outros parâmetros. Como regra geral do mercado, considera-se que uma nova empresa aérea (start-up) está consolidada no mercado a partir da marca de 1 milhão de pax/ano. Aeronáutica Número de pax embarcados emplanements Número de passageiros que efetivamente embarcaram em cada voo da empresa (ou do país, do mundo etc.) ao longo do ano. Também apresentado como número de embarques realizados, ou emplanement em inglês. Equivale ao número de bilhetes ou cartões de embarque emitidos. No mercado dos EUA, o número de emplanements chega a ser superior, em média, 47% ao de pax [18 th Annual Internacional Aviation Forecast Summit (2013)]. Fonte: Elaboração própria. grafico 03 Gráfico 3 Pax transportados nos mercados domésticos brasileiro e americano no período de 2007 a 2012 Pax transportados (milhões) % 177% 150% 125% 118% 100% 95% 97% 98% 100% 92% Evolução do número de pax (%) (2007 = 100%) Brasil EUA % Brasil % EUA Fonte: Elaboração própria, com base em dados da ICAO. Enquanto no mercado norte-americano é transportado aproximadamente o dobro do número de habitantes do país durante um ano, no

139 138 Brasil esse índice está próximo de 0,5. Por outro lado, a quantidade de passageiros (pax) no mercado doméstico norte-americano, em 2012, representou pouco mais de sete vezes o total transportado por aeronaves no Brasil, proporção esta que estava em 14,5 vezes (Gráfico 3) em Foi, portanto, notório o crescimento do número de passageiros transportados no Brasil, com um aumento de 191% entre 2007 e Já no caso dos EUA, em função da crise econômica que afetou a economia mundial a partir de setembro de 2008, houve uma queda de 8% no número de passageiros transportados em 2009 em relação a 2007 (Gráfico 3). Somente em 2012, o mercado doméstico norte-americano voltou a transportar o mesmo volume de Por outro lado, como visto, as empresas aéreas também transportam carga aérea, mala postal etc., que geram receitas significativas. Em um extremo, têm-se as empresas que possuem aeronaves apenas para o transporte de passageiros, tais como a Gol, a American Airlines; tais empresas transportam carga aérea nos porões utilizados essencialmente para o transporte das bagagens, auferindo assim receitas adicionais na faixa de 10% a 20% da receita total do período, em média. No outro extremo, têm se as empresas exclusivamente cargueiras, tais como a Federal Express, UPS, com aeronaves assim dedicadas, operando sob contratos de longo prazo com seus clientes, para o transporte de bens de alto valor agregado. Na faixa intermediária, estão as empresas que combinam as duas modalidades anteriores, tais como a Lufthansa e a Korean Air. Dessa forma, quando é preciso estudar os desempenhos de empresas que apresentam graus variados de percentuais de transporte de passageiros e carga, é mais indicado utilizar uma régua comum para as comparações. Nesse caso, converte-se cada assento oferecido ou passageiro transportado em determinado valor de massa. A convenção mais utilizada é a de atribuir-se ao passageiro médio a massa de 75 kg, aos quais se soma a bagagem média de 20 kg, chegando-se à unidade de oferta ou demanda média de 95 kg. Feita essa conversão para a capacidade ofertada por cada aeronave de passageiros e da demanda que ela veio a transportar, podem-se agregar as demais cargas transportadas e trabalhar com os indicadores apresentados no Quadro 4. Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo indicadores básicos

140 grafico 04 Gráfico 4 Oferta agregada (pax + carga) (ATK), demanda agregada (pax + carga) (RTK) e load factor geral (LF-geral) do mercado americano, no período de 2007 a 2012 ATK e RTK (milhões de toneladas-quilômetros) ,8% 61,0% 60,4% 62,4% 61,9% 62,5% LF-geral (%) 139 Aeronáutica ATK RTK LF-geral (%) Fonte: Elaboração própria, com base em dados da ICAO. Quadro 4 Indicadores de transporte de cargas e passageiros Indicador Definição Observação De oferta: ATK De demanda: RTK LF-geral (%) Fonte: Elaboração própria. Available ton.km (toneladas oferecidas vezes quilômetro): é o número de unidades produzidas pela empresa, ao longo do ano, de forma geral em relação à massa transportável x distância para o atendimento da demanda de passageiros + carga aérea. Revenue ton.km (toneladas voadas vezes quilômetro): é o número de unidades vendidas pela empresa ao longo do ano de forma geral relativo à massa transportada x distância incorporando o tráfego de passageiros + carga aérea. Load factor geral: obtido calculandose a razão RTK/ATK. Também conhecido como aproveitamento total pax & carga. Empresas americanas trabalham com available ton.miles (ATM). Converter usando o fator 1,609, como explicado no Quadro 1. É um número cuja ordem de grandeza situa-se na casa dos bilhões para a maioria das empresas aéreas. Empresas americanas trabalham com revenue ton.miles (RTM). Converter usando o fator 1,609. É um número cuja ordem de grandeza situa-se na casa dos bilhões para a maioria das empresas aéreas. Para empresas que não são exclusivamente cargueiras (a maioria), a receita de carga representa, em regra, de 15% a 35% da receita operacional líquida. Assim, quanto maior for o LF só da carga tanto melhor, não havendo uma preocupação quanto a faixas ótimas para esse parâmetro.

141 140 Gráfico 5 Oferta agregada (pax + carga) (ATK), demanda agregada (pax + carga) (RTK) e load factor geral (LF-geral) do mercado brasileiro, no período de 2007 a 2012 Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo indicadores básicos grafico 05 ATK e RTK (milhões de toneladas-quilômetros) ,6% 53,0% ATK 57,6% 2009 RTK Fonte: Elaboração própria, com base em dados da ICAO. Indicadores econômicos Quadro 5 Indicadores econômicos 59,0% LF-geral (%) 63,2% 63,4% Indicador Definição Observação Yield CASK (CASM nos EUA) Custo/ATK (Custo/ATM nos EUA) É a receita unitária, obtida dividindo-se a receita da venda de passagens pelo RPK (nos EUA, a divisão é pelo RPM). É o custo unitário, obtido dividindo-se o custo operacional total pelo ASK (nos EUA, a divisão é pelo ASM). Conhecido universalmente pela sigla CASK (ou CASM, nos EUA). Custo unitário, porém com relação ao output total (pax + carga, já convertidos para unidade de massa tonelada) da empresa, ATK Certas empresas incluem a receita de carga transportada ou receitas advindas de outras fontes, portanto é preciso ter cuidado. É apresentada em centavos de US$/RPK, situando-se na faixa de 15 a quarenta centavos de US$/RPK. É uma medida da eficiência econômica da empresa. É apresentado em centavos de US$/ASK. Utilizado em comparação direta com a receita unitária e, principalmente, com os valores das demais empresas que operam nos mesmos mercados LF-geral (%) Não é apenas um medidor de eficiência como o custo/ask, mas também uma função do marketing da empresa, na medida em que o ATK incorpora a carga aérea, mala postal etc. (Continua)

142 (Continuação) 141 Indicador Definição Observação RASK (RASM nos EUA) PRASK (PRASM nos EUA) Break-Even Load Factor (%), ou seja, BELF Fonte: Elaboração própria. Sigla de revenue per available seat.km ou revenue per available seat.mile. É obtido dividindo-se a Receita Operacional Líquida (ROL) pelo ASK. Conceitualmente, é a receita por unidade produzida (mas não necessariamente vendida). Sigla de pax revenue per available seat.km ou pax revenue per available seat. mile. É obtido dividindo-se a receita de venda de passagens aéreas (que é geralmente inferior à ROL) pelo ASK. É o ponto de equilíbrio da empresa, abaixo do qual ela dará prejuízo com a venda de passagens. É obtido dividindo-se o CASK pelo yield. Também conhecido como ocupação ou aproveitamento de equilíbrio. Quando comparado ao custo por ASK, dá uma ideia do equilíbrio da empresa de acordo com seu output real. Valores em centavos de US$/ASK. A diferença entre RASK e CASK dá a margem operacional da empresa, em centavos de US$/ASK, ou seja, por unidade de produção. É geralmente uma parcela do RASK, pois este incluirá receitas auxiliares (embarque prioritário, despacho de bagagens, marcação de assentos etc.). A subtração do CASK dá a margem na venda de passagens, em centavos de US$/ASK. Comparado com o LF, serve para demonstrar quão longe (ou perto) a empresa está do prejuízo operacional se considerar-se exclusivamente a venda de passagens. Indica também quantos ASK restam para ela preencher até chegar à saturação (aproximadamente 90% de LF). Aeronáutica Os principais indicadores utilizados na análise de desempenho econômico de empresas aéreas permitem que rapidamente se forme um juízo de valor sobre a gestão da empresa em seu ambiente de mercado. Por isso, são muito utilizados como ponto de partida de qualquer análise, muito antes, na verdade, do que a análise de balanço patrimonial e de demonstrações financeiras em geral, mesmo por analistas do mercado financeiro. Os principais são os indicados no Quadro 5. À primeira vista, pode parecer um pouco excessiva a quantidade de indicadores econômicos. Na verdade, a relação apresentada reflete muito mais uma evolução histórica do setor do que propriamente a necessidade de se contar com muitos indicadores. Originalmente, nas primeiras décadas após a Segunda Guerra Mundial, as análises baseadas no yield, no CASK e no BELF (este sempre em comparação com o LF efetivamente apurado) eram suficientes para as empresas aéreas e autoridades aeronáuticas. Era o

143 142 tempo das tarifas estabelecidas pelos governos e em que o preço da passagem englobava tudo o que viesse a fazer parte do voo (refeições, bagagem despachada, marcação de assentos etc.). Portanto, se a empresa lograsse ter um CASK compatível com o mercado (vide Gráfico 6) e um bom marketing que propiciasse um yield razoável, o que geraria um BELF relativamente baixo, o sucesso estaria assegurado. Isso ocorreria mesmo que houvesse, às vezes, a complementação da Receita Operacional Líquida (ROL) por meio de subsídio governamental. Era assim em praticamente todo o mundo. Com a progressiva desregulamentação econômica do transporte aéreo a partir da década de 1980, quando as tarifas passaram a ser livremente estabelecidas pelas empresas aéreas, os três indicadores mencionados passaram a ser insuficientes. Em especial, o yield, embora ainda relevante para a empresa aérea, deixou de ser o principal indicador de receita unitária para os analistas de mercado em geral. Isso porque no denominador do cálculo do yield tem se RPK, ou seja, são computados apenas aqueles ASK que foram voados por passageiros pagantes. E quanto aos demais ASK, será que há muitos deles ou poucos deles, já que agora as tarifas foram liberadas? Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo indicadores básicos grafico 06 Gráfico 6 Comparação da evolução entre os custos unitários médios (CASK) das empresas aéreas brasileiras e americanas CASK (centavos de US$) Brasil 2010 EUA Fonte: Elaboração própria, com base em dados da ICAO. Havia assim a necessidade de ter um indicador que fosse uma espécie de interseção entre o yield e o load factor, ou seja, o nível de ocupação médio

144 das aeronaves da empresa. Considerando-se que o CASK já significava o custo de voar um assento, vazio ou ocupado, por um quilômetro, criou-se o RASK. Este nada mais representa do que a receita auferida ao se voar um assento, vazio ou ocupado, por um quilômetro. Assim, caso o RASK supere o CASK, em magnitude de centavos de US$, pode-se inferir rapidamente que a empresa apresenta lucratividade operacional, ou seja, uma constatação fundamental para o início de qualquer análise. Fica, porém, a pergunta: por que tratar isso no nível unitário de receitas (RASK) e custos (CASK) e não simplesmente no nível agregado total, como em qualquer outro tipo de negócio ou empresa? A resposta é que, ao se descer ao nível unitário de RASK e CASK, está se apurando o que ocorreu, respectivamente, com as receitas e despesas da empresa vis-à-vis os assentos-quilômetros ofertados (ASK). Estes, por sua vez, refletem como a empresa operou no mercado em termos da capacidade de assentos de cada voo, das frequências desses voos (ao longo do ano) e das distâncias percorridas (os quilômetros) ao longo do ano, isto é, todo o esforço de transporte realizado. Daí a denominação de indicadores econômico operacionais e que, dessa forma, agregam mais informação do que as tradicionais rubricas contábeis padronizadas aplicáveis a qualquer empresa ou tipo de negócio. A seguir, tem-se o caso da criação do PRASK (vide Gráfico 7), em complementação ao RASK. Com a proliferação das empresas de baixos custos e (às vezes) baixas tarifas, conhecidas universalmente pela sigla LCC (sigla em inglês de low-cost carrier), houve a disseminação nos últimos dez anos, em todo o mundo, da chamada fragmentação tarifária, conhecida universalmente pela expressão fare unbundling. Tendo como objetivo oferecer tarifas cada vez mais baixas e atraentes, as empresas LCC e agora, cada vez mais, aquelas que não seguem esse modelo de negócios passaram a cobrar, separada e opcionalmente para o passageiro por itens originalmente inclusos no preço de qualquer passagem aérea: refeições a bordo, bebidas de todos os tipos, despacho de bagagens, marcação de assentos, embarque preferencial etc. Esse tipo de receita recebeu a denominação de receitas auxiliares, e o usuário do transporte aéreo passou assim a ter, diante de si, um verdadeiro cardápio de serviços tarifados independente. Com isso, os analistas do setor sentiram dificuldades em rastrear o verdadeiro comportamento das tarifas aéreas 143 Aeronáutica

145 144 stricto sensu e o que elas representavam no agregado de receitas da empresa. Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo indicadores básicos grafico 07 Gráfico 7 Comparação da evolução entre as receitas médias auferidas exclusivamente nas vendas de passagens (sem receitas auxiliares), por unidade ofertada (PRASK), das empresas aéreas brasileiras e americanas PRASK (centavos de US$) Brasil Fonte: Elaboração própria, com base em dados da ICAO EUA O PRASK veio a preencher essa lacuna, uma vez que, em seu numerador, entra o valor apurado essencialmente com a venda do transporte stricto sensu do usuário, o qual reflete, de fato, o core business da empresa (a título exemplificativo tem-se o comportamento do PRASK dos mercados norte americano e brasileiro no Gráfico 7). Nesse novo ambiente, auferir receitas auxiliares crescentes tornou-se meta a ser perseguida por praticamente todas as empresas. Em algumas LCCs, tais como a Ryanair, tal rubrica já representa aproximadamente 25% da ROL, mas, nas empresas tradicionais, conforme se depreende de suas demonstrações financeiras publicadas, a média ainda está na faixa de 10% a 20% da ROL. Por fim, tem-se o caso do BELF. Em vista do fato de que, em sua formulação original, o cálculo baseia-se no yield, uma apuração descuidada desse indicador no ambiente atual de fragmentação tarifária, conforme visto anteriormente, pode resultar em um valor irrealisticamente alto (vide Gráfico 8). Se for esse o caso, tal impropriedade pode ser corrigida acres

146 centando se, ao denominador da fração do BELF (ou seja, ao yield), as receitas auxiliares (divididas pelo RPK), fazendo-se as devidas ressalvas quanto a esse ajuste. Ter-se-á assim um BELF-integral que poderá ser então corretamente cotejado com o valor de load factor efetivamente registrado nas operações da empresa aérea. 145 Aeronáutica O caso JetBlue Para exemplificar o uso de indicadores no contexto empresarial, apresenta-se o caso da JetBlue, empresa de baixo custo que atua majoritariamente no mercado doméstico americano [Fonseca, Gomes e Queiroz (2014)] vide gráficos 8 e 9 a seguir. Os números apresentados referem-se à totalidade da operação da empresa nos mercados doméstico e internacional. grafico 08 Gráfico 8 Evolução dos principais indicadores de tráfego da JetBlue: ASK, RPK, LF e BELF ASK e RPK (bilhões) Load factor e BELF (%) ASK (milhões) RPK (milhões) Load factor (%) BELF (%) ,50 83,20 85,20 81,60 80,70 80,40 79,70 79,80 82,40 83,80 72,76 78,71 87,03 82,06 81,84 84,22 81,91 82,19 91,05 91,73 60 Fonte: Elaboração própria, com base nos relatórios anuais divulgados pela empresa JetBlue. Com início de suas operações em 2000, houve apenas um breve período de estagnação por conta da crise econômico-financeira deflagrada em A gestão da JetBlue também foi capaz de manter o aproveitamento em 80% ou acima, em linha com as melhores práticas do mercado para empresas que seguem esse modelo de negócios. O Gráfico 8 mostra o crescimento contínuo tanto da oferta como da demanda de tráfego.

147 146 O BELF, no início do período analisado, estava 12 pontos percentuais abaixo do load factor, o que leva à conclusão de que as receitas obtidas com a venda de passagens aéreas eram mais que suficientes para pagar os custos da operação dos voos. A partir de 2008, essa situação se inverte: o BELF passa a ser definitivamente superior ao LF, chegando a 11 pontos percentuais em Nessa situação, dados os valores de yield praticados, a empresa passa a não prescindir mais de receitas auxiliares (como vendas a bordo, cobrança para marcação de assentos, venda de espaço publicitário, transporte de cargas etc.) para se manter operando com resultado operacional positivo. Por outro lado, na receita por assento-quilômetro oferecido (RASK), a empresa (vide Gráfico 9) apresentou crescimento ao longo do período analisado, porém, os custos cresceram em ritmo maior em No entanto, ao se comparar o custo por assento-quilômetro oferecido (CASK) sem os custos de combustível (CASK ex-fuel), observa-se que os gastos com combustível foram o principal elemento do aumento de custos. Isso demonstra que a gestão da empresa conseguiu manter os demais custos sob controle. Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo indicadores básicos grafico 09 Gráfico 9 Evolução dos principais indicadores econômicooperacionais da JetBlue yield, CASK, CASK ex-fuel e RASK CASK, RASK e yield (centavos de US$) CASK CASK ex-fuel RASK Yield ,80 9,81 11,23 12,58 13,48 15,88 14,87 15,96 19,47 20,00 8,06 7,64 7,92 8,35 8,80 9,56 10,19 10,80 10,88 11,25 11,39 10,76 11,55 13,29 14,34 16,80 16,23 17,51 17,63 18,26 13,47 12,47 12,90 15,33 16,48 18,86 18,15 19,42 21,38 21,80 Fonte: Elaboração própria, com base nos relatórios anuais divulgados pela empresa JetBlue.

148 Indicadores de frota Para o grande público, a parte mais visível e tangível de uma empresa aérea são suas aeronaves. Por outro lado, do ponto de vista histórico, o dispêndio com a compra ou aluguel de aeronaves comerciais a jato era o item número um dos gastos ou investimentos da empresa, algo só alterado nas últimas décadas, em razão dos dispêndios com querosene de aviação. Dessa forma, os indicadores relativos à frota da empresa têm importância fundamental para o analista determinar se esses ativos estão sendo bem selecionados e utilizados. Os principais são os seguintes: 147 Aeronáutica Quadro 6 Indicadores de frota Indicador Definição Observação Idade da frota Utilização média diária da frota Horas voadas Km voados Custo/hora de voo Fonte: Elaboração própria. É a média de idade de todas as aeronaves da frota da empresa. Reflete a atualização (ou não) do principal ativo da empresa. É o número médio de horas de utilização de cada tipo de aeronave da frota (ex.: B737, ERJ-145, B767, A320 etc.). Total acumulado pela frota no ano. Total acumulado pela frota no ano. Custo unitário de produção da frota aérea. Até 5-7 anos de idade, a frota é considerada jovem e atual. Entre 8 e 10 anos, é a faixa do razoável. A partir de 12 a 15 anos de idade, considera-se que a empresa se for de primeira linha deve estar com problemas. Block hour utilization, em inglês; situa-se entre 5h/dia (desempenho ruim, dificilmente a aeronave vai se pagar assim) a 10h-12h/dia, este último caso sendo geralmente o de empresas de baixos custos. No caso das aeronaves do transporte aéreo internacional de longo curso, pode chegar a 15h-18h/dia. Essa avaliação deverá ser feita em conjunto com yield, RASK e CASK. Custo unitário de produção da frota aérea. O último indicador (custo/hora de voo) é muito utilizado internamente pela empresa aérea na avaliação e seleção de aeronaves em seu processo de planejamento de frota. A monitoração desse custo para cada um dos tipos da frota atual da empresa, vis-à-vis as projeções e estimativas feitas para as aeronaves no estado da arte sendo desenvolvidas e entregues pelos

149 148 fabricantes aeronáuticos, constitui prática fundamental para manter a competitividade da empresa. A idade média da frota também é um indicativo relevante para a análise de uma empresa aérea, pois aeronaves mais antigas têm custos de operação, principalmente de consumo de combustível, e de manutenção mais elevados, além de não serem muitas vezes mais adequadas ao mercado atual da empresa. Para exemplificar, o Gráfico 10 traz a idade média da frota de aeronaves de algumas empresas aéreas norte-americanas em 2011, com dados extraídos do banco de dados The Airline Analyst. Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo indicadores básicos grafico 10 Gráfico 10 Idade média da frota de aeronaves de algumas empresas aéreas norte-americanas em 2011 Idade média da frota (anos) American Spirit Southwest Jet Blue Airtran Republic Alaska Continental Delta Hawaiian Skywest Fonte: Elaboração própria, com base em dados extraídos do The Airline Analyst. Por outro lado, o indicador utilização média diária tem uma importância autoexplicável: avião só gera receita para a empresa se voar o máximo possível (naturalmente, com elevados load factor e yield), dadas as limitações da infraestrutura aeronáutica (capacidade dos aeroportos e dos sistemas de navegação e controle do tráfego aéreo) e meteorológicas, além dos requisitos técnicos de manutenção e operação da própria aeronave (vide Gráfico 11). A manutenção de aeronave(s) de reserva, para os casos imprevistos, é medida essencial para assegurar o cumprimento da malha

150 (rede de rotas) diária da empresa, extraindo-se a máxima utilização média diária de cada aeronave. Ou seja, planeja-se a máxima utilização média diária, ao mesmo tempo em que, em caso de imprevistos, a(s) aeronave(s) de reserva estará(ão) lá para garantir o cumprimento diário da malha de rotas da empresa. grafico 11 Gráfico 11 Média diária de horas voadas por empresas norte-americanas em Aeronáutica Média de horas voadas diariamente Spirit Virgin American Southwest Jet Blue Airtran Republic Alaska United Continental Delta Hawaiian Skywest Fonte: Elaboração própria, com base em dados extraídos do The Airline Analyst. Indicadores de pessoal Quadro 7 Indicadores de pessoal Indicador Definição Observação Peso dos recursos humanos Percentual da folha salarial (com encargos) sobre a Receita Bruta. É relevante porque a atividade de transporte aéreo é bastante intensiva em mão de obra. A faixa de 20%-30% é a normal para empresas bem administradas. Nos EUA, 35% é um percentual normal para as empresas tradicionais (American, United etc.). (Continua)

151 150 (Continuação) Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo indicadores básicos Indicador Definição Observação Número de empregados por aeronave Receita por empregado ASK/empregado RPK/empregado ATK/empregado ATK/custo dos empregados Fonte: Elaboração própria. Obtido dividindo-se o total de empregados pelo total de aeronaves na frota da empresa. Representa um indicativo de produtividade da empresa aérea. Obtida dividindo-se a Receita Operacional Líquida pelo número de empregados (staff) da empresa. Obtido dividindose o valor de ASK pelo número de funcionários da empresa. Obtido dividindose o valor de RPK pelo número de funcionários da empresa. Ambos refletem a produtividade da mão de obra na empresa, mas o segundo índice a quantifica em unidades monetárias. Os paradigmas situam-se em torno de 150 (American Airlines, United etc.) para as americanas, 200 para as europeias e brasileiras e para as asiáticas tradicionais. Muito abaixo disso (aproxima damente 100 ou menos) indica possível terceirização de muitas funções em grau elevado, tais como manutenção, apoio em solo etc. Reflete a produtividade média de cada empregado em termos financeiros, considerada adequada a partir de US$ 200K/empregado (Gráfico 12). Reflete a produtividade média de cada funcionário em termos físicos. Reflete a produção vendida por cada funcionário em termos físicos. Às vezes a empresa pode ser inchada em funcionários, porém, tem um nível baixo de salários. Por isso, a análise dos dois índices em conjunto é fundamental. Como atividade econômica, o transporte aéreo não prescinde do uso intensivo de recursos humanos. Isso ocorre apesar de todos os avanços da informática e de processos de automação que modificaram processos e reduziram as necessidades de pessoal de diversos outros setores ao longo das últimas décadas. Portanto, os indicadores que cobrem esse aspecto das empresas aéreas têm importância equivalente a todos os demais vistos até aqui e podem ser sintetizados como:

152 grafico 12 Gráfico 12 Receita por empregado em 2011, empresas dos EUA 151 Receita por empregado em milhares de US$ Aeronáutica 0 Us Airways Shuttle Frontier American Spirit Virgin American Southwest Jet Blue Airtran Republic Alaska United Continental Delta Hawaiian Skywest ExpressJet Compasss Fonte: Elaboração própria, com base em dados extraídos do The Airline Analyst. É importante ter em mente que, ao analisar determinada empresa aérea, o levantamento dos indicadores listados só será plenamente útil caso se disponha dos valores correspondentes para outras empresas, a fim de permitir as necessárias comparações. É preciso atentar, porém, para o fato de que essas comparações devem levar em conta se as empresas no rol levantado seguem o mesmo modelo de negócios, pois, do contrário, podem não fazer sentido. Grosso modo, os principais modelos de negócios hoje existentes são os da empresa tradicional (legacy carrier, em inglês); da empresa regional, que, sob contrato expresso, serve de alimentadora de tráfego (feeder) da tradicional ; da empresa de baixos custos e (quase sempre) baixas tarifas (LCC); e das empresas de modelo híbrido, ou seja, que combinam algumas características dos modelos anteriores em graus variados. Indicadores singulares Nesta seção, foram agrupados quatro indicadores de grande importância geral, mas que não se enquadram nas categorias anteriores. Isso porque servem para avaliar aspectos ligados tanto à gestão da empresa quanto à qualidade do serviço de transporte prestado. Portanto, sua apuração é rigorosamente necessária para se formar um juízo de valor mais preciso sobre a empresa aérea analisada.

153 152 Quadro 8 Indicadores singulares Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo indicadores básicos Indicador Definição Observação Peso da conta de combustível Despesas administrativas corporativas Índice de pontualidade (%) Índice de regularidade (%) Percentual dos gastos com combustível sobre as despesas operacionais. É relevante porque a atividade de transporte aéreo é extremamente sensível a variações no preço do combustível. Também chamado de overhead corporativo. Representa o número de voos que operaram no horário publicado sobre o total de voos realizados pela empresa no ano (havendo uma tolerância de até 15 minutos no início e até trinta minutos nas escalas intermediárias e destino final). É um dos mais importantes parâmetros para os clientes da empresa e o mais importante índice de eficiência operacional. Representa o número de voos efetivamente realizados pela empresa no ano sobre o total de voos previstos e publicados no Official Airline Guide (OAG) ou equivalente. A faixa normal vai de 25%-45%, com a média em torno de 30%-40% para as empresas bem administradas (e/ou que fazem hedge) e fora de eventuais crises de petróleo. A faixa de 6%-7% das despesas e custos totais é considerada aceitável. Só se consegue obter quando o Relatório da Administração claramente especifica as despesas de administração comercial, administração operacional, de reparos e manutenção etc., o que nem sempre ocorre. É apurado pela autoridade aeronáutica do país da empresa. A faixa boa/ótima situa-se em 95%-100%, mas acima de 85% é aceitável. Abaixo de 80%, é considerada insatisfatória, indicando a existência de problemas sérios na área de operações da empresa. No caso de empresas dos EUA e da Europa, baixos índices de pontualidade são aceitáveis apenas na época do inverno e/ou de furacões, em função de neve, gelo, baixa visibilidade ou ventos que afetam parte substancial das operações. É apurado pela autoridade aeronáutica do país da empresa. Naturalmente, quanto mais próximo de 100%, melhor para a avaliação da empresa. A faixa aceitável fica acima de 90%. Abaixo disso, revela problemas sérios de organização e operações e/ou práticas eticamente duvidosas. Fonte: Elaboração própria. A chamada conta de combustível traz grande preocupação para todos os stakeholders do setor de transporte aéreo. Ela representa a principal despesa que está essencialmente fora do controle da gestão da empresa

154 (Gráfico 10), a não ser por operações que, por sua própria natureza, são apenas parciais e temporárias, como a contratação de hedge. Normalmente estruturadas sob a forma de derivativos de crédito, as operações de hedge permitem que a empresa trave o preço unitário do combustível em determinado valor, por determinado prazo e percentual, de sua conta de combustível. Ocorre que, se no prazo e valores contratados no hedge, a variação do preço do combustível for na direção oposta à esperada pela empresa aérea, esta terá de compensar financeiramente sua contraparte no contrato, na exata medida da variação ocorrida. Contratar hedge não se configura assim, hodiernamente, como um seguro em que, pago determinado valor como prêmio, recebe-se a indenização correspondente em caso de sinistro. O termo hodiernamente foi aqui utilizado porque, embora até exista a contratação de hedge de preço de combustível sob a forma de seguro, o preço do prêmio cobrado nos mercados internacionais para esse tipo de cobertura é proibitivo para a maioria das empresas aéreas, que recorrem, quando podem, essencialmente aos mercados de derivativos de crédito. Para as empresas norte-americanas, o peso da conta de combustível tem se situado entre 30% e 40% em média nos últimos cinco anos, aumentando assim a exposição das empresas a custos não totalmente administráveis e pressionando as margens de resultado das empresas (Gráfico 13). Empresas como a Skywest, ExpressJet e Compass sofrem menos com o peso da conta de combustível por serem regionais, com contratos de prestação de serviços com as legacy carriers, que em diversos casos preveem que o combustível utilizado será fornecido pela empresa contratante. Outro problema que afeta a conta de combustível, possivelmente o mais importante, é o elevado grau de volatilidade historicamente apresentado pelo preço dessa commodity. Variações de até 50% não são incomuns, em prazos de apenas alguns meses, nesse insumo que representa entre um terço e metade dos custos das empresas aéreas. Isso faz com que as empresas tenham de manter níveis elevados de liquidez corrente (caixa e disponibilidades de curto prazo), sendo usuais percentuais de 25% a até 50% da ROL dos 12 meses anteriores. Os problemas de gestão financeira que tal situação acarreta para as empresas aéreas em geral não devem ser subestimados. 153 Aeronáutica

155 154 Gráfico 13 Participação da conta de combustível na composição dos custos operacionais de empresas aéreas atuantes no mercado norte-americano em 2011 Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo indicadores básicos grafico 13 Participação do combustível nos custos da empresa (%) Spirit Airtran Jet Blue Virgin American Southwest Delta Fonte: Elaboração própria, com base em dados extraídos do The Airline Analyst. United Us Airways Continental Por fim, deve-se atentar para problemas de regularidade da empresa em aeroportos congestionados. Existe uma prática de ética duvidosa de certas empresas levada a cabo em aeroportos de grande demanda, como o de Congonhas em São Paulo, e cujos horários de pousos e decolagens (hotrans, no jargão oficial da autoridade aeronáutica) estão saturados que consiste em manter um número de hotrans excessivo em relação a suas necessidades, apenas para evitar que as concorrentes se apoderem deles. De forma a reduzir custos, essas empresas frequentemente cancelam voos que seriam operados em hotrans próximos, concentrando todo o tráfego de passageiros em apenas um dos voos previstos. Isso faz com que o índice de regularidade da empresa caia, cabendo à autoridade aeronáutica coibir tais práticas danosas à concorrência e ao bem-estar do consumidor. American Alaska Hawaiian Frontier Republic Shuttle Skywest ExpressJet Compasss Indicadores para a validação de análises comparativas Existem alguns indicadores cuja determinação não é finalística, ou seja, não vale por si só, mas servem para utilização em outros indicadores ou como referência para comparação entre eles. Entre esses, tem-se:

156 Quadro 9 Indicadores para validação de análises comparativas 155 Indicador Definição Observação Etapa média voada (km) ou mapa de rotas Tamanho médio de aeronave (TMA) ou tipo de frota É a média aritmética das distâncias percorridas em cada ligação realizada pela empresa aérea ao longo de um ano. É a média do número de assentos oferecidos em cada aeronave da frota da empresa aérea. Do inglês, average stage length. É a medida por excelência utilizada para verificar se as comparações feitas entre duas ou mais empresas são razoáveis ou não. Na ausência desse dado, usa-se, em uma primeira aproximação, o mapa de rotas da empresa. Do inglês, average aircraft capacity. Como o parâmetro anterior, é utilizado para verificar se as comparações feitas entre duas ou mais empresas são razoáveis ou não. Na ausência desse dado, comparam-se as composições da frota de cada empresa de maneira geral. Aeronáutica Fonte: Elaboração própria. A etapa média voada tem importância fundamental nas comparações dos indicadores econômicos (CASK, RASK etc.) entre empresas aéreas. Empresas com etapas médias relativamente longas, se tudo o mais continuar constante, terão valores de CASK inferiores àquelas com etapas relativamente mais curtas, uma vez que os valores de ASK do denominador serão, na média, maiores. Mas isso não significa necessariamente maior competitividade. Portanto, não se devem realizar comparações diretas, por exemplo, entre empresas regionais (etapas médias relativamente curtas) com empresas nacionais (etapas médias intermediárias) ou de longo curso internacional (etapas médias longas). O mais aconselhável nesses casos é elaborar um gráfico em que o indicador econômico em questão seja apresentado em função da etapa média, havendo um número suficiente de empresas para que a curva média possa ser traçada e sirva assim de paradigma geral de referência para as comparações (vide Gráfico 14). Alternativamente, podem-se ajustar matematicamente os valores do indicador de interesse (CASK, RASK etc.) das diversas empresas para uma única etapa média comum e, aí sim, proceder-se à comparação pretendida. Pelo Gráfico 14, observa-se que o custo operacional unitário (CASK) é mais alto para empresas regionais (como a American Eagle) e mais baixo para empresas internacionais de longo curso (como a United) ou de baixos custos (como a Southwest Airlines).

157 156 Gráfico 14 Custo operacional unitário (CASK) em função da etapa média voada empresas dos EUA, mercados doméstico e internacional, excluindo custo de combustível (CASK ex-fuel) Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo indicadores básicos grafico 14 CASK ex-fuel (centavos de US$) 7,0 6,5 6,0 5,5 5,0 4,5 American Eagle Skywest Frontier US Airways Southwest 4, Etapa média voada no ano (km) AMR Corp Delta United Continental Hold Jet Blue Fonte: Elaboração própria, com base em dados extraídos do The Airline Analyst. Algumas inferências Uma vez que o conjunto de quase trinta indicadores aqui apresentados tenha sido bem compreendido pelo analista de transporte aéreo, é natural que se faça a pergunta: como eles podem ser utilizados para se extrair uma conclusão sobre a real situação econômico-operacional de determinada empresa aérea, ou mesmo sobre o agregado do setor de transporte aéreo de um país, região ou de todo o planeta? A resposta passa necessariamente pela análise conjunta dos valores dos indicadores, cada um dos quais revelará um aspecto relevante de um enredo cuja coerência o analista busca racionalizar. Ora, para além dos nexos causais existentes entre diversos dos indicadores listados, que são aparentes já a partir da própria definição desses indicadores, existe a experiência acumulada, ao longo das últimas décadas, pelos analistas de mercado que cobrem, por dever profissional, o mercado de transporte aéreo. Essa experiência, refletida em livros, artigos da imprensa financeira especializada, de pesquisas acadêmicas etc., permite que se façam algumas inferências que representam, de fato, uma

158 espécie de consenso básico no setor de transporte aéreo. Entre as mais significativas, podem ser citadas: Em mercados com total liberdade tarifária (EUA, Brasil, Europa etc.), as empresas aéreas não têm como elevar imediatamente as tarifas, por exemplo, em uma crise de petróleo ou, em alguns casos, em uma simples ameaça de crise. A saída é reduzir a oferta, ou seja, reduzir o ASK; em um primeiro momento, isso leva ao aumento do load factor e do RASK; em uma etapa a seguir, ao aumento no yield. No exemplo anterior, é prudente analisar-se o comportamento do CASK. Este deve subir, refletindo o aumento de custo do combustível, embora tal subida possa hipoteticamente ser amortecida por uma eventual política de hedge no preço de combustível. Mas o comportamento do CASK ex-fuel, isto é, com a exclusão da conta de combustível (fora do controle da empresa), é que revelará se a gestão da empresa foi a contento ou não. Mercados aqui, na acepção de pares de cidades em que há concorrência elevada tendem a apresentar, por parte das empresas que os servem, load factors elevados (acima de 80%) e yields relativamente baixos; o oposto ocorre em mercados em que há baixa ou nenhuma concorrência, mas, nesse último caso, a lucratividade tende a ser maior. Isso pela possibilidade de a empresa operar com uma aeronave dimensionada exatamente para o tráfego demandado, o que otimizará custos e receitas. Situações na qual a empresa (ou o país, ou a região etc.) deve reduzir a oferta diminuição de ASK se a queda de ASK for inferior à queda de RPK (resultando em aumento do load factor), a empresa operou na direção certa; também o fez na situação oposta, ou seja, se ao aumento de ASK no mercado colheu um aumento superior de RPK (resultando novamente em aumento do load factor). A análise da situação descrita no item anterior não estará completa se não for analisado o que ocorreu com o yield e o RASK no mesmo período. Estes têm de se mover essencialmente na direção positiva, dado que o transporte aéreo é um negócio que apresenta, historicamente, margens líquidas muito baixas, além de oscila- 157 Aeronáutica

159 158 rem em torno de zero ao longo dos ciclos do capitalismo (vide gráficos 15 e 16). Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo indicadores básicos grafico 15 Gráfico 15 Evolução do lucro e da margem líquida do agregado do transporte aéreo mundial consolidado pela ICAO Lucros líquido e operacional (bilhões de US$) ,1% 1,7% 1,6% 0,9% 2,0% -2,5% -1,9% -3,9% Lucro líquido -2,5% 1,5% 2,1% -0,8% 3,3% 3,1% 3,5% 1,7% Lucro operacional Fonte: Elaboração própria, com base em dados da ICAO. grafico 16-2,4% -4,4% -5,2% 1,5% 5,5% 4,0% -7,1% -7,1% Margem líquida 5,1% 0,4% -0,9% 6 4 1,5% 2 Gráfico 16 Evolução da Receita Operacional Líquida (ROL) e margem operacional do setor aéreo mundial agregado dos países participantes da ICAO ROL (US$ bilhões) ,4%4,9% 5,6% 3,8% 3,4% 0,5% -0,6% -1,0% -1,2% 2,8% 5,0% 4,5% 5,9% 5,6% 4,1% 4,0% -5,1% -2,0% 1,8% -0,7% 3,8% 1,4% 4,8% -1,3% 6,2% 0,4% 2,2% 2,0% Margem líquida em função da receita total (%) Margem operacional (% da ROL) ROL Margem líquida Fonte: Elaboração própria, com base em dados da ICAO.

160 Conclusão O conjunto de indicadores econômico-operacionais apresentados ao longo do presente artigo foi originalmente concebido para fornecer uma ferramenta valiosa ao analista. A proposta é que este possa formar um juízo de valor preliminar sobre uma empresa aérea qualquer, sobre o agregado das empresas de determinado país, região do mundo ou mesmo sobre o que ocorre no planeta. Tal orientação ganha relevância quando se considera que, como negócio, o transporte aéreo parece fugir a alguns paradigmas aplicáveis à maioria dos outros tipos de negócios. De outra forma, como explicar o fato de que em um contexto global empresas aéreas de porte relativamente pequeno (Transbrasil), de porte médio a grande (Varig) e megatransportadoras (American Airlines) operassem anos a fio com patrimônio líquido negativo até que se tornasse imprescindível sua liquidação ou recuperação judicial? Como explicar que, durante esses mesmos períodos, tais empresas obtiveram crédito de seus fornecedores, inclusive para a compra ou aluguel de aeronaves? A resposta a tais indagações, segundo o consenso do setor, passa por dois aspectos fundamentais e, o que é mais intrigante, complementares. O primeiro refere-se ao fato de que qualquer empresa aérea, a partir de certo porte, tem um número razoável de stakeholders que, assim a história demonstra, farão todo o possível para fomentar seu sucesso, ou ao menos a continuidade de sua operação no mercado. Aqui entram governos em geral, incluindo-se a legislação, 1 fabricantes e empresas de leasing de aeronaves, agentes do sistema financeiro (capital markets, fusões & aquisições etc.), consultorias e fornecedores dos mais variados tipos. O segundo aspecto é a própria natureza do negócio, que faz com que ele seja percebido, por boa parte dos stakeholders, como essencialmente constituído por um gigantesco, permanente e maleável fluxo de caixa. Isso porque, ao mesmo tempo em que a empresa fatura vendas de passagens 24 horas por dia, 365 dias por ano (via website acessível de qualquer domicílio do planeta), o pagamento de fornecedores, de pessoal, de credores 159 Aeronáutica 1 Nos EUA (assim como no Brasil), a lei de bankruptcy protection permite que a empresa aérea em concordata continue operando normalmente, enquanto o conjunto de credores encomenda um plano de recuperação judicial para ser dentro de certos prazos estabelecidos pelo juiz eventualmente aprovado em uma Corte de Justiça especializada.

161 160 etc. pode sempre ser flexibilizado em função da percepção desse fluxo contínuo de recebíveis e do interesse na continuidade do negócio por essa comunidade de stakeholders. Não é por outro motivo que, para muitos analistas de mercado, os dois indicadores mais importantes e frequentemente citados são justamente o RASK e o CASK. No limite, o critério básico (grass roots) para o atestado de vida da empresa aérea passa a ser que a diferença entre eles seja positiva, que as disponibilidades da empresa sejam elevadas (20% ou mais da ROL) e que o CASK ajustado pela etapa média voada esteja alinhado com as demais empresas que atuam em seus mercados. Nesse contexto, o conjunto de indicadores aqui apresentados poderá fornecer um quadro mais completo para análise, complementando as diligências e demais avaliações e projeções das demonstrações financeiras auditadas que tanto o BNDES como os demais agentes financeiros do país já praticam cotidianamente em suas atuações no setor de transporte aéreo mundial. Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo indicadores básicos Referências 18 th Annual International Aviation Forecast Summit, 2013, Baltimore. Enplanement Forecasts & Canada-US Trans-border Forecasts. Baltimore, Maryland, Nov. 3-5, Fonseca, P. V. R.; Gomes, S. B. V.; Queiroz, V. S. O mercado do transporte aéreo dos Estados Unidos e perspectivas para o financiamento à exportação de jatos comerciais brasileiros. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 39, p. 5-49, mar ICAO Organização da Aviação Civil Internacional: banco de dados, contratado pelo BNDES. Disponível em: < Acesso em: jun JetBlue. Relatórios financeiros anuais Disponível em: < Acesso em: mai Rostás, R. Iata corta em 3,8% a projeção de lucro no ano. Valor Econômico, p. B6, 3. jun

162 The Airline Analyst: banco de dados, contratado pelo BNDES. Disponível em: < Acesso em: jun Bibliografia Ascend Advisory. Aviation Insight, V1 Market Commentary, Q Ascend: banco de dados, contratado pelo BNDES. Belobaba, P.; Odoni, A.; Barnhart, C. The global airline industry. Reino Unido: Wiley, Doganis, R. The airline business. 2. ed. New York: Routledge, Flying off course: airline economics and marketing, 4. ed. New York: Routledge Fonseca, P. V. R.; Gomes, S. B. V.; Queiroz, V. S. A aeronave como garantia do financiamento. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, n. 39, p , jun Gomes, S. B. V. A indústria aeronáutica no Brasil: evolução recente e perspectivas. BNDES 60 anos: perspectivas setoriais, v. 1, Rio de Janeiro: BNDES, out Gomes, S. B. V.; Fonseca, P. V. R.; Queiroz, V. S. O financiamento a arrendadores de aeronaves modelo do negócio e introdução à análise de risco do leasing aeronáutico. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 37, p , mar Jenkins, D. Handbook of airline economics. 2. ed. Washington: Aviation Week, Vasig, B.; Fleming, K.; Tacker, T. Introduction to air transport economics: from theory to applications. Ashgate, Aeronáutica

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164 Agroindústria BNDES Setorial 40, p A experiência do edital Inova Agro: dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio Gisele Ferreira Amaral Diego Duque Guimarães Felipe Machado Bellizzi * Resumo Lançado em maio de 2013 e encerrado em maio de 2014, o Edital de Seleção Pública Conjunta MCTI/BNDES/Finep de Apoio à Inovação Tecnológica no Setor do Agronegócio recebeu uma demanda não qualificada de R$ 5,7 bilhões em planos de negócio (PN) de 171 empresas líderes. Ao fim do edital, foram selecionados 49 PNs, no valor de R$ 2,1 bilhões. Em razão da abrangência temática do edital, foram envolvidos sete departamentos do BNDES e sete técnicos do Departamento de Agronegócio e Alimentos da Finep Inovação e Pesquisa na análise dos PNs. Este artigo apresenta o histórico e as estatísticas do edital, contextualiza os temas passíveis de subvenção, analisa os resultados preliminares e descreve algumas dificuldades e oportunidades percebidas pelas equipes que participaram desse instrumento de apoio conjunto à inovação. * Respectivamente, gerente, economista e engenheiro do Departamento de Agroindústria (DEAGRO) da Área Agropecuária e de Inclusão Social do BNDES. Os autores agradecem a colaboração da estagiária Júlia Soihet Martins, dos demais colegas do DEAGRO, de Felipe dos Santos Pereira, André Camargo Cruz e Letícia Magalhães da Costa, do Departamento de Indústria Química do BNDES, e de André do Nascimento Moreno Fernandes e Marcelo Luiz Campos Valente, do Departamento de Agronegócio e Alimentos da Finep, isentando-os de qualquer responsabilidade por incorreções porventura existentes no artigo.

165 164 Introdução A experiência do edital Inova Agro: dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio O artigo está dividido em seis seções, com esta introdução. A próxima seção aborda o histórico e as estatísticas do edital Inova Agro e nela são apresentados o cronograma, a demanda de recursos em cada etapa e a distribuição regional e por porte das 49 empresas líderes selecionadas no edital. Em razão da diversidade de temas envolvidos no edital, a terceira seção traça uma contextualização dos temas que foram passíveis de subvenção econômica: (a) no âmbito da genética e melhoramento genético animal e vegetal, o desenvolvimento de organismos geneticamente modificados (OGM) próprios e de cultivares não OGMs de soja e milho e o melhoramento genético de peixes; (b) o desenvolvimento de tecnologias, produtos e processos por meio de novas fontes (minerais, orgânicas e subprodutos industriais) para fertilizantes, incluindo produtos, processos e equipamentos para produção; (c) tecnologias aplicadas ao desenvolvimento de alimentos com alegação de propriedades funcionais; (d) tecnologias aplicadas a programas de redução de patógenos em alimentos; (e) máquinas, equipamentos e implementos agropecuários para horticultura; e (f) tecnologias e equipamentos para a pecuária de precisão. A análise dos resultados preliminares dos resultados do edital é exposta na quarta seção. A quinta seção apresenta as dificuldades, oportunidades e propostas de aperfeiçoamento no instrumento de apoio conjunto, com base na experiência do edital Inova Agro. E, por fim, na sexta, são feitas as considerações finais. Histórico e estatísticas do edital Inova Agro O Inova Agro plano conjunto BNDES-Finep para apoio à inovação tecnológica no setor de agronegócio teve sua origem no Plano Inova Empresa, lançado em 14 de março de 2013 pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). O Plano Inova Empresa busca estender para outras áreas da economia o modelo desenvolvido por BNDES e Finep, inicialmente, para o Plano Conjunto BNDES-Finep de Apoio à Inovação Tecnológica Industrial dos Setores Sucroenergético e Sucroquímico (PAISS), em 2011, e depois replicado no Inova Petro, de 2012.

166 O Plano Inova Empresa teve como concepção um novo modelo de fomento à inovação, no qual se preveem a articulação de programas de diversas instituições públicas e o uso coordenado de seus instrumentos de apoio (crédito, renda variável e recursos não reembolsáveis), bem como uma gestão integrada com redução de prazos e simplificação administrativa. Entre os objetivos do Inova Empresa, estão o fomento e a seleção de PNs que contemplem atividades de pesquisa, desenvolvimento, engenharia e/ou absorção tecnológica, produção e comercialização de produtos, processos e/ou serviços inovadores, e demais ações necessárias para que estes sejam levados ao mercado de forma competitiva, visando ao desenvolvimento de empresas e tecnologias brasileiras. Além do PAISS e Inova Petro 1 e 2, o Inova Empresa compreendia, em junho de 2014, Inova Energia, Inova Saúde, Inova Aerodefesa, Inova Agro, Inova Sustentabilidade, Inova Telecom e PAISS Agrícola. O Inova Agro busca apoiar o desenvolvimento tecnológico nas três etapas do agronegócio, denominadas no edital de linhas temáticas : de insumos agropecuários, de processamento de alimentos e de máquinas e equipamentos voltados para o agronegócio. Como o apoio ao setor canavieiro foi contemplado no âmbito do PAISS, esse setor foi excluído explicitamente das linhas do edital do Inova Agro. As linhas temáticas e os temas do edital são os seguintes: Linha 1: Insumos (exceto cana-de-açúcar) a) genética e melhoramento genético animal e vegetal; b) produtos fitossanitários para controle de pragas, doenças e plantas daninhas, incluindo processos; c) fertilizantes, incluindo produtos, processos e equipamentos para produção; d) medicamentos e vacinas para saúde animal; e) unidades de demonstração de novas tecnologias e de práticas de manejo mais eficientes, incluindo fazendas-modelo. Linha 2: Processamento (exceto cana-de-açúcar e derivados) a) tecnologias aplicadas ao desenvolvimento de alimentos com alegação de propriedades funcionais conforme o item 3.3 da 165 Agroindústria

167 166 Resolução 18/1999 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ou resolução que venha revogá-la e substituí-la e/ou à redução dos teores de gordura e sódio nos alimentos processados; A experiência do edital Inova Agro: dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio b) embalagens com novas funcionalidades; c) aditivos para a indústria alimentícia; d) tecnologias para controle e mitigação de riscos biológicos e químicos; e) produtos e processos da indústria de alimentos. Linha 3: Máquinas e equipamentos para o agronegócio (exceto cana de-açúcar e derivados) a) novas tecnologias voltadas ao armazenamento de produtos agropecuários e desenvolvimento de tecnologias que permitam redução significativa do custo de transporte da produção agropecuária; b) máquinas, equipamentos e implementos agropecuários; c) máquinas e equipamentos para indústria de processamento de produtos agropecuários e de alimentos; d) máquinas e equipamentos para produção de insumos para atividades agropecuárias e aditivos para indústria alimentícia; e) rastreabilidade (software, hardware e semicondutores); f) agricultura e pecuária de precisão: tecnologias e equipamentos; g) equipamentos para diagnóstico e monitoramento de pragas de vegetais e doenças de animais. A definição inicial dos temas nas linhas temáticas foi realizada em conjunto pelas equipes da Finep e do BNDES. Após essa definição inicial, foram consultados o MCTI, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) e o Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que auxiliaram não só na definição dos temas mais relevantes a serem incluídos nas linhas temáticas, mas, principalmente, na definição dos subtemas que seriam passíveis de apoio não reembolsável. O orçamento previsto para o Plano Inova Agro foi de R$ 3 bilhões, a serem divididos igualmente entre Finep e BNDES. Desse valor, foram alo-

168 cados para o edital R$ 1 bilhão, podendo o valor ser aumentado até o limite de R$ 3 bilhões. Em 9 de abril de 2013, foi aprovado o Acordo de Cooperação Técnica entre o BNDES e a Finep, visando operacionalizar o edital do Inova Agro pelas duas instituições, lançado oficialmente em 28 de maio de No dia 17 de junho de 2013, foi apresentado pelas equipes do BNDES e da Finep, no auditório do centro de estudos do BNDES, o edital Inova Agro para as empresas que solicitaram participar do evento. Na ocasião, foram respondidas as dúvidas levantadas pelo público presente. Depois dessa data, foram feitas apresentações pelas equipes também na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e na Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq). Em 15 de agosto de 2013, data-limite para o envio das Cartas de Manifestação de Interesse (CMI) por parte das empresas e institutos de ciência e tecnologia (ICT), foram apresentadas 370 cartas, das quais 171 de empresas líderes, 112 de empresas parceiras e 87 de ICTs. Desse total, 132 empresas líderes foram classificadas para a etapa de workshop, bem como 132 empresas parceiras (incluindo as líderes que foram reclassificadas) e as 87 ICTs. O Workshop de Instrução e Fomento de Parcerias, realizado no Centro de Convenções SulAmérica, em 21 de outubro de 2013, foi uma oportunidade para as empresas e ICTs se conhecerem e conversarem sobre futuras parcerias. Em 6 de dezembro de 2013, foram apresentados 83 PNs pelas empresas líderes, representando uma demanda consolidada de R$ 2,9 bilhões. Desses PNs, foram qualificados 71, e as empresas líderes responsáveis por eles foram convidadas a ir ao BNDES apresentar e defender seus PNs para as equipes do BNDES e da Finep no período de 13 de janeiro de 2014 a 16 de janeiro de Das 71 empresas convidadas, apenas uma não participou da sabatina. Nos PNs enquadrados nas linhas com recursos não reembolsáveis, houve participação de especialistas ad hoc na sabatina. Com base nos projetos apresentados nos PNs e nas informações prestadas pelos representantes das empresas, foram selecionados 49 PNs para receberem oferta de apoio da Finep e/ou do BNDES, totalizando uma demanda de R$ 2,1 bilhões (Tabela 1). 167 Agroindústria

169 168 Tabela 1 Resumo das etapas do Inova Agro: empresas líderes A experiência do edital Inova Agro: dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio Edital conjunto Inova Agro Estimativa de recursos/ lançamento R$ 1 bilhão em mai Fontes: BNDES e Finep. Parceiros Fase do edital (posição ) BNDES e Finep Submissão das Cartas de Manifestação de Interesse 171 empresas R$ 5,1 bilhões Seleção das empresas líderes 132 empresas R$ 3,7 bilhões Submissão de planos de negócio 83 empresas R$ 2,9 bilhões Seleção de planos de negócio 49 empresas R$ 2,1 bilhões Esses 49 PNs selecionados envolvem a participação de 49 empresas líderes, 25 empresas parceiras e 38 ICTs. A distribuição regional dos PNs selecionados pode ser vista na Tabela 2. Tabela 2 Distribuição regional dos PNs selecionados Regiões Estimativa de apoio (R$ mil) Participantes número e % Norte 0 0 (0%) Nordeste (8%) Sudeste (61%) Sul (23%) Centro-Oeste (8%) Total Fontes: BNDES e Finep. A distribuição das empresas líderes, por porte, pode ser vista no Gráfico 1. O cronograma final do edital do Inova Agro terminou com os prazos indicados na Tabela 3. Em 17 de abril de 2014, as 49 empresas líderes receberam com o Plano de Suporte Conjunto (PSC) oferecido pelas instituições apoiadoras. Dos 49 PNs, trinta receberam oferta de apoio do BNDES crédito e/ou Fundo Tecnológico (Funtec), totalizando R$ 1.145,1 milhões; e 21 receberam

170 oferta de apoio da Finep via crédito e/ou subvenção econômica, totalizando R$ 965,6 milhões. Diante da abrangência dos temas contemplados no edital, optou-se por discorrer apenas sobre os temas passíveis de apoio com recursos não reembolsáveis. A próxima seção apresenta uma breve contextualização desses temas. 169 Agroindústria Gráfico 1 Distribuição por porte das empresas líderes 8% 4% 27% 51% 10% Microempresa Pequena empresa Média empresa Média-grande empresa Grande empresa Fontes: BNDES e Finep. Tabela 3 Cronograma final do edital Inova Agro Etapa Data-limite Submissão das Cartas de Manifestação de Interesse Resultado de seleção das empresas Divulgação do resultado da seleção das empresas após recursos Workshop de instrução e fomento a parcerias Apresentação dos planos de negócios Resultado de seleção dos planos de negócios Divulgação do resultado da seleção dos planos de negócios após recursos Estruturação dos planos de suporte conjunto A partir de Fonte: Edital Inova Agro.

171 170 Contextualização dos temas passíveis de apoio com recursos não reembolsáveis A experiência do edital Inova Agro: dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio Como mencionado na seção anterior, os temas das linhas temáticas foram definidos, conjuntamente, pelas equipes da Finep e do BNDES e do MCTI, Mapa e MDIC. Os temas da Linha Temática 2 foram elaborados com base no diagnóstico apresentado no artigo Inovação na indústria de alimentos: importância e dinâmica no complexo agroindustrial brasileiro [Sidonio et al. (2013)]. Os temas das Linhas Temáticas 1 e 3, por sua vez, foram elaborados com base na experiência das equipes envolvidas na análise de projetos e na participação de eventos do setor. Para o apoio não reembolsável, através dos instrumentos de subvenção econômica da Finep e do Funtec, foram priorizados segmentos de alguns dos temas escolhidos, levando em consideração não só o maior risco tecnológico envolvido, mas também o impacto que inovações nesses segmentos terão na agropecuária e na indústria de alimentos. Assim, foram indicados os seguintes subtemas, que são contextualizados nesta seção: Desenvolvimento de eventos OGMs próprios e de cultivares não OGMs de soja e milho, na Linha Temática 1, em (a) genética e melhoramento genético animal e vegetal. Melhoramento genético de peixes, na Linha Temática 1, em (a) genética e melhoramento genético animal e vegetal. Desenvolvimento de tecnologias, produtos e processos por meio de novas fontes (minerais, orgânicas e subprodutos industriais), na Linha Temática 1, em (c) fertilizantes, incluindo produtos, processos e equipamentos para produção. Tecnologias aplicadas ao desenvolvimento de alimentos com alegação de propriedades funcionais, na Linha Temática 2, em (a) tecnologias aplicadas ao desenvolvimento de alimentos com alegação de propriedades funcionais (conforme o item 3.3 da Resolução 18/1999 da Anvisa, ou resolução que venha a revogá-la e substituí-la), e/ou à redução dos teores de gordura e sódio nos alimentos processados.

172 Tecnologias aplicadas a programas de redução de patógenos em alimentos, na Linha Temática 2, em (d) tecnologias para controle e mitigação de riscos biológicos e químicos. Implementos para horticultura, na Linha Temática 3, em (b) máquinas, equipamentos e implementos agropecuários. Pecuária de precisão: tecnologias e equipamentos, na Linha Temática 3, em (f) agricultura e pecuária de precisão: tecnologias e equipamentos. 171 Agroindústria Genética e melhoramento genético animal e vegetal, especificamente para: Desenvolvimento de eventos OGMs próprios e de cultivares não OGMs de soja e milho A genética pode ser definida como a ciência que estuda os genes, os quais são os responsáveis pela transmissão das características biológicas de geração para geração. O melhoramento genético, por sua vez, busca aumentar a eficiência produtiva de animais e vegetais, através da seleção e disseminação das características de interesse econômico nesses organismos. Entre as características selecionadas mais comuns, estão a maior produtividade e resistência a pragas e doenças [Borém (2005)]. O responsável por realizar o melhoramento genético é denominado melhorista. No melhoramento genético convencional, a transmissão das características genéticas desejadas, expressas por genes específicos, é realizada através de cruzamentos sexuais controlados, dentro da mesma espécie ou, em alguns casos raros, entre espécies aparentadas, visando ao desenvolvimento de uma raça ou linhagem genética pura superior [Teixeira (2008)]. Os cruzamentos de raças ou linhagens genéticas puras diferentes geram indivíduos chamados de híbridos, que são, algumas vezes, preferidos por apresentar características médias superiores a seus genitores. Entretanto, para que não ocorra a perda parcial ou total dessas qualidades, deve-se evitar o cruzamento entre os híbridos. Já no melhoramento não convencional, a transmissão dos genes desejados é realizada diretamente através de técnicas de engenharia genética,

173 172 podendo envolver também espécies diferentes (transgenia). Apresenta grandes vantagens em relação ao convencional, ao tornar possível a transgenia e possibilitar grande segurança e maior rapidez na seleção e disseminação de genes pelo melhorista [Borém (2005)]. A experiência do edital Inova Agro: dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio A soja, o milho e o algodão são as principais culturas agrícolas do mundo, e, por essa razão, são as culturas com maior uso e disponibilidade de variedades transgênicas [Teixeira (2008)]. No entanto, por ser relativamente recente, a transgenia ainda gera desconfianças em relação a sua segurança ambiental e alimentar, sendo seu plantio e/ou sua comercialização restritos em vários países (principalmente, Japão, Coreia e alguns da União Europeia). Embora essas desconfianças venham se reduzindo ao longo do tempo, esses países ainda pagam um prêmio ou dão preferência pela soja e pelo milho não transgênico, por serem destinados, direta ou indiretamente, à alimentação humana. Mesmo que já bastante usada e questionada na agricultura, na pecuária a transgenia ainda se encontra em estágio laboratorial e de testes, sofrendo questionamentos éticos ainda maiores. É, contudo, bastante usada em estudos genéticos de animais, visando identificar como determinados genes se expressam. Esses animais de teste, entretanto, não devem ser comercializados ou usados para consumo humano, pois dependem de autorização de entidades governamentais. Em 2013, foi submetida à agência reguladora norte-americana de alimentos e medicamentos (Food and Drug Administration FDA) a aprovação para a comercialização do salmão do Atlântico transgênico (AquAdvantage Salmon ), com genes do salmão Chinook do Pacífico e da enguia. Esse salmão cresce mais e mais rapidamente que o tradicional, atingindo o peso ideal para abate na metade do tempo [Tonelli, Araújo e Resende (2013)]. O FDA [...] já sinalizou positivamente, declarando que ele não representa ameaça ambiental significativa para os Estados Unidos, desde que cultivado em tanques fechados. Isto leva a crer que sua liberação para comercialização deva ocorrer em breve [Tonelli, Araújo e Resende (2013)]. Caso seja liberado, esse salmão [...] será o primeiro animal geneticamente modificado autorizado para consumo humano [Tonelli, Araújo e Resende (2013)].

174 Esse subtema do edital do Inova Agro engloba, na verdade, dois itens: desenvolvimento de eventos OGMs 1 próprios; e desenvolvimento de cultivares não OGMs de soja e milho. O primeiro subitem busca incentivar o desenvolvimento de OGMs no Brasil pelas empresas, já que, dos 32 eventos OGMs registrados no país, apenas um não tem como detentor da tecnologia uma empresa estrangeira 2 [Brasil (2014)]. O segundo subitem busca viabilizar alternativas convencionais ao cultivo transgênico da soja e do milho, já que ainda há, no mercado internacional, a percepção de que a versão convencional desses grãos seria preferível aos similares transgênicos, apesar destes últimos serem mais vantajosos ao produtor rural. Em termos de área plantada no Brasil, a produção transgênica já responde por 92% do total na soja, 90% no milho e 47% no algodão, de acordo com relatório do International Service for the Acquisition of Agri-biotech Applications (ISAAA), somando 40,3 milhões de hectares plantados [Escobar (2014)]. Assim, dados a importância das culturas da soja e do milho no Brasil, a participação da transgenia e o receio internacional de sua adoção nessas culturas, é recomendável que o Brasil não fique totalmente dependente dessa tecnologia. A existência de alternativas convencionais competitivas reduziria o risco, para o país, da perda de eficácia ou da descoberta de efeitos indesejados de eventos transgênicos nessas culturas. 173 Agroindústria Melhoramento genético de peixes Apesar de ser um fato pouco divulgado, os pescados 3 são as carnes mais consumidas no mundo, seguidas pelas de suínos, aves e bovinos [FAO (2012; s.d.)]. Os pescados podem ser obtidos de forma extrativa (pesca extrativa) ou através de criações em cativeiro (aquicultura ou aquacultura). 1 Também chamado de transgênico, é usado para os organismos que receberam genes de outra(s) espécie(s), animal(is) ou vegetal(is), através de engenharia genética. No Brasil, estão autorizados eventos de modificação genética em soja, milho, algodão e feijão [CTNBIO (2014)], e a empresa que os desenvolve passa a deter a tecnologia por 15 anos (Lei de Proteção de Cultivares, artigo 11). 2 Estão registrados cinco eventos OGMs para a soja, 18 para o milho, nove para o algodão e um para o feijão. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) detém sozinha a tecnologia do evento do feijão, e parcialmente, com a BASF, de um evento da soja. 3 O termo pescados inclui peixes, crustáceos e moluscos.

175 174 Embora a pesca extrativa (ou de captura) ainda tenha representado quase 59% da produção de pescados em 2011 [FAO (2012)], esse percentual vem caindo consistentemente nas últimas décadas, como pode ser visto no Gráfico 2. Isso se deve tanto à estagnação da produção da pesca extrativa, que desde meados da década de 1990 oscila em torno de 90 milhões de toneladas, quanto ao crescimento acelerado da aquicultura. A experiência do edital Inova Agro: dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio Gráfico 2 Produção mundial de pescados (em milhões de toneladas) Fonte: FAO (2013). 51% % % 1970 Aquicultura 27% 10% Dessa forma, cabe à aquicultura não só atender ao crescimento da demanda mundial por pescados, mas também aliviar a pressão de captura sobre os estoques naturais das espécies com sobrepesca. 4 Entretanto, apesar de sua importância mundial, os pescados ainda são pouco consumidos e produzidos no Brasil [Sidonio et al. (2012)]. O Brasil apresenta, historicamente, balança comercial deficitária e consumo per capita abaixo da média mundial em pescados [Brasil (2011)], a despeito de figurar entre os maiores produtores e exportadores mundiais de carnes de frango, bovina e suína [FAO (s.d.)]. Em 2010, em termos internacionais, destacaram-se como grandes produtores aquícolas mundiais a China (quase 61% da produção mundial), a Pesca extrativa A sobrepesca é a pesca além da capacidade de equilíbrio populacional da espécie, ou seja, quando há sobrepesca, há uma redução progressiva dos estoques pesqueiros.

176 Indonésia (quase 8%) e a Índia (quase 6%). Nesse ano, o Brasil foi apenas o 19 maior produtor mundial de pescados, responsável por 0,75% do total em toneladas. Apesar de ter ficado mais bem ranqueado internacionalmente na aquicultura do que na pesca extrativa (17 e 25, respectivamente), a produção pesqueira brasileira mais relevante é a extrativa: em 2010, foram produzidos cerca de 785 mil toneladas de pescados nessa modalidade, perante apenas 479 mil toneladas através da aquicultura [Brasil (2011)]. Em 2011, a aquicultura brasileira cresceu para 628 mil toneladas de pescados (dados internacionais por país ainda não disponíveis para aquele ano), das quais 544,5 mil toneladas de peixes e o restante de camarões (principalmente) e mexilhões, ostras e vieiras. Dentre os peixes, destacam-se a tilápia (47% do total de peixes), o tambaqui (20%), o tambacu (9%) e a carpa (7%). Apesar do cenário atual dos pescados no Brasil, o Rabobank, principal financiador agrícola do mundo, projeta que o Brasil tem potencial de se tornar um grande fornecedor mundial de pescados aquícolas até 2022, por possuir um litoral extenso, uma das maiores reservas de água doce do mundo e ampla oferta de grãos, milho e soja, para a produção de rações aquícolas [Mendes (2013)]. Dentre os produtos apontados com maiores potenciais, destacam-se a tilápia e outros peixes, respondendo, na previsão deles, por 87% da expansão no período até Os moluscos e outros crustáceos responderão pelos 13% restantes. Para concretizar esse potencial, a genética é o elo mais importante da cadeia piscícola, pois 175 Agroindústria Sem alevinos de boa qualidade, toda a cadeia fica comprometida: as taxas de conversão caem, não há padronização, a qualidade da carne é inferior e os custos de produção sobem. Algumas empresas, cientes dessa importância têm investido na verticalização de suas atividades também nessa fase, realizando estudos e pesquisas e passando a produzir alevinos [Sidonio et al. (2012, p. 450)]. Dessa forma, em razão do desenvolvimento recente da atividade piscícola no país, o melhoramento genético dos peixes ainda está muito incipiente, sendo muitas vezes realizado pelas próprias empresas responsáveis pela engorda e abate.

177 176 Apesar de a verticalização das atividades dessas empresas, por si só, não ser ruim, traz algumas desvantagens, pois pode haver sobreposição de pesquisas (várias empresas gastando recursos, que são escassos, para pesquisas semelhantes) e desvio de parte dos investimentos produtivos para as pesquisas, ocasionando a evolução mais lenta do segmento. A experiência do edital Inova Agro: dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio Assim, o incentivo à cooperação entre as empresas, e destas com universidades e institutos de pesquisa, bem como à constituição e fortalecimento de empresas especializadas em genética de peixes, tende a produzir melhores resultados para a piscicultura brasileira quando comparado a iniciativas isoladas. Fertilizantes: produtos, processos e equipamentos para produção desenvolvimento de tecnologias, produtos e processos por meio de novas fontes (minerais, orgânicas e subprodutos industriais) A indústria de fertilizantes está fortemente relacionada ao agronegócio. O crescimento da população mundial, que veio acompanhado pela elevação da renda em mercados emergentes e mudança na dieta das pessoas, criou uma demanda crescente na produção de alimentos. Como os recursos agrícolas são limitados e as áreas disponíveis para o plantio cada vez mais escassas, o aumento da produção via expansão da fronteira agrícola já não é a melhor opção, tornando-se necessária a elevação do rendimento por hectare plantado (produtividade). Um dos componentes mais importantes para o desenvolvimento da agricultura, principalmente no que diz respeito ao aumento da produtividade agrícola, é o uso eficiente de corretivos e de fertilizantes. Segundo dados da FAO, cada tonelada de fertilizante mineral aplicado em um hectare, de acordo com princípios que permitam sua máxima eficiência, equivale à produção de quatro novos hectares sem adubação. Fertilizantes minerais são materiais, naturais ou manufaturados, que contêm nutrientes essenciais para o crescimento normal e o desenvolvimento das plantas. A indústria de fertilizantes tem desempenhado, por mais de 150 anos, um papel fundamental no desenvolvimento da agricultura e no atendimento das necessidades nutricionais de uma população continuamente crescente. Os fertilizantes, ao promoverem o aumento de produtividade agrícola, protegem e preservam milhares de hectares de florestas e de matas nativas, assim como a fauna e a flora, além de terem

178 se tornado ferramenta indispensável na luta mundial de combate à fome e à subnutrição. Os fertilizantes são usados na agricultura para: (i) suplementar a disponibilidade natural do solo com a finalidade de satisfazer a demanda das culturas que apresentam um alto potencial de produtividade e levá-las a produções economicamente viáveis; (ii) compensar a perda de nutrientes decorrentes da remoção das culturas, por lixiviação ou perda gasosa; e (iii) melhorar condições adversas ou manter as boas condições do solo para produção das culturas. O Brasil é um gigante na agroindústria mundial, pelo volume da produção e exportação, e, além disso, é um dos poucos países do mundo com enorme potencial para aumentar sua produção agrícola, seja pelo aumento de produtividade, seja pela expansão da área plantada. Por outro lado, o gigantismo do agronegócio brasileiro, que representa cerca de 30% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, contrapõe-se à altíssima dependência externa de importações de nutrientes para a agricultura. 177 Agroindústria Cadeia produtiva de fertilizantes Os fertilizantes, que constituem um dos principais insumos agrícolas, têm como fontes de matéria-prima produtos oriundos da petroquímica e da mineração. Os elementos químicos presentes nos fertilizantes, conforme a quantidade ou proporção, podem ser divididos em duas categorias: macronutrientes (carbono, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio, fósforo, potássio, cálcio, magnésio e enxofre) e micronutrientes (boro, cloro, cobre, ferro, manganês, molibdênio, zinco, sódio, silício e cobalto). Se o solo não dispuser de suficiente quantidade de qualquer dos nutrientes mencionados, mesmo aqueles minimamente necessários, há prejuízo no crescimento e no desenvolvimento da planta. As deficiências mais comuns são de nitrogênio (N), fósforo (P) e potássio (K), daí a fórmula básica dos fertilizantes, NPK, que indica o percentual de nitrogênio na forma de N elementar, o teor percentual de fósforo na forma de pentóxido de fósforo, P 2 O 5, e o conteúdo percentual de potássio na forma de óxido de potássio, K 2 O. Portanto, do ponto de vista do processo produtivo, o nitrogênio, o fósforo e o potássio são os mais importantes. Os demais macro e micronutrientes, apesar da importância biológica, não têm expressão econômica na indústria de fertilizantes, nem valorização comercial significativas, por serem utilizados em quantidades muito pequenas.

179 178 Figura 1 Cadeia de produção da indústria de fertilizantes A experiência do edital Inova Agro: dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio GÁS NATURAL PETRÓLEO RESÍDUOS PESADOS NAFTA UREIA AMÔNIA ÁCIDO NÍTRICO NITRATO DE AMÔNIO NITROCÁLCIO Fonte: Dias e Fernandes (2006). ENXOFRE NATURAL PIRITAS ENXOFRE ÁCIDO SULFÚRICO SULFATO DE AMÔNIO MATÉRIAS-PRIMAS PRODUTOS INTERMEDIÁRIOS ÁCIDO FOSFÓRICO FERTILIZANTES BÁSICOS MAP MAP ROCHA FOSFÁTICA IN SITU ROCHA FOSFÁTICA SUPERFOSFATO TRIPLO SUPERFOSFATO SIMPLES GRANULAÇÃO E MISTURA DE FORMULAÇÃO NPK DISTRIBUIÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO TERMOFOSFATO ROCHA POTÁSSICA ROCHA PARCIALMENTE ACIDULADA CLORETO DE POTÁSSIO Na Figura 1, é exibido um fluxograma de toda a cadeia produtiva de fertilizantes minerais, cujo complexo produtor envolve atividades que vão desde a extração da matéria-prima até a composição de formulações aplicadas diretamente na agricultura. O primeiro elo da cadeia é formado pela indústria extrativa mineral, que fornece as matérias-primas básicas (rocha fosfática, rocha potássica, enxofre e gás natural ou nafta) para a produção de fertilizantes. Em seguida, entra-se na indústria de fabricação de produtos químicos inorgânicos, que, a partir dos insumos obtidos da indústria extrativa, produzem as matérias-primas básicas e intermediárias, como o ácido sulfúrico, ácido fosfórico e amônia anidrida. A indústria de fabricação de fertilizantes simples e intermediários compõe o

180 terceiro elo da cadeia, do qual resultam: superfosfato simples (SSP); superfosfato triplo (TSP); fosfato de amônio (MAP e DAP); nitrato de amônio; sulfato de amônio; ureia; cloreto de potássio; termofosfatos; e rocha fosfática parcialmente articulada. O quarto elo contempla o processo de granulação e mistura dos fertilizantes, que origina os fertilizantes finais, mais conhecidos como NPK. Por fim, estes são distribuídos e comercializados no quinto elo, sendo utilizados pelo produtor rural na agricultura. 179 Agroindústria Panorama atual do mercado de fertilizantes no Brasil Como um grande produtor agrícola, o país é também um grande consumidor de fertilizantes, atrás apenas de China, Índia e Estados Unidos, de acordo com dados da International Fertilizer Industry Association (IFA). O consumo de fertilizantes no Brasil está concentrado em algumas culturas principalmente soja e milho, que representam, juntas, mais da metade da demanda nacional. Segundo dados da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda), foram entregues 31,1 milhões de toneladas de fertilizantes em 2013, das quais 9,3 milhões de toneladas foram de produção nacional. Apesar do elevado consumo, a utilização de fertilizantes por hectare no Brasil ainda é baixa em relação a outros países da Europa e à China. Contudo, o país vem apresentando uma taxa de crescimento da demanda superior à taxa de crescimento mundial e de países desenvolvidos. No Brasil, os fertilizantes mais consumidos são os potássicos, que, no ano de 2013, responderam por 37% do total de nutrientes demandados, enquanto fosfatados e nitrogenados foram responsáveis por 27% e 36%, respectivamente. A soja, que é a principal cultura consumidora, utiliza pouco nitrogênio e muito potássio para sua produção, explicando o maior consumo desse tipo de nutriente. Apesar de ser o quarto maior consumidor, o Brasil ocupa, segundo a IFA, somente a décima posição em relação à produção mundial de nutrientes. A indisponibilidade de matérias-primas básicas, além de questões logísticas, tributárias e ambientais, vem sendo gargalo para novos investimentos que poderiam elevar a produção interna de modo a atenuar esse grande desbalanceamento entre oferta e demanda. Dessa forma, o atendimento ao consumo interno vem ocorrendo principalmente via aumento das importações.

181 180 A produção interna de fertilizantes nitrogenados no ano de 2013 atendeu aproximadamente a 20% da demanda. Os fertilizantes fosfatados são os que exibem a situação mais favorável, porém ainda insuficiente, com a produção nacional atendendo a cerca de 47% das necessidades do país. Por fim, em relação ao potássio, a situação é mais preocupante. Apesar de ser o nutriente com maior demanda pelo setor agrícola brasileiro, a produção nacional é muito inferior à demanda e tem atendido somente a 8% do consumo interno. A experiência do edital Inova Agro: dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio Em virtude do alto grau de importação, a demanda por fertilizantes apresenta um impacto considerável sobre a balança comercial brasileira. Além disso, a alta dependência externa deixa o país vulnerável a flutuações de câmbio, preços e outros eventos externos, trazendo risco de escassez de insumos básicos e perda de competitividade do agronegócio brasileiro. Inovações: fontes alternativas de matéria prima para produção de fertilizantes O setor não tem um caráter muito inovador no Brasil, contudo existem pesquisas iniciais para a produção de fertilizante organomineral e o uso de polímeros para liberação controlada. Esses dois tipos de fertilizantes trazem mais qualidade e menos perdas, melhorando o aproveitamento do nutriente na lavoura. Além disso, viabilizam a utilização de fontes alternativas em substituição às fontes convencionais de fertilização. O fertilizante organomineral é a associação de adubos orgânicos enriquecidos com nutrientes minerais que são fornecidos por fertilizantes tradicionais fabricados industrialmente. A matéria orgânica presente nos fertilizantes organominerais, fornecida por resíduo orgânico de diferentes espécies, tem a propriedade de potencializar os efeitos dos nutrientes minerais postos à disposição das raízes das plantas, em função da carga orgânica que é colocada no campo. Dessa maneira, com a adoção do fertilizante organomineral, economiza-se grande quantidade de fertilizantes minerais, por terem os organominerais fórmulas com menor concentração de NPK e serem fabricados em associação com o fertilizante orgânico, que aumenta a eficiência em fornecer nutrientes aos vegetais. Outra iniciativa é a utilização de polímeros que têm a função de encapsular o fertilizante, reduzindo problemas com a lixiviação, podendo diminuir

182 em até 50% a perda do mineral. No entanto, são necessárias mais iniciativas de pesquisa para entender o comportamento e a eficácia desses novos tipos de fertilizantes. Tendo em vista a importância estratégica dos fertilizantes para o país, é necessário reduzir a participação das importações no consumo nacional, elevando a capacidade de produção interna e reduzindo os custos de produção. A manutenção desse cenário de dependência externa tende a impactar consideravelmente a competitividade das principais commodities produzidas pelo Brasil no futuro. Tal fato realça a necessidade de fomento ao investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) no setor e à busca por inovações que minimizem esses efeitos adversos sobre o agronegócio nacional. 181 Agroindústria Tecnologias aplicadas ao desenvolvimento de alimentos com alegação de propriedades funcionais (conforme o item 3.3 da Resolução 18/1999 da Anvisa, ou resolução que venha revogá-la e substituí-la), e/ou à redução dos teores de gordura e sódio nos alimentos processados Os alimentos funcionais podem ser definidos como aqueles que proporcionam benefícios para a saúde, além da nutrição básica, incluindo os alimentos fortificados, enriquecidos ou melhorados que têm efeito potencialmente benéfico para a saúde, quando consumidos como parte de uma dieta variada, com regularidade, em níveis eficazes [Sousa et al. (2013)]. Os novos aromas, corantes, amidos modificados, enzimas e moléculas, criados pela indústria de ingredientes e aditivos, assim como os microrganismos probióticos, antioxidantes, imunopeptídeos, isoflavonas e outros componentes adicionados aos alimentos, caracterizando-os como funcionais, representam a maioria das inovações no processamento de alimentos [Gouveia (2006)]. A pesquisa por componentes e pelas quantidades adequadas no processamento de alimentos funcionais para que tenham efeitos benéficos ao ser humano e, ao mesmo tempo, sejam seguros é um desafio para a indústria de alimentos. Exemplos que foram muito bem recebidos pelo mercado são os iogurtes e pães que preservam o trato digestivo [Sidonio et al. (2013)].

183 182 O Japão foi o pioneiro na produção e comercialização de alimentos funcionais (conhecidos como Foshu, Foods for Specified Health Use). Nesse país já foram registrados mais de duzentos alimentos funcionais, com selo de aprovação do Ministério da Saúde e Bem Estar, sob regulação desde Vários países contam com uma legislação específica. No Brasil, as regras foram instituídas a partir de 1999 pela Anvisa. Para obter o registro de um alimento com alegação de propriedades funcionais e/ou de saúde, deve ser formulado um relatório técnico-científico bastante detalhado, comprovando os benefícios e a segurança de uso do alimento [Gouveia (2006)]. A experiência do edital Inova Agro: dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio De acordo com o item 3.3 da Resolução 18/1999 da Anvisa: são permitidas alegações de função e ou conteúdo para nutrientes e não nutrientes, podendo ser aceitas aquelas que descrevem o papel fisiológico do nutriente ou não nutriente no crescimento, desenvolvimento e funções normais do organismo, mediante demonstração da eficácia. Para os nutrientes com funções plenamente reconhecidas pela comunidade científica não será necessária a demonstração de eficácia ou análise da mesma para alegação funcional na rotulagem [Brasil (1999)]. São profundas as mudanças no perfil de consumo alimentar da população, caracterizadas pelo aumento do consumo de alimentos fora do domicílio e de alimentos processados, pela diminuição do consumo de alimentos básicos e tradicionais e pelo consumo insuficiente de frutas, verduras e legumes. Esses novos padrões de consumo trazem grandes desafios à saúde pública, particularmente no âmbito das doenças crônicas, como a hipertensão e a obesidade. A indústria de alimentos brasileira, responsável por quase 15% do faturamento do setor industrial e por empregar mais de 1,6 milhão de pessoas [Abia (2013)], tem conseguido seguir as tendências internacionais na área de produção, mas ainda precisa desenvolver trajetórias mais consistentes na área de inovação. Investimentos em pesquisa e desenvolvimento, com o objetivo de criar novos produtos de maior valor adicionado, podem garantir o sucesso de empresas que se mobilizam para acompanhar o crescimento do consumo de alimentos saudáveis e de preparo rápido. Para isso, a legislação tem um papel relevante na indução de inovações tecnológicas no setor de alimentos. De acordo com Nilson et al. (2012), em relação aos alimentos processados, estabeleceu-se, em 2007, um termo de

184 cooperação entre o Ministério da Saúde e a principal associação representativa do setor produtivo no Brasil, a Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia), com o objetivo principal de elaborar propostas para a reformulação dos alimentos processados. A primeira conquista dessa cooperação foi a redução no uso de gorduras trans em grande parte das categorias de alimentos no país, vinculada às metas de eliminação. A partir de 2010, a redução dos teores de sódio foi incluída como nova pauta nessa agenda conjunta. A construção de estratégias para a redução do teor de sódio em alimentos processados faz parte de um conjunto de iniciativas para diminuir o consumo desse nutriente no Brasil dos atuais 12 g de sal por pessoa ao dia para menos de 5 g por pessoa por dia (2.000 mg de sódio), conforme recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), até As reduções nos teores de gordura e de sódio nos alimentos processados exemplificam bem como a regulação pode induzir as inovações no setor, ao exigir das indústrias de alimentos e química pesquisa de compostos mais saudáveis que não modifiquem os processos, a conservação e o sabor dos alimentos, uma vez que o hábito e a memória alimentar do brasileiro associam sabor a grandes quantidades de sal e açúcar [Sidonio et al. (2013)]. O mercado mundial de alimentos funcionais tem crescido a taxas anuais superiores a 10% [Bianco (2008)]. Os maiores produtores são, geralmente, companhias internacionais com recursos para subsidiar pesquisas fundamentais e arcar com os custos de desenvolvimento. Algumas delas são Unilever, Bestfoods, Kellogg s, Nestlé, Danone e PepsiCo. Para o Brasil, esse mercado revela-se um campo fértil de pesquisa e oportunidades comerciais, trazendo o desafio de investir em tecnologias aplicadas ao desenvolvimento de alimentos com alegação de propriedades funcionais. Nesse contexto, as parcerias entre empresas do setor de alimentos e instituições de ciência e tecnologia são fundamentais para o surgimento de novas tecnologias no setor de alimentos. 183 Agroindústria Tecnologias para controle e mitigação de riscos biológicos e químicos; especificamente para: tecnologias aplicadas a programas de redução de patógenos em alimentos Patógeno é definido como qualquer agente biológico capaz de causar doenças. A ação desses agentes patogênicos depende da precariedade das condições de higiene do meio e da suscetibilidade do hospedeiro

185 184 humano. Considerando apenas os agentes biológicos patogênicos para o homem bactérias, vírus, protozoários, parasitas e toxinas naturais, vê-se que um grande número é transmitido pela água e, principalmente, pelos alimentos. Isso tem tido implicações graves para a saúde humana [Anvisa (s.d.)]. A experiência do edital Inova Agro: dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio A contaminação de um alimento pode ocorrer em qualquer uma das várias etapas da cadeia de produção e pode ser classificada em três tipos: contaminação biológica, contaminação química e contaminação física. Os perigos biológicos compreendem bactérias patogênicas e suas toxinas, vírus, parasitas e príons; os físicos incluem cacos de vidro, espículas de osso, fios de cabelo, entre outros. Alguns podem causar somente injúrias, mas outros podem necessitar de intervenções cirúrgicas; já os químicos têm como exemplo os defensivos agrícolas, antibióticos, micotoxinas, sanitizantes e uma grande quantidade de produtos que podem entrar em contato com o alimento [Anvisa (s.d.)]. Enquanto os perigos químicos são os mais temidos pelos consumidores e os perigos físicos os mais comumente identificados (pelos, fragmentos de osso ou de metal etc.), os perigos biológicos são os mais sérios do ponto de vista de saúde pública e representam a maioria das ocorrências totais, ocasionadas, grande parte das vezes, por bactérias [Balbani e Butugan (2001)]. Sendo assim, a indústria de alimentos deve garantir a inocuidade dos alimentos que produz. Estes não devem apresentar qualquer risco à saúde dos consumidores, visto que os alimentos são excelentes substratos para o desenvolvimento de microrganismos, comportam-se como autênticos meios de cultura e, portanto, constituem veículo importante para a transmissão de doenças. As doenças transmitidas por alimentos manifestam-se pelo consumo de alimentos contaminados com microrganismos patógenos e/ou toxinas microbianas. Por isso, cada alimento deve ser cuidadosamente avaliado para determinar que tipos de microrganismos patógenos podem apresentar como risco, os níveis de contaminação que podem existir inicialmente, a capacidade do microrganismo para se desenvolver no alimento, os efeitos das condições as quais o alimento estará exposto durante seu armazenamento e distribuição etc.

186 Métodos ou processos de controle microbiano em alimentos A produção de alimentos com grande qualidade microbiológica, e, portanto, seguros do ponto de vista sanitário para os consumidores, ocorre graças a boas condições higiênico-sanitárias, à utilização de programas de controle de qualidade microbiológica sistemáticos e eficazes e à existência de processos seguros, utilizados durante o processamento, transporte, armazenamento e distribuição dos alimentos. Para tanto, é de extrema importância utilizar as análises adequadas, que permitam assegurar a inocuidade do alimento. Os métodos tradicionais que são utilizados atualmente têm as vantagens de sensibilidade e baixo custo, mas são muito demorados e requerem muito mais tempo para obter resultados. Na última década, houve avanços significativos no desenvolvimento de testes rápidos para a análise de microrganismos patógenos em alimentos, nos quais o principal objetivo é obter resultados confiáveis e em menor tempo [Gandra et al. (2008)]. Para controle microbiano em alimentos, o processamento térmico constitui-se no tratamento mais eficaz, uma vez que pode resultar em sua esterilização, e é amplamente utilizado atualmente [Guedes et al. (2009)]. No entanto, não é aplicável para alguns produtos. Daí o crescente interesse no uso de outros métodos físicos para descontaminação de alimentos, seja na superfície de sólidos, seja no volume de líquidos. Alguns processos não térmicos vêm sendo aplicados para a preservação de alimentos sem causar os efeitos adversos do uso do calor. Um desses processos é a irradiação de alimentos com luz ultravioleta de ondas curtas (UV-C), que tem sido bastante estudada por sua eficiência na inativação microbiológica em água e superfície de diversos materiais. A tecnologia de radiação UV constitui processo emergente e não térmico para descontaminação de alimentos e, potencialmente, pode fornecer produtos alimentícios com melhores características e mais frescos [Guedes et al. (2009)]. O advento de novas técnicas de análise de contaminantes e de tecnologias voltadas para a garantia da segurança de alimentos tem valorizado os produtos que são submetidos a esse controle de qualidade e, portanto, oferecem menos riscos à saúde humana. Além disso, a intensificação de barreiras sanitárias restritivas ao comércio internacional é outro fator 185 Agroindústria

187 186 que tem impulsionado a P&D de inovações nos métodos ou processos de controle e redução de patógenos em alimentos. A experiência do edital Inova Agro: dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio Máquinas e equipamentos e implementos agropecuários, especificamente para implementos para horticultura Antes de abordar a importância do desenvolvimento de implementos para a horticultura, é necessário definir o que é horticultura. De acordo com o periódico oficial da Associação Brasileira de Horticultura (ABH), a horticultura pode ser entendida como cultivo de hortaliças, plantas medicinais, condimentares e ornamentais [ABH (2014)]. 5 De acordo com a Resolução 12 da Comissão Nacional de Normas e Padrões para Alimentos, de 24 de julho de 1978, adotada pela Anvisa, 6 hortaliça [...] é a planta herbácea da qual uma ou mais partes são utilizadas como alimento na sua forma natural. E [...] será designado: verdura, quando utilizadas as partes verdes; legumes, quando utilizado o fruto ou a semente, especialmente das leguminosas e, raízes, tubérculos e rizomas, quando são utilizadas as partes subterrâneas. O cultivo de hortaliças é denominado olericultura, e inclui, entre as hortaliças, o melão, a melancia e os morangos. As culturas mais importantes da olericultura em 2012, em termos de valor bruto da produção (VBP), foram as de mandioca, 7 tomate, batata-inglesa, cebola, melancia e melão [IBGE (2013)]. As plantas medicinais, também chamadas de ervas, são utilizadas para a produção de chás medicinais e para a extração de compostos usados em medicamentos. Já as plantas condimentares são usadas para temperar ou realçar o sabor dos alimentos (pimentas, salsa, cebolinha etc.), enquanto as ornamentais incluem as plantas decorativas (usadas na decoração de interiores e no paisagismo) e as flores. Apesar de serem também de ciclo curto, essas culturas diferenciam-se das grandes culturas internacionais (soja, cana-de-açúcar, milho, trigo, algo- 5 Alguns autores costumam incluir também a fruticultura e a arboricultura como partes da horticultura, mas adotou-se aqui a definição mais usual e seguida pela principal associação representativa. 6 Disponível em: < Acesso em: 7 mai Pelo conceito da Anvisa, abre-se a possibilidade de considerem-se as leguminosas (grãos contidos em vagens, como a soja, os feijões e o amendoim) hortaliças. Entretanto, tradicionalmente [Melo (2013)], excluem-se as leguminosas do grupo das hortaliças. 7 Cabe destacar que alguns autores consideram como hortaliça apenas a chamada mandioca-de-mesa (aipim ou macaxeira), excluindo a mandioca para uso industrial (amarga ou brava, para produção de farinha e fécula). Para o ranqueamento por VBP, considerou-se a mandioca em geral.

188 dão) pelo fato de que, como são, na maioria das vezes, adquiridas in natura pelos consumidores, a aparência final do produto é fundamental para que possa ser comercializado [Cortez et al. (2002)]. Por essa razão, na fase da colheita, a mais sensível para o aspecto final do produto, o índice de mecanização geralmente é muito baixo. Além disso, são, geralmente, praticadas em unidades menores de produção, em comparação com as grandes culturas, e, dada sua maior perecibilidade, tendem a se situar mais próximas dos centros consumidores. Essas características exigem não só implementos agrícolas 8 menores, mas também que tenham especificidades próprias a cada cultura, por causa da fragilidade dos produtos finais. Como apresentam escalas produtivas muito menores em relação às grandes culturas, a horticultura em geral desperta menor interesse das grandes fabricantes de implementos agrícolas em desenvolver produtos específicos para ela. Dessa forma, a horticultura faz parte das chamadas culturas agrícolas negligenciadas, ou seja, culturas que, apesar de importantes, não recebem grande atenção das empresas que desenvolvem novas tecnologias de produtos e processos, por apresentarem mercados pequenos e com características diferenciadas em relação às grandes culturas. Um exemplo disso é o fato de que as culturas da soja e da cana apresentam, isoladamente, no Brasil, um VBP maior que o de todas as culturas hortículas somadas. 187 Agroindústria Desafios Embora existam desafios técnicos e tecnológicos nas fases de plantio e trato cultural, a fase da colheita/embalagem é mais crítica para os produtos hortícolas, especialmente naqueles consumidas in natura [Cortez et al. (2002)]. Nesses casos, há um predomínio da colheita/embalagem manual, situação que ocorre também com as frutas. Com o encarecimento e a crescente falta de mão de obra no campo, aliados à insuficiência de implementos adequados, essas culturas ficam muito vulneráveis na fase da colheita, já que demandam muita mão de obra nesse período. Apesar de os horticultores poderem repassar ao consumidor o 8 Implementos agrícolas são equipamentos mecânicos que, acoplados a um trator ou animal, desempenham funções específicas na agricultura, como o arado, a grade, a plantadeira, a colheitadeira, o pulverizador e a raspadora ou niveladora.

189 188 custo maior da mão de obra, uma parte da colheita pode estragar por não chegar a tempo no mercado, além de se criar um aumento indesejado no custo de vida das cidades. A experiência do edital Inova Agro: dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio Dessa forma, há um grande potencial no mercado brasileiro para o desenvolvimento de máquinas ou sistemas semimecanizados, que poupem a cada vez mais escassa e cara mão de obra nas atividades hortícolas e que agilizem o processo produtivo para que o produto final chegue ao consumidor mais rapidamente, sem abrir mão dos padrões de qualidade. Por outro lado, o baixo VBP de algumas dessas culturas podem inviabilizar economicamente o desenvolvimento de máquinas e equipamentos específicos para elas. Pecuária de precisão: tecnologias e equipamentos De acordo com Laca (2009), a pecuária de precisão é a exploração dos múltiplos níveis de heterogeneidade e respostas não lineares dos animais nos processos produtivos, visando ao aumento da lucratividade e à redução dos impactos ambientais. Também denominada zootecnia de precisão por Chizzotti et al. (2013, p. 17), pode ser definida como [...] processos produtivos ou de controle que buscam integrar princípios biológicos e de engenharia tecnológica para obter maior eficiência no uso dos recursos, qualidade dos produtos, segurança alimentar, sustentabilidade, bem estar e lucro. A aplicação dos conceitos da zootecnia de precisão presume a avaliação individual de cada animal, considerando a variabilidade existente entre os mesmos, ajustes e tomadas de decisões fundamentadas em algoritmos baseados em uma série de processos interligados, os quais atuam juntos em uma complexa rede interativa de informações. Partindo dessas definições mais abrangentes para algo mais específico, a pecuária de precisão, termo utilizado neste artigo, seria a ampliação do conceito de agricultura de precisão com a incorporação da interação e respostas dos animais aos vários componentes integrantes dos sistemas de produção: água, solo, plantas, ração, suplementos, manejo, genética, vacinas, outros animais etc. Antes de discorrer sobre as tecnologias e equipamentos utilizados na pecuária de precisão, é oportuno conceituar a agricultura de precisão como uma nova forma de gestão ou de gerenciamento da produção agrícola. De

190 acordo com Swinton e Lowenberg-Deboer (1998), trata-se de um elenco de tecnologias e procedimentos utilizados para que as lavouras e os sistemas de produção sejam otimizados, tendo como elemento-chave o gerenciamento da variabilidade espacial da produção e dos fatores nela envolvidos. De acordo com Coelho (2005), desde a década de 1980, a agricultura de precisão vem sendo apresentada sob vários conceitos que englobam aspectos da variabilidade dos solos, clima, diversidade de culturas, performance de máquinas agrícolas e insumos (físicos, químicos e biológicos) naturais ou sintéticos, usados na produção das culturas em diversos países. Esse mesmo autor cita um conjunto de tecnologias disponíveis para a agricultura de precisão que também são adotados na pecuária de precisão, conforme citado por Carvalho (2009); Chizzotti et al. (2013); Laca (2009): I) Computadores e programas tal como na agricultura, a pecuária de precisão requer aquisição, manejo, processamento e análise de grande quantidade de dados que variam no espaço e no tempo. Programas de computadores que podem facilmente armazenar, manipular e analisar esses dados são de grande importância para o desenvolvimento da pecuária de precisão, principalmente para a gestão e controle dos sistemas de produção. II) Sistema de Posicionamento Global (GPS) o GPS é uma tecnologia que possibilita determinar a posição em qualquer parte do globo terrestre. Desenvolvido pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos, está disponível para diversos usos civis, desde a pesca até a navegação. O uso de colares com GPS em ruminantes tem possibilitado o registro detalhado de informações sobre o posicionamento dos animais por longos períodos, permitindo melhor compreensão dos hábitos e causas da distribuição espacial dos animais. III) Sistemas de Informação Geográfica (SIG) SIGs são definidos como um conjunto de programas, equipamentos, metodologias, dados e pessoas (usuários), perfeitamente integrados, de forma a tornar possível a coleta, o armazenamento, o processamento e a análise de dados georreferenciados, bem como a produção de informação derivada de sua aplicação [Tozi (2000)]. Entre as possibilidades de utilização dos SIGs na pecuária de precisão, 189 Agroindústria

191 190 citam-se: localização e comportamento dos animais, pastoreio e alimentação remotos, controle sanitário e rastreabilidade. A experiência do edital Inova Agro: dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio IV) Sensores sensores são instrumentos que transmitem impulsos elétricos em resposta a estímulos físicos tais como calor, luz, magnetismo, movimento, pressão e som. Utilizando computadores para armazenar o impulso emitido pelo sensor, o GPS para medir a posição e o SIG para analisar e mapear os dados, qualquer informação gerada pelo sensor pode ser detalhadamente mapeada. Laca (2009) menciona que a adoção de sensores na pecuária pode ser útil para estimar a taxa de ingestão no pastejo dos animais, ganho de peso e alterações no comportamento que permitam detectar problemas de saúde, antes de comprometer a produtividade dos animais, entre outras possibilidades. Aspectos econômicos na avaliação da pecuária de precisão A pecuária de precisão ainda é pouco utilizada no Brasil, em razão do elevado custo das tecnologias disponíveis. Um dos aspectos mais importantes relacionados à avaliação econômica da pecuária de precisão é que o valor é proveniente das informações (dados) coletadas no campo e não do uso em si das tecnologias. Assim, as tecnologias disponíveis, discutidas anteriormente, irão possibilitar a geração de dados que devem ser analisados e transformados em informações práticas, que poderão influenciar as decisões no manejo dos animais. Conclui-se que os ganhos provenientes da pecuária de precisão são resultantes das decisões de manejo e não do uso das tecnologias disponíveis. Outro aspecto importante é que o retorno econômico é altamente dependente da capacidade humana de manejar a variabilidade espacial e temporal. Por exemplo, podem-se estimar os custos das tecnologias disponíveis e, com base nos princípios zootécnicos, prever as diferenças na eficiência da produção. Entretanto, o retorno econômico pode não ser satisfatório se a decisão zootécnica não foi correta ou se o equipamento não foi adequadamente calibrado. Cabe destacar que, dos países que já utilizam tecnologias da pecuária de precisão (Estados Unidos, Canadá e União Europeia), a maior parte usa sistemas de produção intensivos, e, a despeito dos ganhos de produtividade advindos da adoção de tecnologias da pecuária de precisão, torna-se funda-

192 mental avaliar a relação custo-benefício na adoção dessas tecnologias em sistemas de produção extensivos, como é o caso do Brasil. Enfim, a aplicação das tecnologias de pecuária de precisão no Brasil requer estímulos ao setor, especialmente aos fabricantes de máquinas e equipamentos, para que se invista em novas tecnologias com custos de produção factíveis com as características da pecuária brasileira. 191 Agroindústria Análise dos resultados preliminares do Inova Agro Ainda é prematuro avaliar os resultados do Inova Agro, pois o resultado final dos PSCs selecionados foi divulgado em 21 de maio de 2014, mês anterior ao fechamento deste artigo. Dessa forma, ainda não é possível prever quantos PSCs serão concretizados nem o valor final de apoio a essas operações. Entretanto, a partir do resultado final dos PSCs selecionados e do próprio processo de fomento estruturado proporcionados pelo edital, já é possível identificar e mensurar alguns resultados preliminares. O processo de divisão do apoio do edital em linhas temáticas, temas e subtemas permitiu que se tivesse uma noção da demanda existente por cada uma delas, tanto em termos de valor quanto em termos de empresas e ICTs interessados. Além disso, permitiu a comparabilidade das propostas, ao reunir diversas propostas de empresas e ICTs com finalidades similares. Essa comparabilidade entre os projetos, aliada à sabatina das empresas e à convocação de especialistas externos nos temas apoiados por recursos não reembolsáveis, permitiu às equipes técnicas do BNDES e da Finep avaliarem com maior precisão as propostas mais interessantes. Outro resultado importante do edital foi estimular a formação de consórcios empresariais e parcerias entre empresas e ICTs. Dos 49 PSCs selecionados, 32 envolvem algum tipo de parceria, e 26 delas incluem instituições de pesquisa. Por outro lado, a previsão do edital de apenas um PN por empresa foi um grande problema para as equipes de análise, dado que os temas e linhas temáticas eram muito diversos entre si. Dessa forma, ao unir temas diferentes, foi muito difícil avaliar o PN que reunia um bom projeto em um tema e um mau projeto em outro tema.

193 192 A avaliação desta seção, sobre os temas mais e menos demandados do edital, foi feita com base no enquadramento do PN nos temas, pois a maioria dos PNs demandou mais de um tema e, em muitos casos, mais de uma linha temática. A experiência do edital Inova Agro: dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio Na Tabela 4, verifica-se que a maior demanda e aprovação no edital pelas empresas líderes concentrou-se na Linha Temática 1, que envolveu os temas ligados aos insumos agropecuários. Os temas que atraíram mais empresas líderes nessa linha foram os de unidades de demonstração (tema e, com 46 propostas e 13 selecionadas) e de fertilizantes (tema c, com 41 propostas e 11 selecionadas). Tabela 4 Demanda e resultado final por linha temática do Inova Agro Linhas temáticas Quantidade demandada¹ por linha Quantidade selecionada² por linha Linha 1 insumos Linha 2 processamento Linha 3 máq. e equip Total Fontes: BNDES e Finep. ¹ As empresas puderam se inscrever em mais de um tema e linha temática, por isso os totais são superiores ao número de empresas líderes inscritas. ² Quantidade estimada com base no resultado final dos PSCs. Por outro lado, a Linha Temática 2, com temas ligados ao processamento de alimentos, teve a menor demanda do edital. Os temas embalagens com novas funcionalidades (tema b, com nove propostas e duas selecionadas) e aditivos para a indústria alimentícia (tema c, com 12 propostas e quatro selecionadas) foram os menos demandados. Em relação aos subtemas apoiados com recursos não reembolsáveis, na Tabela 5 constam a demanda das empresas líderes selecionadas para a segunda fase (apresentação de PNs) e as que tiveram, em seus PSCs selecionados, subprojetos envolvendo esses temas. Os subtemas mais demandados, e também com maior aprovação, foram o de desenvolvimento de fertilizantes a partir de novas fontes e o de tecnologias aplicadas ao desenvolvimento de alimentos com propriedades funcionais. Os menos demandados foram os que previam o desenvolvimento genético de peixes e a redução de patógenos em alimentos.

194 Tabela 5 Demanda e resultado final por tema não reembolsável do Inova Agro 193 Subtemas de subvenção Subtema 1.a)i desenvolvimento de OGMs e não OGMs Subtema 1.a)ii melhoramento genético de peixes Subtema 1.c) desenvolvimento de fertilizantes de novas fontes Subtema 2.a) desenvolvimento de alimentos com propr. funcionais Subtema 2.d) redução de patógenos em alimentos Subtema 3.b) implementos para horticultura Quantidade demandada¹ Quantidade selecionada² Agroindústria Subtema 3.f) pecuária de precisão 7 3 Total Fontes: BNDES e Finep. ¹ As empresas puderam se inscrever em mais de um tema e linha temática, por isso os totais são superiores ao número de empresas líderes inscritas. ² Quantidade estimada com base no resultado final dos PSCs. Nem todas foram indicadas para receber recursos não reembolsáveis. Dessa forma, a demanda nos temas envolvendo recursos não reembolsáveis seguiu o mesmo perfil verificado em relação às linhas temáticas: os temas da Linha Temática 1 foram, em geral, os mais demandados, com destaque para o desenvolvimento de fertilizantes a partir de novas fontes, e os temas da Linha Temática 2, em geral, os menos demandados. Essa menor demanda no edital em determinados subtemas/temas pode ter várias causas: a existência de poucas empresas determinadas ou capazes de inovar nesses subtemas/temas; o risco maior nesses casos, desestimulando investimentos; o porte dos investimentos menor que o valor mínimo previsto para o PN no edital; o conhecimento prévio das empresas atuantes nesses temas das duas instituições (Finep e BNDES), não necessitando participar do edital; ou, ainda, o prazo exíguo exigido entre a apresentação do edital e a submissão das propostas. Conhecer as causas exatas da menor demanda seria importante para estimular um fomento estruturado mais adequado e/ou focado nesses temas/subtemas, que são, como mencionado na seção anterior, de grande importância para o país.

195 194 Dificuldades e oportunidades de apoio à inovação através do edital Inova Agro A experiência do edital Inova Agro: dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio Dificuldades Prazos entre as etapas do edital inadequados Entre o prazo final de submissão das CMIs do edital do Inova Agro (15 de agosto de 2013) e a estruturação dos PSCs (26 de maio de 2014), decorreram cerca de nove meses. Ao somar a esse espaço de tempo a tramitação dos PSCs nas instituições apoiadoras (IA), o prazo total entre a submissão das propostas e sua contratação pode levar mais de 12 meses para ser concluído. Em experiências anteriores, como no caso do PAISS, o intervalo médio entre as etapas do edital foi de cerca de quatro meses. No Inova Agro, a média dos prazos entre as etapas originalmente foi de apenas um mês. Contudo, o alto volume de operações demandadas, o excesso de documentações físicas exigidas pelo edital e a capacidade de análise dos pleitos pelas equipes implicaram em quatro prorrogações no cronograma do Inova Agro. Dessa forma, o prazo médio entre as etapas ficou em aproximadamente três meses. Outra consequência das prorrogações no cronograma original foi o nível de envolvimento de especialistas externos às IAs no processo seletivo, opção prevista no item 8.2 da chamada pública. Em decorrência de o período das entrevistas ter coincidido com o período de férias acadêmicas, apenas um terço das empresas que disputavam recursos não reembolsáveis contaram com os especialistas internos. Apesar disso, a qualidade da avaliação não foi comprometida, uma vez que os projetos apresentados não possuíam conteúdo tecnológico desconhecido pelas equipes internas de análise das IAs. Após a conclusão do edital com a indicação dos instrumentos de apoio por parte das instituições apoiadoras, as empresas precisam se submeter aos processos de análise e concessão de crédito de cada uma dessas instituições, o que resulta em um tempo adicional para o recebimento do apoio financeiro. Em virtude desse longo tempo dispendido, é necessário refletir sobre os ganhos das empresas que passaram por todas as etapas sem que estivessem enquadradas nos temas que dispunham de apoio não reembolsável. As condições oferecidas a essas empresas foram as mesmas já disponíveis para apoio pelas duas instituições.

196 Por essa razão, as IAs propuseram, após a realização do workshop, que essas empresas saíssem do edital, para que seus projetos já começassem a ser analisados. Entretanto, nenhuma empresa aceitou a proposta, permanecendo todas até a conclusão das etapas do edital. Esse fato, aliado ao observado na fase de sabatina, leva à percepção de que as empresas creditaram ganhos em marketing ao ter seus projetos selecionados pelo edital; ou tiveram receio em sair e perder algum benefício que não estava sendo explicitado; ou não estavam com seus PNs maduros suficientes a essa altura do edital. Contudo, dados o custo e o tempo despendidos para as IAs, talvez seja mais adequado que os próximos editais não envolvam temas que contem apenas com recursos reembolsáveis. Ou, caso se mantenham linhas apoiáveis apenas com reembolsáveis, que o trâmite nesses casos seja mais simplificado, com menos etapas. 195 Agroindústria Agilidade nos processos internos Como mencionado no item anterior, depois do prazo decorrido nas etapas do edital, o trâmite dentro das instituições deveria ser simplificado, de forma a não punir as empresas por participarem do processo. Como o processo é novo nas IAs, especialmente no BNDES, é necessário, caso ocorram outros editais semelhantes ao Inova Agro, tentar aprimorar os processos internos e formulários dos editais de forma a agilizar a análise e o trâmite das operações nas instituições. Diversidade de temas Diferentemente do PAISS, que teve como base um diagnóstico prévio e amparado na estratégia de elevado nível de focalização e articulação, com o intuito de induzir as empresas brasileiras a investir no desenvolvimento de novas tecnologias dedicadas ao setor sucroenergético [Nyko et al. (2013)], o Inova Agro envolveu 17 temas e subtemas compreendidos nas categorias de insumos, processamento e máquinas e equipamentos, o que impediu uma análise prévia mais aprofundada dos temas. Para dar conta dessa enorme abrangência, foi necessária a participação de seis departamentos do BNDES nas etapas de análise das CMIs e PNs, além da ajuda de consultores externos.

197 196 Restrições na dotação orçamentária de recursos subvencionáveis A experiência do edital Inova Agro: dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio No edital do Inova Agro, foram previstos R$ 30 milhões para apoio através de subvenção às empresas. Esse apoio, em razão do baixo valor da dotação orçamentária, foi limitado a até 20% dos PNs enquadrados em subtemas objetos de subvenção, respeitando, adicionalmente, o valor máximo de R$ 10 milhões por PN e a regra de contrapartida explicitada na Tabela 6. 9 Tabela 6 Critérios usados como contrapartida para subvenção Classificação por porte Microempresa e pequena empresa Média empresa Grande empresa Fonte: Finep. Faturamento bruto em 2012 Percentual de contrapartida Até R$ ,00 10% De R$ ,01 a R$ ,00 Acima de R$ ,00 50% 100% Muitas empresas participaram do edital atraídas pela oportunidade de obter recursos não reembolsáveis em seus PNs. Ao fim do processo seletivo, apenas dez das 29 empresas que pleitearam subvenção foram contempladas. O valor previsto para subvenção às empresas foi muito pequeno em relação aos recursos previstos pelo edital, R$ 1 bilhão, fato que pode ter desestimulado algumas empresas a inscrever seus projetos no edital. Inadequação dos instrumentos disponíveis para apoio à inovação Algumas empresas apresentaram PNs com elevado conteúdo tecnológico, mas, por serem de pequeno porte ou pré-operacionais, não puderam avançar no processo de concessão do crédito, em virtude do elevado risco financeiro envolvido. Além disso, os produtos disponíveis pelas IAs possuem prazos de carência incompatíveis com o prazo de execução de alguns desses projetos. A forma alternativa de apoiar essas empresas, prevista no edital do Inova Agro, seria via capital de risco. Entretanto, há uma série de condições para 9 Critérios utilizados nos demais editais do Plano Inova Empresa e editais anteriores de subvenção econômica.

198 que esse apoio ocorra, condições essas que não foram atendidas, inviabilizando o apoio através desse instrumento. Uma alternativa que poderia ser estudada seria a criação de um fundo garantidor para perdas com projetos de inovação, o qual teria como funding recursos não reembolsáveis. Esse fundo permitiria às IAs arriscarem mais, apoiando algumas empresas que normalmente não teriam acesso ao crédito daquelas instituições. Outra alternativa possível seria a constituição de um fundo de renda variá vel exclusivo para apoio às operações dos Inovas, com características mais adequadas ao perfil de empresas que têm participado dos editais. 197 Agroindústria Dificuldade na padronização do conceito de inovação entre as instituições apoiadoras Um grande desafio do Plano de Fomento Estruturado foi compatibilizar os conceitos de inovação disseminados em cada uma das IAs. Essa dificuldade foi superada na época das sabatinas e também nas reuniões do Comitê de Avaliação. A participação de especialistas ad hoc também foi importante nos casos de dúvidas e/ou divergências. Vedação à participação de cooperativas, no edital, que poderiam ter bons projetos Várias cooperativas agropecuárias brasileiras estão comprometidas com a P&D. Mesmo não podendo participar do edital, pelo fato de esse tipo de organização não ter sido incluída nos editais do Plano Inova Empresa, oito cooperativas inscreveram-se como empresas líderes e uma como empresa parceira. Essa limitação impediu a entrada de potenciais clientes e o apoio a PNs com projetos inovadores. Oportunidades Integração entre equipes de departamentos do BNDES e entre BNDES e Finep Tendo em vista a abrangência temática do edital e a setorialização da estrutura organizacional do BNDES, a participação de outros departamentos

199 198 no processo de análise e seleção de PNs foi fundamental para dar maior consistência ao processo seletivo. Além disso, permitiu a identificação de temas fronteiriços que podem ampliar a integração entre as equipes do BNDES. A experiência do edital Inova Agro: dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio Ademais, o edital permitiu disponibilizar às empresas um guichê único para acessar os instrumentos do BNDES e da Finep. Outro fator positivo foi permitir às equipes das IAs se conhecerem e trocarem experiências no apoio à inovação, compartilhando o conhecimento e a forma de atuação no agronegócio. Atração de novas empresas e possibilidade de fomento às empresas que saíram do edital Das 171 empresas líderes que enviaram CMIs, 136 não tinham relacionamento prévio com BNDES e 112 não tinham com a Finep. Ao fim do processo, das 49 empresas contempladas, somente 13 tinham relacionamento prévio com BNDES e 14 com a Finep. A atração de novas empresas, mesmo as que foram eliminadas nas etapas anteriores, torna possível a estruturação de um plano de fomento por parte das duas instituições para divulgação de seus produtos. Incentivo à cooperação entre empresas e ICTs O workshop realizado com o objetivo de aproximar empresas e ICTs teve seu propósito atendido, além de ter sido um momento útil para a divulgação das próximas etapas do edital. Muitas perguntas foram respondidas e esclarecimentos prestados sobre os produtos oferecidos pelas instituições apoiadoras. Etapa de entrevista presencial com as empresas A realização das sabatinas auxiliou o Comitê Avaliador no esclarecimento de dúvidas sobre os PNs, tendo sido determinante na pontuação de alguns parâmetros e critérios do edital. A participação de especialistas ad hoc também enriqueceu o processo de análise. Considerações finais O Plano Inova Empresa foi criado como um novo modelo de fomento à inovação, prevendo a articulação dos programas de diversas instituições públicas e o uso coordenado de seus instrumentos de apoio.

200 A experiência do Inova Agro, no âmbito do Plano Inova Empresa, trouxe à tona algumas fragilidades e oportunidades de aperfeiçoamento desse instrumento para apoio à inovação. Dentre as principais fragilidades, destacam-se: a abrangência dos temas contemplados no edital, impedindo um aprofundamento do conhecimento sobre estes; a ausência de instrumentos de apoio adequados por parte das IAs para determinados tipos de projetos e empresas com elevado conteúdo tecnológico, porém não enquadráveis nos requisitos para concessão de crédito das IAs; e a pequena dotação orçamentária para a subvenção econômica perante os recursos disponíveis no edital. Já entre as maiores oportunidades desse instrumento de apoio à inovação, elencam-se: fomento e atração de novas empresas para as carteiras das IAs, mesmo aquelas desclassificadas; estímulo às operações de maior risco através dos recursos não reembolsáveis; e incentivo à cooperação entre empresas e entre elas e as ICTs. O maior volume de projetos apresentados e selecionados nos temas do setor de insumos, sobretudo fertilizantes, enseja um aprofundamento futuro das razões para tal tendência; como proposta, sugere-se uma reflexão sobre essas razões e a criação de novos instrumentos de apoio financeiro à inovação por parte das IAs. 199 Agroindústria Referências ABH Associação Brasileira de Horticultura. Normas para publicação na revista oficial da ABH. Disponível em: < br/revista/revista/normas.pdf >. Acesso em: 22 mai Abia Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação. O setor em números. Disponível em: < aspx>. Acesso em: 15 mai Anda Associação Nacional para Difusão de Adubos. Anuário Estatístico do Setor de Fertilizantes São Paulo, Disponível em: < Acesso em: 21 jul Anvisa Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Guia de Alimentos e Vigilância Sanitária. Brasília: Anvisa, [s.d.]. Disponível em: <

201 200 Acesso em: 27 mai A experiência do edital Inova Agro: dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio Balbani, A. P. S.; Butugan, O. Contaminação biológica de alimentos. Pediatria (São Paulo), Depto. de Pediatria da USP, 2001, v. 23, n. 4, p Disponível em: < pdf/541.pdf >. Acesso em: 26 mai Bianco, A. L. A construção das alegações de saúde para alimentos funcionais. Brasília/DF: Embrapa Informação Tecnológica, (Texto para discussão, n. 28). Disponível em: < br/bitstream/doc/124628/1/sgetexto28.pdf>. Acesso em: 16 mai BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. A indústria química e o setor de fertilizantes. In: Lage, F. (Org.). BNDES 60 anos perspectivas setoriais. Rio de Janeiro: BNDES, out. 2012, v. 2, p Borém, A. A história da biotecnologia. Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento, ano VIII, n. 34, p , jan.-jun Disponível em: < Acesso em: 15 mai Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Resolução n. 18, de 30 de abril de Estabelece as diretrizes básicas para análise e comprovação de propriedades funcionais e ou de saúde alegadas em rotulagem de alimentos. Disponível em: < br/wps/wcm/connect/7e a9f82df3fbc4c6735/rdc_18. pdf?mod=ajperes>. Acesso em: 15 mai Lei n , de 25 de abril de Institui a Lei de Proteção de Cultivares e dá outras providências. Disponível em: < planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/l9456.htm>. Acesso em: 13 mai Ministério da Agricultura, Pecuária e do Abastecimento (Mapa). Listagem de OGM autorizados no Brasil. Disponível em: < agricultura.gov.br/portal/pls/portal/!portal.wwpob_page.show?_ docname= pdf>. Acesso em: 14 mai Ministério da Pesca e Aquicultura. Boletim estatístico da pesca e aquicultura Disponível em: < images/stories/biblioteca/download/estatistica/est_2011_bol bra.pdf>. Acesso em: 14 mai

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205

206 Metalurgia BNDES Setorial 40, p A rota metalúrgica de produção de silício grau solar: uma oportunidade para a indústria brasileira? Pedro Sérgio Landim de Carvalho Pedro Paulo Dias Mesquita Marco Aurélio Ramalho Rocio * Resumo Este artigo tem o propósito de apresentar um quadro da indústria de geração de energia fotovoltaica no mundo e no Brasil e, em particular, da produção de seu principal insumo, o silício cristalino em grau solar (SiGS), com o qual se produzem as células fotovoltaicas. Inicialmente, apresentam-se as características e a ocorrência do silício e suas principais aplicações, enfatizando sua utilização na produção de módulos fotovoltaicos. Em sequência, discorre-se sobre a produção e o mercado global tanto de energia fotovoltaica quanto de SiGS. São feitas considerações sobre a viabilidade da produção, no Brasil, de SiGS pela rota metalúrgica, para suprimento do mercado interno e para que possa vir a ser um fornecedor em nível mundial, bem como para incentivar e ampliar o uso da energia fotovoltaica no país. Por fim, apresenta-se o papel que o BNDES pode desempenhar no estímulo ao desenvolvimento e fortalecimento da produção doméstica desse insumo. * Respectivamente, gerente, economista e geólogo do Departamento de Indústria de Base da Área de Insumos Básicos do BNDES. Os autores agradecem a colaboração do pesquisador João Batista Ferreira Neto, do Centro de Tecnologia em Metalurgia e Materiais do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), e da Companhia Ferroligas de Minas Gerais (Minasligas).

207 206 O silício e suas aplicações A rota metalúrgica de produção de silício grau solar: uma oportunidade para a indústria brasileira? Silício O silício, de símbolo Si, é um elemento químico pertencente ao grupo 14 (IV-A) da Classificação Periódica dos Elementos, de número atômico 14 (14 prótons e 14 elétrons) e com massa atômica igual a 28 u. À temperatura ambiente, encontra-se no estado sólido. Apresenta-se tanto na forma amorfa quanto na forma cristalina, em estrutura octaédrica, de coloração azul acinzentado e brilho metálico. É um elemento relativamente inerte e resistente à ação da maioria dos ácidos, mas reage com halogênios e bases. O silício transmite mais de 95% dos comprimen tos de onda das radiações infravermelhas. Está presente em minerais como as argilas, os feldspatos e o quartzo, normalmente na forma de dióxido de silício ou sílica (SiO 2 ) e de silicatos (compostos contendo silício, oxigênio e metais). É o principal componente do vidro, do cimento e da cerâmica, da maioria dos componentes semicondutores eletrônicos e dos silicones. Industrialmente, a produção de silício se dá na forma de silício metálico (metalúrgico) ou na forma de liga ferrossilício. A liga ferrossilício responde por cerca de 94% da produção de silício, com base no peso, e por cerca de 75% em conteúdo de silício. Os maiores produtores mundiais de ferrossilício são China, Rússia, Estados Unidos da América (EUA), Brasil e Ucrânia. Em termos de silício metalúrgico, os maiores produtores são, respectivamente, China, Brasil, EUA, França e Noruega. A produção mundial de silício metalúrgico somada à de silício contido na liga ferrossilício foi de mil toneladas, em O Gráfico 1 apresenta a participação dos principais produtores na produção mundial de silício (metalúrgico e contido em ferrossilício) nesse ano. Apesar de ser um dos maiores produtores mundiais, o Brasil, com uma produção de 170 mil toneladas em 2013, apresentou queda de cerca de 19% em relação ao ano anterior. Cabe observar que o silício metalúrgico é a matéria-prima para a produção do silício cristalino, usado na produção de células fotovoltaicas, que representa atualmente entre 8% a 10% do total do consumo do silício metalúrgico.

208 grafico 01 Gráfico 1 Participação dos principais países produtores na produção mundial de silício, 2013 Outros 10,6% África do Sul 1,7% França 2,2% Noruega 2,3% Brasil 3,0% EUA 4,7% 207 Metalurgia Rússia 9,1% China 66,4% Fonte: USGS (2014). Ocorrência na natureza O silício não é encontrado no estado nativo; apenas seus compostos podem ser encontrados na natureza. É o segundo elemento mais abundante e perfaz mais de 28% da massa da crosta terrestre. Em abundância, fica atrás apenas do oxigênio, que compõe quase a metade da crosta. Na água do mar, sua concentração é relativamente baixa, com apenas três miligramas por litro. No espaço, pode-se encontrar um átomo de silício para cada 30 mil átomos de hidrogênio. O principal componente mineral em que o silício está presente, e principal fonte de exploração, é o quartzo (SiO 2 ), um dos mais abundantes minerais da crosta. O elemento está presente ainda nos minerais de argila, como a caulinita (silicato de alumínio hidratado) e a montmorillonita (silicato de alumínio, magnésio e cálcio hidratado). O silício também é um componente essencial da maioria das rochas que formam a crosta terrestre, por exemplo, arenitos e granitos. Aplicações O silício é um elemento indispensável em várias indústrias. A areia quartzosa e a argila, por exemplo, são importantes constituintes na

209 208 produção do cimento portland. É também utilizado para a produção de ligas metálicas, de silicones e de cerâmicas industriais e, por ser um material semicondutor abundante, tem um interesse muito especial na indústria eletrônica, em que é empregado como material básico para a produção de transistores para chips, de células fotovoltaicas e de circuitos eletrônicos. A rota metalúrgica de produção de silício grau solar: uma oportunidade para a indústria brasileira? Outros importantes usos do silício são como componente em: vidros e cristais; carboneto de silício, um importante abrasivo; fontes de laser. Uso do silício na geração fotovoltaica O uso de células fotovoltaicas (Figura 1) para a obtenção de eletricidade vale-se da conversão da energia proveniente da radiação solar. A essa conversão dá-se o nome de efeito fotovoltaico. A primeira geração de células fotovoltaicas é constituída por células de silício cristalino, que consistem de uma lâmina de silício na qual é formada uma junção metalúrgica P-N. 1 O efeito fotovoltaico foi descoberto, em 1839, por Edmond Becquerel ( ). Entretanto, só após 1883 as primeiras células fotovoltaicas foram construídas, por Charles Fritts ( ), que cobriu o selênio semicondutor com uma camada extremamente fina de ouro, de modo a formar junções. Atualmente, cerca de 89% das células fotovoltaicas são produzidas com silício. O silício elemento semicondutor possui quatro elétrons em sua última camada, compartilhados por ligações covalentes sem liberdade de movimentação. O silício não é um bom condutor de eletricidade. Quando o silício é dopado com fósforo (elemento do Grupo V da Tabela Periódica), por exemplo, que tem cinco elétrons na última camada, restará um elétron livre ou não compartilhado. Uma pequena energia é capaz de movimentar 1 Denomina-se junção P-N a estrutura fundamental dos componentes eletrônicos comumente denominados semicondutores, principalmente diodos e transistores. É formada pela junção metalúrgica de dois cristais, geralmente silício e germânio, de natureza P (positivo) e N (negativo), segundo sua composição em nível atómico. Esses dois tipos de cristais são obtidos ao se doparem cristais de metal com impurezas, normalmente algum outro metal ou composto químico, como o boro e o fósforo [Wikipédia (2007)].

210 esse elétron. Esse tipo de silício dopado com fósforo é chamado tipo N (N, de carga negativa). Quando o silício é dopado com boro (elemento do Grupo III da Tabela Periódica), que tem três elétrons na última camada, restará uma lacuna (ausência elétrons) para ser ocupada por um elétron. Constitui-se, assim, um silício do tipo P (P, de carga positiva). Na junção P-N, ocorre um desequilíbrio de cargas e, consequentemente, um campo elétrico é formado. A incidência de luz (fótons) excita os elétrons, o que os faz fluir de um lado a outro. Esse fluxo de elétrons produz uma corrente elétrica e uma diferença de potencial elétrico. Assim funciona a geração fotovoltaica. 209 Metalurgia Figura 1 Corte transversal de uma célula fotovoltaica Fonte: Elaboração própria, com base em Centro de Pesquisa em Energia Elétrica (Cepel). O conjunto de células fotovoltaicas chama-se placa fotovoltaica. As placas fotovoltaicas baseadas em silício não são as mais eficientes. A eficiência teórica fotovoltaica de uma célula de silício chega a 33%. O rendimento de conversão de uma célula comercial produzida com silício monocristalino é de 18% a 20%, enquanto o da célula com silício multicristalino é de 15% a 16%. O melhor material para aplicação fotovoltaica é composto de arsenieto de gálio. Entretanto, o silício é muito mais viável economicamente, já que o gálio é um elemento escasso.

211 210 O SiGS rotas tecnológicas A rota metalúrgica de produção de silício grau solar: uma oportunidade para a indústria brasileira? O silício comercial é obtido a partir da sílica de alta pureza em forno de arco elétrico pela redução 2 do dióxido de silício (SiO 2 ) com eletrodos de carbono a uma temperatura superior a C. O silício líquido se acumula no fundo do forno, de onde é extraído e resfriado. O silício produzido por esse processo é denominado metálico ou metalúrgico e apresenta um grau de pureza de até 99,5%. Para a construção de dispositivos semicondutores, é necessário um silício de maior pureza, que pode ser obtido por métodos físicos ou químicos. Os métodos físicos de purificação do silício metalúrgico baseiam-se na maior solubilidade das impurezas contidas no silício líquido, de forma que este se concentre nas últimas zonas solidificadas. O primeiro método, usado de forma limitada para construir radares durante a Segunda Guerra Mundial, consiste em moer o silício de forma que as impurezas se acumulem nas superfícies dos grânulos, dos quais, por dissolução ácida, obtém-se um pó mais puro. A fusão por zonas, o primeiro método de obtenção industrial, consiste em fundir a extremidade de uma barra de silício e, depois, deslocar lentamente o foco de calor ao longo da barra, de modo que o silício vai se solidificando com uma pureza maior, em razão do arrasto, na zona fundida, de grande parte das impurezas. O processo pode ser repetido várias vezes até se obter a pureza desejada, cortando-se, então, a extremidade em que se acumulam as impurezas. Os métodos químicos de purificação do silício atualmente empregados atuam sobre um composto de mais fácil purificação, que se decompõe para a obtenção do silício. Os compostos mais usados são o triclorossilano (HSiCl 3 ), o tetracloreto de silício (SiCl 4 ) e o silano (SiH 4 ). No processo Siemens de purificação, as barras de silício reduzido ou metalúrgico (cujo grau de pureza chega até a 99,5%) são expostas, à temperatura de C, ao gás triclorossilano, que se decompõe e deposita o silício puro nas barras, fazendo com que se atinja uma pureza aproximada de 99, %. A decomposição do triclorossilano se dá segundo a seguinte reação: 2 Redução é diminuição algébrica da carga formal ou do número de oxidação de uma espécie química. Forçosamente, isso se dá através da transferência de elétrons vindos de outra espécie química [Wikipédia (2004)].

212 2HSiCl 3 Si + 2HCl + SiCl 4 O silício obtido por esse método e por outros similares apresenta uma fração de impurezas de uma parte por bilhão ou menos e é denominado silício policristalino. O processo DuPont consiste em reagir tetracloreto de silício, à temperatura de 950 C, com vapores de zinco, na reação: 211 Metalurgia SiCl 4 + 2Zn Si + 2ZnCl 2 Esse método, entretanto, está repleto de dificuldades (por exemplo, o cloreto de zinco, subproduto da reação, solidifica-se e provoca a obstrução das linhas de produção), por isso foi abandonado em favor do processo Siemens. O silício policristalino pode ser produzido em diferentes graus de pureza. O silício de grau eletrônico (SiGE) apresenta o mais alto grau de pureza e é utilizado para a fabricação, pelo método Czochralski, do silício monocristalino, que é usado nas indústrias de semicondutores e fotovoltaica. Esse silício de alta pureza requer mais energia para sua purificação em comparação com o SiGS, de pureza inferior, que é utilizado para fabricar lingotes ou faixas policristalinas. A vantagem do silício monocristalino reside em resultar em módulos de mais alta eficiência quando comparado ao silício policristalino. Pelo fato de a indústria fotovoltaica permitir o uso de silício menos puro do que a indústria de semicondutores, os passos da rota química tradicional foram modificados para consumir menos energia. A destilação, nesse caso, pode ser conduzida mais facilmente e a deposição do silício pode ser feita em um reator de leito fluidizado, em vez de em um reator de tipo Siemens. Outra possibilidade é a purificação do silício de grau metalúrgico (SiGM) por meio de rota metalúrgica para a produção do chamado silício de grau metalúrgico melhorado (SiGMM), a partir do qual se obtém o SiGS [De Wild-Scholten (2008)]. O mercado fotovoltaico e o mercado do silício cristalino A energia fotovoltaica é uma das principais fontes renováveis a despontar como alternativa às fontes tradicionais de geração de energia. A Europa é líder em capacidade de geração acumulada e responde por aproximadamente 70% da capacidade mundial. Em 2012, na União Europeia,

213 212 a energia fotovoltaica apresentou a maior expansão em termos de adição de nova capacidade instalada entre os diversos meios de geração de energia elétrica, com adição de 16,7 GW de capacidade, contra 11,7 GW de energia de geração eólica e 5,0 GW de geração a gás (saldo líquido, incluindo desmobilizações), segundo dados da European Photovoltaic Industry Association [EPIA (2013)]. Para ter uma referência da dimensão desse aporte de capacidade, cita-se a Hidrelétrica de Itaipu, no Brasil, que possui capacidade de 14 GW de geração. A rota metalúrgica de produção de silício grau solar: uma oportunidade para a indústria brasileira? Ainda segundo dados da EPIA, a capacidade de geração fotovoltaica acumulada mundial superou a marca de 100 GW, volume capaz de gerar 110 TWh anualmente, suficiente para suprir o consumo de 30 milhões de residências europeias. A partir da rápida expansão observada na última década, a indústria fotovoltaica é, atualmente, o principal demandante do silício metálico produzido mundialmente, superando em larga escala a demanda voltada para a indústria de semicondutores. A cadeia fotovoltaica A indústria fotovoltaica é composta pelas empresas envolvidas nas diversas etapas de produção de sistemas fotovoltaicos, como mostrado pela Figura 2. Figura 2 Cadeia produtiva da indústria fotovoltaica Fonte: Elaboração própria.

214 A cadeia é composta principalmente pelas empresas responsáveis pela produção de módulos, células, wafers e SiGS. A indústria inclui, também, os produtores dos demais componentes que integram o sistema de geração (baterias, controladores de carga e inversores), a exemplo das brasileiras Moura e Weg. O elo final da cadeia é o investidor que decide pela aquisição dos sistemas fotovoltaicos, a partir da análise dos ganhos potenciais com a geração da energia. Os módulos fotovoltaicos são formados por células, produzidas a partir dos wafers (lâminas) de silício cristalino, que, por sua vez, derivam de processos de cristalização do SiGS. A produção mundial de silício cristalino, estimada em 228 mil toneladas em 2013, é muito concentrada em um número pequeno de empresas, as quais respondem por 90% da produção total. Os principais líderes em produção são as empresas Wacker Chemie (Alemanha), Hemlock (EUA), GCL Solar (China) e OCI Company (Coreia do Sul). Já a produção de wafers tende a ser mais pulverizada, enquanto a produção de células é muito concentrada na China, liderada pela Suntech Power, que também é a maior produtora mundial de módulos. Em geral, a montagem do módulo é realizada nas unidades produtoras de células, sendo estas as etapas com maior ocorrência de verticalização na cadeia produtiva. Em alguns casos, a montagem pode ser realizada em unidades menores próximas aos mercados consumidores, a fim de reduzir o custo de transporte. Trata-se de uma cadeia pouco verticalizada, com fluxo importante de comércio entre as diversas etapas, o que é refletido na alternância de posição das empresas entre as líderes de produção em cada etapa. A cadeia tem vivenciado uma situação de sobreoferta nos últimos anos, o que tem pressionado as margens e elevado a pressão sobre os custos, levando à migração de unidades produtivas para países asiáticos, com custos mais competitivos. Somando-se a isso o avanço da política chinesa de desenvolvimento interno da tecnologia fotovoltaica, o mercado deverá observar, nos próximos anos, uma concentração ainda maior da cadeia em produtores chineses e de demais países asiáticos. 213 Metalurgia

215 214 Evolução da energia fotovoltaica e da demanda por silício de alta pureza A rota metalúrgica de produção de silício grau solar: uma oportunidade para a indústria brasileira? O mundo e, principalmente, a Europa assistiram, a partir de 2000, a uma rápida evolução na geração de energia fotovoltaica, com um crescimento médio anual de 44% da capacidade instalada acumulada entre 2001 e O Gráfico 2 apresenta a evolução da capacidade instalada acumulada mundialmente. grafico 02 Gráfico 2 Evolução da capacidade instalada acumulada de potência fotovoltaica (em MW), Resto do mundo China Américas Pacífico Asiático Europa Fonte: EPIA (2013). A expansão da capacidade acumulada, que se deu em larga escala na Europa, é resultado de incentivos de diversos países na busca de uma matriz enérgica mais limpa e renovável, avanços na regulação voltada para geração e distribuição da energia gerada e tecnologias aplicadas à produção, com a consequente redução nos custos dos equipamentos. A renovação da matriz energética através de fontes de energia limpas e renováveis é uma estratégia consolidada na busca conjunta da redução de emissões de CO 2 e consequentes impactos ambientais. Assim, programas de incentivos têm sido utilizados para encorajar a indústria fotovoltaica a atingir a escala necessária para competir com outras fontes de geração de energia. Tais programas possuem ainda outras mo-

216 tivações, como a promoção de independência energética e o domínio da tecnologia aplicada. Esses programas, associados à definição de regras claras para a geração e comercialização e à redução progressiva do custo de geração, levaram ao crescimento robusto da nova capacidade instalada a cada ano, com reflexo direto na elevação da demanda por SiGS, o qual representa atualmente 90% da demanda total mundial por silício cristalino. Em 2012, a demanda mundial pela indústria fotovoltaica foi de aproximadamente 6,5 vezes a demanda da indústria de semicondutores. A evolução ocorrida nos últimos anos demonstra uma dependência muito grande do volume anual de novas instalações de sistemas de geração fotovoltaicos em relação aos programas de incentivos adotados. Como exemplo, o mercado observou taxas explosivas de crescimento entre 2004 e 2011, suportadas principalmente pela expansão em dois países, Alemanha e Itália, como reflexo de elevados incentivos implementados por ambos. Por conta disso, a projeção da demanda futura é um grande desafio para os analistas, que constantemente subestimam a demanda real observada a cada ano. A evolução irregular da demanda, associada ao longo prazo e elevado investimento para implantação de novas plantas, tem levado historicamente a um comportamento cíclico do mercado, alternando entre períodos de escassez e excesso de oferta, com reflexo direto nos preços do silício, que, por sua vez, replicam esse comportamento cíclico, com elevada amplitude entre os preços máximos e mínimos nos últimos anos. O cenário recente do mercado de silício foi marcado por uma baixa taxa de crescimento de novas capacidades em potência fotovoltaica. Segundo dados de EPIA (2013), o volume instalado no mundo, em 2012, cresceu apenas 2,32% (Gráfico 3) em relação ao ano anterior, enquanto na Europa houve no mesmo ano uma redução de 23,43%, parcialmente explicada por uma relativa estabilização do mercado alemão e pela queda brusca das novas instalações na Itália, após o boom verificado em Assim, o mercado observou uma queda da participação da Europa em 2012, o que deve ser uma tendência também para os próximos anos, com crescimento mais acelerado nos países com maior potencial de geração solar (maiores taxas de irradiação) em comparação com um mercado europeu mais maduro e menos impulsionado por políticas de governo. 215 Metalurgia

217 grafico Gráfico 3 Acréscimo anual de capacidade em potência fotovoltaica (em MW), A rota metalúrgica de produção de silício grau solar: uma oportunidade para a indústria brasileira? Fonte: EPIA (2013) Resto do mundo Oriente Médio e África China Américas Pacífico Asiático Europa 2012 Para os próximos anos, são projetados cenários considerando tanto o mercado atuando livremente como dirigido por políticas de incentivo, o que demonstra o quanto, no estágio atual, o mercado ainda é influenciado pelas decisões políticas, enquanto o desenvolvimento pelas leis de mercado depende da redução dos preços dos sistemas de geração, a exemplo do ocorrido em Considerando a realidade atual de adoção de políticas de governo voltadas para a geração de energia fotovoltaica, espera-se um crescimento da demanda por silício cristalino em torno de 20% ao ano de 2014 a 2017, alcançando um volume em torno de 250 mil toneladas em 2014 e quatrocentas mil toneladas em 2017, de acordo com dados divulgados na apresentação de Schmid Silicon Technology no V Congresso Brasileiro de Energia Solar, realizado no Recife, de 31 de março a 3 de abril de Oferta Impulsionado pelos programas de incentivos e pelo crescimento acelerado da nova capacidade instalada em 2007 (158%) e em 2010 (130%), o mercado observou uma grande elevação da oferta nas diversas etapas da cadeia fotovoltaica nos últimos anos.

218 Segundo relatório de junho de 2012 da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) [Abinee (2012)], ao fim de 2011 a capacidade anual de produção de células fotovoltaicas era de 57,9 GW, enquanto a demanda por nova capacidade nesse ano foi de 30,4 GW. As taxas de crescimento da oferta situaram-se entre 36% e 120%, de 2007 a 2011, notando-se maior crescimento na Ásia, com China e Taiwan respondendo, juntas, por 68% da oferta mundial em A partir do aprofundamento da crise iniciada em 2008, principalmente na Europa, o mercado observou uma redução da taxa de crescimento da demanda, o que agravou o excesso de capacidade da indústria, levando à mais acentuada reversão observada no setor. Segundo Meza (2014), em 2013 os gastos com equipamentos para geração solar reduziram-se para US$ 1,73 bilhão, o menor valor em oito anos, em contraste com o pico de gastos de aproximadamente US$ 13 bilhões em O excesso de capacidade levou também à queda acentuada dos preços dos sistemas de geração nos últimos anos, causando o fechamento de fábricas de células menos competitivas, obrigadas a deixar o mercado. Com base nos dados de EPIA (2013), haveria uma sobrecapacidade ainda maior para produção do silício cristalino, o que justificaria a queda mais acentuada verificada nos preços. O pico dos gastos com equipamentos e a consequente elevação dos preços do silício cristalino levaram ao aumento da capacidade produtiva, em um cenário que já era de sobreoferta de sistemas de geração. O excesso de capacidade para produção de silício levou à queda significativa das taxas de utilização mesmo dos grandes produtores de baixo custo, ocasionando queda acentuada dos preços. A elevada disponibilidade de oferta de silício e a difusão de tecnologias de purificação mundialmente configuram um mercado muito competitivo, de margens operacionais reduzidas. Além disso, a expansão futura da geração de energia fotovoltaica depende da competitividade dessa fonte em relação às demais fontes de energia, o que pressiona ainda mais a indústria a reduzir os custos de produção dos sistemas geradores. A queda do preço da energia solar, possibilitada pela queda dos custos dos sistemas de geração, observada ao longo dos anos, gera um otimismo em relação ao alcance futuro da paridade de preços com formas convencionais baseadas em combustíveis fósseis, o que levaria a enorme expansão do mercado fotovoltaico. Segundo o prêmio Nobel de Economia 217 Metalurgia

219 218 Paul Krugman [Krugman (2011)], se a tendência de queda de preços continuar e parece que de fato está se acelerando, em poucos anos atingiremos o ponto em que a eletricidade gerada pelos módulos solares se torna mais econômica que a eletricidade gerada pela queima de carvão. Essa expectativa e a busca do domínio das tecnologias de purificação e fabricação de mais baixo custo podem ser consideradas fator indutor da oferta de silício cristalino. A rota metalúrgica de produção de silício grau solar: uma oportunidade para a indústria brasileira? Em 2012, o preço de SiGS atingiu o valor mínimo de US$ 15,35/kg, e os principais produtores de silício cristalino, Wacker Chemie (Alemanha), Hemlock Semiconductor (EUA), GCL Solar (China) e OCI Chemical Corporation (Coreia do Sul), responderam, juntos, por mais de 60% da produção mundial. A China é o maior produtor mundial de silício cristalino, com produção em torno de 70 mil toneladas em 2012, voltada para o atendimento da demanda interna da indústria chinesa, que concentra a produção de células fotovoltaicas, liderada pela Suntech. A produção dos demais países, após atendimento de suas demandas internas, é parcialmente exportada para fabricação de células e módulos chineses. Por fim, pode-se constatar que os anos de 2011, 2012 e 2013 foram caracterizados por um enorme desequilíbrio do mercado gerado por escalada de elevação de oferta, em um contexto de pico da demanda pela geração fotovoltaica em 2010, não sustentada nos anos posteriores. Para os próximos anos, espera-se que o crescimento da oferta ao longo da cadeia ocorra em patamares mais sustentáveis, amenizando os desequilíbrios entre oferta e demanda observados historicamente. Nos itens Preços e Tendências de preços e custos, a seguir, faz-se uma análise mais detalhada do comportamento recente dos preços e custos para uma avaliação das tendências do mercado de silício. Preços Nos primeiros quatro meses de 2011, em função da expectativa favorável de aumento da demanda por energia fotovoltaica, o estoque mundial de painéis atingiu um volume equivalente a 10 GW. Nesse processo de estocagem, toda a cadeia produtiva sofreu pressão de alta de preços, especialmente os preços do silício cristalino, produto de maior consumo na fabricação de módulos fotovoltaicos. Todo esse movimento, entretanto, deu-se em uma estrutura de oferta que já apresentava sobrecapacidade.

220 Na segunda metade do ano, três das maiores produtoras mundiais de silício cristalino colocaram em marcha novas capacidades. Além disso, a Noruega começou a aumentar a oferta de wafers no mercado spot, fazendo com que os preços desses produtos e, consequentemente, do silício cristalino começassem uma trajetória de queda. Como consequência desse movimento, muitas pequenas empresas chinesas que operavam, em sua maioria, no mercado spot e apresentavam custos de produção na casa dos US$ 30,00/kg começaram a sair do mercado, sendo substituídas por capacidades com maiores escalas e menores custos médios de produção. É interessante observar uma alteração na correlação de preços e de volume de importação de silício cristalino da China. Antes desse movimento, à medida que aumentavam as importações chinesas, o preço spot do silício cristalino aumentava. Agora, apesar do aumento das importações, o preço spot tem apresentado queda. Empresas de custos de produção competitivos, por exemplo, a Hemlock Semiconductor e a REC Silicon, dos EUA; a OCI, da Coreia do Sul; e a Wacker, da Alemanha, têm suprido parcela do mercado doméstico chinês, em substituição às empresas locais menores. Cabe destacar, que, em outros países, empresas menos competitivas também pararam a produção, como na Itália, na Rússia e até mesmo na Coreia do Sul. Apesar de os grandes produtores operarem com contratos de longo prazo, os preços desses contratos têm sido influenciados pelo preço spot. Ainda em 2011, os principais fornecedores renegociaram preços com seus clientes refletindo o ajuste dos preços spot. Em 2012, um dos principais movimentos do mercado foi o de desova de estoques. Empresas chinesas produtoras de silício cristalino, que abandonaram as operações, começaram a se desfazer de seus inventários, para obterem liquidez, vendendo-os no mercado spot, a baixos preços, pressionando ainda mais os preços que já se encontravam muito abaixo da média dos últimos anos. Como resultado, os níveis de utilização da capacidade instalada (Nuci) de várias plantas produtoras apresentaram quedas expressivas. Na Coreia do Sul, por exemplo, a OCI chegou a operar em um nível de utilização da capacidade de 40%, no fim do ano. 219 Metalurgia

221 220 Durante o ano de 2012, o preço spot internacional caiu 52%, mesmo depois da queda de 58% observada em 2011, chegando a fechar o ano no valor de US$ 15,35/kg, praticamente a metade dos preços dos contratos de longo prazo. A rota metalúrgica de produção de silício grau solar: uma oportunidade para a indústria brasileira? A queda severa nos preços fez com que se iniciasse uma segunda onda de fechamento de unidades, principalmente na Coreia do Sul e na China. Em novembro de 2011, o Departamento de Comércio dos EUA iniciou um processo antidumping relativo aos preços de módulos fotovoltaicos contendo células fabricadas na China. Em janeiro de 2012, o Ministério de Comércio da China solicitou uma investigação antidumping e antissubsídio na produção norte-americana e coreana de silício cristalino. O resultado da ação norte-americana foi anunciado em outubro de Esperando que as ações chinesas fossem anunciadas em abril de 2013, houve antecipação das importações de silício por parte de empresas chinesas, fazendo com que o preço spot batesse o valor de US$ 18,60/kg. Como o Ministério de Comércio Chinês postergou o anúncio das medidas, o preço cedeu um pouco, chegando a US$ 16,60/kg em julho, mas fechou o ano de 2013 em US$ 19,00/kg. O Gráfico 4, a seguir, apresenta o movimento recente dos preços spot do silício policristalino. grafico 04 Gráfico 4 Evolução do preço médio spot do silício policristalino (em US$/kg) º sem º sem º sem º sem º sem º sem º sem mai Fonte: Elaboração própria, com base em dados da PVInsights (2014). consumo

222 Tendências de preços e custos Em uma distribuição cumulativa de custos de produção de SiGS, incluindo todas as tecnologias disponíveis, em 2012, das cerca de 350 mil toneladas de capacidade instalada, aproximadamente 55% operaram com custos de produção abaixo de US$ 20,00/kg. Com uma demanda mundial por SiGS, em 2012, de 189 mil toneladas, ou seja, com um Nuci de 54%, o preço de 2012 fechou próximo a esse valor (custos marginais de produção). A indústria fechou o ano de 2013 com uma capacidade instalada aproximada de 290 mil toneladas de SiGS e um Nuci de 76%. No ano, cerca de 77% da capacidade industrial operou com custos de produção abaixo de US$ 18,00/kg, fazendo com que os preços fechassem próximos a esse valor (US$ 19,00/kg). Graças ao movimento anteriormente apresentado pelo mercado, a tendência é que novas instalações, que estão substituindo instalações menos competitivas, venham a operar com custos abaixo desses valores. Em 2014, deverão entrar em produção cerca de 60 mil toneladas, com baixos custos. Cabe destacar uma pequena reação nos preços, nos primeiros meses de 2014, fazendo o do silício spot atingir o valor de US$ 21,00/kg. Esperam-se, para os próximos anos, custos marginais entre US$ 15,00/kg e US$ 17,00/kg, podendo os preços, em cenário de baixa demanda, assumir esses valores. Mesmo em cenários mais otimistas, dificilmente, nos próximos três anos, os preços spot chegarão a valores superiores a US$ 30,00/kg. 221 Metalurgia Brasil oportunidades e perspectivas O Brasil é considerado um país com potencial elevado para geração de energia fotovoltaica, em virtude da oferta elevada de energia solar, representada pelos bons níveis de irradiação solar apurados em seu território. Segundo dados disponíveis no site do projeto Solar and Wind Energy Resource Assessment (SWERA), o Brasil é o quinto país com maior potencial solar no mundo, de MWh/ano, diante de MWh/ano da Alemanha, país com a maior capacidade instalada de geração fotovoltaica (36 GW, em 2013).

223 222 Dentre os principais benefícios advindos da expansão da energia fotovoltaica no Brasil, destacam-se: A rota metalúrgica de produção de silício grau solar: uma oportunidade para a indústria brasileira? Sinergia com a carga: no Brasil, os maiores picos de utilização de energia são registrados em dias de intenso calor, por causa do uso massivo de equipamentos de ar condicionado. Os dias mais quentes são, em geral, dias ensolarados; portanto, a geração fotovoltaica levaria a um aumento da carga gerada coincidente com aumento da demanda. Complementaridade com a geração hidrelétrica: mais de 70% de toda a eletricidade gerada no Brasil é proveniente da geração hidrelétrica, a qual depende dos níveis dos reservatórios, determinados pelo volume de chuvas em cada período. Logo, em períodos de maior escassez de chuvas e, consequentemente, com maior incidência de radiação solar, a maior produtividade da geração fotovoltaica poderia compensar parcialmente quedas de produção das hidrelétricas. Empregos e geração de renda em regiões de baixo desenvolvimento: a quantidade de empregos gerados pela indústria fotovoltaica é significativa quando comparada à das outras fontes. A maior parte dos empregos é concentrada em empresas de instalação dos sistemas, enquanto a fabricação dos módulos seria responsável por aproximadamente 25% dos empregos gerados. O potencial de geração de emprego é especialmente importante no caso da geração fotovoltaica no Brasil, pelo fato de as regiões com maior irradiação e, portanto, maior potencial de geração solar, serem, em muitos casos, regiões muito pobres, com baixo nível de desenvolvimento e carentes de empregos. Dessa forma, as instalações fotovoltaicas representariam uma atividade dinamizadora da economia dessas regiões, graças à geração de empregos diretos e indiretos, resultantes da injeção de renda. O setor fotovoltaico brasileiro conta com uma capacidade instalada acumulada em torno de somente 20 MWp (megawatts-pico) e pode ser caracterizado pela presença de empresas atuantes apenas nas extremidades da cadeia: produção de silício metalúrgico e montagem de módulos. A Figura 3 mostra de forma simplificada a cadeia da indústria fotovoltaica partindo do silício metalúrgico.

224 Figura 3 Cadeia simplificada da indústria fotovoltaica 223 Metalurgia Fonte: Elaboração própria. O Brasil é um dos maiores produtores mundiais de silício metalúrgico, com produção atual de 170 milhões de toneladas, 8% da produção mundial em Cerca de 82% da produção nacional é voltada para a exportação. No Brasil, concentram-se as maiores reservas mundiais de quartzo de alta qualidade, no qual é encontrado o óxido de silício processado para obtenção do silício metalúrgico. A qualidade das jazidas brasileiras é um dos fatores de competitividade das indústrias brasileiras, que exportam grande parte da produção para abastecimento dos fabricantes de células no exterior. O silício metalúrgico é comercializado a US$ 2,00/kg a US$ 3,00/kg, enquanto o silício cristalino foi comercializado em torno de US$ 20,00/kg ao fim de 2013, um valor da ordem de dez vezes maior. A produção de silício cristalino no Brasil ainda é inexistente, assim como a produção de células, tendo em vista as economias de escopo envolvidas nos processos de fabricação. No entanto, há alguns projetos em curso para desenvolvimento e internalização de tecnologias de purificação, os quais poderão começar a colher resultados nos próximos anos. O setor fotovoltaico conta com apenas um fabricante de módulos: a empresa Tecnometal, que iniciou sua produção em 2010, com capacidade de produção de 25 MWp ao ano. A empresa importa as células e faz a montagem dos módulos em sua planta local. Este pode ser o início do de-

225 224 senvolvimento da cadeia fotovoltaica brasileira, a exemplo do ocorrido na China que iniciou sua produção pelas etapas finais da cadeia e atualmente lidera o mercado mundial. A rota metalúrgica de produção de silício grau solar: uma oportunidade para a indústria brasileira? A indústria fotovoltaica pode ser considerada um setor estratégico, seja pelos benefícios aqui expostos, seja pela trajetória de aumento da eficiência e queda dos custos de implantação dos sistemas de geração e consequente expectativa de avanço em direção a uma energia cada vez mais competitiva em relação às demais fontes. O setor tem sido alvo de políticas de incentivos de diversos países que vislumbram a evolução para um mercado de grandes cifras. Trata-se de um mercado em desenvolvimento, no qual o Brasil deve avançar para a produção ao longo de toda a cadeia e evitar a dependência externa nos elos de maior valor, a exemplo do ocorrido na indústria eólica. Relatórios de consultorias internacionais, em 2014, já demonstram a paridade de rede da energia fotovoltaica (custo de geração equivalente ao preço oferecido na rede) na Alemanha e na Itália. O Brasil é considerado uma nação com elevado potencial, contudo os altos preços de instalação seriam o maior obstáculo para o desenvolvimento da energia solar no país. A redução dos preços de instalação, no entanto, somente é possível a partir da consolidação de demanda mínima capaz de atrair novos agentes para produção e distribuição dos sistemas de geração no Brasil. Dessa forma, o aumento da demanda da indústria fotovoltaica deve ser incentivado, o que vem ocorrendo em um movimento bem recente de participação da energia solar em leilões de geração de energia e estímulo à inserção da energia solar no mercado de geração distribuída, caracterizada por plantas de pequeno porte localizadas próximas aos centros de carga, sem depender, necessariamente, do sistema nacional de transmissão. O Brasil apresenta grande potencial para inserção da geração fotovoltaica na forma de sistemas de geração distribuída, que ganharam maior destaque a partir do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), de O programa, cujo objetivo era aumentar a participação da energia eólica, da biomassa e da energia gerada em pequenas centrais hidrelétricas (PCH) através de projetos conectados ao Sistema Elétrico Interligado Nacional (SIN), não incluiu a energia solar, por esta apresentar, naquele momento, custo de produção consideravelmente superior às demais fontes. A partir de 2004, foram estabelecidas as primeiras diretrizes para geração e comercialização da energia proveniente de geração distribuída. Em

226 2012, como resultado de consulta e audiência públicas realizadas em 2010 e 2011, respectivamente, com objetivo de reduzir barreiras à geração distribuída, a Resolução Normativa 482 estabeleceu as condições gerais para o acesso de micro e minigeração distribuída aos sistemas de distribuição de energia elétrica, e criou o sistema de compensação de energia elétrica correspondente (net metering). O sistema definido na Resolução Normativa 482 tem a finalidade de regular a troca de energia entre concessionária e usuários/geradores. Com o sistema, o consumidor pode compensar seu consumo de energia a partir da energia injetada à rede com micro ou minigeração distribuída, que é abatida no momento da cobrança. O governo lançou em março de 2014 um caderno para orientação ao público sobre o sistema. Espera-se que o desenvolvimento do sistema impulsione nos próximos anos uma expansão mais acelerada de projetos de micro e minigeração de consumidores comerciais e residenciais, para os quais o custo de geração fotovoltaica já é bem próximo da tarifa final de energia (paridade de rede). O ano de 2014 tem sido marcado pelo desabastecimento dos reservatórios de água e problemas para geração hidrelétrica, com a necessidade de acionamento de usinas termelétricas e encarecimento do preço da energia ao consumidor final. Enquanto os grandes projetos de geração não ficam prontos, o governo busca promover projetos de geração menores, o que abre mais espaço para a energia fotovoltaica. As previsões quanto às condições geoclimáticas brasileiras indicam maior ocorrência de situações extremas (como ausência prolongada de chuvas), tornando ainda mais representativo o caráter complementar da energia fotovoltaica no sistema nacional. Em 27 de dezembro de 2013, o estado de Pernambuco lançou o primeiro leilão específico de energia solar no Brasil, com a contratação de 122,82 MW de geração, em torno de seis vezes mais a capacidade acumulada instalada atual. O leilão garantiu o início da instalação das primeiras seis usinas solares de grande porte no país e estabeleceu um preço mais realista, em média R$ 228,63/MWh, para futuras concorrências. A energia solar já havia estreado nos leilões de energia do governo federal realizados no fim de 2013, mas competindo com usinas eólicas e à biomassa. No entanto, o valor máximo estabelecido para a energia vendida nos leilões A-3 (R$ 126,00/MWh) e A-5 (R$ 122,00/MWh), na prática, inviabilizava os projetos fotovoltaicos. 225 Metalurgia

227 226 Com a realização de leilões específicos, espera-se gerar a demanda mínima necessária para a instalação no Brasil das indústrias atuantes nos elos de maior valor da cadeia fotovoltaica. Ao que parece, o leilão específico para energia solar feito pelo estado de Pernambuco foi apenas o primeiro, pois já há estudos para realização de leilões como esse pelo estado de São Paulo e pelo governo federal. Recentemente, o governo federal anunciou, ainda para outubro de 2014, leilão de energia de reserva, com contratos específicos para energia solar. A rota metalúrgica de produção de silício grau solar: uma oportunidade para a indústria brasileira? De acordo com Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), em palestra durante o Energy Summit 2013 [Farid (2013)], a energia fotovoltaica poderá superar todas as projeções de crescimento e registrar um fenômeno de expansão, como ocorrido com a energia eólica. A previsão, que, segundo ele, deverá ser revisada, é de que o país terá uma nova capacidade de 1,4 GWp (gigawatts-pico) instalada nos próximos dez anos. Trata-se de uma previsão muito conservadora, quando comparada à expansão da energia eólica, a qual se encontra em um estágio mais avançado de desenvolvimento no país e deverá alcançar uma capacidade acumulada em torno de 10 GWp em Com a evolução da energia fotovoltaica no Brasil, pode-se esperar que o país comece a apresentar uma adição de capacidade fotovoltaica mais expressiva, a exemplo do que já ocorre na Europa, onde a energia fotovoltaica foi responsável por 27,2% da nova capacidade em Uma nova capacidade fotovoltaica de 2 GWp, instalada nos próximos dez anos, representaria uma demanda brasileira em torno de 12 mil toneladas de SiGS no período. Considerando um preço médio de US$ 20,00 a 25,00/kg, tratar-se-ia de um mercado de US$ 240 milhões-us$ 300 milhões e um volume de cerca de 1,2 mil toneladas ao ano. Há, no país, expectativa de implantação de unidades produtoras de SiGS, nos próximos anos, de cerca de oitocentas toneladas ao ano. Inicialmente, deverão ser feitos investimentos em plantas-piloto comerciais de até cem toneladas ao ano, para ajustes e adaptações dos processos desenvolvidos a partir dos resultados de pesquisas que estão sendo desenvolvidas. Um importante aspecto a ser observado é a redução progressiva dos custos de geração fotovoltaica. Esta tem sido uma realidade, ao passo que tem se elevado o custo de geração do sistema elétrico. O Brasil vive um momento oportuno para o desenvolvimento da indústria fotovoltaica e, diante das

228 oportunidades vislumbradas, as empresas já estão se engajando em projetos de produção de SiGS no país. No início da cadeia produtiva, há atores relevantes que já fabricam silício metalúrgico. Os principais são os seguintes: Dow Corning, Liasa, Minasligas e Rima. Dentre esses, destaca-se a iniciativa das brasileiras Minasligas (em parceria com o IPT e o BNDES) e Rima de investir em pesquisa, desenvolvimento e inovação (P,D&I) na rota metalúrgica de produção do SiGS. A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em parceria com a brasileira Tecnometal, também está realizando P,D&I na rota metalúrgica, cujo projeto no âmbito do Fundo Tecnológico (Funtec) está em análise no BNDES. Destacam-se, ainda, investimentos da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) que possui acordo de cooperação com o Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel/Eletrobras) e do Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais (Cetec-MG) em P,D&I de purificação de silício na rota química. Segundo informações no site do Cepel, a PUC-RS atingiu em seus painéis solares, em testes laboratoriais, níveis de eficiência energética superiores aos de produtos equivalentes no mercado. No tocante à produção local de painéis fotovoltaicos, no Brasil, há a Tecnometal, que possui uma linha de produção de 25 MWp ao ano e intenciona expandir sua capacidade produtiva. Vários grupos estrangeiros estão prospectando o mercado nacional, seja para comercialização de suas tecnologias, seja para a implantação de linhas de produção no país. São exemplos as empresas Oerlikon, SunPower, Saint-Gobain e CEA-Liten. Apesar do momento oportuno, o desenvolvimento da indústria fotovoltaica ainda enfrenta desafios relacionados à capacidade do sistema de distribuição em receber e gerir um maior volume de energia fotovoltaica, dada a intermitência natural do recurso que causa súbita queda de geração no sistema. Além disso, a situação do setor elétrico, após a Medida Provisória 579/2012 e em um momento de preços mais elevados da energia no curto prazo, a partir do aumento da geração térmica, tem representado um problema para a sustentabilidade das indústrias de silício metalúrgico. A produção de silício metálico é eletrointensiva, a energia elétrica chega a representar 227 Metalurgia

229 228 até 35% dos custos de produção do silício metalúrgico. Há incerteza quanto à energia disponível para negociação futura no mercado livre, o que tem impedido a renovação de contratos de fornecimento de longo prazo, fundamentais para a sustentabilidade das indústrias desse segmento. A rota metalúrgica de produção de silício grau solar: uma oportunidade para a indústria brasileira? A incerteza relacionada à contratação de energia futura pode induzir ao adiamento de projetos de produção do SiGS no Brasil, por meio do desenvolvimento da rota metalúrgica de purificação do silício. A rota metalúrgica beneficia-se da experiência metalúrgica brasileira e os projetos poderão alcançar em pouco tempo um processo competitivo mundialmente. A inovação brasileira para a produção de SiGS via rota metalúrgica Até o fim da década de 1990, a fonte de silício para a indústria de painéis fotovoltaicos era de rejeitos gerados na produção do silício empregado na fabricação de circuitos integrados (SiGE, o qual tem aproximadamente 99, % de pureza), já que o nível de pureza do silício exigido na produção de células solares, de 99,999% a 99,9999%, é inferior ao da indústria eletrônica. No entanto, com o aumento da demanda pela energia solar fotovoltaica, o qual não foi acompanhado pela indústria de semicondutores, houve a necessidade de instalação de unidades cativas para a produção de SiGS, que hoje já supera a produção de SiGE, conforme já visto. Paralelamente, em função da necessidade de redução de custos de produção, iniciou-se uma corrida por processos alternativos de obtenção de SiGS. Uma primeira consequência desse panorama foram os investimentos que os produtores de SiGE fizeram, na tentativa de adaptar etapas menos onerosas ao processo químico de produção de SiGE, conhecido como processo Siemens-C. Outra importante consequência foram os investimentos realizados por parte de empresas, institutos e universidades para tentar obter um SiGS a partir da purificação direta do SiGM. O Brasil não conta com nenhuma indústria química de produção de SiGE, as quais, como mencionado anteriormente, são grandes indústrias químicas e de alta tecnologia, voltadas ao mercado de equipamentos eletrônicos. É importante observar que dificilmente se pode dissociar a indústria de pro-

230 dução de SiGE da de produção de SiGS pela rota química, já que essa rota é derivada da rota do SiGE, com algumas etapas a menos. Portanto, para a produção de SiGS a partir da rota química, há necessidade de aproveitamento de escala e de escopo de uma unidade de SiGE. A principal rota de produção do SiGS que está sendo investigada no Brasil é a rota metalúrgica. Na rota metalúrgica, o desafio é muito mais tecnológico do que econômico (como é o caso da rota química), já que as operações envolvidas na purificação do silício por essa rota (por exemplo, fusão, solidificação controlada, refino piro e hidrometalúrgico) são muito mais próximas do que é dominado hoje pelas indústrias brasileiras produtoras de SiGM, facilitando sua adaptação. Além disso, a técnica de purificação até o grau solar não está ainda totalmente dominada, ou seja, ainda há espaço para competição, diferentemente da rota química, em que as empresas que já são produtoras de SiGE levam grande vantagem. O país conta com institutos de pesquisa que já têm experiência na purificação do silício metalúrgico, podendo-se citar o IPT e a Unicamp. Contando com o apoio do BNDES, através de recursos do Funtec, dois projetos visando à produção de SiGS solar estão sendo desenvolvidos: (i) um pelo IPT, em parceria com a empresa Minasligas; e (ii) outro pela Unicamp, com a interveniência da Tecnometal. No projeto que está sendo desenvolvido pelo IPT em parceria com a Minasligas, a rota de purificação está praticamente desenvolvida, faltando apenas definir quais etapas são mais vantajosas do ponto de vista econômico e a qualificação do produto, que será feita por meio das medidas físicas realizadas em lâminas obtidas após a cristalização do silício. Pode-se afirmar que se atingiu o refino pretendido, ou seja, aumento da pureza do silício de 99,5% (SiGM) para um teor maior que cinco noves de pureza (>99,999% SiGS). Apesar de ainda haver possibilidade de ajustes ou pequenas alterações nos processos desenvolvidos até o momento, a empresa interveniente Minasligas está iniciando o estudo de viabilidade econômica da rota tecnológica desenvolvida. Cabe ressaltar que a Minasligas submeteu projeto, no âmbito do Plano Inova Energia, pleiteando apoio financeiro a seu plano de negócios, o qual objetivará, em um primeiro momento, a instalação de uma planta-piloto de purificação de silício com capacidade anual de cem toneladas. 229 Metalurgia

231 230 Pode-se ainda citar a inciativa da empresa Solven, que, também no âmbito do Plano Inova Energia, está pleiteando financiamento para a construção de uma planta-piloto com capacidade de produção anual de 72 toneladas de SiGS pela rota metalúrgica e de wafers. A rota metalúrgica de produção de silício grau solar: uma oportunidade para a indústria brasileira? É importante destacar que a inovação brasileira no processo de purificação do silício pela rota metalúrgica, além de se ater à questão da eficiência fotovoltaica, deve se preocupar com os custos dos processos em escala industrial, por causa da tendência de preços baixos e do movimento de instalações de novas unidades que estão substituindo instalações menos competitivas e que deverão operar com custos cada vez menores. O papel do BNDES A evolução recente observada no setor elétrico brasileiro abre oportunidades para negócios no âmbito de novas fronteiras tecnológicas, incluindo o desenvolvimento da indústria fotovoltaica brasileira. Com a realização dos primeiros leilões fotovoltaicos, espera-se gerar uma demanda capaz de estimular a produção brasileira nos diversos elos da cadeia. A energia solar também acaba de receber impulso gerado pela recente normatização dos critérios de inserção e comercialização da geração distribuída pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). No mercado, há propostas de empresas com planos de negócios para explorar tanto a comercialização de equipamentos (por exemplo, painéis fotovoltaicos) para os consumidores finais quanto a própria implantação de usinas geradoras. Além disso, também estão em curso projetos de desenvolvimento de processos de purificação de silício e produção ao longo da cadeia. O Programa Inova Energia, lançado em parceria com a Finep Inovação e Pesquisa e a Aneel, já selecionou projetos para desenvolvimento produtivo em elos de maior valor, como a produção de SiGS, e pode ser o início de um período de apoio crescente a novos projetos na cadeia. Como principal instituição de financiamento de longo prazo para a realização de investimentos no Brasil, o BNDES possui linhas e programas de financiamento capazes de suportar projetos que visem ao desenvolvimento de processos de fabricação e instalação de plantas produtivas da nascente indústria fotovoltaica no Brasil.

232 Conclusões Nos últimos cinco anos, observou-se uma evolução bastante pronunciada de instalações de unidades de potência fotovoltaica em todo o mundo. Esse crescimento, mesmo que se dê a taxas menores que as verificadas nesse período, deve continuar de forma robusta nos próximos anos, ancorado em uma estratégia consolidada de renovação da matriz energética por meio de fontes de energia limpas e renováveis. Um dos aspectos fundamentais no desenvolvimento da cadeia produtiva fotovoltaica, que tem como etapa de maior desafio tecnológico a produção de SiGS, é a necessidade de se obterem baixos custos de produção, para fazer frente a um cenário mundial de instalação de novas capacidades com custos cada vez menores. Entre os países com maior potencial solar no mundo, o Brasil, que conta com jazidas de quartzo de alta qualidade um dos principais fatores de competitividade na produção de silício metalúrgico, realizou seu primeiro leilão específico e garantiu o início da instalação das primeiras usinas solares de grande porte. As recentes iniciativas brasileiras para a promoção da energia fotovoltaica, que incluem também o incentivo a projetos de micro e minigeração de consumidores comerciais e residenciais, poderão consolidar demanda mínima capaz de atrair o interesse de investidores para o desenvolvimento da produção nas diversas etapas da cadeia fotovoltaica no país. A exemplo do ocorrido na China, que iniciou sua produção pelas etapas finais da cadeia e atualmente lidera o mercado mundial, o Brasil pode verticalizar a montante a produção de módulos fotovoltaicos e viabilizar a produção de SiGS em escala, podendo vir a ser um fornecedor desse importante insumo para a geração de energia fotovoltaica. 231 Metalurgia Referências Abinee Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica. Propostas para inserção da energia solar fotovoltaica na matriz elétrica brasileira. [S.l.]: Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica Grupo Setorial de Sistemas Fotovoltaicos, jun

233 232 Aneel Agência Nacional de Energia Elétrica. Micro e minigeração distribuída: sistema de compensação de energia elétrica. Brasília: Aneel, mar. 2014, 28 p. (Cadernos Temáticos Aneel). A rota metalúrgica de produção de silício grau solar: uma oportunidade para a indústria brasileira? De Wild-Scholten, M. J. et al. LCA comparison of the Elkem solar metallurgical route and conventional gas routes to solar silicon. In: European Photovoltaic Solar Energy Conference, 23, 1-5 set. 2008, Valência, Espanha. Proceedings... Disponível em: < library/report/2008/m08012.pdf>. Acesso em: 27 mar EPIA European Photovoltaic Industry Association. Global market outlook for photovoltaics [on-line]: EPIA, Disponível em: < Final_PDF.pdf>. Acesso em: 20 mar Farid, J. Tolmasquim: energia solar fotovoltaica deve ter expansão rápida no Brasil. Notícias EPE. Empresa de Pesquisa Energética (EPE). 12 set Disponível em: < conteudo/parceiro8noticia.aspx?c=ewhijktcfis%3d>. Acesso em: 27 mar Junção PN. In: Wikipedia. Incluído em: 24 ago Disponível em: <pt.wikipedia.org/wiki/jun%c3%a7%c3%a3o_pn>. Acesso em: 27 fev Krugman, P. Here comes the sun. New York Times, [on-line], The Opinion Pages. 6 nov Disponível em: < com/2011/11/07/opinion/krugman-here-comes-solar-energy.html?_r=0>. Acesso em: 20 mar Meza, E. New solar PV capital expenditure set to rise in PV Magazine, jan Disponível em: < news/details/beitrag/new-solar-pv-capital-expenditure-set-to-rise-in- 2015_ /#ixzz2ytNioJyR>. Acesso em: 20 mar Schmid Silicon Technology. Apresentação. In: Congresso Brasileiro de Energia Solar, 5, Recife, 31 mar.-3 abr Redução. In: Wikipedia. Incluído em: 2 nov Disponível em: <pt. wikipedia.org/wiki/redu%c3%a7%c3%a3o>. Acesso em: 7 abr USGS United States Geological Survey. Mineral commodity summaries. United States Government Printing Office, Washington,

234 p. Disponível em: <minerals.usgs.gov/minerals/pubs/mcs/2014/ mcs2014.pdf>. Acesso em: 21 mai Sites consultados Cepel Centro de Pesquisas de Energia Elétrica <cresesb.cepel.br/ content.php?catid=4>. SWERA Solar and Wind Energy Resource Assessment <en.openei. org/apps/swera/>. 233 Metalurgia

235

236 Ferroviário BNDES Setorial 40, p Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante Luiz Felipe Hupsel Vaz Bernardo Hauch Ribeiro de Castro Daniel Chiari Barros Carlos Henrique Reis Malburg Filipe de Oliveira Souza Allan Amaral Paes de Mesentier * Resumo O presente artigo busca traçar um panorama da indústria de material rodante, tendo em vista a perspectiva de aumento do investimento em novas ferrovias para carga e para transporte urbano sobre trilhos no Brasil. Para tal, são apresentados os principais tipos de transporte sobre trilhos, explorando suas particularidades, aplicações e identificando os maiores produtores globais. Apesar de ainda pouco relevantes em termos mundiais, o Brasil possui plantas de algumas das principais empresas do mundo, além de produtores nacionais. Contudo, até o momento, a produção local tem sido altamente volátil e marcada por grande incerteza. Discutem-se, portanto, as implicações dos novos investimentos para estabilização e crescimento do mercado brasileiro, propondo algumas medidas para um planejamento de longo prazo. * Respectivamente, engenheiro, gerente e economista do Departamento das Indústrias Metal-Mecânica e de Mobilidade da Área Industrial do BNDES; e gerente, arquiteto e economista do Departamento de Mobilidade e Desenvolvimento Urbano da Área de Infraestrutura Social do BNDES. Os autores agradecem os comentários de Antonio Marcos Ambrozio e Haroldo Fialho Prates, além do auxílio de Marcos Fernandes Machado e de Suzana Gonzaga da Veiga, isentando-os da responsabilidade por erros remanescentes.

237 236 Introdução Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante O Brasil é um país de dimensões continentais, exportador de commodities e com grandes centros urbanos densamente povoados. O transporte sobre trilhos para aplicação tanto em cargas como em passageiros tem maior potencial quando utilizado justamente nessas condições. Ao longo de sua história, porém, o meio ferroviário nunca figurou como centro das políticas de transporte. Assim, o transporte rodoviário ocupou gradativamente essa ausência, tornando-se o meio mais utilizado no país. Há ampla literatura discutindo escolha de modos de transporte. Diferentes autores abordam os benefícios e limitações de cada opção, seja o modo ferroviário, rodoviário, aéreo, aquaviário ou dutoviário [Lacerda (2002); Marchetti e Ferreira (2012); Herdy, Malburg, e Santos (2012)]. Contudo, pouco se discute um aspecto essencial uma vez definido o modo de transporte: o material rodante. Material rodante ferroviário é composto de material de tração, como locomotivas, além de trens, metrôs, carros de passageiros e vagões para carga [ANTF (2014a)]. Como há investimentos previstos de mais de R$ 100 bilhões em transporte sobre trilhos até 2017, a tendência natural é alavancar a demanda por material rodante novo. Esse montante se divide em R$ 46 bilhões para transporte urbano sobre trilhos e mais R$ 57 bilhões do Plano de Investimentos em Logística (PIL) do governo federal, anunciado em agosto de O plano consiste na construção de novas ferrovias e recuperação de trechos degradados. Há também, em um horizonte ainda indefinido, mais R$ 35,6 bilhões para a construção do trem de alta velocidade (TAV) ligando o Rio de Janeiro a São Paulo [Logística Brasil (2014)]. Para grandes distâncias (em geral acima de km) e cargas de alta tonelagem, o transporte ferroviário tende a ser mais competitivo quando comparado ao rodoviário. Um vagão graneleiro, por exemplo, com capacidade de carga de cem toneladas, é capaz de substituir 3,57 caminhões. Um trem com cem vagões, por conseguinte, substitui 357 caminhões [ANTF (2014b); CNT (2013)]. A matriz de carga brasileira, porém, é fortemente baseada no meio rodoviário. Segundo o Instituto Ilos, 67% de toda a carga no país é transportada por esse meio, contra 18% pelo ferroviário, mesmo este último sendo consideravelmente mais competitivo (Tabela 1). Como comparativo, nos Estados Unidos da América (EUA), o meio mais utilizado para cargas é jus-

238 tamente o ferroviário, com 37% do total, seguido pelo rodoviário com 31%, dutoviário com 21%, aquaviário com 10% e aéreo com 0,3% [Ilos (2014)]. Tabela 1 Transporte de cargas: participação e custos operacionais em 2012 (Brasil e EUA) 237 Ferroviário Meio Brasil EUA TKU (%) US$/mil TKU TKU (%) US$/mil TKU Rodoviário Ferroviário Aquaviário Dutoviário Aéreo 0, , Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Ilos (2014). TKU: toneladas transportadas por quilômetro útil. O cenário é semelhante no transporte de passageiros. Não há, no país, um sistema nacional de transporte entre cidades, tradicional ou de alta velocidade, limitando as opções ao transporte aéreo e ao rodoviário, ou a aplicações restritas ao transporte entre grandes cidades e suas respectivas regiões metropolitanas. A Coreia do Sul, por exemplo, país com área 85 vezes menor que a do Brasil, possui 412 km de linhas de alta velocidade em operação e mais 562 km em construção, visando aos Jogos Olímpicos de Inverno de 2018 em PyeongChang. A Turquia iniciou sua malha de alta velocidade em 2003 e já conta com 888 km, com destaque para a linha que conecta Ankara a Istambul, maiores cidades do país. A China iniciou sua malha ferroviária de alta velocidade em 2007 e, no fim de 2012, já contava com a maior rede do mundo, totalizando mais de km de vias. A China também lidera os números globais no transporte urbano de passageiros sobre trilhos. Xangai e Pequim possuem as duas maiores malhas de metrô do mundo, tendo a primeira mais de 500 km de rede e 337 estações, apesar da relativa recente inauguração, em 1995 (Tabela 2). Entre os sistemas brasileiros, o maior é o de São Paulo, com 75,2 km e 68 estações, sendo o 41º maior do mundo. A região metropolitana de São Paulo tem população próxima à da Cidade do México, que possui a malha mais extensa da América Latina, com 180 km, transportando mais de 4 milhões de pessoas por dia.

239 238 Tabela 2 Maiores sistemas de metrô do mundo por tamanho da rede Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante Região metropolitana Milhões de habitantes País Abertura Rede (km) Estações Passageiros por dia 1 Xangai 23,7 China Pequim 21,2 China Londres 13,6 Inglaterra Nova York 19,8 EUA Seoul 25,7 Coreia do , Sul 6 Moscou 17 Rússia , Tóquio 36,9 Japão , Madrid 6,4 Espanha , Guangzhou 16,8 China , Paris 12,2 França , Délhi 21,8 Índia , Cidade do 20,1 México México 13 Shenzhen 11,9 China , Hong Kong 7,1 Hong Kong 15 Washington 5,9 EUA , Mumbai 20,8 Índia Chongqing 6,3 China São 5,9 EUA , Francisco 19 Chicago 9,5 EUA Cingapura 5,2 Cingapura , São Paulo 20,8 Brasil , Brasília 2,6 Brasil Rio de 11,9 Brasil Janeiro 82 Recife 3,8 Brasil , Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Metrobits.org (2014) e consulta a órgãos locais. O cenário apresentado aponta a grande lacuna existente entre o Brasil e os demais países em relação ao transporte sobre trilhos. Fica clara a necessidade de investimentos no setor para aumentar a competitividade do país em cargas e facilitar a vida dos cidadãos no transporte de passageiros.

240 Estimativas indicam que as populações das maiores regiões metropolitanas brasileiras estão entre as que mais demoram no deslocamento casa-trabalho em todo o mundo [Pereira e Schwanen (2013)]. Os investimentos em infraestrutura e transporte sobre trilhos têm o objetivo justamente de reverter esse quadro. Com o consequente aumento da demanda por material rodante, o objetivo do presente artigo é traçar um panorama global dessa indústria e discutir seu atual estágio no Brasil, possibilitando um maior conhecimento do segmento e subsidiando futuras ações do BNDES. 239 Ferroviário Breve histórico das ferrovias no Brasil O surgimento das primeiras ferrovias no país remonta ao Brasil Império. Em 1852, o Império instituiu a Lei de Garantia de Juros, por meio do Decreto 641, que estabeleceu um dos primeiros sistemas de concessões da história do país. O decreto autorizava a construção e a exploração das ferrovias por um prazo de até noventa anos [CNT (2013); Ipea (2010); DNIT (2014)]. Entre os diversos incentivos do decreto, três merecem destaque. Primeiramente, havia garantia de retorno de até 5% sobre o capital investido na construção da ferrovia: o governo pagaria ao investidor privado, com recursos públicos, o montante necessário para garantir a viabilidade econômica do projeto. Em segundo lugar, o decreto isentava do imposto de importação trilhos e equipamentos ferroviários em geral. Por fim, a lei proibia a construção de outra ferrovia em um raio de cinco léguas (aproximadamente 33 km), garantindo monopólio do transporte para o investidor na região e melhorando o retorno sobre o investimento [CNT (2013)]. Apesar de as medidas terem incentivado o investimento privado, houve uma série de problemas. Como não foi criado um órgão regulador, o crescimento da malha foi desordenado e sem planejamento. Um exemplo é o uso de diferentes tipos de bitola, o que inviabiliza a integração entre as vias. Em paralelo, os desembolsos governamentais para garantir a taxa de retorno aos investidores se tornaram insustentáveis para o Tesouro Nacional, bem como a isenção fiscal gerou grandes déficits às contas nacionais. Como única saída, o Império diminuiu os incentivos da lei, o que resultou no menor interesse de investidores privados. O próprio governo passou, então, a rea-

241 240 lizar os investimentos em novos trechos e a participar como acionista em ferrovias privadas. Em 1889, fim do Império, a malha nacional era de 9,5 mil km, sendo o governo dono de um terço desse montante [CNT (2013)]. Com a Proclamação da República, houve novo ímpeto para a construção de novas ferrovias. À época, a economia era fundamentalmente agrícola e agroexportadora, daí a necessidade de se transportar commodities do interior para portos exportadores. A ferrovia Madeira-Mamoré, em Rondônia, por exemplo, foi inaugurada em 1912 com o objetivo de transportar borracha da Amazônia aos rios para exportação. A mesma lógica balizou os investimentos no Centro-Sul, especialmente durante o ciclo do café [Ipea (2010)]. Contudo, mais uma vez, não houve um planejamento para articular o território nacional e integrar a rede. Pequenas ferrovias dispersas e isoladas foram construídas, mas logo perderam sua viabilidade financeira com o fim dos ciclos econômicos. Em 1922, o país contava com km de ferrovias, 2 mil locomotivas a vapor e 30 mil vagões [DNIT (2014)]. A partir da década de 1920, houve um aumento do investimento em rodovias, que passaram a competir com as ferrovias pelos recursos públicos. Com a escassez de verbas e a fragmentação da malha, aumentavam as dificuldades de gestão das ferrovias nacionais. Mesmo assim, as ferrovias ganharam sobrevida no país, principalmente em virtude do advento da tração elétrica, em 1930, em substituição aos trens movidos a vapor, e posteriormente, em 1939, pela tração diesel-elétrica, que gerou considerável ganho de eficiência [CNT (2013)]. A inflexão ocorre de fato na década de Com o processo de industrialização e urbanização do Brasil, houve grande demanda pelo tráfego de cargas, que foi atendida pelos crescentes investimentos em rodovias. As ferrovias ficaram em segundo plano, o que deflagrou diversas falências. O governo, então, em 1957, decide estatizar diversas companhias ferroviárias e centralizar o comando em duas empresas: a Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), que uniu 42 ferrovias; e a Ferrovia Paulista S.A. (Fepasa), que englobava as ferrovias do estado de São Paulo. O objetivo central era eliminar trechos deficitários e focar em transporte de cargas, em detrimento ao de passageiros [DNIT (2014); Ipea (2010)]. As décadas seguintes foram de grandes dificuldades para as ferrovias. Com a crise do petróleo nos anos 1970 e as sucessivas crises vividas pelo Brasil nos anos 1980, o investimento caiu e houve sucateamento da infraes- Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante

242 trutura e do material rodante. A opção do governo, dessa vez, foi pela privatização das ferrovias sob controle estatal. A RFFSA foi incluída no Programa Nacional de Desestatização (PND), entrou em liquidação em 1992 e seus ativos foram leiloados em A malha da Fepasa foi incorporada à RFFSA e concedida a investidores privados. A RFFSA foi totalmente extinta em 2007 e, atualmente, as principais ferrovias nacionais encontram-se sob gestão de grandes grupos privados [CNT (2013); Ipea (2010)]. 241 Ferroviário Principais tipos de material rodante A primeira etapa para melhor compreensão do material rodante é entender os dois principais tipos de tração, que podem ser usados no transporte tanto de passageiros como de cargas. Fundamentalmente, a diferença consiste em onde está localizada a unidade de força. A primeira e mais antiga forma é com o uso de locomotivas, nas quais toda a força de tração está localizada em um único elemento. A locomotiva concentra toda a tração, sendo capaz de puxar (ou empurrar) vagões de carga ou passageiros ao longo da via [Delcan Arup (2010)]. Com o passar do tempo e a necessidade de manobras rápidas, em especial em ambiente urbano, a tração precisava ser descentralizada. Ao realizar tal alteração, não haveria mais a necessidade de acoplar uma nova locomotiva no fim de um trem para realizar a viagem de volta. Bastaria que os comandos do trem fossem disponibilizados nas duas pontas e o operador mudaria de lado nas estações finais. A técnica utilizada consistiu no emprego de pequenos motores ao longo do trem, em vez de um grande motor centralizado na locomotiva. Dessa forma, alguns carros teriam tração e outros não, sendo carregados pelos motorizados [Railway Technical Web Pages (2014a)]. Essa configuração é conhecida como litorina ou trem unidade (ou ainda, em inglês, multiple unit MU). Segundo a Associação Nacional dos Transportes Ferroviários (ANTF), Trem Unidade é o conjunto de dois ou mais carros de passageiros, tendo pelo menos um carro motor ligado a carro(s) reboque(s), formando uma unidade distinta [ANTF (2014a, p. 59)]. A utilização de trem unidade para o transporte urbano também é favorecida por outros motivos, além da mais fácil e ágil manobra. A configuração de tração descentralizada permite uma aceleração mais rápida, o que beneficia sua utilização em sistemas que requerem paradas constantes, como metrôs. A descentralização também permite que o trem continue viagem

243 242 caso haja falha em algum motor. A configuração centralizada só permitiria continuar caso houvesse mais de uma locomotiva, o que nem sempre é viável. Por fim, há uma distribuição melhor do peso, o que admite a operação em trilhos dimensionados para tensões menores e gera menor desgaste do material [UIC (2003)]. Os trens unidade podem ser elétricos ou a diesel. Os elétricos são denominados trem unidade elétrica (TUE), ou electric multiple unit (EMU), e são alimentados via catenária (com corrente alternada) ou terceiro trilho (com corrente contínua). 1 Já os movidos a diesel são chamados trem unidade diesel (TUD), ou diesel multiple unit (DMU), e são independentes de alimentação externa, já que possuem toda a motorização e todo o tanque de combustível embarcados. Em compensação, há maior ruído e vibração nos trens [Delcan Arup (2010)]. Já para o transporte de cargas, a opção mais usual é a tração por locomotivas. Isso ocorre em virtude da maior flexibilidade proporcionada. Desde que a carga seja mantida dentro da capacidade da locomotiva, qualquer quantidade de vagões pode ser acoplada. Como cada vagão é projetado para uma aplicação distinta (conforme será abordado na subseção Vagões ), a adoção de uma tração descentralizada resultaria na incorporação de tração em um número grande de diferentes tipos de vagões. Isso poderia resultar em um maior custo do material rodante e menor flexibilidade. Com a utilização de locomotivas, podem-se acoplar diversos vagões, de inúmeras aplicações, às locomotivas, de acordo com a demanda [Railway Technical Web Pages (2014a); Delcan Arup (2010)]. Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante Carga Locomotivas As primeiras locomotivas comerciais datam do início do século XIX. Eram equipamentos movidos a vapor, gerado pela queima de madeira ou carvão. Todo o combustível para queima e a água para resfriamento das caldeiras eram transportados dentro da locomotiva. Esse padrão se manteve 1 Do ponto de vista de transmissão de energia, a corrente alternada (CA) pode ser transmitida a altas tensões via condutores de menor diâmetro, como as linhas da catenária. Já a corrente contínua (CC) necessita de um condutor maior, como um próprio trilho, daí a utilização do denominado terceiro trilho. Em geral, usa-se CA para longas distâncias e CC para curtas, como transporte urbano. Linhas CC, na maioria das vezes, vão até V e linhas CA ficam entre V e V [Railway Technical Web Pages (2014b)].

244 predominante até a Segunda Guerra Mundial, mesmo com o surgimento das locomotivas elétricas, já no fim do século XIX. A tração elétrica possui a vantagem de ser muito mais eficiente energeticamente. Nela, a locomotiva capta energia via pantógrafo de linhas eletrificadas ao longo da via, chamada catenária. Contudo, em virtude de elevados custos fixos de manutenção da infraestrutura e obsolescência dos equipamentos, a tração simplesmente elétrica em locomotivas foi sendo substituída por um modelo híbrido. Apesar de também datarem do fim do século XIX, os motores de combustão interna a gasolina e a diesel não foram muito aceitos em locomotivas. Os principais motivos eram o tamanho e o peso extremos, além da dificuldade em transmitir torque às rodas. A solução foi a adoção de um modelo híbrido: um motor a diesel aciona um gerador que produz energia elétrica para movimentar motores de tração. Nascia, assim, locomotiva diesel-elétrica, o formato mais adotado no mundo até hoje. Por fim, há também a locomotiva diesel-hidráulica. Nessa configuração, a força é transmitida às rodas por um conversor de torque, que é acionado pelo motor a diesel e movimenta o fluido que gera movimento. 243 Ferroviário Vagões O segundo elemento do material rodante de cargas é o vagão. Há diversos tipos, para as mais variadas aplicações e tipos de produto transportado. A norma brasileira de classificação de vagões NBR11691 organiza essa gama em alguns principais tipos, conforme o Quadro 1. Quadro 1 Tipos de vagões e suas aplicações segundo a NBR11691 Tipo de vagão Aplicação Classificação Fechado Granéis sólidos, ensacados, caixarias, cargas F unitizadas e produtos em geral que não podem ser expostos ao tempo Gôndola Granéis sólidos e produtos diversos que podem ser G expostos ao tempo, como minério de ferro Hopper Fechados para granéis corrosivos e granéis sólidos H que não podem ser expostos ao tempo e abertos para os granéis que podem ser expostos ao tempo, como grãos e farelo de soja, milho e calcário agrícola Isotérmico Produtos congelados em geral I (Continua)

245 244 Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante (Continuação) Tipo de vagão Aplicação Classificação Plataforma Contêineres, produtos siderúrgicos, grandes volumes, P madeira, peças de grandes dimensões Tanque Cimento a granel, derivados de petróleo claros e T líquidos não corrosivos em geral Especial Produtos com características de transporte particulares, tais como lingotes, placas de aço, sucata, escória e produtos siderúrgicos de alta temperatura S Fonte: Elaboração própria, com base em dados de ANTF (2014c). O tipo do vagão é o primeiro passo para sua classificação. Segundo a norma NBR11691, cada vagão em circulação no Brasil obedece a um critério de classificação de acordo com seu tipo, subtipo, peso bruto máximo (também denominado manga de eixo ) e proprietário. O Apêndice traz o procedimento completo de categorização. Passageiros Existem diversas opções de transporte de passageiros sobre trilhos. Os tipos e as aplicações se estendem desde pequenos trens movimentando pessoas dentro de um complexo, como um aeroporto, até composições de alta velocidade conectando diferentes cidades. Entre esses diferentes propósitos, é possível dividir o transporte de passageiros em urbano e regional. Transporte urbano O transporte urbano pode, por seu turno, ser subdivido em diferentes tipos, de acordo com a área de abrangência e capacidade de carga. Para pequenas áreas de abrangência e baixa capacidade, como um parque temático ou um aeroporto, o material rodante é comumente chamado de people mover (Quadro 2A). Segundo a Associação Americana de Transporte Público (APTA), um people mover é composto por um ou mais carros, trafega em vias eletrificadas e opera de forma automatizada, sem operadores a bordo. Pode operar tanto em intervalos regulares, ou sob demanda específica de passageiros [APTA (2014)]. Apesar de também operarem tradicionalmente em regiões menores, como parques temáticos, os sistemas de monotrilho não são necessariamente people movers. O que os distingue dos demais tipos de material rodante é sua concepção. Fundamentalmente, um monotrilho é um sistema consti-

246 tuído por um único trilho (ao contrário dos sistemas tradicionais de trilhos paralelos), em que o trem é necessariamente maior que a via (Quadro 2B). As vias, por sua vez, são sempre eletrificadas e segregadas, sendo a maioria elevadas, mas podem ser também subterrâneas ou ao nível da rua [The Monorail Society (2014); APTA (2014)]. O monotrilho vem ganhando aplicações de maior porte recentemente. Algumas cidades usam esse sistema para transporte dentro dos centros urbanos (como Seattle, nos EUA) e outras como opção de transporte de massa, como é o caso da cidade chinesa de Chongqing, que possui a maior linha de monotrilho do mundo, com 72 km de vias. No Brasil, foram anunciados investimentos em linhas de monotrilho em São Paulo (linhas 15 Prata e 17 Ouro) e no Rio de Janeiro (Linha 3), em ambos como transporte de massa, não restritas ao centro. No passado, eram os bondes que dominavam os centros urbanos (Quadro 2C). Eles serviram em diversas regiões metropolitanas como o principal meio de transporte de passageiros. Contudo, à medida que as cidades cresceram, os bondes ficaram restritos a um papel coadjuvante ou apenas turístico, já que sua baixa capacidade de transporte e velocidade reduzida inviabilizavam uma expansão para os subúrbios [Cervero (1998)]. Com avanços tecnológicos recentes, os bondes ganharam uma versão mais moderna: o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), ou Light Rail Transit (LRT) (Quadro 2D). Os VLTs podem circular tanto em faixas compartilhadas com o restante do tráfego (o que diminui o custo de implantação), como em linhas totalmente segregadas, e possuem maior capacidade de carga que os bondes. Esse sistema pode receber, ainda, controle automatizado pleno, eliminando a necessidade de operadores. Esse sistema possibilita maior aproveitamento do carro, já que não há necessidade de cabine dedicada à condução, aumentando a capacidade de carga útil. Esses sistemas são chamados de Advanced Light Rail Transit (ALRT) [APTA (2014); Cervero (1998)]. Já os sistemas denominados heavy rail, 2 como o metrô, transitam em faixas exclusivas, totalmente segregadas, em geral subterrâneas, a velocidades superiores e com ainda maior capacidade de carga (Quadro 2E). A 245 Ferroviário 2 As denominações em inglês são importantes para o entendimento da capacidade de carga. Light e heavy denotam justamente a capacidade de carga do sistema; light se refere a uma capacidade de carga mais leve (isto é, menor) e heavy a uma capacidade mais pesada (ou seja, maior).

247 246 tração é elétrica e se utiliza de TUEs. No centro da cidade, as estações são subterrâneas e pouco espaçadas. À medida que se afastam do centro, as estações ficam mais distantes entre si e o trajeto pode ser realizado pela superfície, em elevado. Uma vez que a implantação demanda obras pesadas de engenharia, como escavações, além de custos como desapropriações e um material rodante mais caro, os sistemas de heavy rail só se justificam em áreas densamente povoadas [Cervero (1998)]. Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante Quadro 2 Tipos de transporte local e urbano de passageiros sobre trilhos (A) People mover (C) Bondes (B) Monotrilho monorail (D) VLT light rail (E) Metrô heavy rail (F) Trens de subúrbio Fotos: Wikimedia Commons. Para maiores distâncias, em especial para conectar municípios vizinhos ao centro, são usados os trens de subúrbio (Quadro 2F). Esses trens podem ser elétricos (usando TUEs) ou puxados por locomotivas diesel-elétricas, têm estações bem espaçadas e trafegam em velocidades maiores, em linhas

248 totalmente segregadas. Os trens de subúrbio não circulam pelo centro. Em vez disso, eles param em uma estação principal adjacente ao centro. A partir daí, os passageiros utilizam outros meios, como VLT, metrô ou ônibus, até o destino final. Um exemplo dessa aplicação são os trens de subúrbio do Rio de Janeiro. Tais trens conectam municípios vizinhos, como Duque de Caxias e Magé, até a estação Central do Brasil, nas imediações do Centro do Rio de Janeiro. De lá, os passageiros têm a opção de trafegar pelo Centro por outros meios, como metrô e ônibus. A Tabela 3 busca comparar os principais sistemas urbanos sobre trilhos com uma opção rodoviária: o Bus Rapid Transit (BRT). Fundamentalmente, os custos de implementação são menores do que as opções sobre trilhos, já que utiliza a própria via. Dependendo do projeto, a via pode requerer reforço, uma vez que suportará cargas maiores oriundas dos ônibus, ou até mesmo eletrificação, caso seja utilizado ônibus elétrico (trólebus). Já a velocidade média, como o VLT, depende da segregação da via. Se a via for integrada ao tráfego, fazendo com o que o transporte pare em sinais de trânsito, a velocidade será naturalmente menor. Se a via for segregada, a velocidade de ambas as opções aumentará. 247 Ferroviário Tabela 3 Comparação entre tipos de transporte urbano Bus Monorail Rapid Transit (BRT) Uso Urbano Local e urbano Vias Mistas Inteiramente segregadas Tração Diesel, Elétrica elétrico (trólebus), híbrido Velocidade média (km/h) Espaço entre as estações (80 máx.) 0,3 km- 1,0 km 0,5 km- 1,5 km Light rail (VLT) Heavy rail (metrô) Trens de subúrbio Urbano Urbano Ligação entre municípios vizinhos Mistas Elétrica ou diesel (80 máx.) 0,3 km- 1,0 km Inteiramente segregadas Elétrica (80 máx.) 0,7 km- 1,5 km Inteiramente segregadas Elétrica nos vagões ou locomotiva (120 máx.) 1,0 km- 5,0 km (Continua)

249 248 Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante (Continuação) Passageiros por hora por direção (pphpd) Custo do material rodante (US$ milhões) Custo de implementação (US$ milhões/km) Vida útil do material rodante (anos) Bus Rapid Transit (BRT) Monorail Light rail (VLT) Heavy rail (metrô) Trens de subúrbio ,3-0, , a a a a 30 Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Cervero (1998), IMRT (2013), TRB (2013) e Peña, Jiménez e Mateos (2013). É importante ressaltar as considerações sobre a capacidade desses diferentes sistemas, medida em passageiros por hora por direção (pphpd). A amplitude e variedade de valores são bastante grandes, pois a capacidade depende de uma série de fatores particulares a cada projeto. Pode-se citar, por exemplo, o tamanho de cada trem, que depende fundamentalmente do tamanho da plataforma de embarque prevista no projeto. A quantidade de trens, o intervalo entre as composições e a automação plena do sistema também impactam diretamente nesse valor. Essa métrica determina, ainda, a capacidade máxima técnica do sistema, não necessariamente a real. Sistemas funcionando muito perto do limite técnico, caso apresentem problemas, irão gerar um acúmulo rápido de passageiros e impactos consideráveis na rede [Wright e Fjellstrom (2003)]. Portanto, a opção entre qual tipo de sistema adotar é técnica. Não há um melhor, simplesmente existem aplicações distintas, cada um com vantagens e limitações, como discutido em Cervero (1998) e Wright e Fjellstrom (2003). O gestor deve ter ciência desses fatores para tomar a decisão mais prudente.

250 Transporte regional O transporte regional sobre trilhos é caracterizado pela velocidade do trem. Contudo, segundo a União Internacional de Ferrovias (UIC), não há uma definição universal e padronizada do que é alta velocidade. O conceito mais usado deriva da diretiva 96/48/EC do Conselho da União Europeia: para uma linha ser caracterizada como de alta velocidade, dois critérios devem ser compatíveis entre si. Primeiramente, a infraestrutura da linha deve ser construída ou adaptada especificamente para esse uso. Em segundo lugar, o material rodante deve atingir uma velocidade de, no mínimo, 250 km/h em linhas construídas especialmente para alta velocidade; ou um mínimo de 200 km/h em linhas preexistentes que foram adaptadas para alta velocidade [Conselho da União Europeia (1996); UIC (2014)]. Portanto, os trens que não alcançam tais critérios são chamados apenas de regionais (Quadro 3A). Já os que atendem à norma são denominados de alta velocidade (Quadro 3B). 249 Ferroviário Quadro 3 Tipos de transporte de passageiros entre cidades sobre trilhos (A) Trens regionais intercity trains (B) Trens de alta velocidade Fotos: Wikimedia Commons. O primeiro TAV entrou em funcionamento em 1º de outubro de 1964, no Japão. Desde então, esse sistema cresceu em todo o mundo e, no fim de 2012, mais de trens desse tipo estavam em operação, com km de vias em 15 países. A maior parte do material rodante está na Europa (1.670), seguida pela Ásia (1.087) e, por último, a América do Norte (20). O material rodante de alta velocidade possui algumas características particulares. É sempre autopropelido, com composição fixa e bidirecional. Sua engenharia é voltada para uma aerodinâmica que ofereça menor resistência, a fim de atingir e sustentar as altas velocidades com máxima eficiência energética.

251 250 A velocidade máxima que o trem pode atingir depende de alguns aspectos do projeto. O raio das curvas ao longo da rota, por exemplo, é um limitador, pois pode causar grande desconforto aos passageiros. Em geral, o traçado é projetado o mais reto possível entre os destinos. Há trens equipados com sistemas pendulares capazes de inclinar até 8º em relação aos trilhos, possibilitando curvas em velocidades de até 250 km/h e que reduzem o desconforto na cabine. O recorde de velocidade para um trem é de 574,8 km/h e foi atingido em 2007 pelo TGV V150, em uma linha entre as cidades de Estrasburgo e Paris. Contudo, velocidades acima de 500 km/h desgastam sobremaneira o material rodante e são atualmente inviáveis para uso regular. A alternativa para viagens a tais velocidades pode ser a levitação magnética (Maglev). Tal tecnologia consiste em usar atração e repulsão magnéticas para levitar o trem sobre os trilhos, sem utilização de rodas, eixos e rolamentos. 3 Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante Os TAV trafegam em vias totalmente segregadas, mas não necessariamente exclusivas. Em diversos países, como China e Alemanha, a via é compartilhada com trens de carga e trens regionais. A UIC possui um levantamento histórico de custos de construção, aquisição e manutenção de material rodante e vias de alta velocidade na Europa, conforme a Tabela 4. Tabela 4 Estimativas de custos para linhas de alta velocidade na Europa Item Construção de 1 km de via Manutenção de 1 km de via Custo do material rodante (para um trem 350 passageiros) Manutenção do material rodante ( 2/km; km/trem ano) Custo estimado 12 a 30 milhões 70 mil por ano 20 milhões a 25 milhões 1 milhão por ano Fonte: Elaboração própria, com base em dados de UIC (2012). 3 Mesmo que tais barreiras sejam rompidas, há um limite técnico de velocidade para o trem. Ao se aproximar da velocidade do som, perto de Mach 0,8 (ou 80% da velocidade do som), o trem entra em uma zona de escoamento crítica, na qual as ondas de choque causadas pelo eventual rompimento da barreira do som trariam danos irreparáveis aos trilhos e ao material rodante.

252 Panorama internacional Tamanho do mercado e investimentos A UNIFE Associação Europeia da Indústria Ferroviária estima que o mercado ferroviário global movimentou cerca de 146 bilhões em 2011 e que deverá crescer a uma taxa anual composta equivalente (CAGR) de 2,6% ao ano até 2017, chegando a aproximadamente 170 bilhões. 4 A Europa Ocidental e a Ásia concentram a maior parte dos investimentos, conforme pode ser visto na Tabela 5. Mesmo com um crescimento bem acima da média nos próximos anos, UNIFE (2013) ainda projeta as Américas Central e do Sul como os menores mercados em volume total de investimento. 251 Ferroviário Tabela 5 Mercado ferroviário global por região Região CAGR (%) milhões Share (%) milhões Share (%) Europa , ,7 2,0 Ocidental Ásia e , ,8 1,9 Pacífico América do , ,2 2,8 Norte Rússia , ,7 2,0 Europa , ,1 2,7 Oriental África e , ,4 8,1 Oriente Médio Américas , ,2 7,0 Central e do Sul Total ,6 Fonte: Elaboração própria, com base em dados de UNIFE (2013). Esse mesmo volume de investimento pode ser partido entre diferentes segmentos de atuação (Tabela 6). O maior montante ( 66 bilhões em 2017) é destinado a serviços, que abrangem manutenção de vias, de material rodante e toda a cadeia de prestadores associada ao funcionamento do sistema 4 Não inclui obras civis.

253 252 sobre trilhos. A aquisição do material rodante ocupa a segunda posição, com uma estimativa de atingir cerca de 55 bilhões em O terceiro maior segmento é o de infraestrutura, que trata da instalação e construção das vias, o que inclui fornecimento de trilhos, dormentes e eletrificação. As obras civis não estão contempladas, uma vez que dependem significativamente da geografia e particularidades locais, o que poderia distorcer os números. Com o maior crescimento entre os diferentes segmentos, estima-se que o controle de vias movimentará 14 bilhões em Esse valor contempla serviços de sinalização e de telecomunicações, aqui incluídos os de automação plena. Tais sistemas possibilitam uma operação totalmente controlada por computador, sem necessidade de operadores a bordo do trem. Em 2013, havia 674 km de vias automatizadas no mundo em 32 diferentes cidades, inclusive em São Paulo. Estima-se que esse mercado deve crescer para até km de vias até 2025 [UITP (2013); UNIFE (2013)]. Por fim, há o segmento de projetos denominados turn-key. Tais projetos consistem na contratação de apenas uma empresa para toda a solução ferroviária. Essa empresa irá estruturar desde a infraestrutura até a aquisição do material rodante. Trata-se de uma estruturação diferente do usual, na qual o sistema é fragmentado em lotes e dividido entre diferentes fornecedores. Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante Tabela 6 Mercado ferroviário global por segmento Região CAGR milhões Share (%) milhões Share (%) (%) Material , ,6 2,3 rodante Serviços , ,0 2,9 Infraestrutura , ,5 2,1 Controle , ,8 3,0 Projetos 687 0, ,6 2,9 turn-key Total ,6 Fonte: Elaboração própria, com base em dados de UNIFE (2013). Ao olhar especificamente a aquisição do material rodante, a UNIFE estima que as Américas Central e do Sul terão o maior crescimento global até 2017, com um CAGR de 9,8% ao ano (Tabela 7). Tal investimento fará com

254 que a região ultrapasse locais como o Oriente Médio e até mesmo a Europa Oriental. Merece destaque, também, o encolhimento do mercado asiático, influenciado pela diminuição da demanda chinesa, em especial no material rodante de alta velocidade. 253 Ferroviário Tabela 7 Investimento em material rodante por região Região CAGR (%) bilhões Share (%) bilhões Share (%) Europa 12,4 26,0 14,8 27,0 3,0 Ocidental Ásia e 15,5 32,4 13,3 24,2 (2,5) Pacífico América do 5,8 12,1 7,5 13,7 4,5 Norte Rússia 6,9 14,4 8,7 15,9 4,0 Europa 2,8 5,9 3,5 6,3 3,5 Oriental África e 2,3 4,7 3,4 6,1 6,9 Oriente Médio Américas 2,1 4,5 3,8 6,8 9,8 Central e do Sul Total 47,7 54,9 Fonte: Elaboração própria, com base em dados de UNIFE (2013). O segmento de alta velocidade é, justamente, o único previsto com redução significativa na demanda para os próximos anos. O principal motivo para tal é a China já ter realizado grande parte dos investimentos em sua rede, diminuindo consideravelmente o ritmo de construção de novas vias e consequente aquisição de novos trens. Há também previsão de queda na demanda por locomotivas, mas de forma branda. Os demais materiais rodantes terão crescimento, com destaque para sistemas de metrô e vagões de carga (Tabela 8). Tabela 8 Estimativas de demanda por material rodante até 2017 Material rodante Share (%) Estimativa Observações Alta velocidade 5 Queda Diminuição na China (Continua)

255 254 Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante (Continuação) Material rodante Share (%) Estimativa Observações Metrô 22 Alta Crescimento na Europa, Rússia, Ásia e América do Sul Trens regionais 27 Estável Projetos em andamento na Europa, Rússia e Oriente Médio VLT 7 Alta Crescimento na Ásia e na Rússia Locomotivas 1 Queda Diminuição na América do Norte e na Ásia Vagões 24 Alta Crescimento na América do Norte, Rússia e Ásia Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Pélerin (2012) e UNIFE (2013). Principais empresas Há uma grande relação entre os principais mercados ferroviários e a origem das grandes empresas de material rodante. A Tabela 9 apresenta as dez maiores empresas de 2009 a 2012, de acordo com a receita em euros. Estima-se que, em 2012, as dez maiores responderam por 40,6% 5 das receitas do setor. Cabe ressaltar o grande crescimento das chinesas CNR e CSR, que ocupam as duas primeiras posições, à frente das tradicionais Bombardier, Alstom e Siemens. Tabela 9 Ranking das maiores empresas globais de material rodante por receita (em ) Empresa CNR CSR Bombardier Alstom Transmashholding (Continua) 5 Estimativa dos autores.

256 (Continuação) Empresa Stadler 6 Siemens GE Transportation Uralvagonzavod 9 Trinity Industries 10 CAF Hyundai Rotem 9 8 Kawasaki EMD 9 Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Leenen (2014) e Leenen e Wolf (2012). 255 Ferroviário A Tabela 10 expõe informações mais detalhadas de todas as 14 empresas listadas na Tabela 9 e possibilita algumas análises. Primeiramente, é possível notar que as empresas que fabricam material rodante para transporte urbano, em geral, oferecem todos os tipos, incluindo VLTs, metrôs, trens de subúrbio, trens regionais e TAVs. Segundo UIC (2012), existem apenas 14 fornecedores no mundo de TAV. Também de fornecimento restrito, com apenas três dos 14 fornecedores listados, é o monotrilho. Tal fato pode ser um critério relevante no momento de uma cidade optar por esse tipo de transporte. Como há poucos fornecedores, isso pode acarretar em processos licitatórios com menos concorrência, dificuldades na manutenção e problemas com reposição de peças. Algumas das empresas atuam também com sistemas eletrônicos e de sinalização, com destaque para os sistemas de automação plena de trens. Tais sistemas são particularmente relevantes no transporte urbano, mas requerem alguns cuidados. É importante que uma cidade, ao implantar um sistema de automação, certifique-se que o sistema é compatível com material rodante de outros fornecedores. Isso é importante para se evitar lock-in, ou aprisionamento [Hax e Wilde (1999)]. Ou seja, um sistema de automação só teria compatibilidade com o material rodante do mesmo fornecedor. Tal situação deixaria o sistema aprisionado para futuras aquisições de material rodante com uma única empresa. Para evitar tal situação, é importante assegurar a independência do sistema de automação em relação ao fabricante do material rodante, garantindo a compatibilidade com o maior número possível de fornecedores.

257 256 Em relação ao transporte de cargas, apenas quatro fabricam vagões, sendo a americana Trinity Industries e a russa Uralvagonzavod especializadas nesse segmento. Justamente essas duas empresas são as únicas que não fabricam locomotivas, material rodante produzido por todas as outras e único ramo de atuação em material rodante das americanas EMD (do grupo Caterpillar) e General Electric (GE). Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante Tabela 10 Principais empresas de material rodante Empresa Alstom Material rodante Monorail (monotrilho) Light rail (VLT) Heavy rail (metrô) Trens de subúrbio e regionais Trens de alta velocidade Locomotivas Vagões Sistemas eletrônicos e sinalização Outros negócios Energia, smart grids Receita em 2013 (bilhões) Transporte 5,50 Bombardier Aeroespacial US$ 8,8 Grupo 20,30 US$ 18,2 Funcionários em 2013 (transportes) Sede França Canadá CAF - 1, Espanha CNR - US$ 14, China CSR - US$ 14, China EMD (Caterpillar) Construção civil US$ 2,2 GE Diversos US$ 5,8 Hyundai Rotem Diversos US$ 3,1 Kawasaki Diversos US$ 1,3 Siemens Diversos 6,30 US$ 55,6 US$ 146 US$ 49,4 US$ 12,7 75, EUA EUA Coreia do Sul Japão Alemanha (Continua)

258 (Continuação) 257 Empresa Material rodante Monorail (monotrilho) Light rail (VLT) Heavy rail (metrô) Trens de subúrbio e regionais Trens de alta velocidade Locomotivas Vagões Sistemas eletrônicos e sinalização Outros negócios Receita em 2013 (bilhões) Transporte Grupo Funcionários em 2013 (transportes) Sede Ferroviário Stadler - 2, Suíça Transmashholding - US$ 4, Rússia Trinity Industries Diversos US$ 3,5 Uralvagonzavod Defesa 1,8 Fonte: Elaboração própria, com base em dados das empresas. US$ 4,9 2, EUA Rússia CNR e CSR Com o estrondoso crescimento da economia chinesa nos últimos anos, houve aumento considerável na demanda por transporte sobre trilhos para cargas e passageiros. Em 1949, o país possuía km de vias, km em 1978, km em 1985, km em 2010 e mais de km em O segmento de cargas foi impulsionado pela necessidade de transportar carvão e minério de ferro do interior para as regiões costeiras industrializadas. O segmento de passageiros, tanto urbano como regional, cresceu pela necessidade de um transporte eficiente entre áreas densamente povoadas. Tal crescimento foi fruto da priorização do transporte sobre trilhos pelo governo chinês. Antes do processo gradual de abertura econômica, a China importava material rodante da antiga União Soviética. Somente a partir de 1978, o país passou a importar também de países ocidentais, em formato complete knock down (CKD). Em 1986, foi estabelecida, dentro do Ministério das Ferrovias, a Locomotive and Rolling Stock Industrial Corporation, que teve seu nome mudado para China National Railways Locomotive and Rolling Stock Industrial Corporation em O papel dessa empresa era

259 258 montar os trens de forma centralizada, inicialmente em CKD e, posteriormente, realizando todo o processo produtivo na própria China. Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante Já no início dos anos 2000, como parte de uma transição de um sistema monopolista para um de mercado mais aberto, a China National Railways Locomotive and Rolling Stock Industrial Corporation se dividiu em duas empresas: a China North Locomotive and Rolling Stock (CNR) e a China South Locomotive and Rolling Stock (CSR). A seguir, o governo realizou um pacote de investimentos significativos para o período de 2006 a Foram gastos cerca de US$ 200 bilhões para compra de locomotivas, 4 mil carros de passageiros, 150 mil vagões de carga e mil TUEs. Como àquela época uma empresa estrangeira só podia entrar na China por meio de uma joint venture com uma empresa local, a CSR estabeleceu joint ventures com a Bombardier e com a Kawasaki, enquanto a CNR com a Alstom e com a Siemens. Todos esses acordos previam transferência de tecnologia [Adachi (2013)]. Resultado desse investimento, as empresas CNR e CSR cresceram rapidamente, como foi possível notar na Tabela 9. Com a diminuição da demanda no mercado local, as empresas chinesas tendem a buscar novos mercados. Atualmente, cerca de 58% de todas as receitas da CSR são oriundas do governo chinês e apenas 8% do mercado externo [Leenen (2014)]. Panorama brasileiro e atuação do BNDES O Brasil possui km de trilhos em seu território. Desses, km são destinados ao transporte de carga e km ao de passageiros (Tabela 11). Nota-se que o transporte sobre trilhos a longas distâncias é predominantemente voltado para cargas, ficando o de passageiros mais restrito ao transporte urbano. Em virtude de problemas históricos de expansão da malha (Seção Breve histórico das ferrovias no Brasil ), há diferentes bitolas 6 em utilização, o que gera dificuldades na integração da rede nacional. 6 Bitola é a distância entre as faces internas das partes superiores dos trilhos, sobre os quais deslizam as rodas dos veículos. O padrão internacional, adotado na Conferência Internacional de Berna, em 1907, é denominado standard e possui 1,435 m. As bitolas abaixo desse valor são chamadas estreitas e as que estão acima, largas. No Brasil, a bitola estreita é a métrica (de 1,0 m) e a larga é a 1,6 m. As vias podem, ainda, ter três ou mais trilhos, para permitir a passagem de veículos com bitolas diferentes. Nesse caso, a bitola é denominada mista [ANTF (2014a)].

260 Tabela 11 Extensão da malha brasileira por perfil de bitola (em km) 259 Ferrovia Larga (1,6 m) Métrica (1,0 m) Bitolas Mista Total ALL Malha Norte ALL Malha Oeste ALL Malha Paulista ALL Malha Sul Estrada de Ferro Carajás Estrada de Ferro Paraná Oeste Estrada de Ferro Vitória a Minas Ferrovia Centro-Atlântico Ferrovia Tereza Cristina MRS Logística Transnordestina Logística Ferrovia Norte-Sul Total Transporte de cargas Metrôs* 216,5 71,7 305,6 VLTs 45,7 45,7 Trens urbanos** 474,1 180,4 671,5 Trens turísticos e culturais 117,4 117,4 Trombetas-Amapá***-Jari Total Transporte de passageiros Total geral Fonte: Elaboração própria, com base em dados de CNT (2013). * O metrô de São Paulo possui 17,4 km em bitola standard (1,435 m). ** 17 km em bitola de 1,1 m. *** 194 km em bitola standard (1,435 m). Ferroviário Os investimentos do PIL preveem ampliação e recuperação de km de vias. Em cargas, estão previstos R$ 99,6 bilhões, sendo R$ 57 bilhões no período de 2014 a 2017, que englobam investimentos em infraestrutura, modernização e aquisição de material rodante. Perfil da frota e perspectivas de investimento Para melhor compreender a frota de material rodante de carga no país, é necessário olhar o que é transportado. Ao longo desses mais de 28 mil quilômetros de ferrovias, foram transportadas, apenas em 2013, 490 milhões de

261 260 toneladas úteis de carga, com predomínio de minérios e carvão mineral, seguidos de produtos agrícolas, conforme visto no Gráfico 1 [ANTF (2014b)]. Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante Gráfico 1 Participação dos produtos transportados pelas ferrovias (em % de TKU) Minérios, carvão mineral 77,49% Fonte: Elaboração própria, com base em dados de ANTF (2014b). Produtos siderúrgicos 3,86% Agronegócio 15,21% Derivados de petróleo e etanol 2,86% Insumos de construção civil e cimento 0,58% A frota de vagões está, de fato, alinhada com esse perfil de produtos. O vagão mais comum no país é do tipo gôndola, seguido do hopper (Tabela 12). De acordo com a ANTF, a idade média dos vagões no país era de 25 anos em 2010, mostrando considerável renovação em relação a 1990, quando era de 42 anos. A projeção para 2020 é de continuidade da melhoria, passando a 18 anos. Como, em média, um vagão possui uma vida útil entre trinta e 35 anos [ANTF (2014b)], há uma clara perspectiva de renovação da frota atual. Tabela 12 Frota de vagões no Brasil em 2013 Tipo Quantidade Percentual do total Fechado ,27 Gôndola ,43 Hopper ,94 Plataforma ,16 Tanque ,69 Outros ,51 Soma ,00 Fonte: ANTF (2014b).

262 Já a frota de locomotivas apresenta um quadro diferente, conforme ilustrado no Gráfico 2. Apesar de uma recente renovação da frota, que atingiu 29% do total de ativos, 59% das locomotivas do país possuem mais de trinta anos, com concentração significativa na faixa de trinta a quarenta anos. Parte desses ativos mais antigos data da época da RFFSA e passam por estudos da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer) e ANTF para renovação [Revista Ferroviária (2014)]. 261 Ferroviário Gráfico 2 Distribuição das idades da frota ativa de locomotivas no Brasil Quantidade de locomotivas % Até 10 31% a 20 41% a % 30 a 40 88% a 50 99% a % 26 acima de Percentual da frota total (%) Idades das locomotivas (em anos) Quantidade de locomotivas Percentual acumulado da frota total Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Segretti (2014). Nota: Não tiveram as idades informadas e não constam no gráfico 51 locomotivas da FCA. Dessa frota, dois fabricantes concentram cerca de 90% de todas as locomotivas ativas: GE e EMD. A primeira possui locomotivas em atividade no Brasil, ou 64,2% do total, e a segunda, 773, ou 25,7% do total. Dez outros fabricantes dividem os 10% restantes do mercado (Gráfico 3). O cenário para o material rodante de passageiros é semelhante ao de locomotivas. Há indicativos de uma renovação recente, apontada pelo fato de 32% dos TUEs no país terem menos de dez anos. Contudo, há uma grande concentração de ativos com mais de trinta anos, totalizando 45% do total da frota (Gráfico 4). A perspectiva de investimentos em passageiros se divide no TAV e em mobilidade urbana. Para o TAV, estão previstos R$ 35,6 bilhões [Logística Brasil (2014)], mas atrasos frequentes no processo licitatório dificultam

263 262 precisar quando seria executado. Já o transporte urbano possui diversos investimentos em andamento e prevê R$ 53 bilhões no período de 2014 a Esse montante se divide entre metrôs, trens de subúrbio, VLTs, monotrilhos e BRTs. Excluindo-se os BRTs e olhando só o investimento em transporte sobre trilhos, o valor é de R$ 46 bilhões. Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante Gráfico 3 Quantidade de locomotivas da frota ativa por fabricante GE EMD 773 Macosa 126 Villares 53 MX 53 ALCO 29 ALL Brasil 19 Hitachi 13 Stadler 7 EFCB 3 Ziyang 2 Toshiba Quantidade de locomotivas Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Segretti (2014). Nota: As locomotivas GM foram incorporadas aos números da EMD. Gráfico 4 Distribuição das idades da frota ativa de TUEs no Brasil Quantidade de trens % 40% 59 55% % % % Percentual da frota total 0 Até a a a a a Idades dos trens (em anos) Número de trens Percentual acumulado da frota total Fonte: Elaboração própria, com base em Revista Ferroviária (2013).

264 Do montante total de R$ 53 bilhões, 73%, ou R$ 38,7 bilhões, serão voltados às regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro. Apenas São Paulo corresponde a R$ 26,5 bilhões, com destaque para a construção de 31 km de metrô nas linhas 2, 5 e 6, além de 57 km de monotrilhos das linhas 15, 17 e 18. A expectativa é de que a rede passe dos atuais 75 km para cerca de 163 km na próxima década. O investimento no Rio de Janeiro é de R$ 12,7 bilhões, com destaque para a Linha 4 do Metrô, a implantação do monotrilho Niterói-São Gonçalo e o VLT do Centro da cidade. As demais regiões metropolitanas possuem perspectiva de investimentos metroferroviários, como Porto Alegre (15 km), Curitiba (18 km), Salvador (36 km), Fortaleza (12 km) e Belo Horizonte (15 km). Tal volume de investimentos impacta diretamente na aquisição de material rodante. Tendo em vista os projetos em andamento e as projeções do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), é possível estimar os volumes destinados a cada material rodante, tanto em quantidade de carros como em volume financeiro. Dessa forma, estima-se que até 2017 serão gastos cerca de R$ 10 bilhões somente na aquisição de material rodante, com o metrô capturando a maior parte dos investimentos (Tabela 13). 263 Ferroviário Tabela 13 Investimentos previstos em material rodante urbano, Material R$ milhões Metrô Monotrilho VLT Trem de subúrbio Número de carros* Metrô Monotrilho VLT Trem de subúrbio Fonte: Elaboração própria, com base em dados obtidos como os estados, municípios e concessionárias. * Não é o mesmo que o número de composições. Cada composição pode ser composta de vários carros. Do ponto de vista de planejamento industrial, é mais indicado projetar o investimento dessa forma.

265 264 O principal motivo para esse volume de investimento é o descontingenciamento realizado pelo governo federal e a aplicação de recursos em projetos de mobilidade urbana por meio do PAC Mobilidade Urbana Grandes e Médias Cidades. Desde a estabilização da moeda na década de 1990 e o controle do endividamento do setor público, os empréstimos do BNDES dependem de descontingenciamentos, autorizados pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Inicialmente os estados ou municípios interessados em contrair financiamento apresentavam suas consultas e eram inscritos no Cadip Sistema de Registro de Operações de Crédito com o Setor Público do Banco Central do Brasil (Bacen). Periodicamente, o CMN definia uma margem global de endividamento e eram autorizadas as contratações, por ordem cronológica de entrada, até atingir-se o teto descontingenciado. Também estavam descontingenciados os recursos de financiamento no âmbito dos Programas de Ajuste Fiscal (PAF), celebrados pelos estados com a Secretaria do Tesouro, com margens de endividamento revistas anualmente. A partir de 2003, com a criação do Ministério das Cidades, essa margem passou a ser setorial, abordando segmentos como saneamento, habitação e transporte. O CMN definia uma margem por setor, cabendo ao Ministério das Cidades estabelecer os critérios de seleção e realizar a hierarquização dos projetos apresentados, sendo autorizada a contratação dos mais bem colocados até o limite estabelecido pelo CMN. Com o lançamento do PAC em 2007, este passou a ser o mecanismo de descontingenciamento. Além dos PAF dos estados, somente os projetos contemplados no âmbito dos PAC contam com recursos descontingenciados. Especificamente em relação aos transportes, após cerca de cinco anos sem autorização de novas contratações, o processo só foi retomado com o PAC das Cidades-Sede da Copa 2014, seguido dos PAC Mobilidade Grandes Cidades e Médias Cidades. Os números de contratação e execução das obras do PAC, no entanto, ainda estão muito baixos se comparados aos grandes valores já descontingenciados, resultado, sobretudo, da ausência de projetos constatada no setor. Situação que deve ser revertida nos próximos anos, quando os estudos estiverem prontos. A falta de projetos é reflexo da descontinuidade nos descontingenciamentos, que gera imprevisibilidade de contratação e leva o gestor público a não fazer os investimentos prévios (estudo de demanda, viabilidade Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante

266 econômica e financeira, priorização, projeto básico, licenciamento, busca de financiamento, análise de crédito, licitação), pois isso demanda tempo e gastos sem certeza de viabilização dos projetos. Se os gestores públicos não têm como planejar-se, a indústria sofre. Produção local e balança comercial A fabricação brasileira de produtos ferroviários é bastante particular. Como o país, historicamente, não possuiu uma política de longo prazo voltada para esse meio, a produção é absolutamente volátil. Os gráficos a seguir buscam analisar tal comportamento. Neles, a linha mais escura representa a produção anual, e as barras indicam três informações relativas às médias móveis dos últimos cinco anos. O traço superior é a média móvel do máximo produzido nos últimos cinco anos, enquanto o traço inferior corresponde ao mínimo e o quadrado à média. A amplitude das barras ilustra a grande lacuna existente na produção anual nos diferentes anos. 265 Ferroviário Gráfico 5 Fabricação de vagões de carga no Brasil Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Abifer (2014). É importante notar que a produção nesse setor é predominantemente puxada. Os ativos, em geral, são produzidos sob encomenda e dependem, em alguns casos, de determinadas especificações. O Gráfico 5 e o Gráfico 6 mostram o cenário para cargas e o Gráfico 7 para passageiros. Apesar de uma retomada do setor a partir dos anos 2000, há claramente uma grande

267 266 oscilação na produção. Em 2005, por exemplo, foram produzidos vagões, mas, logo depois, em 2007, esse número já caiu para 1.327, subiu novamente em 2008 para e caiu para em 2009 (Gráfico 5). Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante Gráfico 6 Fabricação de locomotivas no Brasil Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Abifer (2014) Gráfico 7 Fabricação de carros de passageiros no Brasil Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Abifer (2014).

268 Tamanha incerteza reflete-se em grande dificuldade de planejamento. Como consequência, torna-se complexo dimensionar uma fábrica no país e sua capacidade instalada. A Tabela 14 ilustra essa realidade, mostrando como o setor operou bem abaixo da capacidade em Ferroviário Tabela 14 Capacidade instalada e utilização da indústria brasileira em 2013 Material rodante Capacidade instalada Produção em 2013 Taxa de utilização (%) Vagões de carga Carros de passageiros a 400 * 35 a 40 Locomotivas Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Abifer (2014) e Abifer (2013). * Números preliminares. Mesmo operando abaixo da capacidade instalada, o setor é deficitário. As exportações são modestas e as importações, mesmo apresentando um pouco de queda nos últimos anos, são bastante significativas (Gráfico 8). Os mercados para os quais o Brasil exportou nos últimos anos são a América Latina, a África e os EUA. Já os principais mercados dos quais o país importou são: EUA, Espanha, China, Japão, Alemanha, França, Itália, Polônia, Canadá, Suíça, Índia e Coreia do Sul. Gráfico 8 Balança comercial de produtos ferroviários (em milhões de US$) Exportação Importação Saldo Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Secex/MDIC (2014).

269 268 De todo o montante importado e exportado, o material rodante desempenha relevante função. O Gráfico 9 ilustra que tais itens constantemente correspondem a mais da metade de todas as importações brasileiras do segmento ferroviário. Se forem adicionados as peças e os componentes, esse número se aproxima de 75% de todo o valor importado. Dentre as principais peças e componentes importados, destacam-se: mancais, eixos, rodas, freios, ganchos, para-choques e truques. O último item, infraestrutura, é predominantemente importação de trilhos, já que não há fabricação no país e, consequentemente, esse item possui alíquota zero de importação. Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante Gráfico 9 Participação do material rodante no total de importações brasileiras (em milhões de US$) % 25 0 Peças e componentes Infraestrutura Material rodante Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Secex/MDIC (2014). As exportações, por sua vez expostas no Gráfico 10, são historicamente dominadas por peças e componentes, e os itens mais comercializados são rodas e eixos. A participação de infraestrutura é pequena, com as talas de junção como principal item da pauta. O material rodante teve anos bastante significativos em 2010 e 2011, com participação dos três principais segmentos (locomotivas, TUEs e vagões), mas tal desempenho não se sustentou em 2012 e Nota-se que o comportamento geral das exportações brasileiras é bastante volátil, assim como a produção local.

270 Gráfico 10 Participação do material rodante no total de exportações brasileiras (em milhões de US$) Ferroviário Peças e componentes Infraestrutura Material rodante Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Secex/MDIC (2014). Gráfico 11 Balança comercial de material rodante (em milhões de US$) Vagões TUEs Locomotivas Outros Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Secex/MDIC (2014). O Gráfico 11 permite analisar mais detalhadamente a balança comercial especificamente de material rodante. Os valores negativos correspondem às importações e os positivos às exportações. Verifica-se um crescimento dos valores, principalmente por causa de TUEs, resultado dos investimentos em

271 270 mobilidade urbana. É importante notar, contudo, que, como são ativos de vida útil elevada, as aquisições não são tão frequentes. Uma vez adquirido um material rodante, este servirá por um período considerável, daí a dificuldade em estabilizar tais números. O que movimenta o mercado local são os novos investimentos e as perspectivas de renovação do material existente. Justamente esses fatores vêm atraindo novas empresas para o país e podem alavancar a indústria ferroviária no país. Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante Principais fabricantes no Brasil O Brasil possui plantas de algumas das principais empresas globais, conforme o Quadro 4. No transporte de passageiros, há configurações diversas de atuação: multinacionais independentes (como Alstom, CAF e Bombardier), joint ventures com empresas nacionais (MPE/Scomi, IESA/Hitachi e IESA/Hyundai Rotem) e empresas de capital nacional (como Bom Sinal, T Trans e Coester). Em geral, essas plantas trabalham com projetos associados. A fábrica da MPE/Scomi, no Rio de Janeiro, por exemplo, opera sob o contrato de fornecimento de 24 composições de monotrilho para a Linha 17 de São Paulo. A capacidade no local é de seis monotrilhos por mês. A planta da Alstom, em construção também no Rio de Janeiro, focará em VLTs para fornecimento para o projeto da cidade. Em cargas, o cenário é um pouco distinto. Há a presença de três principais empresas fabricantes de locomotivas, incluindo as grandes e diversificadas multinacionais EMD e GE. No segmento de vagões, o predomínio é nacional. A Amsted-Maxion é uma joint venture entre a americana Amsted Industries e a brasileira Iochpe-Maxion. Já a Usiminas e a Randon são empresas brasileiras e que atuam em outros setores, além do ferroviário. Quadro 4 Principais fabricantes de material rodante com plantas no Brasil Empresa Local da planta Material rodante fabricado Alstom São Paulo (SP) Metrôs, trens de subúrbio Deodoro (RJ) Trens de subúrbio Taubaté (SP) * VLTs Amsted Maxion Hortolândia (SP) ** Vagões (Continua)

272 (Continuação) Empresa Local da planta Material rodante fabricado Bom Sinal Barbalha (CE) VLTs Bombardier Hortolândia (SP) Monotrilhos CAF Hortolândia (SP) Metrôs, trens de subúrbio, VLTs Coester São Leopoldo (RS) Aeromóveis, APMs EIF Três Rios (RJ) Locomotivas EMD Sete Lagoas (MG) Locomotivas Empretec Guarulhos (SP) Vagões especiais GE Contagem (MG) Locomotivas IESA/Hitachi Araraquara (SP) *** Monotrilhos IESA/Hyundai Rotem Araraquara (SP) Trens de subúrbio MPE/Scomi Rio de Janeiro (RJ) Monotrilhos Randon Caxias do Sul (RS) Vagões Araraquara (SP) * Vagões T Trans Três Rios (RJ) VLTs Usiminas Santana do Paraíso (MG) Vagões Fonte: Elaboração própria, com base em dados dos sites das empresas. * Plantas em construção. ** Também possui fábrica em Cruzeiro (SP) para fabricação de peças e componentes. *** Em estudo. 271 Ferroviário O BNDES possui linhas de apoio à comercialização, à produção e ao investimento em material rodante e transporte sobre trilhos. A primeira forma é a de comercialização de material rodante, via produto Finame. Tal linha é especialmente relevante para o setor de cargas, em que se estima que cerca de 78% dos vagões e 34% das locomotivas comercializados nos últimos dez anos tiveram apoio do BNDES. Os desembolsos são crescentes nesse produto, conforme ilustrado no Gráfico 12. A segunda forma de apoio é à indústria, ou seja, ao fabricante do equipamento. Empreendimentos que tenham por objetivo implantação, modernização, expansão da capacidade produtiva e aumento da produtividade podem ser apoiados. Merecem destaque os apoios às atividades de engenharia para melhorias de VLT da Bom Sinal, no Ceará, e ao incremento de capacidade produtiva da fábrica da Randon no Rio Grande do Sul, este último de cer-

273 272 ca de R$ 100 milhões de apoio financeiro. Estimativas da Abifer preveem investimentos de R$ 310 milhões até meados de 2016 na ampliação e modernização das instalações fabris, aplicação de novas tecnologias e treinamento de mão de obra da indústria ferroviária brasileira [Martins (2014)]. Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante Gráfico 12 Desembolsos do BNDES Finame para locomotivas e vagões (em R$ milhões) R$ milhões Fonte: BNDES. Nota: Valores em R$ de dezembro de 2013, corrigidos pelo IGP-DI (FGV) A terceira forma de apoio é à execução do projeto de investimento em transporte sobre trilhos. Podem ser apoiados investimentos em aquisição e modernização de material rodante; construção e adequação de estações e terminais; implantação, expansão e modernização de sistemas de sinalização e controle; e eletrificação de vias. Destaca-se a aprovação em 2014 de R$ 4,47 bilhões para a implantação da Linha 6 (laranja) do Metrô de São Paulo, no trecho entre as estações Brasilândia e São Joaquim, que terá 13,3 km de extensão, 15 estações, pátio de manutenção, vinte trens e transportará mais de 600 mil passageiros por dia útil. Mais recentemente, o BNDES criou, ainda, o Programa Fundo Clima, com condições diferenciadas, que visa à redução de emissões de gases do efeito estufa. Podem ser apoiados investimentos em transporte sobre trilhos que reduzam a emissão de poluentes locais no transporte coletivo urbano de passageiros e que melhorem a mobilidade urbana, tanto para a fabricação de material rodante como para a infraestrutura.

274 Conclusões Com os recentes investimentos de mais R$ 100 bilhões anunciados em novas ferrovias para carga e no transporte urbano sobre trilhos, há uma natural tendência de crescimento da demanda por material rodante novo. O presente artigo buscou, portanto, traçar um panorama dessa indústria e as perspectivas para o desenvolvimento desse setor no Brasil. Historicamente, o meio ferroviário no país sofreu com um crescimento desordenado, sem planejamento ou priorização, e à margem do rodoviário. Outros países, ao contrário, sempre tiveram os trilhos como prioridade, seja para carga ou para passageiros. É o caso do Japão, da China, dos EUA e de europeus, como Alemanha e França. Justamente esses países são sede de algumas das principais empresas de material rodante, impulsionadas pelos fortes mercados interno e regional. É importante notar que, mesmo em países desenvolvidos, o investimento em infraestrutura possui forte participação estatal. O crescimento da demanda por material rodante no Brasil, acima da média mundial, é justamente atrelado a esse movimento. Com isso, apesar de ainda pequeno em relação aos demais mercados globais, o brasileiro começa a demonstrar boas perspectivas, evidenciado pela atração de alguns dos grandes players globais. Contudo, para se desenvolver, o Brasil precisa focar em alguns pontos. O primeiro desafio é a estabilização da produção local, que ainda é extremamente volátil e marcada por incerteza. Como se trata de uma produção com elevados custos fixos, a necessidade de escala é fundamental. Mas a própria natureza do segmento ferroviário pode auxiliar nesse processo. Por se tratar de investimentos vultosos e de longo prazo de execução, é possível transmitir aos fornecedores de material rodante certa previsibilidade. Se uma cidade, por exemplo, planeja construir um sistema de metrô e essa execução irá demorar cinco anos, é possível passar esse planejamento à empresa de material rodante com razoável antecedência, facilitando seu planejamento produtivo. Com um plano nacional consistente e de longo prazo, e não apenas investimentos pontuais, essas demandas se espalham ao longo do tempo, aumentando a previsibilidade. Para tanto, é necessária uma continuidade nos descontigenciamentos para que exista previsibilidade nas contratações. Da mesma forma, é necessário que a indústria local esteja pronta para responder à demanda. Para tal, é importante o desenvolvimento da cadeia de fornecedores. Medidas como índice de nacionalização mínimo para material 273 Ferroviário

275 274 rodante em obras financiadas com recursos públicos estimulam fabricantes locais, mas, dependendo do número de fornecedores disponíveis e das curvas de aprendizado, podem acrescentar custos ao projeto. Uma alternativa pode ser o estímulo à formação de joint ventures entre empresas brasileiras e detentores de tecnologia estrangeiros, como já ocorre pontualmente em sistemas não disponíveis no Brasil, como os monotrilhos. A internacionalização é um caminho natural da indústria. Mesmo com as medidas mencionadas para estabilização da demanda local, mercados estrangeiros trazem novas oportunidades de crescimento, diversificação de receitas e hedge natural contra as oscilações locais. Dessa forma, uma alternativa para fortalecimento das empresas estabelecidas no país é a revisão dos incentivos à exportação de material rodante e de componentes. Finalmente, os investimentos na malha ferroviária brasileira, para cargas e passageiros, devem ser parte de um plano contínuo de desenvolvimento de longo prazo, pensado de forma integrada entre as esferas federal e estadual, e não somente marcada por casos pontuais. Tal planejamento poderá alavancar o mercado nacional, fortalecer as empresas, trazer novos players e resultar em maior competitividade e eficiência. Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante Apêndice Classificação de vagões A classificação de vagões obedece ao critério representado na Figura A1. A categorização, o Bloco 1, é composta por três letras. A primeira (X 1 ) determina o tipo de vagão, a segunda (X 2 ) o subtipo e a terceira (X 3 ) seu peso bruto máximo, também chamado de manga do eixo. As duas primeiras são apresentadas na Tabela A1 e a terceira na Tabela A2. Figura A1 Classificação de vagões Fonte: Elaboração própria, com base em dados de ANTF (2014c).

276 Tabela A1 Tipos e subtipos de vagões 275 Tipo de vagão Especificação segundo Norma BR (Bloco 1) 1ª letra 2ª letra Detalhamento Gaiola A C Com cobertura, estrado e estrutura metálica (inclui réguas de madeira) M Com cobertura de madeira R Para animais de raça V Para aves D Descoberta Q Outros tipos Caboose C C Convencional B Com compartimento para bagagens Q Outros tipos Fechado F R Convencional, caixa metálica com revestimento S Convencional, caixa metálica sem revestimento M Convencional, caixa de madeira E Com escotilhas e portas plug H Com escotilhas, tremonhas no assoalho e portas plug L Com laterais corrediças (all-door) P Com escotilhas, portas basculantes, fundo em lombo de camelo V Ventilado Q Outros tipos Gôndola G D Para descarga em giradores de vagão P Com bordas fixas e portas laterais F Com bordas fixas e fundo móvel (drop-bottom) M Com bordas fixas e cobertura móvel T Com bordas tombantes S Com semibordas tombantes H Com bordas basculantes ou semitombantes com fundo em lombo de camelo C Com bordas tombantes e cobertura móvel B Basculante Q Outros tipos Hopper H F Fechado convencional P Fechado com proteção anticorrosiva (Continua) Ferroviário

277 276 Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante (Continuação) Tipo de vagão Especificação segundo Norma BR (Bloco 1) 1ª letra 2ª letra Detalhamento Hopper H E Tanque (center-flow) com proteção anticorrosiva T Tanque (center-flow) convencional A Aberto Q Outros tipos Isotérmico I C Convencional com bancos de gelo F Com unidade frigorífica Q Outros tipos Plataforma P M Convencional com piso de madeira E Convencional com piso metálico D Convencional com dispositivo para contêineres C Para contêineres R Com estrado rebaixado T Para autotrem G Para serviço piggyback P Com cabeceira (bulkhead) B Para bobinas A Com dois pavimentos para automóveis H Com abertura telescópica Q Outros tipos Tanque T C Convencional S Com serpentinas para aquecimento P Para produtos pulverulentos F Para fertilizantes A Para ácidos e líquidos corrosivos G Para gás liquefeito de petróleo Q Outros tipos Especial S T Torpedo (produtos siderúrgicos de alta temperatura) B Basculante P Plataforma para lingotes, placas de aço etc. G Gôndolas para sucata, escórias etc. Q Outros tipos Fonte: Elaboração própria, com base em dados de ANTF (2014c).

278 Tabela A2 Peso máximo por bitola 277 Peso máximo admissível por bitola Bitola Carga máxima por eixo (t) Peso bruto máximo (t) 1,0 m 1,6 m A O 7,50 30 B P 11,75 47 C Q 16,00 64 D R 20,00 80 E S 25, F T 30, G U 35, Ferroviário Fonte: Elaboração própria, com base em dados de ANTF (2014c). O Bloco 2, de seis algarismos, indica o proprietário do vagão. O primeiro algarismo (Y 1 ) varia de acordo com o proprietário conforme indicado na Tabela A3. Os demais algarismos (Y 2 a Y 6 ) obedecem à numeração própria da empresa detentora do ativo. A terceira e última parte da identificação (Z 1 ) é um dígito verificador que obedece a um algoritmo preestabelecido na norma para verificação da numeração. Tabela A3 Classificação de vagões conforme proprietário Proprietário 1º algarismo Faixa numérica Particulares a CVRD 1, a Fepasa 3, 4, a RFFSA 6, 7, 8, a Fonte: Elaboração própria, com base em dados de ANTF (2014c). Referências Abate, V. Vicente Abate (presidente Associação Brasileira da Indústria Ferroviária ABIFER): coletiva de imprensa Feira Intermodal South America. Perspectivas do país no setor ferroviário. São Paulo, abr Disponível em: < coletivaimprensaokpdf.pdf>. Acesso em: 30 mai

279 278 Abifer Associação Brasileira da Indústria Ferroviária. A indústria ferroviária brasileira em números. Disponível em: < org.br/estatisticas.aspx>. Acesso em: 19 mai Adachi, M. China s competitiveness: myth, reality and lessons for the United States and Japan. Case study: China South Locomotive and Rolling Stock Corporation (CSR). Washington, DC: Center for Strategic and International Studies, ANTF Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários. Glossário dos termos ferroviários. 2014a. Disponível em: < antf.org.br/pdfs/glossario.pdf>. Acesso em: 28 mai Balanço do transporte ferroviário de cargas no Brasil b. Disponível em: < noticias/palestra%20vilaca%202014%20antf%20balanco%20do%20 transporte%20ferroviario%20de%202013%20versao%20final.pdf>. Acesso em: 16 mai Informações do setor material rodante. 2014c. Disponível em: < Acesso em: 15 mai APTA American Public Transportation Association. Fact book glossary Disponível em: < statistics/pages/glossary.aspx>. Acesso em: 20 mai Arrendamento por frota. Revista Ferroviária, São Paulo, n. 105, p , Cervero, R. The transite metropolis: a global inquiry. Washington, DC: Island Press, CNT Confederação Nacional do Transporte. Pesquisa CNT de Ferrovias Brasília, O sistema ferroviário brasileiro. Brasília, Conselho da União Europeia. Directiva 96/48/CE do Conselho de 23 de Julho de 1996 relativa à interoperabilidade do sistema ferroviário transeuropeu de alta velocidade Disponível em: < europa.eu/lexuriserv/lexuriserv.do?uri=celex:31996l0048:pt:ht ML>. Acesso em: 18 mar Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante

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281 Anos perspectivas setoriais, p , v. 2. Rio de Janeiro, BNDES, Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante Martins, M. Indústria ferroviária do Brasil recebe investimento de R$ 360 mi até Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ), 27 mai Disponível em: < industria-ferroviaria-do-brasil-recebe-investimento-de-r-360-miate #>. Acesso em: 4 jun Pélerin, J. The global rail market: key findings from the UNIFE World Rail Market Study. Copenhagen: UNIFE Associação Europeia da Indústria Ferroviária, Peña, F. J.; Jiménez, A.; Mateos, A. A first approach to the optimization of Bogotá s TransMilenio BRT system. In: Finnish Operations Research Society 40th Anniversary Workshop FORS40. Proceedings Lappeenranta: LUT Scientific and Expertise Publications, 2013, p Pereira, R. M.; Schwanen, T. Tempo de deslocamento casa-trabalho no Brasil ( ): diferenças entre regiões metropolitanas, níveis de renda e sexo. Brasília, DF: Ipea, (Texto para discussão, n ). Railway Technical Web Pages. Multiple unit operation. [on-line], 2014a. Disponível em: < Acesso em: 28 mai Electronic power for trains. [on-line], 2014b. Disponível em: < Acesso em: 29 mai Segretti, R. Frota total de locomotivas se mantém estável em Revista Ferroviária, n. 105, p , The Monorail Society. About us: The Monorail Society. [on-line], Disponível em: < Acesso em: 19 mai TRB Transportation Research Board. Transit Capacity and Quality of Service Manual. 3. ed. Washington, DC: TRB, UIC International Union of Railways: banco de dados. Multiple units (MUs) vs. loco-hauled trains, Disponível em: <

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283

284 Aeronáutica e Defesa BNDES Setorial 40, p Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo e estratégia de crescimento André de Barros Rüttimann Paulus Vinicius da Rocha Fonseca Rafael de Carvalho Cayres Pinto * Resumo As indústrias aeronáutica e de defesa, em virtude do uso intensivo de tecnologia e alto valor agregado de seus produtos, assumem grande importância para a política pública. No Brasil, o desenvolvimento desses setores está diretamente associado ao sucesso da Embraer, que se consolidou como um dos maiores fabricantes mundiais de aeronaves civis, e cuja atuação vem crescendo em produtos do setor de defesa. Assim, a efetiva contribuição ao desenvolvimento do setor requer a articulação do apoio com as necessidades estratégicas da empresa. Este artigo analisa as estratégias adotadas pela Embraer e discute potenciais implicações para o apoio do BNDES, destacando algumas iniciativas que o Banco poderia desenvolver, tais como: parcerias com instituições financeiras multilaterais, estatais e privadas na África, Leste Europeu e Ásia; aprofundamento da parceria com empresas de arrendamento de aeronaves; financiamento de aeronaves usadas; e aumento do apoio ao setor de defesa. * Respectivamente, gerente, contador e economista do Departamento de Comércio Exterior 1 da Área de Comércio Exterior do BNDES (AEX/DECEX1). Este artigo foi elaborado com base na monografia de conclusão do MBA Executivo de André Rüttimann [Rüttimann (2014)] e contou com as valiosas contribuições da superintendente da AEX, Luciene Ferreira Monteiro Machado; do chefe da AEX/DECEX1, Marcio Nobre Migon; e do gerente da AEX/DECEX1, Sérgio Bittencourt Varella Gomes.

285 284 Introdução Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo e estratégia de crescimento As indústrias aeronáutica e de defesa caracterizam-se pelo alto valor agregado de seus produtos e pelo uso intensivo de novas tecnologias, o que as qualifica como importantes indutoras de desenvolvimento de um país. Essas indústrias apresentam grande sinergia entre si e são consideradas estratégicas pelos Estados nacionais, uma vez que conferem importantes meios para exercer a soberania nacional e a defesa do território. Assim, trata-se de um setor que possui natural interesse para implementação de políticas públicas e, consequentemente, para o apoio de bancos públicos com foco no desenvolvimento econômico do país, como é o caso do BNDES. No Brasil, a principal empresa do setor é a Embraer, que se consolidou como uma das quatro maiores fabricantes mundiais de aeronaves civis nas últimas décadas, atuando também de forma crescente na aviação militar e em outros segmentos do setor de defesa. O presente artigo busca identificar necessidade de diversificação na forma de apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo e de sua estratégia de crescimento em cada um dos três principais segmentos em que atua: aviação comercial, aviação executiva e defesa e segurança. Primeiramente, é apresentado um breve histórico e descrição da Embraer, seguindo-se uma análise das características da indústria e dos mercados em que atua. Em seguida, descrevem-se as estratégias e ações adotadas nos últimos anos e o posicionamento competitivo para cada segmento de negócio e apresentam-se os resultados obtidos. Por fim, reflete-se sobre as perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo e sua estratégia de crescimento. Histórico da Embraer 1 A história da Embraer confunde-se com a história da indústria aeronáutica brasileira. A Embraer foi criada em 19 de agosto de 1969, como uma companhia de capital misto e controle estatal, fruto de um processo iniciado pelo Estado brasileiro na década de 1940, quando foram constituídos uma escola de engenharia aeronáutica o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e um centro de pesquisas e desenvolvimento em seu entorno o então Centro Técnico da Aeronáutica (CTA), com o intuito de dotar o país do domínio da tecnologia aeronáutica e assim reforçar o exercício de sua soberania. 1 Esta seção foi elaborada com base em Gomes (2012).

286 Desde o início, a empresa desenvolveu-se com base na demanda associada às compras do governo brasileiro para o segmento militar e no desenvolvimento de aeronaves civis destinadas ao nicho de mercado de aviação regional nos Estados Unidos da América (EUA) e na Europa. Já na década de 1970, a primeira aeronave civil desenvolvida pela empresa, o Bandeirante, destacou-se no mercado internacional, iniciando a vocação exportadora da Embraer. Na década seguinte, a empresa concebeu e fabricou o EMB-120 Brasília, que teve mais de 350 unidades exportadas para empresas aéreas nos cinco continentes entre as décadas de 1980 e Ainda na década de 1980, no mercado militar, a empresa desenvolveu e fabricou aeronaves em parceria com as italianas Aeritalia e Aermacchi, sob a égide de um acordo entre os governos do Brasil e da Itália. Nesse período, o desenvolvimento do Programa AMX, aliado ao sucesso de vendas do Brasília, proporcionou à empresa um salto de capacitação e desenvolvimento, com investimentos em máquinas e equipamentos de última geração, treinamento e capacitação de pessoal e domínio de novas tecnologias aeronáuticas. A Embraer também forjou nesse período uma estratégia de sucesso utilizada ao longo de sua história de formação de parcerias internacionais com relevantes empresas do setor para capacitação em tecnologias como materiais compostos, software embarcado e projetos digitalizados em computador. Na década de 1990, em meio a dificuldades financeiras oriundas de um contexto econômico adverso, da menor demanda e da redução do apoio do governo brasileiro, a Embraer foi incluída no Programa Nacional de Desestatização, vindo a ser privatizada em dezembro de Os novos controladores capitalizaram a empresa com recursos da ordem de US$ 500 milhões e concluíram o desenvolvimento de um novo jato regional de cinquenta assentos, o ERJ-145, em parceria de risco com diversos fabricantes internacionais de partes da aeronave, tais como a fabricante de motor Rolls Royce. O ERJ-145 foi um sucesso, suprindo as necessidades da aviação regional norte-americana, representando, assim, a redenção da empresa nos anos subsequentes. No fim da década de 1990, a Embraer lançou uma nova família de jatos regionais, para atender ao segmento de setenta a 120 assentos, replicando a estratégia de parceria de risco com demais fabricantes. Mais uma vez a empresa foi bem-sucedida e tornou-se, em poucos anos, a líder de mercado nesse segmento. 285 Aeronáutica e Defesa

287 286 Ainda como marcos pós-privatização destacam-se: (i) o aprofundamento do processo de internacionalização da empresa, com operações fabris, de pesquisa e desenvolvimento (P&D), apoio técnico e inteligência de mercado em todo o mundo; e (ii) a concepção e paulatina implementação da estratégia de diversificação do portfólio de negócios, visando reduzir a dependência do mercado dos jatos comerciais por meio do ingresso no mercado de aviação executiva e da ampliação do escopo de atuação no segmento militar. Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo e estratégia de crescimento Principais características da Embraer Atualmente, a Embraer é uma empresa com atuação global que projeta, desenvolve, fabrica e comercializa aeronaves e sistemas, além de fornecer suporte e serviços de pós-venda, por meio de três unidades de negócio principais: aviação comercial; aviação executiva; e defesa e segurança. Em 2013, sua receita líquida foi de US$ 6,2 bilhões, a carteira de pedidos firmes alcançou US$ 18,2 bilhões e suas unidades de produção (Figura 1) empregaram funcionários, dos quais cerca de 90% no Brasil. Figura 1 Presença global da Embraer Fonte: Embraer. Desde 2006, a Embraer é uma companhia de capital pulverizado, com apenas uma classe de ações ordinárias, o que permitiu sua adesão ao Novo Mercado 2 da Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa). A 2 Segmento da Bovespa para empresas que atendem a critérios de elevados padrões de governança corporativa.

288 empresa também possui ações na Bolsa de Valores de Nova York por meio de American Depositary Receipts. Os principais acionistas da empresa são fundos de investimento e previdência, como o Oppenheimer Funds (9%), Thornburg Investment (8%), Previ (7%) e Blackrock Inc. (5%), além da BNDESPAR (5%). O governo brasileiro possui uma ação de classe especial (golden share), que lhe dá direito de veto em algumas matérias estratégicas para a empresa e para o Estado brasileiro. 287 Aeronáutica e Defesa Características da indústria e dos mercados aeronáutico e de defesa Para melhor entender o posicionamento competitivo da Embraer, faz se necessário realizar uma breve análise da indústria e dos mercados aeronáutico e de defesa. Conforme Coelho Netto (2005), a indústria aeronáutica constitui um subconjunto da indústria aeroespacial. Esta, por sua vez, destaca-se como um setor econômico altamente dinâmico, graças ao tamanho do mercado, à geração de empregos diretos e indiretos, à facilitação das atividades econômicas através do transporte de passageiros em larga escala, a questões de segurança nacional e ao desenvolvimento de tecnologia de ponta, entre outros fatores. A indústria aeroespacial pode ser decomposta entre mísseis; veículos espaciais; e aeronáutica. Esta última divide-se entre fabricação de motores, aviônicos e aeronaves. Já a fabricação de aeronaves pode ser segmentada entre o mercado militar (aeronaves de treinamento, caças, patrulha e sensoriamento remoto, helicópteros militares etc.) e o civil (aeronaves comerciais de diversos portes, executivas e de aviação geral e helicópteros). Os mercados civil e militar têm como características comuns: a necessidade de atendimento a rígidos padrões de qualidade, desempenho e confiabilidade; alto valor agregado e longo ciclo de vida dos produtos; produção pautada por encomendas; e a alta intensidade em capital para fazer frente às elevadas despesas de desenvolvimento tecnológico. Trata-se de uma indústria com grandes níveis de investimento em tecnologia e inovação, que apresenta elevada sinergia entre os mercados militar e civil. Com frequência, os investimentos em inovação tecnológica promovida pelos Estados nacionais com fins militares resultam em aplicações competitivas para o mercado civil, tanto aeronáutico quanto em outras indústrias. Nesse contexto, vale destacar o papel preponderante

289 288 dos Estados nacionais na promoção da indústria aeronáutica e de defesa, dado seu caráter estratégico para soberania nacional e para o desenvolvimento tecnológico de um país. Esse papel se dá tanto no poder de compra dos governos na área militar como no financiamento de investimentos em P&D e de vendas externas e internas da aviação civil e militar. Outra característica relevante das indústrias aeronáutica e de defesa é que ambas são amplamente globalizadas, tanto entre fabricantes como entre fornecedores e compradores. Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo e estratégia de crescimento Assim, destacam-se como dimensões-chave para competitividade das fabricantes de aeronaves: capacidade de inovação em processos produtivos e desenvolvimento de produtos; ampla presença global; e qualidade das políticas públicas em seus países. No caso brasileiro, destaca-se o papel do BNDES no financiamento aos investimentos e à comercialização dos produtos como importante fator de apoio ao desenvolvimento do setor aeronáutico. No que se refere a políticas públicas que incentivem os investimentos por meio de uma demanda consistente para o setor de defesa, o Brasil ainda apresenta grandes desafios com histórico de orçamento limitado e sujeito a atrasos e descontinuidade de projetos, porém novas iniciativas visando alterar essa limitação têm sido implementadas nos últimos anos, como será comentado na subseção Aviação militar e indústria de defesa e segurança. Perfil das principais fabricantes de aeronaves De um modo geral, a indústria aeronáutica tem um elevado grau de concentração entre as fabricantes de aeronaves. Deve-se ter em conta que a competição entre as empresas se dá em cada segmento de atuação, o que gera maior ou menor rivalidade nos diversos segmentos de mercado. Ademais, as fabricantes de aeronaves têm estratégias de atuação diferenciadas. Algumas, como a Embraer, atuam nos três segmentos principais (comercial, executiva e militar), mas com foco em nichos específicos em cada um desses segmentos, enquanto outras focam em apenas um ou dois segmentos. Há ainda aquelas que apresentam uma estratégia de diversificação para outros mercados, como é o caso da Bombardier, que também atua no mercado de transporte ferroviário. A Embraer atua fundamentalmente na indústria aeronáutica, por meio da fabricação de aeronaves civis e militares. Com objetivo de diversi-

290 ficar seus negócios e dar maior sustentabilidade a seu crescimento, a empresa tem ampliado seu escopo de atuação nos últimos anos, reduzindo a participação da aviação comercial no total da receita de 95%, em 2001, para 53%, em 2013, 3 como mostra o Gráfico 1. Essa evolução foi resultado da combinação de sua entrada paulatina na aviação executiva a partir de 2001 e da diversificação de sua atuação na indústria de defesa nos últimos anos. Com a criação da subsidiária integral Embraer Defesa & Segurança em 2010, a empresa ampliou o escopo de sua atuação para além das aeronaves militares, incluindo veículos aéreos não tripulados (Vant); radares; satélites; e sistemas integrados de inteligência, vigilância e reconhecimento. grafico 1 Gráfico 1 Evolução da receita da Embraer por segmento de negócio 289 Aeronáutica e Defesa % 3% 95% 5% 6% 89% 12% 8% 8% 71% 11% 7% 7% 75% 11% 11% 7% 71% 6% 14% 16% 64% 7% 14% 16% 64% 8% 11% 14% 67% 9% 13% 16% 62% 15% 1% 22% 61% 15% 1% 20% 64% 17% 1% 21% 60% 19% 1% 27% 53% Defesa e segurança Serviços aeronáuticos e outros Aviação executiva Aviação comercial Fonte: Embraer. O Quadro 1 exibe uma seleção de sete entre as principais empresas do setor, os segmentos em que atuam e alguns de seus indicadores financeiros que permitem inferir o tamanho e o foco de atuação de cada empresa. De sua 3 A receita absoluta da aviação comercial cresceu aproximadamente 20% entre 2001 e 2013, passando de US$ 2,8 bilhões para US$ 3,3 bilhões. Porém, como se pode observar no Gráfico 5, o crescimento total da receita da Embraer foi da ordem de 113% no mesmo período, passando de US$ 2,9 bilhões para US$ 6,2 bilhões.

291 290 análise, pode-se observar que o porte da Embraer é pequeno quando comparado com as principais empresas da indústria, apresentando, porém, resultados financeiros que chegaram a ser superiores aos de seus pares em anos recentes. Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo e estratégia de crescimento As margens positivas obtidas, nos últimos anos, por todas as empresas pesquisadas indicam que a atual estrutura da indústria proporciona bom nível de lucratividade para as fabricantes de aeronaves, seja pelo tamanho e tendência de crescimento do mercado, seja pela concentração entre os participantes. Esses fatores tendem a proporcionar aos fabricantes relativo equilíbrio de forças ou maior poder de barganha com os compradores e com os fornecedores da indústria, a depender do segmento de atuação e do porte da fabricante. Quadro 1 Perfil das principais fabricantes de aeronaves Fabricante Embraer (Brasil) Bombardier (Canadá) Boeing (EUA) Airbus (Europa) Atuação (% receita vendas 2013) - Aviação comercial (53%) - Aviação executiva (27%) - Defesa e segurança (19%) - Outros (1%) - Transporte ferroviário (49%) - Aviação executiva (27%) - Serviços aeronáuticos (10%) - Aviação comercial (7%) - Outros (7%) - Aviação comercial (61%) - Defesa (39%) - Aviação comercial (67%) - Defesa e espacial (21%) - Helicópteros (12%) General - Sistemas militares (41%) Dynamics/ - Sistemas de informação Gulfstream e TI (33%) (EUA) - Aviação (26%) Receita (2013) US$ 6,2 bilhões US$ 18,2 bilhões US$ 86,6 bilhões US$ 83 bilhões US$ 31,2 bilhões Carteira (dez. 2013) US$ 18,2 bilhões US$ 69,7 bilhões US$ 441 bilhões US$ 960 bilhões US$ 46 bilhões Pessoal Margem operacional ( ) 19 mil 10% / 11% 72 mil 5% / 5% 168 mil 9% / 9% 144 mil 4% / 5% 92 mil 3% (*2012) Lockheed Martin (EUA) - Aviação militar (31%) - Sistemas de informação (19%) - Sistema aeroespacial (18%) - Outros defesa (32%) US$ 47,2 bilhões (*2012) N/d 116 mil 9% (*2012) (Continua)

292 (Continuação) Fabricante BAE Systems (Reino Unido)* Atuação (% receita vendas 2013) - Defesa e segurança - Aeroespacial Receita (2013) US$ 29 bilhões Carteira (dez. 2013) US$ 68 bilhões Fonte: Elaboração própria, com base em dados das empresas fabricantes. * A empresa não fornece abertura da receita por segmento de atuação. Pessoal Margem operacional ( ) 100 mil 9% / 5% 291 Aeronáutica e Defesa Características do mercado A seguir, apresenta-se uma breve análise dos segmentos de aviação comercial, executiva e de defesa e segurança com base na metodologia das cinco forças de Porter (2008). 4 Aviação comercial Segundo estudo de mercado para aviação comercial publicado pela Embraer denominado Market Outlook , após quarenta anos de forte crescimento da aviação civil, estimulado pela globalização da economia, pelo desenvolvimento tecnológico e pelo crescimento econômico de países como EUA e da região da Europa Ocidental e da Ásia, espera-se que a demanda por transporte aéreo siga crescendo a uma taxa de 4,5% a.a., com base no crescimento econômico e na ascensão de nova classe média nos países emergentes. Essa expansão deverá gerar uma demanda por novas aeronaves, com valor estimado de US$ 3,6 trilhões nos próximos vinte anos. Hoje existem aeronaves em serviço no mundo, das quais 21% pertencem ao segmento de trinta a 120 assentos. A previsão para 2031 é de que o total passe a , das quais 20% no segmento de trinta a 120 assentos. O mercado potencial estimado pela Embraer para esse segmento nos próximos vinte anos é de novas aeronaves com valor de mercado de US$ 315 bilhões, das quais (55%) no segmento de 91 a 120 assentos e (39%) no segmento de sessenta a noventa assentos. Do total, 47% 4 A metodologia das cinco forças é um modelo de análise da lucratividade de uma empresa com base na caracterização da indústria em que atua, considerando cinco aspectos, ou forças: rivalidade entre concorrentes; ameaça de novos entrantes; ameaça de substituição; poder de barganha dos compradores; e poder de barganha dos fornecedores. As cinco forças determinam a atratividade da indústria, refletindo o padrão de lucratividade nesta.

293 292 devem responder ao crescimento do mercado e 53% atenderão à necessidade de substituição de frota. Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo e estratégia de crescimento Não obstante o maior crescimento dos mercados emergentes, principalmente da China, os EUA continuarão sendo o maior mercado, respondendo por 32% da demanda por novas aeronaves (porém, com apenas 8% para atender ao crescimento do mercado e 92% para substituição de frota), seguidos da Europa, com 21%, China, com 15%, e América Latina, com 11%. Atualmente, os EUA respondem por aproximadamente 50% do mercado global de aviação civil e por mais de 30% das aeronaves em serviço no mundo. Estima-se que, em 2031, a parcela da frota de aeronaves em serviço nesse país diminua para cerca de 22% do total. Rivalidade entre fabricantes No segmento de aviação comercial, formaram-se, nas últimas décadas, dois duopólios: Boeing e Airbus, para aeronaves a jato acima de 120 assentos, que atendem tanto a voos de curto e médio alcance de maior densidade como a voos internacionais de longo alcance; e Embraer e Bombardier, para jatos de trinta a 120 assentos, que atendem a voos de curto e médio alcance nacionais e internacionais de menor densidade. Essa estrutura consolidou-se na década de 1980, quando a Boeing adquiriu a McDonnell Douglas, as canadenses Canadair e a De Havilland foram adquiridas pela Bombardier, a British Aerospace e a sueca SAAB saíram do mercado de aviação civil, e a holandesa Fokker assim como as alemãs Fairchild e Dornier descontinuaram suas atividades. No caso específico do segmento de atuação da Embraer, pode-se afirmar que, não obstante o duopólio com a Bombardier, a rivalidade entre as empresas é razoável, dado que frequentemente disputam as mesmas campanhas. Nas campanhas bilionárias ocorridas no mercado norte-americano na segunda metade da década de 1990 para aeronaves de cinquenta assentos 5 e, mais recentemente, para aeronaves de 76 assentos, observou-se uma disputa acirrada entre as fabricantes. Porém, na família atual de jatos de setenta a 120 assentos, verifica-se um ambiente competitivo mais favorável para a Embraer, o que tem se refletido na liderança de mercado conquistada a partir de 2004 com o advento dos E-Jets 6 e em uma margem de lucro operacional da empresa de cerca de 10% nos úl- 5 Ocasião em que a disputa comercial foi tão acirrada, que motivou abertura de contenciosos na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra o apoio financeiro dos respectivos governos às vendas de suas fabricantes. 6 E-Jets é o nome dado pela Embraer a sua família de jatos de setenta a 120 assentos composta por E-170, E-175, E-190 e E-195. Segundo dados divulgados pela Embraer, a empresa alcançou a marca de 51% de participação de mercado nas vendas no segmento de setenta a 120 assentos em 2013.

294 timos anos. A vantagem dos E-Jets pode ser atribuída, entre outras razões, à maior diferenciação dos produtos da fabricante brasileira, especialmente concebidos para esse nicho de mercado (enquanto o produto da Bombardier é oriundo de seus jatos executivos), e à maior diversificação de mercados e aplicações de suas aeronaves (especialmente no subsegmento de noventa a 120 assentos). Ameaça de novos entrantes e análise de barreiras de entrada A tendência na aviação comercial é de uma nova fase de aumento da rivalidade entre as fabricantes, em função de quatro novos entrantes de peso: as russas Sukhoi e Irkut Corporation, a japonesa Mitsubishi e, em menor medida, a chinesa Comac. Todas estão investindo pesadamente, com apoio de seus respectivos governos, para lançar novos produtos tanto no nicho de atuação da Embraer (de setenta a 130 assentos) como no segmento inferior de atuação da Boeing e Airbus (de 150 a 220 assentos). O Quadro 2 apresenta uma visão geral do ambiente competitivo na aviação comercial, destacando os modelos de aeronave em serviço ou em projeto para cada segmento do mercado. Das novas entrantes, a Sukhoi largou na frente, e sua aeronave Superjet (SSJ 100/95) de noventa a cem lugares já está em operação desde Porém, esses jatos ainda não dispõem da nova tecnologia de motores que proporcionam maior economia de combustível. As aeronaves SSJ 100 contam com uma carteira de pedidos firmes de mais de 280 aeronaves (comparável com o de 429 alcançado pela Embraer em 2013), com mais de trinta entregas até 2013 e previsão de até quarenta novas entregas de aeronaves em 2014 (contra estimativa de 95 entregas de E-Jets em 2014). Não obstante os clientes ainda estarem concentrados na Rússia e em países de sua influência geopolítica, a Sukhoi logrou vender vinte SSJ 100/95 para a empresa mexicana Interjet. Além de herdar a tradição aeronáutica russa, a Sukhoi conta, nesse projeto, com alta prioridade do governo russo e com parcerias internacionais de peso com a americana Boeing, a francesa Snecma (para o desenvolvimento do motor) e a italiana Alenia Aermacchi, como acionista. Se, por um lado, o projeto russo para aeronaves no segmento de atuação da Embraer já é uma realidade e está avançando, por outro lado, o projeto para aeronaves de 150 a 220 assentos desenvolvido pela Irkut Corporation tem como previsão preliminar de entrada em operação o ano de 2016, estando sujeito ainda a muitas incertezas. 293 Aeronáutica e Defesa

295 294 Quadro 2 Ambiente competitivo por segmento, incluindo aeronaves em desenvolvimento Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo e estratégia de crescimento Segmento Embraer 1 Bombardier 2 Sukhoi 3 (número e Irkut de assentos) Mitsubishi 4 Comac 5 Airbus Boeing E-170 CRJ E-175; SSJ100/75 MRJ70 CRJ900 E2-175 ARJ CRJ1000 MRJ E-190; SSJ100/95 E2-190 CS E-195 A318 B E2-195 CS A319 B C-919 A320 B MS A321 B A330; A380 B787;777;747 Fonte: Elaboração própria, com base em dados das empresas e Gomes (2012). 1 A nova geração de E-Jets da Embraer está prevista para entrar em serviço em 2018 (E2-190), 2019 (E2-195) e 2020 (E2-175). 2 Novas aeronaves C-Series 100 e 300 com previsão de entrada em serviço em 2015 e 2016, respectivamente. 3 O SSJ100/95 entrou em operação em O SSJ 100/75 deve entrar em operação até Na configuração de duas classes, o MRJ90 disputa com o E-175 na configuração de 76 assentos para o mercado dos EUA. Previsão de entrada em serviço em A certificação e a carteira de clientes dos jatos chineses ainda são incertos. A previsão original de entrada em serviço do ARJ-21 era para 2006 e, após diversas revisões, está atualmente estimada para Não há previsão para início de operação do C O MS-21 está sendo desenvolvido pela empresa russa Irkut Corp., com previsão de início de operação para Nota: As cores correspondem aos modelos de aeronaves que disputam diretamente entre si pelo critério de faixa de assentos. Porém os modelos E2 da Embraer não deverão sofrer concorrência relevante do SSJ100 nem do ARJ-21 devido ao fato destas aeronaves utilizarem uma tecnologia de motor anterior com maior consumo de combustíveis. A Mitsubishi, com seus MRJ 70 e 90, de, respectivamente, 78 e 92 lugares na configuração-padrão, também poderá vir a ser um concorrente de peso no segmento de atuação da Embraer. Apesar de a entrada em operação de suas aeronaves terem sido adiadas de 2013 para 2016, o projeto já conta com mais de cem pedidos de compra no disputado mercado norte-americano. Além de receber apoio do governo japonês, o projeto tem o respaldo de ser desenvolvido por um conglome-

296 rado industrial 7 global com mais de 140 anos de tradição, com cerca de 350 mil empregados. Já a chinesa Comac, com os projetos do ARJ 21 para a faixa de setenta a cem assentos e do C-919 para a faixa de 150 a 190 assentos, não deverá representar uma concorrência forte, pois não conta com a nova versão de motores que irá equipar o C-Series da Bombardier, o E2 da Embraer e o MRJ da Mitsubishi, além de ter adiado o prazo para entrada em operação do primeiro jato consistentemente, passando da previsão original de 2006 para a estimativa atual de O projeto do C-919 não tem previsão de entrada em serviço, mas, segundo o site especializado < isso não deverá ocorrer antes de Ainda segundo essa mesma fonte, a Comac é oriunda de uma agência do governo chinês e não tem tradição na produção e venda de aeronaves. Por fim, completa a nova fase de acirramento da concorrência na aviação comercial o lançamento de novas aeronaves C-Series 100 e C-Series 300 da Bombardier e da nova versão dos E-Jets da Embraer, remotorizada e com nova asa e sistemas, denominada E-2. Não obstante o gradual aumento da concorrência no nicho de atuação da Embraer na aviação comercial ao longo dos próximos anos, os novos entrantes devem demorar alguns anos para se consolidar no mercado, e alguns desses novos projetos possivelmente não lograrão sucesso internacional (ainda que contem com certa reserva de mercado em seus países de origem, no caso da China e da Rússia), pois ainda não contam com a reputação de excelência técnica e consagrado apoio pós-venda dos fabricantes estabelecidos. Outras barreiras de entrada que os novos entrantes terão de superar são: (i) a necessidade de cumprimento de uma série de requisitos técnicos para certificação da aeronave pelos órgãos reguladores de países como os EUA e os da União Europeia; e (ii) a construção de uma diversificada e ampla carteira de clientes operando as aeronaves, de forma a conferir liquidez ao ativo e valorizá-lo no mercado perante clientes e financiadores. Dada a determinação e os recursos disponíveis dos governos da Rússia, China e Japão para apoiar suas respectivas fabricantes, a tendência é que em médio e longo prazos o aumento da concorrência se concretize, ainda 295 Aeronáutica e Defesa 7 Além do setor de aviação, a Mitsubishi atua nos setores automobilístico, de mineração, telecomunicação, serviços financeiros, seguro, eletrônico, estaleiro, petróleo e gás e construção.

297 296 que nessa primeira onda de novos projetos a maior parte não obtenha significativa participação de mercado. Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo e estratégia de crescimento Ameaça de substituição A ameaça de produtos substitutos na indústria é limitada a algumas missões ou aplicações, mas não de forma universal. Não há, no horizonte previsível, possibilidade de algum novo produto substituir de forma economicamente viável viagens aéreas internacionais de longo alcance, tal como ocorreu com o advento da aviação comercial em substituição à navegação marítima. Por outro lado, a difusão de trens de alta velocidade pode substituir, em certa medida, as aeronaves como opção de transporte de média distância em mercados com ampla e moderna infraestrutura ferroviária. Poder de barganha dos compradores Os compradores na aviação comercial são essencialmente as empresas aéreas e as empresas de arrendamento de aeronaves. Do ponto de vista das empresas aéreas, apesar de existirem aproximadamente duzentas pelo mundo, apenas 10% dessas concentram 95% do tráfego internacional de passageiros. Assim, aquelas que efetivamente têm poder de compra diretamente com os fabricantes são poucas. Destaca-se que o poder de barganha dos compradores no mercado dos EUA aumentou nos últimos anos com a consolidação das empresas aéreas americanas para apenas quatro grandes empresas que responderam por cerca de 90% da oferta no mercado americano, contra 66% em Já as empresas de arrendamento de aeronaves têm ganhado cada vez mais importância como compradores, na medida em que se caracterizam como um relevante canal de distribuição para os fabricantes por sua capacidade de capilaridade na oferta competitiva de aeronaves para empresas aéreas de todos os portes. Por comprarem aeronaves em volumes relativamente altos, essas empresas costumam ter um bom poder de barganha com as fabricantes. Poder de barganha dos fornecedores Dentre os fornecedores dos fabricantes de aeronaves, destacam-se os fabricantes de motores; os fabricantes de aviônicos (sistemas eletrônicos das aeronaves); e produtores de estruturas aeronáuticas.

298 Os mercados desses componentes são heterogêneos quanto à concentração da oferta, à complexidade tecnológica, à importância das barreiras à entrada etc. Nesse contexto, a relação de poder de barganha entre fabricantes de aeronaves e seus principais fornecedores varia caso a caso. No caso dos motores, ela é favorável aos fornecedores, graças à concentração da oferta, a barreiras à entrada e à alta complexidade da produção. Os setores de aviônicos e estruturas aeronáuticas, por sua vez, têm uma menor concentração de fabricantes e são caracterizados por um equilíbrio entre o poder de barganha dos compradores e vendedores [Coelho Netto (2005)]. Por fim, a relação é amplamente favorável aos fabricantes de aeronaves no caso dos fornecedores de partes, equipamentos e serviços de menor valor agregado. Destaca-se ainda que essa relação de poder também varia em função do tamanho da fabricante. Nessa dimensão, a Embraer apresenta uma desvantagem competitiva quando comparada às demais fabricantes estabelecidas no mercado, dado seu porte relativamente menor de produção. 297 Aeronáutica e Defesa Aviação executiva O mercado de aviação executiva é dividido em nove segmentos por critério de tamanho e alcance de voo das aeronaves, descritos no Quadro 3. Segundo dados da Embraer, o mercado de aviação corporativa totalizou US$ 21,2 bilhões em vendas no ano de A frota mundial de jatos executivos supera 19 mil aeronaves, com cerca de 63% nos EUA, seguidos de 4% no Brasil e 3,7% no México [Davies (2014)]. Quadro 3 Cenário competitivo por segmento da aviação executiva Ano de certificação Modelo Assentos/ alcance Concorrentes Entry 2008 Phenom 100 Até oito ocupantes/ mn Light 2009 Phenom 300 Até 11 ocupantes/ mn Cessna - Mustang/M2 HondaJet Cessna - CJ2+/CJ3/CJ4 Bombardier - Learjet 40XR/70 (Continua)

299 298 (Continuação) Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo e estratégia de crescimento Midlight Ano de certificação Em desenvolvimento Modelo Assentos/ alcance Legacy 450 De 7 a 9 passageiros/ mn Midsize Legacy 500 de 8 a 12 passageiros/ mn Super midsize 2001 Legacy 600 De 13 a 14 passageiros/ mn Large 2010 Legacy 650 De 13 a 14 passageiros/ mn Ultra long range Ultra large Fonte: Embraer Lineage 1000 De 13 a 14 passageiros/ mn Concorrentes Bombardier - Learjet 45XR/75 Cessna - XLS+/ Latitude Bombardier - Learjet 85 Cessna - Sovereign Gulfstream - G150 Bombardier - CL300/CL850 Cessna - X/Longitude Dassault - Falcon 2000S Gulfstream - G280 Bombadier - CL605/GL5000 Dessault - Falcon2000LXS/ 900LX Gulfstream - G350/G450 Bombardier -L6000/GL7000/ GL8000 Gulfstream - G500/G550/G650 Dassault - Falcon 7X Airbus - ACJ 318/319/320 Boeing - BBJ/BBJ2/BBJ3 A Embraer estima, em sua projeção de dez anos para o período de 2014 a 2023, crescimento do mercado executivo mundial da ordem de 6,5% a.a., destacando-se o crescimento da região da Ásia-Pacífico (12% a.a.), onde a China deverá responder por 40% do faturamento projetado para a região no período. No entanto, o mercado norte-americano continuará sendo o principal mercado para jatos executivos no mundo, com a maior parcela da frota e de operadores. As projeções anteriormente citadas indicam um faturamento de vendas do setor ao longo dos próximos dez anos da ordem de US$ 250 bilhões, correspondente a novos jatos. Conforme detalhado no Gráfico 2, a maior parte desse valor (33%) estará concentrada no segmento de ultralongo alcance (ultra long range), no qual a Embraer ainda não atua, seguido pelos segmentos de aeronaves grandes (large) e supermédias (supermid), em que a Embraer atua com os Legacy 650 e 600, respectivamente que somados deverão responder por 38% da demanda, e pelos segmentos

300 médio (midsize) e médio-leve (midlight), nos quais a Embraer está entrando com os novos Legacy 500 e 450, respectivamente que somados deverão alcançar 14% de participação no mercado. grafico 2 Gráfico 2 Projeção de mercado Previsão de entregas (un.) Ultra large Ultra long range 2017 Large Supermid Midsize Midlight Unidades US$ 17,3 82,2 64,7 31,1 Light ,8 17,3 Entry ,8 Entregas Receitas Total ,2 299 Aeronáutica e Defesa Fonte: Embraer. Rivalidade entre fabricantes O ambiente competitivo na aviação executiva, quando comparado com o da aviação comercial, afigura-se mais desafiador, uma vez que o número de fabricantes é maior, destacando-se seis que somam mais de 90% do faturamento do setor e mais de 95% das unidades entregues anualmente, a saber: as norte-americanas Cessna, Gulfstream e Hawker Beechcraft; 8 a francesa Dassault; a canadense Bombardier; e a brasileira Embraer. Essas fabricantes atuam nos diversos segmentos da aviação executiva com ampla gama de aeronaves de variados tamanhos, alcance, aplicações e preços, conforme se pode observar no Quadro 3. Devem-se ainda citar a Airbus e a Boeing, que atuam apenas no segmento ultra large, com variações de suas aeronaves da família A320 e B737, respectivamente. 8 A Hawker Beechcraft indicou que deverá retirar-se do segmento de jatos executivos, limitando sua atuação a aeronaves executivas com hélice.

301 grafico Gráfico 3 Participação de mercado da aviação executiva por receita Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo e estratégia de crescimento Porcentagem total receita US$ Fonte: Embraer. $ 21,8 Bi 5% 19% 12% 4,2% 6,4% 6,9% 5,9% 7,3% 8% 8% 6% 4% 3% 2008 $ 17,3 Bi 6% 29% 28% 23% 21% 2009 $ 18,2 Bi 10% 13% 7% 18% 22% 15% 17% 21% 27% 2010 $ 18,1 Bi 7% 27% 33% 33% 9% 10% Outros Bombardier Cessna Dassault Gulfstream Embraer Hawker-Beech 2011 $ 17,7 Bi 5% 25% 2012 $ 21,2 Bi 5% A Dassault e a Gulfstream fabricam aeronaves de maior porte e alcance, com maior valor agregado, enquanto Cessna e Hawker Beechcraft têm maior foco em aeronaves menores, com menor valor de mercado relativo, resultando em menor participação no faturamento. A Bombardier possui um amplo espectro de aeronaves, cobrindo sete dos nove segmentos, à exceção do segmento de menor valor agregado denominado entry e do segmento de maior tamanho denominado ultra large. Efetivamente, os principais concorrentes do setor são a Bombardier e a Gulfstream, que obtiveram respectivamente o segundo (30%) e o primeiro (35%) lugares na participação de mercado em 2013, medida pelo faturamento, segundo dados constantes do Gráfico 3. Nessa mesma estatística, a Embraer figura em quarto lugar, com 7,8% de participação de mercado e receita de US$ 1,6 bilhão. Já na participação de mercado por número de unidades, a Embraer alcançou aproximadamente 15% do total de vendas em 2013, com 119 unidades entregues no ano, no mesmo nível de Dassault e Cessna e atrás apenas da Bombardier e da Gulfstream. Não obstante ter ingressado apenas recentemente no mercado executivo, com o lançamento do Legacy 600 em 2001, a Embraer tem aumentado significativamente sua participação, especialmente a partir de 2009, como resultado do lançamento de dois novos jatos especialmente projetados para atender à aviação executiva nos dois segmentos inferiores do mercado, 30% 6% 16% 35% 7,8% 1% 2013

302 os Phenom 100 e 300. O último alcançou grande sucesso comercial, atingindo a posição de jato executivo mais vendido de 2013, dominando seu segmento, em que respondeu por 47% das vendas, conforme se observa no Gráfico 4. Ainda em 2008, a Embraer lançou o Lineage 1000, oriundo do jato comercial E-190, para ocupar o segmento de mercado ultra-large. A mais recente iniciativa da empresa na aviação executiva foi o lançamento de dois novos modelos para ocupar os segmentos intermediários do mercado, o Legacy 450 e o Legacy 500, que devem entrar no mercado em 2015 e 2014, respectivamente. Assim, faltará a Embraer entrar apenas no segmento mais competitivo e de maior valor agregado, o ultra-long range, com alcance capaz de unir quaisquer duas cidades no planeta. grafico 4 Gráfico 4 Evolução do market share do Phenom Aeronáutica e Defesa Porcentagem total receita US$ % 11% 12% 16% 20% 39% 1% % 5% 10% 15% 18% 17% 24% % 2% 8% 11% 15% 34% 30% % 4% 2% 12% 13% 12% 15% 26% 31% 34% 34% SJ-30-2 H 400XP Learjet 40/70 Premier IA CJ2+ CJ3 CJ4 Phenom 300 Fonte: Embraer. Segundo Migon et al. (2011), nos últimos 15 anos, a quantidade de modelos disponíveis no mercado aumentou consideravelmente, adensando o número de modelos por faixa de preço e levando a uma segmentação quase contínua, em relação a tamanho da cabine, alcance e faixa de preço da aeronave. A entrada de novos modelos de aeronaves no mercado nos próximos anos deverá mudar a dinâmica competitiva hoje existente. Atualmente existem pelo menos 11 novos projetos em desenvolvimento nos diversos segmentos do mercado três pela Bombardier, quatro pela Cessna, dois pela Dassault e dois pela Embraer. Essa constante movimentação dos fabricantes

303 302 por um contínuo aperfeiçoamento dos modelos já fabricados e lançamento de novas aeronaves que atendam às necessidades dos mais variados tipos de clientes responde à dinâmica competitiva do setor na busca por ampliação ou manutenção da participação de mercado e conquista de novos mercados. Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo e estratégia de crescimento Ameaça de novos entrantes e análise de barreiras de entrada No mercado de aviação executiva, o único novo entrante no momento é a Honda, com um novo jato de cinco passageiros, o Hondajet. A exemplo do mercado de aviação comercial, o mercado executivo apresenta uma série de barreiras de entradas relativas à complexidade tecnológica, certificações técnicas e alto volume de investimento necessário. Porém, essas barreiras são menores nos segmentos inferiores do mercado, o que facilita a entrada de novos concorrentes a partir desse segmento, como se observou no recente caso da Honda. Outra forma de entrar nesse mercado minimizando riscos e investimentos é adaptando aeronaves comerciais já em operação no mercado, tal como fez a Embraer quando entrou no mercado com o Legacy 600 (oriundo do ERJ 135) e ao ingressar no segmento de jatos grandes com o Lineage 1000 (oriundo do E-190). Ameaça de substituição Na aviação executiva, a ameaça de substituição guarda semelhança com a análise feita para aviação comercial, devendo-se destacar, porém, que a própria aviação comercial e a opção por substituir reuniões de negócios presenciais por videoconferências (ou outras formas de trabalho remoto em equipe) podem substituir parcialmente a demanda por voos executivos em momentos de crise econômica. Poder de barganha de compradores Segundo informações da Embraer, mais da metade dos compradores de jatos executivos são empresas que adquirem apenas uma unidade para suas necessidades, seguidas por departamentos de voo de grandes empresas e táxi aéreo/charter, que juntos somam cerca de um quinto da frota mundial, e os demais um quarto da frota foram divididos entre governos, empresas de propriedade compartilhada de aeronaves, revendedores, indivíduos de alta renda, entre outros. Os principais operadores de aviação executiva são pequenas empresas, com cerca de 75% do universo de empresas compradoras

304 operando apenas uma aeronave. Dentre as principais razões para utilização de jatos executivos, destacam-se a economia de tempo e outras razões relacionadas à produtividade, como possibilidade de trabalhar com privacidade durante o voo e a alta capilaridade que se traduz no acesso a aeroportos mais convenientes e/ou não servidos pelas empresas aéreas comerciais. A maior concentração e o maior tamanho das fabricantes de aeronaves quando comparados com a variedade e pulverização dos compradores indica que as primeiras têm maior poder de barganha. Por outro lado, compradores especializados em oferecer serviços de propriedade compartilhada de aeronaves, como no caso da norte-americana Flight Options, apresentam maior poder de barganha na compra de modelos novos no mercado, por sua capacidade de popularizar tais modelos entre os usuários. 303 Aeronáutica e Defesa Poder de barganha de fornecedores O poder de barganha dos fornecedores no mercado de aviação executiva é equivalente àquele analisado na aviação comercial, pois se trata, em linhas gerais, das mesmas empresas fornecedoras e dos mesmos fabricantes. Aviação militar e indústria de defesa e segurança Segundo Correa Filho et al. (2013), os mercados de defesa e segurança são complementares, razão pela qual se convencionou tratá-los de forma conjunta. A principal diferença conceitual é que a defesa é voltada contra ameaças externas, enquanto a segurança tem um enfoque interno ao país. Em ambos os casos, porém, o principal contratante é o governo, seja através das Forças Armadas ou de órgãos de segurança. Como consequência dessa característica, trata-se de um mercado com maior estabilidade e previsibilidade na ponta da demanda, na medida em que o fabricante responde às solicitações de projeto e fabricação em série de novas aeronaves e demais equipamentos de defesa com o respaldo orçamentário e financeiro do governo demandante. Nesse contexto, destacam-se as boas perspectivas de novos negócios vislumbradas para o setor de defesa no Brasil no âmbito das recém-lançadas Política Nacional de Defesa (PND) e Estratégia Nacional de Defesa (END), 9 9 A PND, lançada em 2005, é focada em ações estratégicas de médio e longo prazos e objetiva modernizar a estrutura nacional de defesa, atuando em três eixos estruturantes: reorganização das Forças Armadas; reestruturação da indústria brasileira de material de defesa; e política de composição dos efetivos das Forças Armadas. Já a END, lançada em 2008, fornece diretrizes para ações que concretizem o previsto na PND.

305 304 o que já tem levado muitos grupos e empresas de grande porte a investir ou analisar a possibilidade de investir no país. Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo e estratégia de crescimento Por fim, o estudo de Correa Filho et al. (2013) ressalta ainda que, uma vez consolidado um determinado produto de defesa pela demanda inicial do governo de dado fabricante, este passará a buscar clientes entre outros governos, configurando assim um relevante mercado internacional de produtos de defesa. O comércio exterior de equipamentos de defesa movimentou US$ 247 bilhões nos dez anos compreendidos entre 2003 e 2012, destacando-se aeronaves (US$ 108 bilhões), navios (US$ 37,7 bilhões), mísseis (US$ 32,7 bilhões) e veículos blindados (US$ 29,3 bilhões). Rivalidade entre fabricantes Em seu artigo, Correa Filho et al. (2013) caracterizam a oferta no mercado de defesa e segurança de forma pulverizada por vários segmentos industriais e de serviços. Não obstante, os segmentos industriais e de serviços dedicados aos produtos de defesa apresentam estrutura oligopolizada, sendo os principais atores grandes conglomerados com atuação diversificada. A maior parte utiliza uma estratégia de diversificar suas atividades, aplicando as tecnologias desenvolvidas no setor de defesa em mercados civis. Em 2011, os dez maiores grupos mundiais faturaram US$ 220 bilhões em vendas para o setor de defesa. Entre as maiores empresas do setor aeroespacial militar, a maior parte é de capital norte-americano, destacando-se Lockheed Martin, Boeing, Raytheon, Northrop Grumman, United Technologies e General Dynamics. Dentre as empresas europeias, destacam-se Thomson Marconi Sonar (parceria entre a francesa Thomson e a britânica GEC), Eurocopter (parceria entre a francesa Aérospatiale e a alemã DASA), British Aerospace, o grupo Airbus, Finmeccanica e Daimler-Benz Aerospace. Diante de um ambiente competitivo dominado por grandes corporações internacionais e de um orçamento de seu governo nacional limitado, a Embraer optou por atuar em nichos específicos e, mais recentemente, tem aumentado seu leque de produtos e serviços no setor de defesa e segurança buscando aproveitar as oportunidades oferecidas pela PND e pela END. Atualmente, o escopo de atuação da empresa brasileira inclui fabricação de aeronaves leves de ataque e treinamento militar; aeronaves de vigilância; manutenção aeronáutica e suporte logístico; modernização de aeronaves militares usadas; Vants; e radares.

306 Ameaça de novos entrantes e análise de barreiras de entrada Na indústria de defesa e segurança, em razão dos altos investimentos em P&D e da consequente concentração de grandes conglomerados no mercado, bem como da intensiva participação dos Estados nacionais no setor, existe uma forte barreira de entrada para novas empresas, as quais tendem a buscar nichos específicos de atuação e dependem de incentivos dos respectivos governos nacionais para prosperarem nesse mercado. 305 Aeronáutica e Defesa Ameaça de substituição Tendo em vista a natureza peculiar dos produtos de defesa e segurança, não foi possível identificar ameaças de produtos substitutos para aeronaves militares ou outros segmentos específicos. Porém, existem produtos substitutos dentro do próprio contexto dos equipamentos de defesa, como o Super Tucano da Embraer uma aeronave turboélice que, por sua eficiência operacional a baixo custo de aquisição e operação, substitui aeronaves a jato no nicho de missões de ataque leve e treinamento. Poder de barganha de compradores Nos mercados militar e de segurança, os diversos Estados nacionais são os únicos compradores, seja através das Forças Armadas, seja através dos órgãos de segurança do governo. Segundo Correa Filho et al. (2013), após o desenvolvimento de produtos especificamente demandados por cada Estado para suprir suas necessidades de soberania nacional, os Estados garantem a demanda da indústria nacional por meio de encomendas públicas para equipar suas Forças Armadas com os produtos desenvolvidos. Assim, nessa indústria, não obstante o tamanho das empresas participantes, o poder de barganha dos compradores é alto. Poder de barganha de fornecedores No segmento de aviação militar, existe maior verticalização da produção por parte dos fabricantes de aeronaves, sendo certo, no entanto, que os fornecedores de motores e aviônicos são os mesmos da aviação comercial e da executiva. Nesses segmentos, portanto, o poder de barganha dos fornecedores é alto e, por se tratar de um setor estratégico para os Estados, implica ainda uma dependência de autorização dos países fornecedores para exportação de um dado produto pela fabricante que recorre a fornecimento externo.

307 306 Atratividade das indústrias aeronáutica e de defesa e segurança Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo e estratégia de crescimento Pode-se concluir da análise anterior que a atratividade da indústria aeronáutica é média-alta, dado que as forças competitivas que atuam sobre a indústria, em sua maioria, não têm intensidade alta, o que se reflete em razoável margem de lucro operacional obtido pelas principais empresas do setor nos últimos anos conforme observado no Quadro 1. No entanto, a tendência de longo prazo indica que a atratividade da aviação comercial deve sofrer algum grau de redução, como consequência da provável consolidação de novos entrantes no mercado, do atual processo de concentração dos compradores e da maior rivalidade entre os fabricantes. De toda forma, em função da tendência de continuidade do crescimento do mercado ao longo dos próximos vinte anos, especialmente entre os emergentes como China, Rússia, América Latina e África, afigura-se como provável um cenário em que o setor continuará apresentando margens operacionais positivas. Posicionamento competitivo e estratégia de crescimento da Embraer: ações e resultados obtidos Posicionamento, estratégia e ações Segundo informações obtidas no Relatório Anual de 2012 da Embraer, a estratégia de crescimento da empresa está calcada na diversificação de sua carteira de negócios, guardando sinergia com as competências centrais da empresa. Além da diversificação de negócios, sua estratégia corporativa privilegia o crescimento orgânico e o aumento da margem de lucratividade por meio de contínua melhoria do processo produtivo. A empresa tem como visão continuar a se consolidar como uma das principais forças globais dos mercados aeronáutico e de defesa, sendo líder nos segmentos em que atua e reconhecida por sua excelência empresarial. A Embraer busca assim gerar valor para seus acionistas, maximizando seu valor e garantindo sua perpetuidade. A seguir, são apresentadas as metas e ações tomadas pela empresa à luz desse objetivo estratégico para cada um de seus segmentos de negócio, suas iniciativas de entrar em novos segmentos de negócios e os resultados obtidos em cada uma dessas ações.

308 Aviação comercial Na aviação comercial, a meta da empresa é solidificar a posição de liderança em seu segmento de atuação, expandindo a base de clientes, trabalhando no aperfeiçoamento dos E-Jets e buscando a excelência no modelo de suporte ao cliente. Em linha com sua meta declarada, a Embraer decidiu remotorizar sua atual família de E-Jets, lançando o E2, projetado para economizar de 16% a 23% de consumo de combustível por assento, utilizando-se para tal fim: (i) da mesma tecnologia de motor Pratt&Whitney utilizada pela Bombardier e pela Mitsubishi em suas novas aeronaves, C-Series e MRJ, respectivamente; (ii) de uma nova asa com aerodinâmica mais moderna; e (iii) de melhorias nos sistemas e no design da cabine da aeronave. A versão E2 contará com três aeronaves (em vez de quatro como na versão original dos E-Jets) elencadas por ordem de entrada em serviço: E2-190 (2018), E2-195 (2019) e E2-175 (2020). 10 Destaca-se ainda a decisão da empresa de aprimorar a versão atual do E-175 ainda em com introdução de novo winglet na asa e outros ajustes que proporcionaram economia de cerca de 6% de consumo de combustível, reforçando o posicionamento competitivo dessas aeronaves nas recentes disputas bilionárias por campanhas de empresas norte-americanas. 12 O modelo aprimorado do atual E-175 foi, ao lado do lançamento do E2, um dos principais responsáveis pelo excepcional ano de vendas da Embraer em 2013, quando obteve aproximadamente 350 novas encomendas, aumentando sua carteira de pedidos firmes de 185 para aeronaves, um crescimento de 132% sobre o ano anterior. Outra decisão estratégica relevante que a distinguiu da estratégia seguida pela Bombardier e pela novata Comac foi a de não entrar no segmento inferior de atuação da Airbus e da Boeing para aeronaves na faixa de 125 a 150 assentos. Conforme pôde ser observado no Quadro 2, o programa E2 ampliou o escopo de atuação da Embraer apenas marginalmente, aumentando seu segmento de atuação de setenta a 120 assentos para oitenta 307 Aeronáutica e Defesa 10 A Embraer sairá do segmento de setenta a oitenta assentos relativo ao E-170, lançando o E2-175 para faixa de oitenta a 88 assentos (com uma fileira adicional em relação à versão original), o E2-190, de 97 a 106 assentos, e o E2-195, de 118 a 132 assentos (com três fileiras adicionais em relação à versão original). 11 Essa é a razão pela qual o E2-175 foi definido como último dos novos modelos a entrar em operação. 12 A Embraer obteve cerca de 80% do total de mais de US$ 5 bilhões contratados pelas empresas norte-americanas. 13 Das 429 aeronaves em carteira, 188 aeronaves são de E-175 e 150 são dos três novos modelos E2.

309 Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo e estratégia de crescimento 308 a 132 assentos. Nessa faixa a Embraer se posiciona, através de seu modelo E2-195 (118 a 132 assentos), em concorrência apenas com os modelos menos eficientes da Airbus e da Boeing, respectivamente o A318 (107 a 132 assentos) e o B (110 a 132 assentos), oriundos dos modelos A320 e B , que foram projetados para otimizar a operação para a faixa de 125 a 150 assentos. A proposta da Embraer para seu E2-195 é que este seja uma opção para absorver crescimento de demanda em mercados de operadores atuais dos E-Jets e que possa operar de forma complementar aos tradicionais A320neo (150 a 180 assentos) e Max (150 a 180 assentos) em mercados de média densidade. A decisão de atualizar a família atual de jatos em vez de criar uma nova família tem o mérito de reduzir os riscos de desenvolvimento do projeto, minimizar os investimentos necessários (que são estimados em cerca de US$ 1,7 bilhão) e permitir uma transição mais suave entre a versão atual e o E2. Esse último efeito é alcançado pelo alto grau de comunalidade entre ambas as versões, o que deverá reduzir ao mínimo o custo dos clientes com treinamento de pilotos que operam a versão atual para capacitá-los a operar as novas aeronaves. Outra iniciativa da Embraer com finalidade de suavizar a transição para a nova família de E-Jets é a venda combinada de aeronaves da primeira geração, com acordo para substituição destas por aeronaves da segunda, quando de sua entrada em operação. Vale ainda destacar a contínua diversificação de sua base de clientes, que já soma mais de 65 empresas aéreas operadoras de E-Jets em 45 países, com meta de ultrapassar a marca de cem clientes em cinquenta países até o fim de A Embraer tem focado esforços nas empresas de arrendamento de aeronaves (com a conquista de vendas para empresas de renome da ILFC, Air Lease, BOC Aviation, CIT, Aldus e Jetscape) como forma de atingir esse objetivo e conferir maior liquidez e valorização aos E-Jets, favorecendo sua compra pelos clientes e seu financiamento pelas instituições financeiras. A adoção dos E-Jets pelas empresas de arrendamento é um fato que fornece à Embraer uma importante vantagem competitiva sobre os novos concorrentes, na medida em que constituem um relevante canal de distribuição na aviação comercial. Atualmente cerca de 40% das aeronaves em operação nas empresas aéreas são arrendadas e muitas empresas aéreas, antes de contarem com sua própria frota, alugam-nas entre

310 as opções oferecidas pelas empresas de arrendamento. Nesse contexto, a Embraer tem acertadamente perseguido a meta de expandir sua base de clientes por meio da parceria com essas empresas, sendo significativo o fato de a ILFC, uma das maiores empresas de arrendamento de aeronaves do mundo, ter sido o cliente lançador dos modelos E2-190 e E2-195, com encomenda firme de cinquenta aeronaves e outras cinquenta opções de compra. Como resultado das ações anteriormente citadas, a Embraer ampliou sua liderança em vendas no segmento de setenta a 130 assentos em 2013, alcançando 51% de participação de mercado contra a média de 40% que vinha apresentando nos anos anteriores. 309 Aeronáutica e Defesa Aviação executiva Na aviação executiva, a meta é consolidar-se como um dos principais fabricantes de jatos executivos no mundo, conquistando participação de mercado compatível com crescimento da margem de lucro, investindo no desenvolvimento de novos produtos e mantendo elevados níveis de satisfação dos clientes no que se refere aos serviços de atendimento e suporte. As principais ações da Embraer para alcançar seus objetivos nesse segmento têm se concentrado: no desenvolvimento dos novos modelos Legacy 450 e 500; no investimento na fábrica da empresa em Melbourne (EUA) para produção dos Phenom 100 e 300 e dos Legacy 450 e 500 destinados ao mercado norte-americano; e no investimento no aumento de centros de serviços ao cliente próprios e autorizados em todo o mundo (em 2013, a Embraer aproximou-se da marca de setenta centros de serviços). Alguns indicadores que demonstram que a Embraer tem sido bem-sucedida em alcançar a maior parte de seus objetivos nesse mercado são: (i) a evolução de seu market share na soma dos segmentos em que a empresa atua, que evoluiu de 5% em 2002, quando estava presente apenas em um segmento com o Legacy 600, para 22% em 2013, ano em que sua atuação já corresponde a cinco dos nove segmentos do mercado de jatos executivos; (ii) a liderança obtida pelo Phenom 300 em seu segmento, com 47% de participação nas vendas de 2013; e (iii) o aumento na participação da unidade de aviação executiva na receita total da Embraer de 7% em 2005 para 27% em 2013.

311 310 Defesa e segurança Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo e estratégia de crescimento No segmento de defesa e segurança, a Embraer pretende ser protagonista da cadeia de valor do Brasil, diversificando a carteira de produtos e serviços e expandindo a atuação internacional, além da busca pela excelência no suporte ao cliente. O crescimento nesse segmento pauta-se tanto na estratégia de aquisições como no crescimento orgânico. Dentre as principais iniciativas da Embraer nesse mercado, destacam-se: (i) o desenvolvimento do KC-390, uma nova aeronave militar de transporte de carga e tropa e de reabastecimento de aeronaves de combate em voo, encomendada pela Força Aérea Brasileira (FAB) e que já conta com intenção de compra de outros cinco países (Colômbia, Argentina, Chile, Portugal e República Tcheca); e (ii) o desenvolvimento de uma carteira de produtos e serviços diversificados, incluindo o início das atividades da Visiona Tecnologia Espacial S.A. (constituída por Embraer e Telebras para contratação do sistema satelital geoestacionário do Brasil) e a participação como prime contractor na primeira fase de implantação do Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron) do governo brasileiro. Vale ressaltar ainda que, em 2010, a Embraer alterou sua razão social de Embraer Empresa Brasileira de Aeronaves S.A. para Embraer S.A., com o intuito de ampliar seu âmbito de atuação. Nesse mesmo ano, a empresa criou a subsidiária integral Embraer Defesa & Segurança, a qual vem adquirindo participação em outras empresas do setor, tais como a fabricante de radares Orbisat (64,7%); a desenvolvedora de sistemas de comando e controle Atech (50%); a fabricante de sistemas aviônicos embarcados em aeronaves AEL Sistemas (participação de 25%, sendo o controle exercido pela israelense Elbit); e a fabricante de aeronaves remotamente pilotadas e de simuladores Harpia Sistemas S.A. (51%). A Embraer também estabeleceu parcerias com a Avibras e a própria AEL para o desenvolvimento de Vants. Atualmente, a Embraer conta com as Forças Armadas de cinquenta países como clientes e uma carteira de pedidos firmes no segmento de defesa e segurança da ordem de US$ 3,6 bilhões em 2013 (contra apenas US$ 1,1 bilhão em 2006). As receitas da empresa nesse mercado têm crescido a uma taxa anualizada de 27% entre 2006 e 2013, atingindo US$ 1,2 bilhão no ano passado, o que levou a participação desse segmento no total de receitas da Embraer a aumentar de 6% para 19% nesse período.

312 Novos segmentos de negócios Por fim, vale destacar que a Embraer tem realizado estudos e iniciativas de diversificação para além de seus três consagrados segmentos de negócios. No início de 2013, chegou a anunciar uma parceira com a italiana AgustaWestland para produzir localmente modelos de helicópteros da empresa controlada pela Finmeccanica para uso civil (principalmente para atender ao setor de petróleo e gás) e militar no Brasil e na América Latina. Porém, o acordo com a parceira italiana não foi concluído e a Embraer desistiu do negócio por ora. Após a desistência da iniciativa no setor de helicópteros, a Embraer anunciou, ainda em 2013, a criação da Embraer Sistemas, por meio da qual pretende alavancar sua capacitação em integração de sistemas a outras áreas industriais além de aeronáutica e defesa e segurança, tendo como alvo principal o setor de petróleo e gás. Em relação a essa última iniciativa de diversificação, vale destacar, conforme se pode observar no Quadro 1, que as duas empresas com maior foco na indústria de defesa também apresentam forte atuação no segmento de sistemas de informação e serviços de soluções tecnológicas, o que indica a correlação entre esses últimos segmentos e a indústria de defesa, configurando um precedente positivo para a Embraer diversificar e ampliar seu campo de atuação, guardando sinergias com as competências centrais da empresa. 311 Aeronáutica e Defesa Resultados obtidos Analisando os indicadores financeiros e resultados divulgados pela empresa ao longo dos últimos anos, pode-se perceber que a Embraer tem tido relativo sucesso em seus objetivos corporativos. Desde 2001, a empresa viu sua receita crescer mais de 100% com ampla diversificação entre os três segmentos de negócios, aliada à manutenção e, mais recentemente, ao aumento de sua margem de lucro. O Gráfico 5 mostra que a receita da Embraer aumentou 113% entre 2001 e 2013, saindo do patamar de US$ 2,9 bilhões para US$ 6,2 bilhões. Isso representou um crescimento anual médio de 6% nesse período. Esse crescimento sofreu dois momentos de interrupção, o primeiro em , em virtude da crise deflagrada pela bolha da internet e ampliada pelo atentado

313 312 de 11 de setembro de 2001, e o segundo em , em razão da crise econômica deflagrada a partir de Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo e estratégia de crescimento Gráfico 5 Evolução receita operacional e volume de entregas de aeronaves Unidades grafico 5 barras Fonte: Embraer Receita operacional Comercial Executivo Phenom Nesse mesmo gráfico, observa-se o constante aumento da entrega de aeronaves executivas no total de aeronaves entregues, com destaque para as aeronaves Phenom (100 e 300) a partir de 2009, compensando a queda nas entregas de aeronaves comerciais verificada a partir do mesmo ano. 14 Percebe-se daí que a introdução dessa nova família de jatos executivos foi providencial para manutenção do nível de receita e atividade da empresa, o que também se refletiu na redução da concentração das receitas na aviação comercial. Em relação ao nível de lucratividade da Embraer nos últimos anos, vê-se, no Gráfico 6, que, apesar da queda das margens operacional e de lucro entre 2009 e 2011, ainda sob impacto da crise de 2008, a empresa logrou permanecer lucrativa e a partir de 2012 voltou a elevar sua lucratividade, alcançando em 2013 margem operacional de 11,4% e lucro de US$ 342 milhões US$ milhões 14 Destaca-se o papel relevante da disponibilidade de financiamento para as vendas dos jatos Phenom no Brasil pelo BNDES na alavancagem das vendas desse modelo a partir de 2009.

314 grafico 6 barras Gráfico 6 Evolução dos indicadores de lucratividade ,5% 6,9% 7,3% 6,2% 5,5% 9,9% 5,6% 11,4% 5,5% Aeronáutica e Defesa ,9% Margem Operacional Margem Lucro Lucro EBIT Fonte: Embraer. Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer A seguir, apresentam-se uma breve reflexão sobre as perspectivas de apoio do BNDES à Embraer à luz dos objetivos da empresa de buscar manter ou conquistar uma posição de liderança nos mercados de aviação comercial e executiva e de ser main contractor do governo brasileiro nos nichos em que atua no mercado de defesa. Aviação comercial Quanto a volume de desembolso, a aviação comercial é o segmento no qual a Embraer contou com mais apoio do BNDES. Entre meados das décadas de 1990 e de 2000, o apoio concentrou-se na exportação do ERJ-145. No total, 624 aeronaves dessa família tiveram a exportação financiada através da linha BNDES-Exim Pós-Embarque. Uma característica dessa fase foi a concentração quanto ao destino das aeronaves apoiadas, com predominância dos EUA. Em particular, o apoio do BNDES foi determinante nas grandes aquisições pelas empresas American Eagle e Continental, que resultaram na colocação de mais de trezentas unidades ERJ-145 no concorrido mercado americano.

315 314 A partir de 2004, com o advento dos E-Jets, observa-se crescente participação do mercado no financiamento das vendas da Embraer. Como mostra o Gráfico 7, nos primeiros anos de venda, os E-Jets obtiveram 100% de financiamento via mercado, porém, a partir de 2008, o apoio do BNDES ganhou relevância, alcançando 50% das vendas do ano de 2010 e 21% das vendas de E-Jets até Destaca-se o suporte oferecido em sucessivas campanhas bilionárias (Republic, United, SkyWest) no mercado americano, a partir de O apoio aos E-Jets, entretanto, foi mais diversificado Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo e estratégia de crescimento geograficamente e quanto ao tipo de cliente, incluindo o financiamento a empresas especializadas em arrendamento. grafico 7 barras Gráfico 7 Participação financiamento BNDES nas vendas de E-Jets Fonte: Embraer. 100% 100% 100% 100% 0% 0% 0% 0% Acumulado BNDES 85% 5% 15% 2008 Mercado 73% 9% 27% % 15% 50% 2010 BNDES 63% 18% 37% % 18% 20% % 21% 47% Mais recentemente, o desenvolvimento da nova família de E-Jets (E2) contou com o apoio do BNDES, com recursos dos programas Inovação e Proengenharia e Bens de Capital. Do financiamento, iniciado este ano e cujo valor atinge R$ 1,4 bilhão, a maior parte (R$ 1,2 bilhão) foi destinada à primeira fase do desenvolvimento da família E2, o restante dos recursos constituindo uma suplementação de apoio anterior ao desenvolvimento do jato executivo Legacy 500. Como visto, a estratégia da Embraer para defender sua posição de liderança tem como principais elementos a maior penetração nos canais de

316 distribuição (notadamente, as empresas de arrendamento de aeronaves) e o aumento da liquidez de seu ativo por meio da contínua diversificação de operadores e países com aeronaves de sua fabricação. Esses fatores introduzem a necessidade de novas formas de suporte pelo BNDES. No que se refere à estratégia de maior penetração em empresas de arrendamento de aeronaves, destacam-se duas operações que receberam o apoio do BNDES, as quais figuram entre as primeiras empresas de arrendamento que estabeleceram parceria com a Embraer, a saber: a norte-americana Jetscape e a irlandesa Aldus. Ambas as empresas, apesar de terem uma participação relativamente baixa no mercado de arrendamento de aeronaves (vide Tabela 1), destacam-se por seu foco no produto da Embraer (no caso da Aldus, esta trabalha exclusivamente com E-Jets). O apoio do BNDES à operação de financiamento para Aldus mereceu o prêmio Regional Jet Deal of the Year de 2011 do Airfinance Journal por sua estrutura financeira inovadora, apoiada em uma carteira de arrendamentos diversificada que conta com uma série de mitigantes e regras de alocação de risco. Nesse sentido, vislumbra-se como oportuna a possibilidade de estruturar novas operações customizadas para empresas de arrendamento de aeronaves, que, além de serem alvo estratégico da Embraer, também atuam de forma alinhada aos interesses do BNDES como credor, uma vez que têm no ativo dado em garantia o eixo de seu negócio. 315 Aeronáutica e Defesa Tabela 1 Principais empresas de arrendamento de jatos regionais em 2011 Posição Empresa Valor (US$ milhões) Frota Variação 1 GECAS (30) 2 Jetscape Air Lease GOAL (2) 5 CDB Leasing Company Fonte: FlightGlobal Insight Aircraft Finance Outra forma de apoiar o objetivo de diversificação de operadores das aeronaves da fabricante brasileira seria a estruturação de operações de fi-

317 316 nanciamento a empresas aéreas de risco mais elevado, com menor escala de operação e localização em países de maior risco político e legal. Para responder a esse desafio, um caminho que o BNDES tem buscado trilhar é o estabelecimento de parcerias com instituições financeiras multilaterais ou estatais, tais como o Afreximbank, que atua em diversos países na África, o ChinaExim e instituições afins do Leste Europeu. Através dessas parcerias, o BNDES poderia alavancar seu apoio financeiro ao mitigar os riscos via cofinanciamento ou garantias de parceiros preferenciais. Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo e estratégia de crescimento Cabe destacar ainda o desafio de fomentar o mercado secundário de aeronaves de fabricação da Embraer como forma de alavancar vendas da nova geração de aeronaves (vendas combinadas com o modelo anterior), conquistar novos clientes e valorizar o ativo, conferindo maior liquidez aos investidores que assumem o risco do valor do ativo representado pela aeronave. Até o momento, o BNDES nunca financiou aeronaves usadas da Embraer, focando sua atuação no apoio à comercialização de aeronaves novas. Assim, esse tema constitui um desafio na forma tradicional pela qual o BNDES vem atuando, exigindo uma visão mais abrangente do fomento à exportação e à internacionalização das empresas brasileiras e o desenvolvimento de estruturas específicas para esse fim. Por fim, outra forma de fomentar a venda de aeronaves comerciais para mercados mais sofisticados seria a estruturação conjunta entre o BNDES e bancos comerciais, de soluções de mercado de capitais por meio de cofinanciamento, sindicalização de crédito e/ou garantia para bancos comerciais, favorecendo a liquidez e valorização do ativo. Aviação executiva O apoio do BNDES às atividades no ramo de aviação executiva é mais recente, tendo como início o financiamento às vendas domésticas do Phenom 100 a partir de Essa operação destacou-se como importante fator de sustentação das vendas da Embraer no segmento executivo, diante do contexto da crise financeira de 2008 [Gomes (2012)]. A primeira operação de apoio à exportação foi o financiamento de uma aeronave Lineage 1000 à empresa dos Emirados Árabes Unidos Al Jaber, em dezembro de Além desta, o BNDES apoiou a empresa norte-americana Flight Options, que já financiou sete aeronaves Phenom 300 entre 2012 e Além da comercialização de jatos executivos, o BNDES ofereceu suporte ao desenvolvimento

318 da aeronave Legacy 500 por meio duas operações. Em 2011, foi celebrado contrato de R$ 384 milhões para o desenvolvimento do novo modelo e, em 2014, um financiamento suplementar de R$ 206 milhões foi aprovado (com o financiamento ao desenvolvimento do E2), destinado à realização de ensaios e certificações do modelo, cujo primeiro voo de teste foi realizado no fim de No mercado executivo, no qual a Embraer é a nova entrante, o maior desafio para a empresa está na rivalidade com as concorrentes estabelecidas. A empresa precisa seguir investindo em consolidar sua marca e ampliar o suporte ao cliente com novas bases de apoio nos diversos mercados em que atua, antes de ter condições de tentar entrar no último segmento do mercado, o de aeronaves de longo alcance, que é também o de maior participação em receita no mercado executivo. Um mercado promissor no que se refere à formação de uma base de clientes, dado o grande potencial de crescimento, é a China, país em rápido desenvolvimento econômico de grande extensão territorial, mas onde a aviação executiva começou a se desenvolver apenas recentemente. Outras regiões com potencial para crescimento da aviação executiva são África, a Índia e países do Sudeste Asiático. A exemplo da iniciativa para diversificação de clientes na aviação comercial, o BNDES vem estudando oportunidades de parceira com instituições financeiras estatais na China e com órgãos multilaterais e bancos comerciais na África e na Índia. Além dos mercados externos emergentes, espera-se que as aeronaves executivas dos segmentos médio e médio-leve tenham grande potencial de inserção no mercado brasileiro. Assim, a experiência do BNDES no financiamento de bens de capital pode ser usada para reproduzir o sucesso do apoio ao Phenom 100 no mercado doméstico. 317 Aeronáutica e Defesa Defesa e segurança O apoio do BNDES à Embraer no setor de defesa e segurança está concentrado no financiamento de aeronaves Super Tucano, normalmente associadas a pacotes de serviços e material de reposição (pacotes logísticos). Atualmente, o volume acumulado de exportações financiadas no segmento alcança US$ 181 milhões. Além do crédito para exportação, o BNDES tem participado da formulação e implementação da política governamental para o setor. No mo-

319 318 mento, destaca-se o papel do banco no Inova Aerodefesa, programa que envolve também a Finep Inovação e Pesquisa, o Ministério da Defesa e a Agência Espacial Brasileira. O programa, cujo edital foi lançado em 17 de maio de 2013, tem como objetivos: a diminuição da dependência tecnológica; o apoio à inovação nos complexos industriais aeroespacial, de defesa e segurança; e a promoção de integradores e do adensamento das cadeias de produção. Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo e estratégia de crescimento É importante observar que, em contraste com o que ocorre nos segmentos de aviação comercial e executiva, o apoio ao setor de defesa e segurança não se concentra no apoio à Embraer, uma vez que há maior quantidade de empresas brasileiras atuando. Como visto, neste mercado, a Embraer tem uma posição de diferenciação, concentrando-se em nichos bem definidos de mercado. Essa estratégia tem sido bem-sucedida com o Super Tucano e a Embraer viu a oportunidade, a partir de uma necessidade da FAB, de replicá-la no projeto do KC-390. Produtos como esse demandarão amplo apoio a sua exportação, uma vez que, a exemplo do Super Tucano, trata-se de um bem de alto valor agregado e destinado, em sua maior parte, a mercados de países emergentes, que nem sempre contam com recursos para a compra à vista da aeronave, demandando financiamentos de longo prazo. Além do projeto da aeronave cargueira, dentro das subsidiárias da Embraer Defesa & Segurança, estão sendo desenvolvidos diversos produtos de utilização dual, como radares, satélites, sistemas de controle de tráfego aéreo, entre outros, que também deverão demandar apoio do Banco. Além disso, para que a estratégia da empresa de diversificar sua atuação seja bem-sucedida, será importante a continuidade de uma política governamental que vise reforçar as Forças Armadas nacionais e a indústria de defesa do país. Nessa perspectiva, o sucesso do Inova Aerodefesa e a continuidade da política de apoio ao setor terão impacto positivo sobre a estratégia adotada pela Embraer. O BNDES, por sua vez, desempenha papel importante nesse sucesso, uma vez que os projetos no âmbito do Inova Aerodefesa representam intenções de investimentos da ordem de R$ 8,4 bilhões, o que deverá gerar demanda adicional de apoio à cadeia produtiva do setor de defesa, cujos produtos envolvem grande desenvolvimento tecnológico e alto investimento em pesquisa e inovação. Nesse aspecto, o BNDES será peça fundamental

320 para o financiamento desses desenvolvimentos e, posteriormente, produção e comercialização dos produtos gerados. Outra frente que se abre e que poderá vir a demandar apoio oficial, tanto da parte do orçamento da União, quanto de financiamentos de longo prazo do BNDES, está relacionada à aquisição de 36 aeronaves de caça da sueca SAAB, o Gripen NG, que será em grande parte produzido e montado no Brasil. Dadas sua experiência e sua capacidade como integradora, espera-se que a Embraer venha a ter uma participação relevante nele. 319 Aeronáutica e Defesa Conclusão Os setores aeronáutico e de defesa caracterizam-se em todo o mundo por demandarem elevados investimentos e pelo apoio dos países a seus respectivos fabricantes como forma de desenvolver um setor estratégico para a economia e a soberania nacional. No Brasil, não obstante as limitações orçamentárias, o Estado foi o indutor do nascimento da Embraer e sempre atuou ativamente no financiamento aos investimentos e às exportações da empresa através, principalmente, do BNDES. Nas últimas décadas, a Embraer adquiriu maior destaque em seus nichos de atuação, notadamente na aviação civil comercial de até 120 assentos, obtendo ampla aceitação de seu produto no mercado aeronáutico e financeiro. Além da estratégia de lançar uma nova geração de jatos regionais para defender a liderança nesse segmento diante de novas entrantes de peso, a empresa também tem logrado diversificar seus negócios, introduzindo novos produtos no mercado de aviação executiva e adquirindo empresas no mercado de defesa. Nesse contexto, vislumbra-se que o BNDES continuará exercendo relevante papel no apoio à estratégia de crescimento da Embraer tanto na aviação civil, em que a introdução da nova geração de aeronaves na aviação comercial e de novas aeronaves na aviação executiva bem como a crescente diversificação de clientes em ambos os segmentos requerem a diversificação das formas de apoio do Banco, como na aviação militar e demais segmentos do setor de defesa, em que a atuação do BNDES ainda é pequena e limitada ao apoio à exportação de aeronaves. Para isso, dentre algumas iniciativas que já têm sido avaliadas e, em alguma medida, implementadas pelo BNDES e que merecem um estudo

321 320 mais aprofundado para melhor orientar a atuação futura do Banco, merecem destaque: (i) a parceria com instituições financeiras multilaterais, estatais e bancos comerciais com atuação em países da África, Leste Europeu e Ásia; (ii) o aprofundamento da parceria com empresas de arrendamento de aeronaves por meio de operações estruturadas; (iii) o financiamento de aeronaves usadas de fabricação da Embraer como forma de facilitar a transição para a nova geração de aeronaves comerciais da empresa, fomentar a conquista de novos clientes e valorizar o produto da Embraer por meio do Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo e estratégia de crescimento aumento da liquidez de seu mercado secundário; e (iv) o aumento do apoio ao setor de defesa de modo a garantir a implementação dos programas de fomento desse setor em curso pelo governo brasileiro e a alavancagem das empresas nacionais envolvidas, fomentando a inovação e a competitividade dessas empresas no mercado nacional e internacional. Referências Coelho Netto, L. E. S. Alianças estratégicas como fontes geradoras de vantagens competitivas sustentáveis: o caso Embraer. Dissertação (Mestrado em Administração) COPPEAD/UFRJ, Rio de Janeiro, Correa Filho, S. L. S. et al. Panorama sobre a indústria de defesa e segurança no Brasil. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 37, p , set Davies, A. Top 50 countries by number of business jets registered. Corporate Jet Investor, 11 fev Disponível em: < corporatejetinvestor.com/articles/top-50-countries-number-business-jetsregistered-343/>. Acesso em: 2 jun Embraer. Relatório Anual Disponível em: < br/arquivo/relatorio_anual_2012_port.pdf>. Acesso em: 18 ago China Market Outlook Disponível em: < Outlook_2012_2031.pdf>. Acesso em: 18 ago Gomes, S. B. V. A indústria aeronáutica no Brasil: evolução recente e perspectivas. In: Lage, F. (org.). BNDES 60 anos perspectivas setoriais. v. 1. Rio de Janeiro: BNDES, 2012, p Migon, M. N. et al. Panorama-síntese da aviação executiva a jato. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 34, p , set

322 Porter, M. E. As cinco forças competitivas que moldam a estratégia. Harvard Business Review, São Paulo, n. 86(1), p , jan Rüttimann, A. B. Análise do posicionamento competitivo da Embraer e de sua estratégia de crescimento. Monografia (MBA Executivo) COPPEAD/UFRJ, Rio de Janeiro, Aeronáutica e Defesa

323

324 Produtos Florestais BNDES Setorial 40, p Panorama de mercado painéis de madeira André Carvalho Foster Vidal André Barros da Hora * Resumo A demanda brasileira por painéis de madeira reconstituídos vem apresentando crescimento acelerado, acima do Produto Interno Bruto (PIB) e da construção civil, sobretudo o Medium Density Fiberboard (MDF) e, em menor medida, o Medium Density Particleboard (MDP). Esses produtos foram beneficiados pelas condições macroeconômicas que resultaram em um melhor ambiente para os bens de consumo no país e pela substituição de serrados e compensados. O principal cliente da indústria de painéis de madeira é o fragmentado setor moveleiro, que possui pouco poder de barganha em relação à concentrada indústria de painéis, a qual ainda se favorece de uma baixa concorrência internacional, dado que seu produto não é costumeiramente transacionado por longas distâncias. Entretanto, a oferta brasileira vem crescendo em ritmo mais vigoroso do que a demanda e existem indícios de ociosidade, apesar de os dados de rentabilidade de várias empresas do setor indicarem margens elevadas. * Respectivamente, administrador e gerente setorial do Departamento da Indústria de Base Florestal Plantada da Área de Insumos Básicos do BNDES.

325 324 Introdução Panorama de mercado painéis de madeira Motivação e objetivos Os painéis de madeira são um dos principais produtos fabricados a partir das florestas. Segundo a Associação Brasileira dos Produtores de Florestas Plantadas (Abraf), em 2012, o valor bruto da produção, a partir de florestas plantadas, de painéis de madeira industrializada foi de R$ 6,5 bilhões, enquanto o de madeira processada mecanicamente, de R$ 5,8 bilhões (Gráfico 1). Gráfico 1 Estimativa do valor bruto da produção florestal dos principais segmentos associados ao setor de florestas plantadas, em 2012 Madeira processada mecanicamente 10,3% Siderurgia e carvão vegetal 4,1% Painéis de madeira industrializada 11,6% Celulose e papel 53,7% Móveis 20,3% Fonte: Abraf (2013). Os painéis de madeira industrializada, ou reconstituídos (PMR), são os painéis cuja demanda vem crescendo a taxas mais elevadas no país, sobretudo o MDF, mas também o MDP. Adicionalmente, é uma indústria bastante concentrada, com cerca de dez produtores instalados no país e cuja oferta vem crescendo em ritmo ainda mais vigoroso do que a demanda. Por tais razões, o foco deste artigo será nesses tipos de painéis, ainda que os compensados sejam abordados, com menor nível de detalhes. Um dos empecilhos encontrados para analisar o segmento de com-

326 pensados é a falta de informações disponíveis, em virtude da enorme pulverização do setor. Caracterização técnica Descrição dos produtos Esta seção traz uma breve descrição dos serrados e dos painéis de madeira, com base em ABIMCI (2013), Biazus, Da Hora e Leite (2010), Mattos, Gonçalves e Chagas (2008), Remade (2003a; 2003b; 2007) e informações da Associação Brasileira da Indústria de Painéis de Madeira (Abipa) e da Associação Brasileira da Indústria de Piso Laminado de Alta Resistência (Abiplar). 325 Produtos Florestais Madeira processada mecanicamente São produtos obtidos a partir da madeira maciça: Serrados: os produtos obtidos a partir da madeira serrada possuem diversas denominações, dependendo de suas três dimensões (espessura, largura e comprimento). Suas principais aplicações residem na construção civil (estrutural), embalagens, beneficiados e móveis. Produtos de maior valor agregado (PMVA): o reprocessamento da madeira serrada, com enfoque na agregação de valor ao produto primário, resulta nos chamados PMVA. Alguns dos PMVA produzidos no país são portas, molduras, pisos, edge glued panel (EGP), entre outros. Laminados: obtidos pelo corte de toras de madeira maciça em lâminas, dividem-se em dois grupos. Os torneados são utilizados prevalentemente na fabricação de compensados. Já as lâminas faqueadas são utilizadas para revestimento de superfícies de madeira e paredes. Painéis de madeira processados mecanicamente: categoria basicamente composta pelo compensado, ainda que algumas classificações incluam o EGP (madeira serrada, em geral sarrafos, colados lateralmente). Existem diversos tipos de compensados, a depender de sua composição, que garante diferentes propriedades. PMR Os PMR são fabricados com base no processamento químico da madeira, que passa por diferentes processos de desagregação. Costumeiramente,

327 326 dividem-se em dois grupos: os formados por partículas de madeira e os compostos por madeira em estágio ainda mais avançado de desagregação, de fibras. Simplificadamente, o processo produtivo constitui-se em reduzir a madeira a pequenos pedaços, mesclá-los com resinas e, depois, com a ação de pressão e temperatura, formar os colchões de madeira, que são, então, cortados. Os PMR apresentam várias vantagens em relação à madeira maciça e até mesmo aos compensados, como: (i) aproveitar quase integralmente as toras; (ii) não haver necessidade do uso de toras de largo diâmetro, sendo possível trabalhar com resíduos; (iii) permitir a produção de painéis de grandes dimensões, em que o fator limitador consiste nas dimensões das prensas e não nas das árvores; (iv) caracterizar-se pela disposição aleatória das partículas, que minimiza o fator anisotrópico que a madeira maciça possui e; (v) ter mais facilidade de impregnação com produtos repelentes a insetos (como cupins ou vespas), umidade e retardantes de fogo (os chamados aditivos). Os PMR podem ser produzidos crus, pintados ou revestidos (maior valor agregado). É válido notar que, apesar de ser produzido cru, ele pode ser posteriormente revestido ou pintado pela indústria moveleira. O revestimento tem a função de proteger e decorar o painel, podendo ser aplicado em ambas as faces ou em uma só, com padrões madeirados ou em cores e com texturas lisas ou rugosas. Os principais tipos de painéis revestidos em fábrica, ofertados pela indústria de PMR no Brasil, são: Lâmina de madeira (LM): revestimento de lâmina de madeira natural (faqueada) e colagem com resina ureia-formaldeído (UF). Esse revestimento vem sendo cada vez menos usado no Brasil. Panorama de mercado painéis de madeira Finish foil (FF): a película de papel é primeiramente pintada, no padrão desejado, e depois colada, também com resina UF, ao painel. Acabamentos brilhantes ficam prejudicados no revestimento FF e, por isso, muitos fabricantes aplicam verniz ao fim do processo produtivo. Baixa pressão (BP): uma folha de papel, previamente pintada, é impregnada com resina melamínica e fundida ao painel pela ação de temperatura e pressão. O BP apresenta um fechamento de alta resistência a riscos e manchas nas superfícies e reduz a proliferação de

328 micro-organismos. Em relação ao FF, é mais resistente, tem melhor aparência e maior valor no mercado. Os principais tipos de PMR são: Chapa de fibra: também conhecida como chapa dura (hardboard), é uma chapa de espessura fina, que resulta da prensagem a quente de fibras de madeira, costumeiramente por meio de um processo úmido, que reativa os aglutinantes naturais da própria madeira (sem a adição de resinas) e confere ao produto alta densidade. É utilizada na fabricação de móveis, principalmente em fundo de gavetas e fundo de armários, mas vem perdendo participação para o MDF e seus correlatos. Insulation board: também chamado de chapa de fibra isolante, possui baixa densidade, sendo produzido a partir de fibras de madeira. É empregado o processo úmido de fabricação, e a secagem das chapas é uma fase muito importante para sua consolidação. Em função de sua constituição em baixas densidades, as chapas isolantes são empregadas para aplicações que requeiram isolamentos térmico e acústico, como divisórias e forros. MDP: também conhecido como aglomerado. Como matéria-prima, no mundo, são empregados especialmente resíduos e madeiras de qualidade inferior. Porém, no Brasil, utiliza-se madeira de florestas plantadas. A partir da metade da década de 1990, as empresas brasileiras investiram em modernização tecnológica, passando do processo de prensagem cíclica para prensagem contínua, o que conferiu ao produto melhores características de resistência, e implementaram a modificação da nomenclatura para MDP, ou painel de partículas de média densidade, em uma tentativa de dissociar o novo produto do aglomerado tradicional. É majoritariamente utilizado na fabricação de móveis retilíneos (tampos de mesas, laterais de armários, estantes e divisórias). MDF: similar ao MDP, com a diferença de que, no processo produtivo, as partículas são cozidas, o que leva a um maior grau de desagregação (fibras). Como possui maior consumo de madeira e resina por metro cúbico do que o MDP, seu valor é mais elevado. Uma das principais vantagens do MDF em relação ao MDP é que suas características 327 Produtos Florestais

329 328 mecânicas o aproximam da madeira maciça, permitindo grande capacidade de usinagem, usos e aplicações mais versáteis do que o painel de partículas. Seus correlatos high density fiberboard (HDF) e super density fiberboard (SDF) apresentam maior densidade, menor espessura e possuem outras possibilidades de aplicações, como pisos. Panorama de mercado painéis de madeira Oriented strand board (OSB): o painel de tiras orientadas é formado por tiras ou lascas de madeiras orientadas perpendicularmente em diversas camadas. Ainda que também empregado em móveis, é mais largamente usado em painéis decorativos, em embalagens e na construção civil, em que concorre com os compensados na utilização em formas para concreto e tapumes. Nos últimos anos, no Brasil, vêm ganhando bastante popularidade os pisos laminados, fabricados com PMR de alta densidade, adicionados de três camadas de revestimento, que fornecem: resistência a riscos, abrasão e absorção de líquidos; estabilidade dimensional; e padrão decorativo. A variabilidade quanto à origem da matéria-prima e das resinas utilizadas no processo produtivo permite a existência de outros tipos de painéis que utilizem não somente a madeira como principal componente. Dentre esses painéis, vem se destacando nos últimos anos o wood plastic composites (WPC), compósitos que mesclam madeira com plásticos (geralmente oriundos de resíduos). Além do apelo ambiental, por ser produzido com material reciclado, os WPC têm como diferencial a resistência à umidade e o baixo custo de manutenção, o que faz com que tenham alta aplicação para uso em decks e em áreas externas. Dados o escopo do artigo e a limitação na disponibilidade de informações públicas, o foco será em MDF, MDP e chapa de fibra, especialmente no caso brasileiro, ainda que comparações com o desempenho de outros produtos de madeira também sejam realizadas. Dessa maneira, salvo quando explicitamente mencionado, as estatísticas de PMR no artigo compreenderão a soma de MDF, MDP e chapa de fibra. Em relação aos painéis de madeira (ou simplesmente painéis) as estatísticas se referem à soma dos PMR com os compensados.

330 Panorama global Demanda Globalmente, o consumo de painéis de madeira 1 guarda forte ligação com a construção civil (pela construção direta de escritórios e residências, acabamento ou mobiliário). Tomando a produção de cimento como uma proxy da construção civil, pode-se observar que o consumo de painéis de madeira vem apresentando desempenho inferior ao registrado por esse setor (indicando que a madeira pode estar perdendo terreno para outros materiais). Entretanto, seu desempenho desde 1995 é superior ao PIB e muito melhor do que a estagnação registrada pelos serrados. O Compound Annual Growth Rate (CAGR, taxa composta anual de crescimento) da produção global de cimento, entre 1995 e 2012, foi de 5,9% e o do consumo de painéis de madeira foi 4,7%; enquanto o PIB registrou 3,7% e os serrados, 0,3%. É válido destacar o choque ocorrido no consumo global de madeira decorrente da crise financeira de 2008 que afetou drasticamente os mercados imobiliários desenvolvidos: apenas em 2011, o consumo de painéis de madeira recuperou o patamar registrado em 2007 e, em 2012, o consumo de serrados ainda foi 6% inferior ao nível pré-crise. O Gráfico 3 mostra a evolução histórica no consumo de painéis 2 e serrados, entre os países emergentes e desenvolvidos. A queda no consumo de 2012 versus de 2007 nos países desenvolvidos foi de 26% nos serrados e de 21% nos painéis. Em contrapartida, nos emergentes, houve crescimento de 25% nos serrados e de 44% nos painéis. É válido notar a maior predileção pelo consumo de painéis em detrimento dos serrados no caso dos emergentes (46% versus 54%), comparados aos desenvolvidos (35% versus 65%). Além de questões relacionadas à qualidade dos produtos ofertados localmente, existem fatores culturais que impactam o consumo de madeira. Por exemplo, nos EUA, no Canadá, na Austrália, na Nova Zelândia e em muitos países da Europa (maioria dos que compõem o grupo dos desenvolvidos), é bastante difundido o uso de serrados para 329 Produtos Florestais 1 Nesta seção, os dados de PMR incluem consumo de OSB na Europa, Estados Unidos da América (EUA) e Canadá, conforme dados da United Nations Economic Commission for Europe (UNECE), e de insulating board, conforme a Food and Agriculture Organization (FAO). 2 Ao contrário do Gráfico 2, neste não consideraram-se os dados de OSB, em razão da limitação na disponibilidade de dados fora dos países cobertos pela UNECE.

331 330 a construção de casas, enquanto em muitos emergentes, é mais comum o uso de cimento, ferro e tijolo. Panorama de mercado painéis de madeira grafico 02 Gráfico 2 Crescimento global do PIB, da produção de cimento e do consumo de serrados e painéis de madeira, base 100 em Cimento PIB Painéis de madeira Serrados 5,9% a.a 3,7% a.a 4,7% a.a 0,3% a.a Fontes: FAO, UNECE, IMF e Minerals USGS. grafico 03 A Gráfico 3 Consumo em países emergentes e desenvolvidos Gráfico 3A Serrados Milhões m³ Emergentes Desenvolvidos

332 grafico 03 B Gráfico 3B Painéis 331 Milhões m³ Produtos Florestais Emergentes Desenvolvidos Fonte: Elaboração própria, com base em FAO e IMF. Em relação ao desempenho por produtos, pode-se observar que os grandes destaques globais são o MDF e o MDP (Tabela 1 e Gráfico 4). O primeiro foi o que apresentou a maior variação, tanto em termos absolutos quanto relativos, entre todos os tipos de painéis, e passou de 5% do consumo mundial em 1995 para 26% em O MDP, apesar de ter perdido participação no total (de 46% em 1995 para 32% em 2012), em parte por causa da concorrência do MDF, manteve a liderança como o principal painel de madeira consumido no mundo. Além da substituição por MDF em muitas aplicações, houve também uma forte queda na demanda global de MDP em função da crise, visto que o consumo nos países desenvolvidos é mais voltado ao painel de partículas do que ao de fibra: em 2012, a distribuição de consumo entre MDP e MDF, nos países desenvolvidos, foi de 80% e 20%, respectivamente, ao passo que nos países em desenvolvimento foi de 59% e 41% (impulsionado pelo enorme consumo de MDF na China). Outro destaque entre os PMR foi o OSB, que, a despeito de as estatísticas representarem apenas EUA, Canadá e Europa, bem como os já mencionados impactos da crise (o consumo de OSB, em 2012, foi 30% inferior ao de 2007), esse produto já aparece como o terceiro mais relevante PMR, tendo superado a chapa de fibra (que também perdeu relevância em razão da substituição por MDF). Por ser um dos produtos mais recentes (segundo a UNECE, só houve produção relevante no mundo a partir de 1998) e por

333 332 suas possibilidades de uso mais amplas do que o MDP/MDF (inclusive substituindo os compensados), é provável que esse painel ganhe mais relevância no futuro, especialmente quando a economia (e o mercado imobiliário) das regiões desenvolvidas se recuperar. Panorama de mercado painéis de madeira Tabela 1 Consumo de painéis de madeira no mundo Tipo de painel de madeira Consumo (mil m³) Consumo % do total CAGR (%) Variação no volume (m 3 ) a.a PMR ,7 3, Chapa de fibra ,1 4, MDF ,8 10, MDP ,5 0, OSB ,3 (2,4) (557) Insulating board ,7 2, Compensados ,6 1, Total ,9 2, Fontes: FAO e UNECE. grafico 04 Gráfico 4 Consumo de painéis de madeira no mundo Milhões m³ OSB Chapa de fibra MDF Insulating board MDP Compensados Fontes: FAO e UNECE.

334 Por fim, aparecendo como o terceiro painel mais consumido no mundo, figuram os compensados. Pelos dados da FAO, apesar de ter perdido importância relativa (passando de 39% do total em 1995 para 27% em 2012), esse painel ainda apresenta crescimento. É válido destacar que os dados da The International Tropical Timber Organization (ITTO) revelam um consumo anual de compensados ao redor de m 3, acima do reportado pela FAO, porém com CAGR total menor (de 2003 a 2012, de 1,3%, contra 1,7% divulgado pela FAO). A ITTO informa estatísticas de compensado segundo o tipo de árvore: tropical, conífera e demais (Gráfico 5). Dessa maneira, segundo a organização, a participação do compensado tropical caiu de 28% do total em 1995 para 19% em 2012, fruto tanto do aumento dos preços e da concorrência por outros produtos quanto das maiores restrições à madeira ilegal, oriunda de desmatamento, sejam por maior fiscalização nos países de origem da madeira, sejam por maiores restrições dos compradores (exigindo certificações e comprovantes sobre a origem da madeira). grafico 05 Gráfico 5 Consumo de compensados no mundo, por tipo de madeira 333 Produtos Florestais ,1% a.a. Milhões m³ ,2% a.a. -0,2% a.a Coníferas Tropicais Demais Fonte: ITTO. Em aspectos regionais, o maior destaque do consumo global de painéis de madeira é a China, com 35% do total mundial em Uma das principais particularidades desse país é o enorme consumo de MDF, visto que esse produto responde por 46% do total de painéis consumido, perante 18% no resto do planeta. Ao contrário da indústria de MDF do Brasil, que possui

335 334 produção concentrada em grandes e modernas linhas industriais de processo contínuo, na China, segundo a consultoria Research in China, a maioria dos produtores possui linhas com capacidade inferior a m 3 /ano, ao passo que, no resto do planeta, 69% das linhas possuem patamar superior a m 3 /ano [Research in China (2010)]. Na China, apenas 20% da capacidade instalada é composta por plantas contínuas de tecnologia importada, o que acarreta diferenças relevantes no padrão de qualidade dos produtos ofertados entre as empresas. Além da China, outro grande consumidor são os EUA, com 13% do mercado e com a maior parte do consumo (49%) 3 voltada para o MDP (chamado no país de painel de partículas e majoritariamente fabricado com resíduos). Nos EUA, existem diversos clusters produtivos, nos quais as toras de madeira mais grossas são destinadas à produção de serrados e as toras finas e os resíduos são direcionados à produção de PMR ou celulose. À exceção desses dois países, o consumo de painéis é bastante disperso pelo globo (Tabela 2). Panorama de mercado painéis de madeira Tabela 2 Maiores consumidores de painéis de madeira no mundo, em 2012 País Chapa de fibra (mil m³) Insulating board (mil m³) MDF (mil m³) MDP (mil m³) Compensados (mil m³) Total painéis (mil m³) Participação (%) Painéis per capita (m 3 /ano/mil habitantes) População (mil habitantes) China ,5 73, EUA ,3 119, Rússia ,1 82, Alemanha ,1 142, Japão ,1 68, Turquia 248 (16) ,0 115, Canadá ,9 237, Brasil ,9 41, Polônia ,6 195, França ,9 86, Demais países ,6 16, Mundo ,0 40, Fonte: FAO. 3 Importante destacar que esse percentual não leva em conta o consumo de OSB, que é bastante relevante no país: 12,5 milhões de metros cúbicos em 2012, segundo a UNECE.

336 O Brasil, que aparece como oitavo maior consumidor, representou apenas 3% do mercado, mas parece haver potencial para mais: dos dez maiores consumidores, é o que registrou o menor consumo per capita (42 m 3 por mil habitantes), atrás de emergentes como Turquia (116 m 3 ), Rússia (83 m 3 ) e China (74 m 3 ), mas acima do consumo no restante da América do Sul (18 m 3 ). Porém, como já destacado, o consumo de painéis guarda mais relação com padrões culturais, hábitos e oferta local de produtos do que com desenvolvimento econômico, ainda que a relação renda versus consumo seja maior nos painéis do que nos serrados. Os dados de 2012 de uma regressão linear entre PIB per capita em US$ Purchasing Power Parity (PPP, paridade de poder de compra) e consumo per capita de serrados 4 (Gráfico 6) indicam um coeficiente de determinação (R 2 ) de apenas 0,22, ao passo que a relação entre renda e consumo de painéis é um pouco mais forte (0,43). 335 Produtos Florestais grafico 06 A Gráfico 6 PIB per capita em US$ PPP e consumo per capita Gráfico 6A Painéis de madeira Consumo (m³) per capita R 2 ²² =0, PIB (mil US$ PPP) per capita Considerando 167 países, que respondem por mais de 98% do consumo mundial de serrados e painéis.

337 grafico 06 B 336 Gráfico 6B Serrados Panorama de mercado painéis de madeira Consumo (m³) per capita R 2 ²² =0, PIB (mil US$ PPP) per capita Fonte: Elaboração própria, com base em FAO e IMF. Oferta e comércio internacional A Tabela 3 apresenta os maiores produtores mundiais de painéis e revela bastante semelhança com a tabela dos maiores consumidores (os quatro primeiros são os mesmos). Isso porque a comercialização dos painéis, especialmente dos PMR, tende a ser regional, isto é, produção e consumo ocorrem em um mesmo país ou em países próximos, em função dos altos custos relativos de frete dos produtos acabados. Tabela 3 Maiores produtores de painéis de madeira no mundo, em 2012 País Produção de painéis de madeira Consumo aparente Chapa Insulating MDF MDP Compensados Total % do de board painéis total fibra Saldo comercial China , EUA , (5.870) Rússia , Alemanha , Canadá , Brasil , Polônia , Turquia , (469) (Continua)

338 (Continuação) País Produção de painéis de madeira Consumo aparente Chapa Insulating MDF MDP Compensados Total % do de board painéis total fibra Saldo comercial Indonésia , Malásia , Demais , (15.680) Total geral , Fonte: FAO. 337 Produtos Florestais Dados do International Trade Centre (ITC) revelam que os PMR de partículas (nos quais se incluem o MDP e o OSB) são produtos que costumam viajar pouco (Tabela 4): a distância média dos fornecedores, 5 em 2012, foi de 1,6 mil km, contra 3,5 mil km dos PMR de fibras (que incluem MDF e chapa de fibra), 4 mil km nos serrados e 5,2 mil km nos compensados. Como referência, papel e produtos de papel (categoria notória, por também ser mais direcionada ao mercado local), viajaram, em média, 4 mil km. Celulose e aparas, uma categoria mais reconhecida por ser amplamente negociada internacionalmente, apresentou uma distância média de 6,8 mil km. Analogamente, a concentração média dos fornecedores com base no Índice Herfindahl-Hirschman (HHI) 6 na celulose, mercado marcado pela concentração em grandes produtores (como o Brasil), foi de 13%, diante de 5% nos painéis de partículas e 3% nos de fibra. Tabela 4 Dados de comércio internacional de produtos florestais selecionados Código NCM 47 Celulose e aparas 48 Papel, papel cartão e produtos de papel Produto 2012 CAGR (%) Concentração do valor média dos exportado fornecedores ago Valor exportado (US$ bilhões) Distância média (km) do fornecedor 44, , , ,03 2 (Continua) 5 Média das distâncias de cada país fornecedor ao país importador, ponderada pelo valor exportado. 6 O HHI é calculado por meio da soma dos quadrados das participações nas importações mundiais de cada país.

339 338 Panorama de mercado painéis de madeira (Continuação) Código NCM 44 Madeira, artigos de madeira e carvão vegetal 4410 Painéis de partículas 4411 Painéis de fibras Produto 2012 CAGR (%) Concentração do valor média dos exportado fornecedores ago Valor exportado (US$ bilhões) Distância média (km) do fornecedor 118, ,05 3 7, ,05 2 9, , Serrados 31, , Compensados 14, ,05 5 Fonte: ITC. Uma das explicações para isso é o maior valor agregado de determinados produtos. Segundo dados da FAO, sobre o preço médio de exportação, ajustado para valores de 2012 pelo consumer price index (medida de inflação ao consumidor dos EUA), é possível visualizar (Gráfico 7) que o preço médio da chapa de fibra, no período de 1995 a 2012, foi de US$ 613/m 3, seguido pelos compensados (US$ 525/m 3 ), MDF (US$ 374/m 3 ), MDP (US$ 294/m 3 )e serrados (US$ 292/m 3 ). É possível também perceber que, à exceção da chapa de fibra, todos os demais produtos apresentaram retração em seu valor real (CAGR negativo entre 1,5% e 2,2%), especialmente em razão da queda no valor dos produtos exportados no período pós-crise. É válido ressalvar que os dados da FAO não segregam produtos entre revestidos e não revestidos, o que pode trazer distorção a essa análise de preço. Quanto a volume, as exportações de PMR apresentam a melhor evolução no período (Gráfico 8), CAGR de 5%, ante 1,6% dos compensados e 1,3% dos serrados, porém, a despeito dessa evolução percentual, os PMR negociam apenas 40% do volume dos serrados. É importante também destacar os impactos da crise internacional: o volume exportado em 2012,

340 frente a 2007, foi 18% menor no caso dos PMR, 12% nos compensados e 10% nos serrados. grafico 07 Gráfico 7 Preço médio das exportações mundiais de serrados e painéis Produtos Florestais US$ de 2012/m³ Chapa de fibra MDF MDP Compensados Serrados Fonte: Elaboração própria, com base em FAO e US Bureau of Labor Statistics. grafico 08 Gráfico 8 Exportações globais de serrados, PMR e compensados ,3% a.a. Milhões de m³ % a.a. 20 1,6% a.a PMR Compensados Serrados Fonte: FAO.

341 340 Ainda segundo dados da FAO, em 2012, o maior coeficiente de exportação foi registrado pelo compensado (30%), seguido dos serrados (29%), chapa de fibra (28%), MDP (24%) e MDF (20%), como mostra o Gráfico 9. No caso do MDF, a queda nos últimos anos em seu coeficiente de exportação reside em um efeito estatístico da participação cada vez maior da China no mercado (uma vez que o país apresenta baixo coeficiente de exportação, por sua vez explicado pelo baixo nível de qualidade do produto ofertado no país). Se fosse considerado o coeficiente de exportação mundial excluindo a China, em 2012, tal razão estaria ao redor de 40%. Panorama de mercado painéis de madeira grafico 09 Gráfico 9 Coeficientes de exportação de painéis de madeira e serrados % Chapa de fibra MDF MDP Compensados Serrados Fonte: FAO. Panorama nacional Demanda O Gráfico 10 ilustra que de 1996 a 2012 o CAGR no consumo de painéis de madeira no Brasil foi de 7,9%, acima do registrado pelo cimento (4,4%), do PIB (3,0%), da construção civil (2,6%) e dos serrados (-1,5%). Esse crescimento registrado pelos painéis de madeira foi positivamente impactado não apenas pelo desempenho da construção civil e da substituição dos

342 serrados, mas também pelo avanço do poder aquisitivo da população, dado pelo aumento da massa salarial, pela melhor distribuição de renda e pela maior disponibilidade (e menor custo) do crédito. Gráfico 10 Consumo de cimento, painéis de madeira, serrados e desempenho do PIB e da construção civil no Brasil, base 100 em Produtos Florestais Painéis de madeira 7,9% a.a. Cimento 4,4% a.a. PIB 3,0% a.a. Construção civil 2,6% a.a. Serrados -1,5% a.a. Fontes: IBGE, Abipa, ABIMCI e SNIC. O crescimento do setor de construção civil tem apresentado desempenho próximo ao do PIB, porém mais volátil (Gráfico 11). Mas, a despeito da proximidade dessas taxas de crescimento, ainda existe no país um elevado déficit habitacional, que pode indicar potencial na construção de novas residências, que, por sua vez, devem impulsionar a compra de mobiliário. Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apesar de ter ocorrido uma melhora no déficit habitacional brasileiro, ele permanece elevado (Tabela 5): em 2007, era de 5,5 milhões de domicílios (10% do total existente), caindo para 5,2 milhões em 2012 (ou 8,3% do total), um CAGR negativo de 1,3%. Segundo a Duratex [Szachnowicz (2012)], pode se estimar um consumo médio de PMR por domicílio de 0,6 m3, de maneira que a resolução do déficit habitacional brasileiro (segundo a estimativa do Ipea) adicionaria mais de m3 ao consumo nacional de PMR (um acréscimo de mais de 40% sobre a demanda de 2013).

343 grafico Gráfico 11 Variação real anual do PIB e da construção civil no Brasil Panorama de mercado painéis de madeira % Construção civil PIB Fonte: IBGE. Tabela 5 Estimativas do Ipea para o défict habitacional brasileiro, discriminado por renda Número de domicílios CAGR (%) Total Brasil ,4 Déficit (1,3) habitacional Sem ,8 declaração Até 3 s.m (0,5) De 3 a 5 s.m (3,6) De 5 a 10 s.m (3,2) Acima de (7,9) 10 s.m. Déficit total (%) 10,0 9,0 9,7 8,8 8,3 (3,6) Fonte: Neto, Furtado e Krause (2013). Existe, no Brasil, um declínio da indústria de madeira tropical para serrados e compensados em função de diversos fatores. Pela ótica da

344 oferta, podem-se citar: (i) maior fiscalização de madeira ilegal; (ii) morosidade no processo de licitações de florestas públicas; (iii) dificuldades logísticas; e (iv) baixa taxa de retorno econômico-financeiro da atividade. Por outro lado, também existem restrições na demanda: (i) maior número de consumidores conscientes exige madeira legal e rastreada, seja no exterior ou no mercado local; e (ii) concorrência dos compensados com PMR com propriedades cada vez melhores graças às constantes inovações de produto. Em relação ao consumo de serrados (Gráfico 12), é interessante observar que, apesar de o CAGR acumulado do período 1996 a 2012 ter sido de -1,5%, houve retração apenas nos anos mais recentes (CAGR 2007 a 2012 de -8%), puxada pela queda no consumo de serrado tropical. 343 Produtos Florestais Gráfico 12 Consumo aparente de serrados no Brasil Mil m³ % Tropical Pínus -5% a.a. 3,6% a.a. Pínus/total Fonte: ABIMCI. No caso dos compensados (Gráfico 13), os dados também sugerem uma retração no consumo de madeira tropical, ainda que não da mesma magnitude da ocorrida nos serrados. Outra diferença é que o consumo interno acelerou-se após 2007, ao passo que houve retração no caso dos serrados. Houve uma sensível redução no coeficiente de exportação de compensados,

345 344 mas os produtores nacionais têm conseguido colocar parcela cada vez maior de sua produção para atender ao mercado interno. É válido ainda destacar as enormes variações do consumo aparente ano a ano (chegando até mesmo a 70%), o que pode indicar problemas na confiabilidade dos dados, provavelmente causados pelo pequeno tamanho do mercado (cerca de 1/10 do de serrados), pelo alto peso da exportação ante o consumo interno (de maneira que o consumo aparente é distorcido por variações no estoque) e pela grande dispersão produtiva. Panorama de mercado painéis de madeira Gráfico 13 Consumo aparente de compensados no Brasil % Tropical Pínus -0,8% a.a. 3,7% a.a. Pínus/total Fonte: ABIMCI. Já o consumo de PMR (Gráfico 14) apresentou CAGR de 1996 a 2013 de 10,2%, muito acima do registrado pelos serrados ou compensados, de tal maneira que, em 2012, os PMR representaram 82% do total de painéis de madeira consumidos no país, contra apenas 18% dos compensados. Mesmo nos últimos cinco anos, com uma base de consumo maior, o crescimento médio dos PMR permanece bastante expressivo (7,8% a.a.). Entre os três produtos informados pela Abipa chapa de fibra, MDP e MDF, o último é o que vem apresentando melhor desempenho.

346 Gráfico 14 Consumo aparente de PMR no Brasil 345 Mil m³ % Produtos Florestais Chapa de fibra MDF MDP MDF/total Fonte: Abipa. grafico 15 Gráfico 15 Média móvel de três anos da variação no consumo aparente de MDF e MDP no Brasil % MDF MDP Fonte: Elaboração própria, com base em Abipa. Algumas das explicações para o avanço do MDF, ante o MDP, são: (i) maior leque de aplicações, como pisos; (ii) utilização em substituição a serrados e chapa de fibra; (iii) maior capacidade de usinagem e maior faci-

347 346 lidade para se trabalhar, o que leva marceneiros a preferir esse tipo de madeira; e (iv) sucesso em uma estratégia de marketing que posicionou o MDF como superior ao MDP em todas as aplicações, a despeito de a principal vantagem do primeiro ser sua capacidade de usinagem. É válido ainda notar a queda na demanda por chapa de fibra: desde 1995, o maior consumo aparente no país foi registrado em 2001, com m 3, enquanto em 2013 a demanda nacional foi de m 3. Existem apenas dois produtores no país, e a capacidade instalada vem encolhendo. É provável que o consumo desse painel cesse ou chegue a valores desprezíveis em um futuro próximo, sendo substituído especialmente pelo MDF e HDF. Panorama de mercado painéis de madeira grafico 16 Gráfico 16 Razão entre consumo aparente de MDF e MDP pelo PIB no Brasil, média móvel de três anos MDF MDP Fonte: Elaboração própria, com base em Abipa e IBGE. O Gráfico 15 apresenta a média móvel de três anos (para suavizar as bruscas oscilações do indicador) da variação no consumo aparente de MDF e MDP no país. A tendência dos anos recentes aponta para uma redução no nível de variação da demanda por MDF, em patamar próximo a 10% a.a., ante uma estabilidade em torno de 5% a.a. para o MDP. De maneira análoga, o Gráfico 16 reapresenta esse crescimento, porém dividindo-o pela variação do PIB. Nos últimos anos, o aumento no consumo nacional de MDF foi próximo a quatro vezes o PIB e o do MDP, de uma vez e meia. Dada a elevada variação na demanda por PMR nos anos recentes e um quase con-

348 senso entre economistas de que o modelo de crescimento brasileiro baseado em consumo está esgotado, é provável que, para os próximos anos, o crescimento do MDF e do MDP em relação ao PIB seja inferior ao registrado nesses últimos anos. É válido destacar que, a despeito de falta de estatísticas oficiais, existe um incipiente consumo de OSB no país. A única planta do Brasil iniciou operações ao fim de 2002, com capacidade de m 3 /ano. Nos últimos anos, o consumo deve ter oscilado entre m 3 (caso a planta tenha operado a 50% da capacidade) e m 3 (planta operando a 100% da capacidade). Quando a fábrica ainda era da Masisa, a Abipa divulgava alguns dados sobre os usos de OSB no país, que indicavam que a construção civil respondia por 40% das vendas internas, seguida da indústria de móveis (25%), embalagens (20%), outros (13%) e construção seca (2%). É justamente a resistência do OSB que permite seu maior uso na construção civil, inclusive substituindo os compensados. Entretanto, desde sua introdução no mercado brasileiro, o consumo de OSB segue em patamares bastante reduzidos, ao contrário do enorme crescimento registrado na América do Norte e Europa. 347 Produtos Florestais Tabela 6 Aplicações das vendas domésticas de PMR no Brasil (em %), 2012 Aplicações domésticas Indústria de móveis MDP MDF Chapa de Total fibra Revenda Construção civil Pisos Outros Vendas domésticas (mil m 3 ) Fonte: Elaboração própria, com base em Abipa. Sobre os usos de PMR, estatísticas da Abipa para as vendas internas de 2012, conforme Tabela 6, ilustram dois pontos: primeiramente, a maior parte das vendas é direta, uma vez que apenas 25% delas são destinadas à revenda (apesar de esse percentual ser bem mais elevado no caso do MDF

349 348 graças a seu grande uso em marcenarias); o segundo ponto é a concentração das vendas na indústria moveleira considerando-se as vendas diretas, a indústria de móveis representa 91% das vendas de PMR (ou 68% do total), sendo essa dependência maior no caso do MDP (99% das vendas diretas). Panorama de mercado painéis de madeira Setor moveleiro Segundo Galinari, Junior e Morgado (2013), a fabricação de móveis, em especial os de madeira, pode ser considerada uma das mais tradicionais atividades da indústria de transformação. O setor reúne características como elevada utilização de insumos de origem natural, emprego relativamente intensivo de mão de obra, reduzido dinamismo tecnológico e alto grau de informalidade. Existem baixas barreiras à entrada, em virtude do reduzido investimento em ativos físicos para se iniciar na atividade. As inovações tecnológicas concentram-se nos fornecedores de insumos e bens de capital, e as condições de apropriabilidade de uma das principais fontes de diferenciação de produtos, o design, são extremamente baixas. É grande a heterogeneidade do setor no tocante ao uso de tecnologias. Alguns tipos de produto admitem processos de fabricação com elevada automação, como os móveis retilíneos (majoritariamente elaborados com PMR), enquanto outros demandam grande quantidade de trabalhos manuais, como os móveis artesanais de madeira maciça. Pelo critério de processo de fabricação, as empresas podem ser agrupadas nas seguintes categorias: i) Seriados: Isto é, móveis padronizados, cujas características físicas não podem ser alteradas pelos consumidores. A maior parte é composta por móveis retilíneos, produzidos por empresas médias e grandes, utilizando redes atacadistas nacionais como distribuidores. ii) iii) iv) Modulados: semelhantes ao seriado, mas produzidos em módulos adaptáveis a um determinado projeto. Planejados: são móveis modulados, porém com pequenas adaptações e ajustes de acordo com as necessidades do cliente. Sob desenho: tudo é feito a partir do zero, de acordo com o projeto definido pelo cliente.

350 Embora o setor moveleiro em geral seja constituído por um enorme número de micro e pequenas empresas, no segmento de móveis seriados verifica-se um formato de negócios business to business no qual as redes varejistas são atendidas por diversos médios e grandes fabricantes de móveis, muitos deles com maquinário moderno e competitivo. A indústria de móveis seriados também evoluiu o processo tecnológico de impressão sobre painéis de madeira, que lhe assegurou redução de custo, simplificação e menor dependência na administração de padrões. Essas empresas são importantes clientes dos produtores de PMR, geralmente realizando compras diretas de painéis MDP não revestidos. É válido ainda destacar o caso da empresa Móveis Bartira, fundada pelas Casas Bahia, que se integrou a montante. A companhia informa que possui capacidade de produção de m 2 de chapas de madeira/ ano. Se considerar-se o tamanho-padrão de espessura de chapa de PMR ao redor de 15 mm, isso equivale a um consumo de painéis de m 3, suficiente para suportar uma planta industrial em porte ótimo. Já os fabricantes de móveis modulados estabeleceram a comercialização por meio de rede própria de franquias (como a Todeschini), desenvolvendo assim suas marcas e relacionamento direto com os consumidores e influenciadores de opinião. Esse grupo de empresas também compra diretamente dos fabricantes de PMR, e sua característica é o consumo de painéis revestidos. As demais micro e pequenas empresas são tradicionalmente atendidas pelas revendas de matéria-prima. Os fabricantes de móveis localizam-se em polos especializados, cuja vocação para essa atividade desenvolveu-se ao longo do tempo. Os principais polos localizam-se no Sul e no Sudeste (Figura 1), a despeito do forte acréscimo da demanda no Norte e Nordeste em anos recentes. Segundo a Associação das Indústrias de Móveis do Estado do Rio Grande do Sul (Movergs), considerando apenas a produção de móveis (excluindo colchões), em 2012, os 11 principais polos moveleiros do país responderam por 28,9% das 17,5 mil empresas instaladas no país, empregavam 58% dos quase 300 mil empregados no setor e produziram 59% das 272 milhões de peças fabricadas. O Gráfico 17 demonstra como a produção é mais concentrada, dado que Bento Gonçalves produziu 18,1% do total de peças fabricadas no país e os cinco maiores polos, 48,1% do total. 349 Produtos Florestais

351 350 Figura 1 Concentração de empresas moveleiras no Brasil, 2012 Panorama de mercado painéis de madeira Fonte: Elaboração própria, com base em Movergs (2013). grafico 17 Gráfico 17 Milhões de peças fabricadas nos principais polos do país e % do total, 2012 Lagoa Vermelha 0,2% Linhares 0,8% Grande RJ 1,5% Grande BH 2,3% Curitiba 2,4% São Bento do Sul 3,8% Interior SP 5,7% Ubá 6,4% Arapongas 8,9% Grande SP 9% Bento Gonçalves 18,1% Fonte: Elaboração própria, com base em Movergs (2013). Ainda segundo a Movergs, o número de peças fabricadas pela indústria moveleira no Brasil apresentou CAGR de 5,3% entre 2007 e 2012 (como comparação, nesse mesmo período o desempenho da produção nacional dos PMR foi de 7,8%). O vetor de aceleração do crescimento do setor moveleiro

352 foi o mercado interno e não as exportações: como o Gráfico 18 demonstra, desde 2003 o coeficiente de exportação 7 vem caindo ano a ano, de maneira que, em 2012, o saldo comercial do setor foi quase zero. Entretanto, o país nunca foi um exportador relevante no cenário internacional, respondendo por menos de 1% das exportações globais desde 2002, em um mercado dominado pela China. Os dados parecem indicar que, mantidas as condições de competitividade atuais, o crescimento da produção de móveis de madeira no Brasil deve se pautar pelo crescimento do mercado interno e não das exportações, o que limita o crescimento do consumo de PMR. grafico 18 barras Gráfico 18 Saldo comercial e coeficientes de exportação e importação de móveis no Brasil 351 Produtos Florestais Coeficientes de comércio Saldo comercial (US$ milhões) Saldo comercial Coef. exportação Coef. importação Fonte: Elaboração própria, com base em Movergs (2013) e Secex. Oferta Assim como no caso da demanda, a produção nacional de PMR também foi bastante superior à dos compensados, que, por sua vez, foi acima da registrada pelos serrados. De 1996 a 2012, o CAGR da produção nacional foi de 10% para os PMR, 2,7% para os compensados (Gráfico 20) e -1,5% para os serrados (Gráfico 19). Isso decorre não somente do consumo interno (conforme visto na seção anterior), mas também do enfraquecimento das 7 Como alguns itens de comércio exterior de móveis são informados em unidades e outros em peso, calcularam-se os coeficientes de exportação e importação em termos monetários.

353 352 exportações e das restrições ao setor de compensados e serrados oriundos de florestas tropicais. Panorama de mercado painéis de madeira Gráfico 19 Produção brasileira de serrados Mil m³ % Tropical Pínus -5% a.a. 3,6% a.a. Pínus/total Fonte: Abimci. Gráfico 20 Produção brasileira de compensados Mil m³ % Tropical Pínus -3,9% a.a. 6,6% a.a. Pínus/total Fonte: Abimci. Segundo Abimci (2013), cerca de 90% das 538 empresas do setor de madeira processada mecanicamente são de pequeno porte, em geral descapitali-

354 zadas e sem capacidade de investir, com maquinário antigo e não integradas à produção florestal. Já as demais empresas apresentam maior porte, com melhores equipamentos, melhor qualidade dos produtos ofertados e, muitas vezes, integração à produção florestal. No caso do pínus, existe um encolhimento cada vez maior das áreas plantadas com esse gênero florestal no país, especialmente fora da Região Sul. Dados de Abraf (2013) demonstram que, de 2006 a 2012, as áreas plantadas com pínus no país recuaram em 324 mil hectares, um CAGR negativo de 3%. A produção sustentável teórica 8 anual se reduziu em 3,3 milhões de metros cúbicos, uma queda de 5% em relação ao valor de 2006 (Gráfico 21). Para a indústria de serrados e compensados existe um fator de pressão adicional: a migração de plantios de pínus para ciclos mais curtos (que geram menor volume de toras largas do que ciclos mais longos), fato que não ocorre nos PMR (que trabalham com toras finas). 353 Produtos Florestais Gráfico 21 Área plantada de pínus no Brasil e sua produção sustentada teórica Área plantada (mil hectares) Produção sustentada teórica (milhões m³) Demais regiões Sul Produção sustentada Fonte: Elaboração própria, com base em Abraf. Já no caso da oferta dos PMR no Brasil, a trajetória da produção foi muito próxima à da demanda, por causa do baixo nível de comércio internacional (em 2013, o coeficiente de exportação foi de 4% e o de importações, 1%). O CAGR da produção nacional de 2003 a 2013 foi de 14,3% no MDF 8 Área total plantada multiplicada pela produtividade média das árvores cortadas naquele ano.

355 354 (versus 14,8% no consumo aparente), 6,2% no MDP (contra 5,8% do consumo aparente) e -3,2% na chapa de fibra (-1,1% no consumo aparente). Panorama de mercado painéis de madeira No Brasil, a indústria de PMR utiliza somente madeira oriunda de florestas plantadas. O Gráfico 22 ilustra a evolução histórica no consumo de madeira para produção de PMR no país, segundo informado pela Abraf, com destaque para a cada vez menor utilização de pínus no mix produtivo: em 2005, esse gênero era responsável por 75% do consumo de madeira da indústria nacional, perante 56% em Existem algumas diferenças nos PMR produzidos com pínus e os com eucalipto. Segundo Foekel (2008), as fibras longas, mais flexíveis e maleáveis dos pínus garantem melhor aderência umas às outras, proporcionando um produto final mais fácil de ser prensado e com uma coloração clara que é bastante apreciada, principalmente no mercado internacional. Adicionalmente, PMR produzidos a partir de pínus absorvem menos tinta quando pintados (qualidade não relevante no caso dos painéis revestidos). A tecnologia de fabricação de PMR é plenamente disponível, com os EPCistas fabricando as plantas na modalidade turn-key. Dessa maneira, o acesso a florestas a um baixo custo e com a maior proximidade possível à fábrica, torna-se um importante diferencial competitivo com impacto relevante e direto no custo de produção. Não por acaso, ao contrário do modelo praticado em muitos outros países, no Brasil os produtores de PMR costumam deter a maior parte da base florestal necessária a sua produção (cerca de 70%). Além da tecnologia disponível, o valor de investimento em uma planta em escala ótima de PMR é relativamente baixo para um setor intensivo em capital (e ainda menor no caso das plantas cíclicas chinesas), o que resulta em baixas barreiras à entrada, o que pode ser ilustrado pela quantidade de novas empresas que iniciaram atividades no setor de PMR no Brasil nos últimos anos: a chilena Masisa instalou sua primeira unidade fabril no país em 2001; em seguida veio a Fibraplac em 2003; ao fim de 2008 e início de 2009 foi a vez de os produtores de compensados Sudati e Guararapes iniciarem produção de MDF com prensas cíclicas chinesas; em 2010 outra produtora de compensados, a Floraplac, também iniciou produção de MDF com prensas chinesas; e, em 2011, mais um produtor de compensados, a Repinho, iniciou operações de MDP por meio da aquisição de uma máquina usada. No total, foram seis novas empresas em dez anos, desconsiderando

356 a chilena Arauco, que entrou no país por meio da aquisição da Placas do Paraná em 2005, e a estadunidense Louisiana-Pacific Corporation (LP), que comprou a linha de OSB da Masisa em Além dos produtores de compensados migrando para a produção de PMR, paira no setor a ameaça de integração a montante de empresas moveleiras. Segundo a Wood Based Panels International (WBPI), a Todeschini estaria estudando a instalação de uma planta de MDP no Rio Grande do Sul. Se esse projeto for adiante, a Todeschini teria toda a integração na cadeia, desde a produção da chapa de madeira até o atendimento ao consumidor final. Caso esse projeto seja efetivamente implementado e funcione, talvez se vejam outros fabricantes de móveis, como a Bartira, integrando-se a montante na cadeia. Outro projeto de novo entrante que tem sido noticiado é o da Placas do Brasil, formada por 48 empresários de ramos diversos (entre os quais, supostamente, vários do ramo moveleiro), para a instalação de uma fábrica de MDF em Pinheiros, norte do estado do Espírito Santo, visando ao estabelecimento de um novo polo moveleiro na região. Algumas fontes relatam start-up para 2015 e outras para 2019, e a capacidade instalada também varia, entre m 3 /ano e m 3 /ano. Outro possível novo entrante é oriundo do grupo paulista Asperbras, que possui negócios diversos, incluindo pecuária e plantio de eucalipto no Mato Grosso do Sul, e que pretende instalar uma fábrica de MDF nesse estado, no município de Águas Claras, com partida em 2017 e capacidade instalada de m 3 /ano. Adicionalmente, as grandes empresas do setor também têm planos de expansão: a Berneck deve colocar uma linha de MDP de m 3 /ano (que inicialmente operaria limitada a m 3 /ano), em sua planta de Curitibanos (SC) com início previsto para A Fibraplac também tem planos para uma nova linha em Glorinha (RS), de MDP, com capacidade de m 3 /ano e suposto início para E a Duratex anunciou aquela que será a maior fábrica de painéis de madeira do Brasil, localizada no Triângulo Mineiro, com duas linhas de MDP e MDF, de m 3 /ano cada, e start-up previsto para 2016 e 2017, respectivamente. O Gráfico 22 ilustra dois costumeiros índices de concentração aplicados à capacidade instalada de PMR no Brasil (incluindo OSB): o já citado HHI e o CR4 (participação de mercado dos quatro principais players). Ambos os índices revelam trajetória muito semelhante: vinham 355 Produtos Florestais

357 356 em um lento processo de declínio de 1996 até 2009, quando movimentos de fusões e aquisições alteraram o panorama da indústria nacional, pela fusão da Duratex com a Satipel e pela compra da Tafisa pela Arauco. Posteriormente, a entrada de diversos produtores de compensados traduziu-se em uma pequena queda da concentração. Entretanto, é válido notar, o CR4 nunca foi abaixo de 60% no Brasil. Panorama de mercado painéis de madeira Gráfico 22 Índices de concentração da capacidade instalada de PMR no Brasil CR4 (%) ,25 0,20 0,15 0,10 HHI 20 0, , CR4 HHI Fonte: Elaboração própria, com base em empresas, Abipa, STCP e WBPI. Ainda com base nas estimativas de capacidade, o Gráfico 23 ilustra a capacidade instalada de PMR no Brasil ao fim de 2013 (considerando OSB), com a liderança da Duratex, seguida de Arauco, Berneck, Masisa, Eucatex e Fibraplac. Esse gráfico também ilustra as capacidades de MDP e MDF e mostra que a Berneck, Duratex e Fibraplac parecem ser as empresas mais equilibradas entre os dois produtos, haja vista que a Arauco é mais voltada para o MDF e a Masisa ao MDP. Geograficamente, as plantas de PMR do Brasil localizam-se estrategicamente nas proximidades dos polos moveleiros ou em locais cuja logística favoreça o escoamento da produção para os clientes. A Figura 2 ilustra a capacidade instalada, por empresa e por tipo de produto (o tamanho da figura geométrica é proporcional ao tamanho da planta), ao mesmo tempo em que destaca o número de peças produzidas nos princi-

358 pais polos moveleiros (em que o círculo também ilustra o tamanho relativo da produção de cada polo). A única planta de PMR não destacada é a Floraplac, no Pará. Gráfico 23 Capacidade de PMR no Brasil em 2013 Gráfico 23A PMR 357 Produtos Florestais Fibraplac 8% Demais 6 empresas 10% Eucatex 8% Duratex 38% Masisa 9% Berneck 13% Arauco 14% Gráfico 23B MDP Masisa 16% Repinho 2% Bonet 1% Arauco 8% Berneck 13% Fibraplac 10% Eucatex 9% Duratex 41%

359 358 Gráfico 23C MDF Panorama de mercado painéis de madeira Floraplac 3% Guararapes 3% Masisa 5% Fibraplac 8% Eucatex 5% Duratex 36% Sudati 3% Arauco 22% Berneck 15% Fonte: Elaboração própria, com base em empresas, Abipa, STCP e WBPI. A maior parte da capacidade produtiva, em torno de 60%, concentra-se no Sul do país. O Paraná é o estado que possui mais empresas instaladas (cinco): Arauco, Berneck, Masisa, Repinho e a fabricante de OSB LP, sendo que a Arauco e a Berneck detêm quase 80% da capacidade instalada do estado. Em Santa Catarina, a recém-chegada Berneck disputa espaço com Guararapes, Sudati e Bonet (a única que, por enquanto, produz MDP), porém a Berneck já detém mais de 50% do total do estado e, com a expansão de MDP prevista, esse número deve chegar próximo a 80%. Já no Rio Grande do Sul, apenas três empresas Duratex, Masisa e Fibraplac possuem capacidade produtiva, em relativo equilíbrio e próximas ao maior polo moveleiro do Brasil, de Bento Gonçalves. Quase toda a capacidade produtiva nesse estado é de MDP, mais consumido por grandes produtores de móveis seriados. Em São Paulo, estado que possui mais empresas moveleiras do Brasil, também existe bastante concentração, dado que apenas a Eucatex e a Duratex possuem plantas industriais (em todo o Sudeste, apenas essas duas empresas possuem capacidade). No caso da Duratex, a única planta da companhia fora do Sudeste localiza-se no Rio Grande do Sul, em Taquari, e responde por menos de 20% de sua capacidade instalada. A despeito do aumento da renda, do maior acesso a crédito pela população no Norte e Nordeste do país e dos recentes investimentos em bases florestais sem destinação definida nessas regiões, o estímulo à construção de fábricas de

360 painéis de madeira continuou baixo, com a pequena Floraplac sendo a única empresa ali presente (e sem nenhum novo projeto mapeado para os próximos anos). Dentre os motivos, podem-se destacar: (i) falta de mão de obra qualificada, prejudicando a vertente industrial desse tipo de investimento; (ii) porte relativamente pequeno e grandes distâncias entre polos moveleiros existentes nessas regiões; e (iii) concorrência com os produtos fabricados com madeira de lei (o serrado e o compensado tropical), sem a devida fiscalização. 359 Produtos Florestais Figura 2 Plantas de PMR e principais polos moveleiros Fonte: Elaboração própria, com base em empresas, Abipa, STCP, WBPI e Movergs. Uso da capacidade instalada Primeiramente, faz-se necessário expor a grande dificuldade que é entender qual a real capacidade instalada de PMR no Brasil. A fonte oficial, a Abipa, divulga a capacidade instalada ano a ano por tipo de produto que, acredita-se, realiza algum ajuste de ramp-up nos dados. Por outro lado, as empresas alegam que esses dados não refletem a realidade do setor e estariam superestimados, pois consideram a produção em todos os dias do ano e com a manufatura de apenas um tipo de espessura de chapa. Segundo essas empresas, como existem paradas obrigatórias de manutenção e diversas espessuras produzidas, não seria possível atingir a capacidade nominal das plantas conforme divulgado pela associação.

361 360 Um exemplo de divergência é a Duratex, que sempre divulgou ao mercado sua utilização de capacidade com base nos valores nominais, porém, pela primeira vez, no 3T09 (que, como será visto, foi o primeiro ano de grande queda na capacidade instalada do mercado), fez um ajuste de ramp-up no uso da capacidade instalada. No 4T10, passa a informar a capacidade efetiva, sem explicitar seu conceito. Já no 2T11, pela primeira vez, a companhia definiu capacidade efetiva como um ajuste nas linhas já instaladas, após os períodos de ramp-up e investimentos periféricos, calculando não apenas sua própria capacidade efetiva, mas também a de todo o mercado, com ajuste dos dados divulgados pela Abipa. Até o presente momento, a Duratex, em todos os resultados trimestrais, ajusta sua capacidade e a do resto do mercado, para termos efetivos e disponíveis ( sem investimentos periféricos mencionados ). Acredita-se que um fator que contribui para essa divergência origina-se da capacidade nominal da prensa em relação ao que a empresa pode efetivamente produzir: em anos recentes, algumas empresas realizaram investimentos em grandes prensas, que ficavam limitadas à capacidade inferior até a realização de investimentos adicionais em desgargalamentos de processos auxiliares, para que a prensa pudesse atingir a capacidade total. Segundo a visão do Sr. Bernard Fuller, presidente da Cambridge Forest Products Associates, existe sobreoferta de PMR no Brasil, e o país parece apresentar comportamento similar ao da China, ou seja, o de estar colocando capacidade sem planejamento adequado. Ele acredita que os números da Abipa, se estiverem superdimensionados, o estão apenas marginalmente. Segundo seu conhecimento, no mercado norte-americano, a produção de MDF e MDP sempre teve nível de utilização da capacidade instalada (Nuci) entre 80% e 90% (à exceção da crise atual), sem a realização de qualquer ajuste para capacidade efetiva. Ele ainda afirmou que nos EUA se produzem painéis com as mais diferentes espessuras e dimensões sem que isso tenha qualquer impacto extremo no uso da capacidade, como alegam as empresas brasileiras. Adicionalmente, mencionou que as modernas prensas contínuas que foram instaladas no Brasil nos últimos vinte anos são ainda mais eficientes na troca de espessuras e tempo de set-up do que as antigas prensas cíclicas. Panorama de mercado painéis de madeira

362 Isso posto, tomando por base a capacidade instalada de PMR de cada ano divulgada pela Abipa, o Gráfico 24 ilustra a variação líquida de capacidade de MDF e MDP desde 1995, além do percentual que essa adição representou diante da capacidade instalada dos dois tipos de painéis no ano anterior. Acrescentou-se também a capacidade que será adicionada no mercado até 2018 (com base nos projetos mapeados) ajustando por ramp-up. O investimento se dá em ciclos, com três fases de altos investimentos bem delineadas: uma em 1996, outra de 2001 a 2003 e a mais recente, de 2009 a É válido destacar que o ano de 2009, justamente o que coincidiu com o mais forte reflexo para o Brasil da crise financeira internacional, foi também o ano em que se observa grande volume de investimentos em termos absolutos e percentuais. Para o futuro, com base nos projetos anunciados até o momento, há um mercado um pouco mais estável, mas ainda com crescimento médio de capacidade em torno de 5% a.a. 361 Produtos Florestais Gráfico 24 Variação líquida na capacidade de MDP e MDF no Brasil Adição capacidade líquida (mil m³) Variação frente ao ano anterior (%) MDP MDF Variação % Fonte: Abipa. Observando o Nuci da indústria de PMR no Brasil, segundo informado pela Abipa (Gráfico 25), é possível observar que, no período , a média foi de 79%. Em 2009, um grande volume de nova capacidade foi

363 362 adicionada ao mercado ao mesmo tempo em que a demanda ficou estagnada, o que derrubou o Nuci a 65%, menor nível da série histórica até aquele momento. Com a demanda tendo voltado a crescer a taxas bastante expressivas de 2010 em diante, seria esperado que o Nuci retornasse a patamar próximo a 80%, entretanto não foi isso que ocorreu, visto que o Nuci médio em foi de 68%. Panorama de mercado painéis de madeira Gráfico 25 Nuci do setor de PMR no Brasil % 75 Média = 79% Média = 68% Fonte: Abipa. A seguir, elencam-se cinco possíveis hipóteses que podem explicar tal fenômeno e, posteriormente, procede-se uma análise acerca de cada uma: 1) O Nuci de um produto específico (MDF, MDP ou chapa de fibra) pode estar distorcendo esse indicador para a indústria. 2) Dada a concentração industrial do setor, o Nuci de uma empresa específica pode estar distorcendo o Nuci geral. 3) Efeitos de ramp-up não computados corretamente poderiam distorcer o Nuci. 4) A maior complexidade operacional, com aumento expressivo do número de Stock Keeping Unit (SKU) e maiores tempos de set-up,

364 em função da produção de chapas para diferentes finalidades e com diferentes espessuras, podem ter levado as máquinas a produzir em volume abaixo de seu potencial teórico. 5) A manutenção de elevada capacidade ociosa reflete-se em barreiras de entrada a potenciais novos players. Hipótese 1 O Gráfico 26 ilustra o Nuci de cada um dos três produtos divulgados pela Abipa (excluíram-se os dados de 1994 a 1996, pois nesse período ainda não havia produção de MDF no Brasil). A chapa de fibra, produto que está em declínio e que perdeu quase 30% de sua capacidade instalada no período, é o que registra o melhor Nuci, além de apresentar a menor variabilidade nessa taxa, inclusive nas diferenças entre os dois períodos, o que mostra que a Hipótese 1 está correta, ou seja, o problema está focado no MDF e MDP, com mais intensidade neste último. 363 Produtos Florestais Gráfico 26 Nuci de MDF, MDP e chapa de fibra no Brasil Gráfico 26A Chapa de fibra Média = 86% % 75 Média = 85%

365 364 Gráfico 26B MDP Panorama de mercado painéis de madeira % Média = 75% Média = 66% Gráfico 26C MDF Média = 80% % 75 Média = 69% Fonte: Abipa. Hipótese 2 Com base nos únicos dados disponíveis de empresas (a extinta Satipel e a Duratex) sobre o uso de capacidade instalada nominal (antes e após a fusão), calcularam-se dois Nucis: o da Duratex 9 e o do restante do mercado 9 Foi necessário fazer alguns ajustes em determinados períodos por falta de dados.

366 (baseou-se em dados da Abipa, mas, dada a limitação de informações disponíveis, só foi possível calcular os dados a partir de 2003). O Gráfico 27 ilustra esses valores (mantendo a mesma escala dos gráficos 26 e 25 para facilitar a comparação visual). Gráfico 27 Nuci de MDF e MDP da Duratex e do restante do mercado Gráfico 27A MDP 365 Produtos Florestais % Duratex Demais empresas Gráfico 27B MDF % Duratex Demais empresas Fonte: Elaboração própria, com base em Duratex, Satipel e Abipa.

367 366 Os dados indicam que, tanto para o MDP quanto para o MDF, o Nuci da Duratex é quase sempre inferior ao do resto do mercado, talvez por ter sido a empresa que realizou o maior volume de investimentos nos últimos anos e pelos possíveis efeitos de ramp-up já considerados pela Abipa, explorados na Hipótese 3 a seguir. Também se mantiveram as tendências de maior Nuci do MDF perante o MDP, bem como o menor Nuci no período em relação ao período (seja para a Duratex ou para o resto do mercado). Panorama de mercado painéis de madeira Tabela 7 Resumo do Nuci de MDF e MDP da Duratex e do restante do mercado Empresa Produto Média no período (%) vs (%) Duratex MDP (9) MDF (21) Demais MDP (10) empresas MDF (4) Demais MDP 8 7 (1) empresas vs Duratex MDF Fonte: Elaboração própria, com base em Duratex, Satipel e Abipa. Hipótese 3 Conforme já exposto, acredita-se que a Abipa realiza ajustes de ramp-up, o que provavelmente explica parte da discrepância no Nuci da Duratex ante o resto do mercado, conforme exposto no Gráfico 27 e na Tabela 7. Para testar essa hipótese, realizou-se uma simulação com ajustes de ramp-up a partir dos dados originais divulgados pela Abipa, de maneira que, em cada ano, apenas 50% da variação líquida de capacidade é efetivamente disponível naquele ano, sendo os demais 50% alocados no ano seguinte, com o resultado ilustrado no Gráfico 28. No caso do MDP, produto que teve menor dinamismo nas expansões, o efeito de ajuste no ramp-up foi praticamente nulo. No caso do MDF, haveria um aumento de 7 p.p. no Nuci durante o primeiro período e de 1 p.p. no segundo período. Porém, tal ajuste levaria o Nuci do MDF em 2001 para impossíveis 114%, contra 102% nos dados originais da Abipa para o ano de 2000, o que leva a crer

368 que muito possivelmente a associação já realiza algum ajuste de ramp-up em sua série de dados. grafico 28A Gráfico 28 Nuci ajustado por ramp-up de MDF e MDP no Brasil Gráfico 28A MDP Produtos Florestais % 75 Média = 75% Média = 66% Gráfico 28B MDF Média = 87% 85 % 75 Média = 70% Fonte: Elaboração própria, com base em Abipa.

369 368 Hipótese 4 Panorama de mercado painéis de madeira Difícil de ser testada pela falta de dados sobre o mix de vendas da indústria. Porém, mesmo considerando que, em uma indústria que trabalha com grande complexidade de SKUs como a de PMR, o atingimento da capacidade instalada nominal é difícil, isso não explica a queda do Nuci no período diante dos períodos anteriores analisados. Ainda que a complexidade operacional tenha aumentado nos anos mais recentes, seria esperada uma queda suave ao longo dos anos, e não da forma abrupta como os dados sugerem. Outro argumento contrário à Hipótese 4 é que o MDF, painel que possui maior variabilidade na produção (visto que podem ser fabricados painéis mais finos e densos como HDF e SDF), possui Nuci maior do que o MDP, quando o esperado seria o oposto. Hipótese 5 A favor dessa hipótese está o fato de que os mais recentes e planejados investimentos de novos entrantes estão todos fora do raio de atuação das plantas com menor Nuci da indústria: a Floraplac lançou-se em um mercado novo, no Norte, enquanto a Sudati e a Guararapes atuam em Santa Catarina, a Repinho no Paraná e as supostas futuras entrantes Placas do Brasil e Asperbras se localizariam no Espírito Santo e em Mato Grosso do Sul, respectivamente. Adicionalmente, para essas pequenas empresas, pode não ser interessante colocar plantas próximas às das empresas líderes, dado seu poder de mercado. A atuação em nichos fica favorecida pelo fato de os PMR não serem produtos que absorvam fretes de longa distância no preço, especialmente em um país de dimensões continentais e de sistema logístico complexo e oneroso, como o Brasil. Como exercício de projeção, com base nos projetos mapeados e considerando efeitos de ramp-up (como se acredita que a Abipa considera), o Gráfico 29 ilustra a evolução da capacidade instalada de MDP em três cenários de CAGR da demanda para o período , de 2%, 4% e 6% (como comparação, o CAGR da demanda no período foi de 4,9%). No primeiro caso, a média do Nuci seria de 61%; no segundo, 64%; e, no terceiro, 68%. Portanto, a menos que a demanda cresça em patamares muito elevados ou que parte desses projetos sejam adiados ou cancelados, o Nuci do MDP continuará em níveis ainda bastante reduzidos.

370 grafico 29 2% Gráfico 29 Nuci de MDP no Brasil até 2018 em diferentes cenários de demanda 369 % Média = 75% Média % = 68% 4% = 64% 2% = 61% Produtos Florestais Média = 66% grafico 30 4% Fonte: Elaboração própria, com base em Abipa Gráfico 30 Nuci de MDF no Brasil até 2018 em diferentes cenários de demanda Média % = 90% 8% = 81% 2% = 72% % Média = 80% Média = 69% Fonte: Elaboração própria, com base em Abipa. O Gráfico 30 mostra projeção semelhante para o MDF e com cenários de CAGR para a demanda no período de 4%, 8% e 12% (como referência, o CAGR do período foi de 12,4%). Dessa maneira, o Nuci projetado seria de 72%, 81% e 90%, respectivamente. Isso demonstra que o mercado de MDF continua mais equilibrado do que o de MDP, ao

371 370 menos com base nos projetos mapeados até o momento e com a demanda ainda crescendo em, pelo menos, 4% a.a. Panorama de mercado painéis de madeira Competitividade A tecnologia não é um entrave para a entrada no segmento de PMR, entretanto não quer dizer que não se constitua um elemento de diferenciação competitiva, uma vez que tanto a escala quanto a qualidade do equipamento costumam ter a contrapartida de maior eficiência produtiva e melhores margens operacionais, além de um produto com qualidade ligeiramente superior (em compensação, requerem maior intensidade de capital). Hoje, as empresas brasileiras de PMR podem ser agrupadas em dois grandes clusters: um, de grandes empresas, com maquinário moderno, de linhas contínuas e com plantas de escala superior a m 3 /ano, formado por Duratex, Berneck, Arauco, Fibraplac, Eucatex, Masisa e LP. O segundo cluster de empresas possui plantas de escala inferior a m 3 /ano de prensas cíclicas, em um grupo formado por Bonet, Guararapes, Floraplac, Sudati e Repinho. Geralmente o segundo cluster também possui uma oferta de produtos mais restrita e de menor qualidade, competindo no mercado com o cluster das grandes empresas por preço ou com atuação restrita a nichos. Entre as grandes empresas, diferenciais competitivos residem: (i) em uma eficiente gestão florestal, com o menor raio médio possível entre as florestas e a unidade fabril e com alta parcela de integração nas atividades florestais; (ii) em uma logística do produto acabado para o cliente também eficiente; (iii) no aumento da escala; (iv) na integração com a produção de resinas, 10 insumo mais relevante nos custos produtivos depois da madeira (no caso dos painéis não revestidos); (v) na diversidade e qualidade dos revestimentos de painéis ofertados; e (vi) na integração produtiva da planta industrial, isto é, diferentes produtos (inclusive energia a partir de biomassa) sendo fabricados na mesma unidade, de modo a maximizar o uso da madeira. Sobre os preços de venda de PMR no Brasil, não existe qualquer fonte pública de dados. Em função da não uniformidade na divulgação pela 10 Como é o caso da planta de resinas da Duratex em Agudos (SP), ou mesmo de plantas de fornecedores externos dedicadas.

372 Eucatex (empresa de capital aberto) de informações relativas à Receita Líquida, a única maneira de analisar os preços no mercado local ao longo do tempo se dá pelos dados disponibilizados pela líder de mercado Duratex e pela extinta Satipel. O Gráfico 31 ilustra a Receita Líquida e o EBITDA por metro cúbico da antiga Duratex, da Satipel e da nova Duratex (dados pré-fusão calculados pelo somatório da Satipel com a antiga Duratex 11 ). O preço médio de venda da nova Duratex apresentou CAGR de 2004 a 2013 de 3,2%, inferior à inflação no período, ao passo que o EBITDA unitário elevou-se em 5,1% a.a. Porém, nos anos após a fusão, observa-se maior aceleração desses indicadores: de 2009 a 2013, o CAGR da Receita Líquida unitária foi de 6% e do EBITDA unitário de 12%. Entretanto, é válido notar que, como os dados não distinguem o tipo de produto ou a destinação das vendas, essa evolução deve ser vista com ressalvas. grafico Produtos Florestais Gráfico 31 Receita líquida e EBITDA unitários da divisão madeira da Duratex e Satipel R$/m³ Receita antiga Duratex EBITDA antiga Duratex Receita nova Duratex EBITDA nova Duratex Receita Satipel EBITDA Satipel Fonte: Elaboração própria, com base em dados das empresas. De maneira análoga, o Gráfico 32 ilustra a margem EBITDA dessas companhias, adicionando dados da Eucatex. 12 O desempenho financeiro da 11 No caso da Duratex, considerou-se apenas a unidade de negócio madeira. 12 A Eucatex possui outras unidades de negócios (a mais relevante é a de tintas), e a divisão de PMR responde entre 70% a 80% da receita da empresa.

373 372 antiga Duratex era superior ao da Satipel, resultado provavelmente explicado pelo mix de venda com produtos de maior valor agregado, pela maior escala e pelo melhor maquinário da primeira quando comparada à segunda (que, até o início de 2009, ainda possuía uma planta de m 3 /ano de processo cíclico). Já o desempenho da Eucatex foi bastante abaixo da nova Duratex, tendo apresentado margem EBITDA, de 2009 a 2013, 8 p.p. a 15 p.p. menor. Panorama de mercado painéis de madeira grafico 32 Gráfico 32 Margem EBITDA da Satipel, Eucatex e da divisão madeira da Duratex % Antiga Duratex Nova Duratex Satipel Eucatex Fonte: Elaboração própria, com base em dados das empresas. Já o Gráfico 33 adiciona às empresas listadas no Gráfico 32 a Fibria, 13 para comparar o desempenho das empresas brasileiras de PMR com as de celulose. No caso, o indicador ilustrado no gráfico é a relação EBITDA/ativo imobilizado, 14 uma proxy de retorno sobre o capital empregado. Com exceção de 2004 e 2005, em todos os demais anos o desempenho da nova Duratex foi superior ao da Fibria, indicando que o retorno sobre o capital empregado é maior no setor de PMR do que no de celulose (ainda mais relevante a esse fato é que tal rentabilidade ocorre a despeito da elevada ociosidade na divisão madeira da Duratex). Mesmo uma empresa de porte menor, como a Eucatex, apresentou relação de EBITDA/ativo imobilizado muito próxima à da Fibria. 13 Dados anteriores a 2009 obtidos pelo somatório das antigas VCP e Aracruz. 14 Também inclui o valor do ativo biológico.

374 É válido destacar que o investimento em manutenção das florestas próprias (além de manutenção industrial) não se reflete no EBITDA e é bastante expressivo em ambas as indústrias. Como nem sempre as empresas divulgam o investimento (CAPEX) entre expansão e manutenção, não é possível montar uma série temporal precisa da razão EBITDA subtraída do CAPEX de manutenção pelo ativo imobilizado (uma melhor proxy de retorno sobre o capital empregado). A Tabela 8 ilustra alguns dados e estimativas próprios para esse indicador, para as três empresas no ano de A Fibria foi a única que explicitou quanto do investimento foi destinado à manutenção e, no caso da Eucatex e Duratex, buscou-se uma estimativa bastante conservadora (CAPEX de manutenção elevado). Tanto no caso da Duratex quando no da Eucatex, a redução na rentabilidade do ativo imobilizado, ao levar em conta o CAPEX de manutenção, foi menor do que no caso da Fibria, indicando que esse investimento é proporcionalmente mais relevante para o negócio de celulose do que para o de PMR. Isso indica que a melhor rentabilidade sobre capital empregado do setor de PMR em relação à celulose, ilustrada no Gráfico 33, é ainda maior. grafico Produtos Florestais Gráfico 33 EBITDA/ativo imobilizado da Duratex, Satipel e Fibria % Nova Duratex Antiga Duratex Satipel Fibria Eucatex Fonte: Elaboração própria, com base em dados das empresas. 15 Adoção do novo padrão contábil internacional (IFRS), entre 2009 e 2010, resultou em um aumento do ativo das companhias florestais, especialmente pela reavaliação do ativo biológico (madeira), a preços de mercado em vez do custo histórico de formação.

375 374 Tabela 8 EBITDA/ativo imobilizado da Duratex, Satipel e Fibria, em 2013 Panorama de mercado painéis de madeira Indicadores Fibria Duratex Eucatex EBITDA (R$ milhões) CAPEX total (R$ milhões) CAPEX manutenção (R$ milhões) At. imobilizado (R$ milhões) EBITDA/At. imob. 21% 26% 16% (EBITDA - CAPEX man.)/ At. imob. Fonte: Elaboração própria, com base em empresas. 12% 20% 11% No tocante aos custos e segundo a Duratex, em 2013 o custo produtivo unitário na divisão madeira foi de R$ 621/m 3, na qual a madeira (incluindo exaustão) respondeu por 19% e as resinas por 16%, figurando como maiores custos, com exceção do grupo outros materiais, com uma expressiva parcela de 35% (alguns dos prováveis itens desse custo são revestimentos, aditivos e embalagens). Em uma análise alternativa, recalculou-se o custo da Duratex excluindo itens não caixa (como depreciação, amortização e exaustão) e utilizando um custo de mercado para a madeira. Nesse caso, o peso desse insumo iria a 31% do custo, a resina a 16% e outros materiais a 32%. A Eucatex, até o 3T13, divulgava abertura de custos por tipo de produto, o que permite proceder-se a uma análise mais detalhada. A chapa de fibra, por exemplo, produzida por processo úmido, não consome resinas em sua fabricação. O MDF consome (proporcionalmente) mais madeira e resina do que o MDP, o que aumenta o peso desses insumos produtivos ante os demais. No caso dos pisos laminados, que costumam conter três camadas de revestimento, o custo relativo desse insumo é bastante elevado.

376 Gráfico 34 Custo dos produtos vendidos e custo-caixa da divisão madeira da Duratex em 2013 Gráfico 34A Custo dos produtos vendidos R$ 621/m³3 Outros materiais 33% Madeira 19% 375 Produtos Florestais Resina 16% Combustíveis 3% Depreciação e amortização 9% Energia elétrica 8% grafico 34B Mão de obra 12% Gráfico 34B Custo-caixa R$ 644/m³3 Outros materiais 32% Madeira 31% Combustíveis 3% Energia elétrica 7% Mão de obra 11% Resina 16% Fontes: Duratex e estimativas BNDES. É importante destacar que existe uma exposição cambial em diversos itens de custo: no caso da madeira, cerca de 20% de seu custo de formação florestal está atrelado ao dólar, bem como a maioria dos custos relacionados

377 376 à resina, revestimento e combustíveis. Portanto, grosso modo, quase metade do custo-caixa da produção de PMR está atrelado a variações cambiais, percentual maior no caso de painéis revestidos. Adicionalmente, considerável parcela dos investimentos é importada. Panorama de mercado painéis de madeira Gráfico 35 Abertura dos custos da Eucatex por tipo de painel produzido no 3T13 grafico 35A Gráfico 35A Chapa de fibra Energia térmica 7% Energia elétrica 8% Depreciação 10% Madeira 17% Revestimento 8% Mão de obra 25% Outros materiais 25% grafico 35B Gráfico 35B MDF/HDF Depreciação 11% Energia térmica 3% Madeira 23% Energia elétrica 6% Mão de obra 8% Outros materiais 13% Resina 36%

378 grafico 35C Gráfico 35C MDP 377 Energia térmica 4% Energia elétrica 5% Mão de obra 7% Depreciação 7% Madeira 14% Produtos Florestais Revestimento 27% Resina 20% Outros materiais 16% grafico 35D Gráfico 35D Pisos laminados Energia térmica 1% Mão de obra 3% Depreciação 2% Madeira 7% Resina 15% Revestimento 61% Outros materiais 11% Fonte: Eucatex. Análise estratégica e conclusões Análise estratégica Os números sobre a rentabilidade das empresas, expostos na seção anterior, demonstram a força da indústria de PMR no Brasil, a despeito da

379 378 ociosidade na capacidade instalada. Uma análise baseada no modelo das cinco forças de Porter aplicada à indústria brasileira de PMR ajuda a esclarecer os motivos (Figura 3). Panorama de mercado painéis de madeira Figura 3 Modelo de cinco forças de Porter aplicado à indústria brasileira de PMR Fonte: Elaboração própria. Força dos produtos substitutos: muito baixa. Uma das alavancas no crescimento da demanda por PMR no Brasil nos últimos anos foi a substituição de serrados e compensados, uma vez que esses produtos possuem custo mais elevado do que os PMR e estão sofrendo pressões na oferta (tanto os constituídos por pínus quanto por madeira tropical). A substituição de PMR nacionais via importações também é dificultada, já que este não é um produto que comporta fretes para longas distâncias. Poder dos clientes: muito baixa. Existe uma grande diferença na concentração produtiva entre a indústria de PMR (na qual seis empresas detêm 90% do mercado) e a fragmentada indústria moveleira, composta por 17 mil empresas, milhares delas sendo pequenas e médias empresas (PMEs). Existem algumas poucas grandes empresas, que produzem móveis seriados e que possuem maior poder de barganha, mas para as demais empresas a capacidade de negociar preços, prazos e condições comerciais é claramente desbalanceada em favor das fabricantes de PMR.

380 Potencial de novos entrantes: é alto. A necessidade de capital é relativamente pequena para uma indústria intensiva em capital. Entretanto, a manutenção da alta ociosidade da capacidade instalada da indústria, bem como a complexidade operacional, cria algum grau de dificuldade para potenciais novos entrantes. Poder dos fornecedores: é médio. A madeira, principal insumo produtivo, é, em sua maior parte, detida pelos fabricantes de PMR. Porém, o fornecimento de resinas e de papéis para revestimento é feito por terceiros, que são empresas especializadas e com boa parcela dos custos atrelada a preços internacionais. Em relação ao CAPEX, o fornecimento de equipamentos também é bastante concentrado, especialmente no caso das prensas contínuas, nas alemãs Siempelkamp e Dieffenbacher. Rivalidade na indústria: é baixa. Por se tratar de um mercado regional, as unidades fabris das empresas atendem aos polos moveleiros próximos a sua região geográfica, o que faz com que a competitividade seja mais regional do que nacional. Para entender o futuro e as perspectivas da indústria de PMR brasileira, valeu-se de outra ferramenta, a análise SWOT. Do lado das forças, a indústria: (i) trabalha apenas com florestas plantadas, em sua maioria próprias e com um dos maiores índices de produtividade florestal do planeta; (ii) possui grande poder de negociação em relação a seu principal cliente, a fragmentada indústria moveleira; (iii) em sua maior parte, detém um parque industrial moderno, com máquinas no estado da arte e de elevada escala; e (iv) é concentrada, com empresas bastante organizadas. Em contrapartida, podem-se listar como fraquezas da indústria: (i) a distância geográfica não permite que as exportações sejam viáveis do ponto de vista econômico, o que restringe a atuação das empresas ao mercado interno; (ii) a dependência do setor moveleiro; (iii) assim como no caso das exportações, a distância da maioria das plantas industriais para as regiões Norte e Nordeste do Brasil (onde o consumo tem crescido a taxas superiores à média nacional) encarece o frete do produto e tira parte de sua competitividade; e (iv) exposição cambial em parcela relevante dos custos, sem a contrapartida de receitas, em nível semelhante, atreladas a moedas externas. No campo das oportunidades, existem diversos vetores positivos, como: (i) espaço para substituição de serrados e compensados; (ii) o ainda eleva- 379 Produtos Florestais

381 380 do déficit habitacional brasileiro; (iii) ampliação do uso, que ainda é bastante insipiente, de PMR na construção civil; (iv) crescimento de plantios florestais sem destinação específica, especialmente na nova fronteira florestal brasileira, que inclui os estados de Mato Grosso do Sul, Maranhão, Piauí e Tocantins, que podem ser eventualmente utilizados pela indústria de PMR (ainda que condicionados a estabelecimento de polos moveleiros); e (v) inovações de produto e processo, especialmente as que tragam novas propriedades, usos e aplicações ao produto final, bem como reduzam o consumo de insumos e, consequentemente, o custo produtivo. Nesse quesito, uma das últimas novidades é o WPC, que, a despeito de ainda estar em fase inicial de uso, possui grande potencial, por ter características de ambos os materiais, um leque de aplicações amplo e fortes credenciais ambientais. Em diversas oportunidades, consultorias como Poyry e STCP vêm destacando o potencial desse novo material, ainda que, como é o caso de todos os produtos de madeira, dependa muito da aceitação cultural dos clientes para ter seu uso difundido (parece ser o caso do OSB, que, apesar de estar há quase uma década no mercado brasileiro, continua com participação diminuta no mercado de painéis). Em contrapartida, listam-se como ameaças: (i) a possibilidade de contínuo baixo crescimento da economia nacional, em especial quando se relaciona ao poder de compra da população; (ii) o risco de novos entrantes; e (iii) pressão em custos, como mão de obra (pela baixa taxa de desemprego e aumentos reais do salário mínimo), resinas (desequilíbrio entre a oferta e a demanda) e energia elétrica, além do risco de desvalorizações cambiais. Panorama de mercado painéis de madeira Principais conclusões Nos últimos anos, a despeito da crise financeira internacional que afetou fortemente os mercados imobiliários das economias desenvolvidas, o consumo global de painéis de madeira apresentou crescimento acima do registrado pelo PIB mundial. Apesar de ser positivamente correlacionada com renda, a distribuição de consumo de painéis entre os países (bem como outros produtos de madeira sólida, como serrados) é mais afetada por hábitos, padrões culturais e oferta local de produtos. Globalmente, na ótica da oferta, os maiores produtores (o Brasil é o sexto) costumam ser os mesmos países que se encontram entre os maiores consumidores, uma vez que os painéis de madeira não são amplamente ne-

382 gociados internacionalmente, ainda que produtos com maior valor agregado, como o MDF, a chapa de fibra e os compensados, apresentem coeficientes de exportação maiores. Em se tratando da demanda no Brasil, os painéis de madeira obtiveram crescimento muito acelerado nos últimos anos (acima do PIB ou da construção civil), sobretudo o MDF e, em menor medida, o MDP. Os PMR beneficiaram-se das condições macroeconômicas que resultaram em aumento de demanda por bens de consumo no país (dado que são majoritariamente utilizados na confecção de móveis), na redução do déficit habitacional e na substituição dos serrados e compensados. Nesse sentido, o prognóstico para os próximos anos é misto, pois, se de um lado ainda existe espaço para substituição de compensados e serrados, do outro, o modelo econômico brasileiro baseado em consumo pode estar chegando a seu limite. No caso da oferta de PMR, produto que revela baixos coeficientes de exportação e importação, a indústria nacional tem adicionado novas capacidades mais do que suficientes para atender à elevação da demanda. As barreiras a novos entrantes são baixas, o que se revela nas novas companhias que iniciaram produção no país recentemente. De acordo com projetos anunciados na mídia, existem pelo menos três novos entrantes potenciais para os próximos anos. Apesar de ter observado o ingresso de novos players, a indústria segue bastante concentrada, e projetos previstos para as grandes companhias do setor devem manter a baixa dispersão produtiva. Especificamente sobre a capacidade instalada de PMR no Brasil, apesar das dificuldades em obterem-se números precisos, os dados da Abipa sugerem que houve uma queda no Nuci de MDF e MDP no período ante o período Para o futuro, com base nos projetos anunciados, continua-se enxergando um Nuci em níveis menores, especialmente no MDP. No que tange à rentabilidade, a despeito da elevada ociosidade na capacidade instalada, o setor apresenta números bastante saudáveis com elevadas margens EBITDA e indicador EBITDA/ativo imobilizado igual ou maior do que o registrado pela brasileira Fibria, maior produtora de celulose de mercado do mundo. A baixa força dos produtos substitutos (seja dos serrados e compensados ou de PMR importados) e dos clientes (são 12 empresas de PMR perante 17 mil no setor moveleiro) ajuda a explicar a força dessa indústria, a despeito do alto risco de novos entrantes. É válido ainda destacar 381 Produtos Florestais

383 382 a exposição cambial em parcela relevante dos custos, em uma indústria que tem suas receitas fundamentalmente atreladas à moeda interna. Panorama de mercado painéis de madeira Referências Abimci Associação Brasileira da Indústria de Madeira Processada Mecanicamente. Estudo Setorial 2013 Ano-Base Curitiba, Abraf Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas. Anuário Estatístico Abraf 2013 Ano-Base Brasília, Biazus, A.; Da Hora, A.; Leite, B. Panorama de mercado: painéis de madeira. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 32, p , Foekel, C. Fabricação e produção de chapas MDF a partir dos pinus. PinusLetter, n. 5, mai Disponível em: < pinus_05.html>. Acesso em: abr Galinari, R.; Junior, J.; Morgado, R. A competitividade da indústria de móveis do Brasil: situação atual e perspectivas. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 37, p , Mattos, R.; Gonçalves, R.; Chagas, F. Painéis de madeira no Brasil: panorama e perspectivas. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 27, p , Movergs Associação das Indústrias de Móveis do Estado do Rio Grande do Sul. Panorama do Setor Moveleiro no RS e Brasil Disponível em: < php?pasta=panorama_setor_moveleiro>. Acesso em: abr Neto, V.; Furtado, B.; Krause, C. Nota técnica estimativas do déficit habitacional brasileiro (PNAD ). Brasília: Ipea, Remade. A indústria brasileira de painéis de madeira. Revista da Madeira, n. 71, mai. 2003a. Disponível em: < revistadamadeira_materia.php?num=331>. Acesso em: abr Características tecnológicas e aplicações. Revista da Madeira, n. 71, mai. 2003b. Disponível em: < revistadamadeira_materia.php?num=328>. Acesso em: abr

384 . Produção de compósitos de plástico com madeira. Revista da Madeira, n. 101, jan Disponível em: < revistadamadeira_materia.php?num=1021>. Acesso em: abr Research in China. China Medium Density Fiberboard Industry Report, Mar Disponível em: < PdfFile/ pdf >. Acesso em: abr Szachnowicz, R. Brazil s Wood Panels Will supply match growing demand? In: Latina Conference, São Paulo, Produtos Florestais Sites consultados Abipa Associação Brasileira da Indústria de Painéis de Madeira < Aliceweb < FAO Food and Agriculture Organization < IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística < IMF International Monetary Fund < ITC International Trade Centre < ITTO The International Tropical Timber Organization < Minerals UGSG < SNIC Sindicato Nacional da Indústria do Cimento < UNECE United Nations Economic Commission for Europe < US Bureau Of Labor Statistics < WBPI Wood Based Panels International <

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386 Automotivo BNDES Setorial 40, p Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil Bernardo Hauch Ribeiro de Castro Daniel Chiari Barros Luiz Felipe Hupsel Vaz * Resumo A indústria automotiva brasileira é uma das mais relevantes econômica, técnica e politicamente na economia nacional. No mundo, ela figura também como uma das grandes fontes de inovação. Vários países dispõem de políticas setoriais para o setor automotivo. No Brasil, o setor passou por fases com maior e menor presença de empresários locais e, atualmente, é dominado por empresas multinacionais. Neste artigo, propõe-se, com base na análise de casos em países emergentes, no histórico da indústria automotiva no Brasil e no panorama atual, construir um modelo que auxilie a proposição de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento tecnológico e à aceleração da trajetória de acumulação de conhecimento no setor. * Respectivamente, gerente, economista e engenheiro do Departamento das Indústrias Metal-Mecânica e de Mobilidade da Área Industrial do BNDES. Os autores agradecem os comentários de Haroldo Fialho Prates, além do auxílio de Suzana Gonzaga da Veiga, isentando-os da responsabilidade por erros remanescentes.

387 386 Introdução Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil A indústria automotiva brasileira é complexa, diversificada e possui grande importância na composição do Produto Interno Bruto (PIB) industrial representou 21% do produto industrial em 2012 [Anfavea (2014)], sendo peça fundamental para a geração de inovações no país. Como discutido em Castro, Barros e Vaz (2014), a importância dessa indústria na cadeia inovativa decorre não apenas de seu peso na economia brasileira, mas também do amplo efeito de encadeamento produtivo e do dinamismo característico do setor, que requer uma constante introdução de novos produtos e tecnologias para a boa performance de mercado. A realização local da engenharia cumpre ainda papel decisivo na definição dos fornecedores e no desenvolvimento local das soluções. A maior ou menor participação do país nas atividades de engenharia e desenvolvimento de produtos, tendo em vista a configuração atual da indústria automotiva brasileira com predomínio de empresas multinacionais, depende de diversos fatores. Quando um produto é desenvolvido fora da matriz, há uma concorrência intercompany entre as subsidiárias das montadoras espalhadas ao redor do mundo. Além da própria estratégia de cada montadora, a importância relativa da subsidiária e do mercado locais, a existência de uma adequada infraestrutura de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), a oferta de mão de obra qualificada, a estrutura de financiamento local, a conjuntura macroeconômica etc. são fatores que influenciam na participação do país no desenvolvimento de novos veículos e soluções automotivas. Também discutido no artigo supracitado, o Brasil já percorreu boa parte da trajetória de acumulação de conhecimento do setor, sendo hoje um país produtor de veículos que realiza desenvolvimentos de engenharia significativos. O Brasil, todavia, não se encontra na vanguarda do segmento, ou ainda no estágio de desenvolvedor e exportador do que há de mais moderno no mundo automotivo. A tendência é que as montadoras concentrem as inovações disruptivas em suas matrizes. Ainda que as subsidiárias ganhem competências e que o país e a filial reúnam atributos para realização local de P&D e engenharia, a efetiva realização dessas atividades dependerá sempre do crivo da matriz. A subsidiária tem, portanto, autonomia reduzida, ainda que amplie seu papel no desenvol-

388 vimento de produtos e processos dentro da empresa, como explicita o trecho a seguir. Quanto a essa mudança de papéis, Ferdows apresenta alguns mecanismos que poderiam ser utilizados para impulsioná-la; basicamente, trata-se de aumentar a competência da unidade, que gradativamente assume maiores responsabilidades, passando, na sequência, pela manutenção dos processos, pela seleção de fornecedores e gestão da logística local, pela melhoria dos processos, pelo desenvolvimento de fornecedores, pelo desenvolvimento de processos, pela melhoria de produtos, pelo seu desenvolvimento completo, pelo fornecimento dos produtos a mercados globais até tornar-se um centro mundial de conhecimento de produto e/ou processo. Entretanto, a passagem de um nível para outro, a aquisição de maiores responsabilidades, passa sempre pelo crivo da matriz, em se tratando de subsidiárias, ainda que estas possuam certa autonomia. A sequência proposta por Ferdows faz mais sentido para o estabelecimento de estratégias do ponto de vista da matriz, que optaria pelo progresso tecnológico de suas filiais, delegando a elas maiores responsabilidades, e não da subsidiária que deseje aumentar suas competências, nem dos países onde as filiais estão localizadas e que desejem atrair para seu território atividades de desenvolvimento tecnológico [Dias (2003, p. 109)]. 387 Automotivo Um dado que ilustra bem essa concentração do P&D nas matrizes é a quantidade de patentes no setor. Observando-se o tema reduções de emissões e eficiência energética em transportes, que tem figurado como uma das grandes ênfases nos trabalhos de pesquisa no setor automotivo, nota-se que os países que sediam montadoras têm, em média, quase três vezes mais patentes que a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e mais de oito vezes a média mundial. O Gráfico 1 mostra essa análise. Há uma lógica econômica, portanto, que indica que, entre outros benefícios, montadoras de capital nacional contribuiriam para o avanço do país na direção da fronteira tecnológica do setor. Bahia e Domingues (2010) ressaltam ainda que a estrutura de inovação no setor automotivo é mais frequente a jusante que a montante, ocorrendo da montadora para os fornecedores, o que reforça o papel das empresas do topo da cadeia. Na matriz SWOT apresentada no relatório da ABDI (2009), é apontado que a ausência de uma montadora (e sistemista) de capital nacional dificulta o investimento

389 388 pesado em tecnologias disruptivas no país, atrapalhando o desenvolvimento das tecnologias de propulsão. Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil Gráfico 1 Depósitos de patentes internacionais por país de residência do inventor de tecnologias para redução de emissões e eficiência energética em transportes Brasil China Fonte: Elaboração própria, com base em OECD (2014) Média países-sede montadoras Média mundo Na história da indústria automotiva brasileira, surgiram muitas iniciativas de montadoras de capital nacional, tendo algumas, inclusive, obtido certo destaque, como a Fábrica Nacional de Motores (FNM) e a Gurgel. Atualmente, o Brasil tem montadoras de capital nacional, mas que, em sua maioria, atendem a nichos de mercado, sem vislumbrar grandes escalas. Diante do exposto, o objetivo do presente artigo é apresentar um breve histórico das iniciativas de capital nacional ao longo do tempo, buscando identificar elementos comuns nessas experiências, os principais desafios e obstáculos enfrentados, além de debater quais são os atributos mais importantes em uma montadora nacional. A partir das experiências acumuladas, algumas considerações serão tecidas de modo a contribuir para a reflexão sobre o tema. As perspectivas de atuação do BNDES também serão apresentadas. O artigo contará com seis seções, com esta introdução. Na segunda, será apresentado um breve panorama das montadoras ao redor do mundo. Em seguida, será realizado um levantamento histórico das principais iniciativas de montadoras de capital nacional que encerraram suas atividades. Na quarta seção, serão discutidos os atributos mais importantes em uma montadora

390 nacional e a relevância de cada um. Para tanto, serão também expostos os resultados de um levantamento com especialistas do setor. Na quinta seção, as montadoras de capital nacional em operação serão abordadas; e, na sexta seção, serão apresentadas as perspectivas de atuação do BNDES e as considerações finais. 389 Automotivo Montadoras nacionais em países emergentes A indústria automotiva nasceu no fim do século XIX, ganhando escala a partir do início do século XX, com mais pujança nos Estados Unidos da América (EUA) e na Europa. Com as escalas crescentes, diversas montadoras foram surgindo nos países hoje desenvolvidos, como EUA, Alemanha, França, Itália e Japão. Em uma segunda fase, mais recente, montadoras surgiram também em países emergentes como a Coreia do Sul, a China, a Índia, a Rússia e a Turquia. Nesta seção, serão apresentadas experiências selecionadas dos países emergentes que lograram maior sucesso. O objetivo é identificar os elementos comuns, mas também os particulares, nessas trajetórias, com o objetivo de enriquecer a discussão do caso brasileiro. Índia Caso Tata A Tata Motors foi constituída em 1945 e pertence ao Grupo Tata, fundado em 1868 e que compreende mais de cem empresas atuando em sete ramos de negócios (comunicações e tecnologia da informação, engenharia, materiais, serviços, energia, bens de consumo e químicos). O Grupo Tata é o maior empreendimento privado da Índia e tem o capital aberto em bolsa de valores. A Tata Motors começou produzindo locomotivas. Em 1954, iniciou a produção de comerciais médios sob licença da Daimler AG. Após um avanço lento, cresceu a partir de fins da década de 1980 e início da década de Em 1986, foi produzido o primeiro veículo comercial leve desenvolvido localmente, o Tata 407. Em 1991, o primeiro veículo de passageiros, o Tata Sierra, foi lançado. Desde então, vários modelos leves e pesados foram lançados em ritmo mais intenso. Os mais famosos são o Tata Indica e o Tata Nano, projetado para ser o automóvel mais barato do mundo. Em 2008, a Tata Motors adquiriu a Jaguar Land Rover da Ford. A montadora permanece firmando joint ventures com montadoras de outros países,

391 390 como exemplo, com a italiana Fiat e a brasileira Marcopolo, ambas as parcerias realizadas em O Grupo Tata Motors faturou US$ 32,5 bilhões no exercício financeiro , 1 13,4% acima do registrado no exercício anterior. 2 Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil Caso Mahindra O Grupo Mahindra foi fundado em 1945 e sua entrada no segmento automotivo se deu em 1947, produzindo o Jeep Willys sob licença. Atualmente, o grupo opera em 18 indústrias, tendo alcançado faturamento de US$ 7,3 bilhões no exercício financeiro Com maior tradição em utilitários, a empresa produz veículos em todos os segmentos (automóveis, comerciais leves, ônibus e caminhões), fornecendo uma gama relativamente vasta de modelos. A Mahindra desenvolveu e produz o carro elétrico Mahindra e2o, que utiliza tecnologias modernas, como a de frenagem regenerativa. Em 2011, a Mahindra adquiriu a sul-coreana Ssangyong Motor, fabricante de utilitários leves, ampliando sua atuação no setor automotivo. Outros casos Também merece destaque a Ashok Leyland, montadora com atuação marcante no segmento de veículos pesados e que, por meio de joint venture com a Nissan, entrou no segmento de comerciais leves. A empresa é a quarta maior fabricante de ônibus do mundo e a 16ª maior de caminhões. O faturamento da empresa no exercício foi de US$ 2,3 bilhões. 4 A empresa faz parte do Grupo Hinduja, de origem indiana, mas agora sediado no Reino Unido. Há também algumas montadoras de menor porte, como a Hindustan Motors, que fabrica o Ambassador, tradicional táxi indiano, a Premier Ltd, que produz a Sport Utility Vehicle (SUV) 5 Rio e o comercial Roadstar, e a Bajaj Auto, que fabrica o tradicional triciclo conhecido popularmente como tuk-tuk. 1 Faturamento consolidado do Grupo Tata Motors em rúpias indianas convertido para dólar, de acordo com a taxa de câmbio de 13 de maio de 2014 (US$ 1 = 59, rúpias indianas). O ano financeiro na Índia vigora de abril a março. 2 Fonte: Tata Motors. 3 Idem ao cálculo realizado para a Tata. 4 Fonte: Ashok Leyland. 5 SUV é um veículo baseado no conceito das caminhonetes, desenvolvido para suportar percursos fora de estrada.

392 China Com o acelerado crescimento econômico, a indústria automotiva chinesa vem se expandindo a taxas muito elevadas. Em 1999, a China produziu 1,8 milhão de veículos e figurava apenas como o nono maior produtor mundial. Uma década depois, a China tornar-se-ia o maior produtor de veículos do mundo. Em 2009, produziu 13,8 milhões de veículos. No mesmo ano, o Japão, então segundo produtor mundial, produziu 7,9 milhões. Em 2013, a produção chinesa alcançou 22,1 milhões de veículos, mais do que o dobro dos EUA, que, desde 2011, passou a ocupar o posto de segundo produtor mundial. A taxa de crescimento anual média ponderada (CAGR) da produção de veículos foi de 19,5% no período de 1999 a Concomitantemente a esse ganho de importância, surgiram mais de cem montadoras nos últimos anos na China [Bomey (2013); Shirouzu (2012)]. Há, todavia, uma grande concentração em torno de algumas grandes montadoras. A SAIC, maior empresa automotiva chinesa, tem cerca de 23% do mercado local. 6 Dongfeng, FAW, Changan, Beijing, Ghangzou, Chery, JAC, BYD, Brilliance e Geely são outros players locais bastante representativos no setor. A despeito da má qualidade das informações, é possível observar padrões recorrentes. Com exceção da Geely, todas as empresas mencionadas são estatais. A maior parte possui marca(s) própria(s) e também atua por meio de joint ventures com empresas de outros países, produzindo veículos de marcas estrangeiras. A SAIC, que possui joint ventures com a Volkswagen, a General Motors e a Iveco; a FAW, com a Toyota e a General Motors; a Dongfeng, com a Peugeot Citroën e a Nissan; a Changan, com a Ford; e a Brilliance, com a BMW, são alguns exemplos das parcerias mais importantes. 391 Automotivo Coreia do Sul Caso Hyundai Em 2011, o Grupo Hyundai era o segundo maior chaebol (conglomerado de empresas) coreano, atrás apenas da Samsung e à frente de outros importantes, como a SK Group, a Hanwha, a LG, a Lotte, a Kumho etc. Em 2011, a Hyundai Motor foi responsável por 11% do PIB da Coreia 6 Fonte: SAIC Motor.

393 392 do Sul [Lee (2013)]. A Hyundai Motor teve faturamento consolidado de US$ 85,2 bilhões em Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil A Hyundai Motor foi fundada em Inicialmente, por meio de uma associação com a Ford, produziu o Cortina. Em 1974, a Hyundai lançou o Hyundai Pony, o primeiro automóvel da empresa. 8 Dali em diante, vários lançamentos contribuiriam para consolidar a marca, como o Sonata, em 1988, e o Elantra, em Pouco mais de vinte anos após sua fundação, a Hyundai ganhava o mercado internacional, inclusive o norte-americano. Outro momento importante foi a aquisição da Kia pela Hyundai, em 1998, de acordo com informação disponível no site da Hyundai Motor. Em 2012, a Hyundai ocupou a posição de quarta maior montadora mundial em volume de produção. 9 A Hyundai foi beneficiada pela estratégia de desenvolvimento adotada pelo governo coreano de apoiar a formação de grandes conglomerados empresariais a partir da década de A estratégia bem-sucedida tornou a Coreia do Sul um caso emblemático e bastante estudado. Segundo Lee (2013), o PIB per capita atual é cem vezes o verificado em De modo geral, o governo fez vasto uso de diversos instrumentos com o objetivo de fortalecer os grupos econômicos com boa performance. Esses instrumentos, desde a disponibilização de crédito a juros baixos quanto o uso de licenças seletivas de importação e de taxas múltiplas de câmbio, foram extensamente discutidos em Nelson (1993). O sucesso de Samsung, LG, Kumho, assim como o da própria Hyundai, deve-se, em parte, à política de consolidação dos chaebols. Caso Kia A fundação da Kia ocorreu em Inicialmente, a Kia dedicou-se à fabricação de bicicletas. Posteriormente, fabricou veículos e equipamentos militares. Em 1962, lançou o primeiro caminhão produzido na Coreia, o K-360, e, em 1974, o primeiro automóvel Kia, o Brisa, que também contava com uma versão tipo caminhonete. Um ano depois, iniciou a expor- 7 Faturamento convertido para dólar de acordo com a taxa de câmbio de 15 de maio de 2014 (US$ 1 = 1.025,33 won coreanos). 8 O modelo Pony foi apresentado em 1974 no Salão Automóvel de Turim, na Itália. Contudo, o Pony utilizava tecnologia da Mitsubishi, como o motor, a transmissão e a suspensão, e foi desenhado pelos estúdios de design italianos da Giugiaro. 9 Fonte: OICA.

394 tação do Brisa. Mesmo com o lançamento de veículos importantes, como o Bongo, em 1981, e a Sportage, em 1993, a Kia passou por dificuldades financeiras na década de Como comentado, em 1998, foi adquirida pela Hyundai. Os anos seguintes marcaram uma ampla reestruturação da empresa. A Kia investiu maciçamente na ampliação e modernização de seu parque produtivo e na renovação de sua linha de produtos, com foco em tecnologia, qualidade e design. Além da fábrica coreana, produz nos EUA (fábrica inaugurada em 2010), na China (três fábricas, a última iniciou a produção em janeiro de 2014) e na Eslováquia (planta concluída em 2007). Atualmente, fabrica automóveis e comerciais leves de sucesso, como o Soul, o Sportage, o Picanto, o Cerato e o Sorento. Em 2013, a Kia Motors faturou US$ 46,4 bilhões. 10 A montadora comercializou 2,83 milhões de veículos em 2013, dos quais 2,29 milhões fora da Coreia do Sul Automotivo Turquia A Turquia ocupa um posto intermediário na indústria automotiva. Em 2013, foi o 17º maior produtor mundial, com 1,13 milhão de veículos. De acordo com a Automotive Industry Exporters Union of Turkey (OIB), entidade representativa do setor, o país possui quatro montadoras de capital exclusivamente nacional. Todas atuam no segmento de veículos pesados. A Temsa fabrica ônibus; a Otokar, ônibus, veículos de defesa e modelos da Land Rover Defender sob licença; a BMC produz ônibus e caminhões; e a Karsan, ônibus de marca própria e caminhões sob licença da Hyundai Motor. Em conjunto, as quatro montadoras têm capacidade produtiva de 133 mil veículos por ano. 12 Além disso, há outras três montadoras de capital majoritariamente turco que produzem veículos de marcas estrangeiras sob licença (Tofas Fiat, Anadolu Isuzu e Ford Otosan). As três têm capacidade para produzir 743 mil veículos por ano. Como a capacidade instalada total da indústria turca é de 1,58 milhão, as empresas de capital exclusivamente ou majoritariamente turco respondem por 55,4% desse valor. 10 Idem ao cálculo realizado para a Hyundai. 11 Fonte: Kia Motors. 12 Os dados referentes à capacidade da indústria turca são do ano de 2013.

395 394 Rússia Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil Caso Avtovaz A Avtovaz foi fundada em 1966 como empresa estatal. É a maior montadora russa e proprietária da marca Lada. As origens da empresa remontam a uma parceria estabelecida com a Fiat. Os primeiros modelos, inclusive, foram baseados no Fiat 124. Embora nas décadas de 1980 e 1990 a empresa tenha emplacado alguns modelos de sucesso, como o Lada Riva, e conseguido exportar seus produtos para dezenas de países, inclusive para o Brasil, problemas como a defasagem tecnológica e o design pouco atrativo levaram à queda da aceitação da marca. Com a recente crise europeia, a empresa passou por graves dificuldades financeiras, com queda abrupta de produção e corte de pessoal. Em meio à crise, em 2008, a Renault adquiriu 25% do capital da empresa. Em 2012, a Renault-Nissan assumiu o controle acionário da Avtovaz adquirindo 50% mais um das ações. Isso se deu por meio da criação de uma joint venture com a estatal Russian Technologies, na qual a Renault-Nissan possui 67,13% das ações. Essa joint venture, por sua vez, representa 74,5% do capital da Avtovaz. Em relação a mercado local, a Lada continua na liderança em produção e vendas. Em 2013, a Rússia produziu 1,9 milhão de veículos, com a montadora produzindo 438,4 mil, 23% do total. Em relação às vendas, a Lada tem cerca de 16% do market share na Rússia. A aliança Renault-Nissan-Lada tem aproximadamente 30%. No primeiro semestre de 2013, a Lada foi a 31ª marca mais vendida no mundo, considerando apenas veículos leves de passageiros, com 258,4 mil unidades comercializadas, sendo a maior parte para o mercado doméstico. 13 No segmento de veículos comerciais, o grande destaque é o Gaz Group, empresa sediada na Rússia, que detém 50% do mercado de comerciais leves e cerca de 65% do de ônibus no país. O grupo possui 13 plantas em oito regiões do país. Além de fabricar veículos de marcas próprias, o Gaz Group atua por meio de joint ventures com Volkswagen, General Motors e Daimler, produzindo veículos dessas montadoras sob licença. Possui ainda parcerias industriais com empresas estrangeiras para a produção de peças e partes, conforme site da empresa. 13 Fonte: focus2move.com.

396 Síntese 395 Quadro 1 Síntese das experiências internacionais selecionadas País Produção (milhões de veículos) Vendas (milhões de veículos) Principais montadoras locais Perfil mapeado Exportações de produtos automotivos (USD bilhões) Patentes* Patentes* por milhão de unidades produzidas Automotivo Coreia do Sul ,5 1,5 Hyundai, Kia - Chaebols ,67 32,1 (conglomerados) - Presença de marcas próprias - Presença de ,5 estatais - Presença de marca própria - Produção sob licença Rússia 2,2 3 Avtovaz, Gaz Group China 22,1 22 SAIC Motor, Dongfeng, FAW, Chang an, Beijing, Ghangzou, Chery, JAC, BYD, Brilliance, Geely Índia 3,9 3,2 Tata Motors, Mahindra, Ashok Leyland, Hindustan, Premier, Bajaj Auto - Presença de estatais - Joint ventures com estrangeiros - Presença de marcas próprias - Joint ventures com estrangeiros - Produção sob licença - Algumas aquisições de montadoras estrangeiras - Conglomerados - Presença de marcas próprias 43,1 85,41 4, ,01 4,6 (Continua)

397 396 Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil (Continuação) País Produção (milhões de veículos) Vendas (milhões de veículos) Principais montadoras locais Perfil mapeado Exportações de produtos automotivos (USD bilhões) Patentes* Patentes* por milhão de unidades produzidas Turquia 1,1 0,9 Temsa, Otokar, BMC, Karsan, Tofas Fiat, Anadolu Isuzu, Ford Otosan - Marcas locais restritas a veículos pesados - Produção sob licença em veículos leves - Joint ventures com estrangeiros 14,8 3,98 3,3 Brasil 1 3,7 3,8 Agrale, Hyundai Caoa, MMC - Presença de marca própria em veículos pesados e comerciais leves - Produção sob licença em veículos leves 13 4,35 1,3 Fonte: Elaboração própria, com base em dados da pesquisa, OICA (2014), OECD (2014), WTO (2013) e das empresas. * Refere-se a depósitos de patentes internacionais por país de residência do inventor de tecnologias para redução de emissões e eficiência energética em transportes. Há casas decimais porque há alocações proporcionais quando uma patente tem mais de um inventor. 1 Listado para fins de comparação. Dados sobre o Brasil estão disponíveis nas seções subsequentes. O Quadro 1 mostra uma síntese das experiências internacionais selecionadas. 14 É possível observar que vários países têm políticas específicas para o setor automotivo. Enquanto China e Rússia optaram por ter montadoras estatais, os demais países, via de regra, têm parte da produção feita sob licença, utilizando marcas estrangeiras, e parte com marca própria, especialmente em veículos pesados ou específicos para o mercado local. Uma característica que parece perpassar os casos de China, Índia, Coreia do Sul, Turquia e 14 Não é objetivo deste artigo entrar a fundo nas experiências internacionais. Portanto, optou-se por selecionar casos mais recentes. Há diversos países que contam com montadoras locais há mais tempo, por exemplo: Alemanha (Volkswagen, Mercedes, BMW), EUA (GM, Ford), França (Renault, PSA), Itália (Fiat), Japão (Toyota, Honda, Nissan, Mitsubishi) e Suécia (Volvo).

398 Rússia é a preocupação com a localização do centro de decisão de parte da indústria. Embora isso efetivamente só possa ser confirmado por meio de uma análise das políticas para o setor nesses países, o que não é objetivo deste artigo, a estrutura da indústria tende a transparecer essa preocupação. De certa forma, o Brasil também transitou por algumas dessas políticas durante o período de implantação de sua indústria automotiva. Houve uma estatal e parcerias com grupos locais, além da produção sob licença, como será visto a seguir. 397 Automotivo Histórico das montadoras de capital nacional no Brasil Até o início da década de 1950, a indústria automotiva brasileira contava basicamente com unidades de montagem de veículos a partir de kits importados e com uma nascente indústria de autopeças voltada ao mercado de reposição. O Plano de Metas lançado no governo Juscelino Kubitschek ( ) foi determinante para o desenvolvimento do setor automobilístico no país, dando início a uma série de importantes investimentos industriais. A evolução do setor ao longo dos anos e a importância do BNDES para sua formação e consolidação foram tratadas em Santos e Burity (2002) e em Barros e Pedro (2012). No fim da década de 1950 e no início da década seguinte, o mercado nacional, ainda pequeno, cresceria sobremaneira, de apenas 31 mil veículos, em 1957, para 190 mil veículos, em 1962 [Anfavea (2014)]. Na disputa por esse crescente mercado, muitas montadoras instalaram-se e, embora as iniciativas de estrangeiras tenham sido em maior número, algumas montadoras nacionais também ingressaram. Desde o início da produção de caminhões pela FNM em 1949 até os dias atuais, o país sediou diversas iniciativas de montadoras nacionais, algumas com relativo destaque, por exemplo, a própria FNM, a Vemag e a Gurgel. Na presente seção, serão destacadas as principais iniciativas que já se encerraram ou que ainda operam, mas com capital estrangeiro, e, em seção posterior, serão destacadas as montadoras de capital nacional que se encontram ativas. Além das iniciativas nascidas à época do Plano de Metas na década de 1950, a maior parte ocorreu até o fim da década de Concentradas no estado de São Paulo, principal polo automotivo do país, a maior parte das empresas buscou entrar no segmento de automóveis e outra parte relevante

399 398 em comerciais leves. Do levantamento realizado, apenas a FNM, a Puma e a Engesa fabricaram produtos do segmento de pesados. Muitas se dedicaram a veículos esportivos, como a Puma e a Miura; algumas a réplicas, como a Lafer, a Avallone e a Envemo (também realizava adaptações em veículos de outras marcas). A maior parte das montadoras possuía projeto próprio, mas utilizava mecânica da Volkswagen. Uma análise mais detalhada será traçada adiante para as iniciativas de maior destaque. Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil O Quadro 2 exibe, em levantamento não exaustivo, as principais montadoras de capital nacional que já encerraram suas atividades e as que ainda estão em operação, mesmo que com controle de capital estrangeiro, apresentando o ano de início e de encerramento da produção, os produtos fabricados, uma estimativa de produção acumulada e o local da fábrica. Quadro 2 Principais montadoras de capital nacional com atividades encerradas ou em operação com controle estrangeiro (levantamento não exaustivo) Empresa Início da produção Encerramento da produção Produtos Unidades produzidas* Local FNM A, C, O Duque de Caxias (RJ) Willys A, CL São Bernardo do Campo (SP) Vemag A, CL São Paulo (SP) Romi A Santa Bárbara D'Oeste (SP) Puma A, C, O Matão (SP) Brasinca A 76 São Caetano do Sul (SP) Gurgel A, CL Rio Claro (SP) Adamo A São Paulo (SP) Lafer A São Bernardo do Campo (SP) Santa Matilde A 937 Três Rios (RJ) (Continua)

400 (Continuação) Empresa Início da produção Encerramento da produção Produtos Unidades produzidas* Local Engesa CL, C São Paulo (SP) Avallone A 200 São Paulo (SP) Bianco 1976 Meados da década de 1980 A n.d. Diadema (SP) Miura A Porto Alegre (RS) Farus A n.d. Belo Horizonte (MG) Envemo A, CL 202 São Paulo (SP) Corona A 300 São Paulo (SP) Dacon A 180 São Paulo (SP) Companhia Brasileira de Tratores (CBT) CL São Carlos (SP) JPX CL Pouso Alegre (MG) Troller 1997 Em operação CL Horizonte (CE) Bramont Em operação CL Manaus (AM) Fonte: Elaboração própria, com base em Anfavea (2006; 2014), Baldocchi (2014), Bastos (2006), Berezovski (2002; 2003; 2004; 2005a; 2005b; 2006a; 2006b), Bramont (2014), Cabral (2012), Castaings (2000; 2001a; 2001b), Ford (2013), Gandra (2005), Laguna (2012), Lopes (2011; 2012), Monegato (2011), Okubaro (2001), Pereira (2009; 2010), Quatro Rodas (1990), Revista Chapa (2010), Romi (2011), Samahá (2001; 2002; 2007), Seixas e Arantes (s.d.) e Troller (2014). Legenda: A = automóveis, CL = comerciais leves, C = caminhões e O = ônibus. * Estimativa da produção acumulada de veículos (inclui automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus). Para as montadoras em operação, a produção estimada está acumulada até A Romi foi fundada em De 1956 a 1961, a Romi produziu o automóvel Isetta sob licença da empresa italiana Iso. 2 Em 1965, a Brasinca iniciou a produção do 4200 GT. Em 1966, a Sociedade Técnica de Veículos (STV) adquiriu os direitos de produção e o fabricou até A CBT, fundada em 1959, produzia tratores. De 1990 a 1995, produziu o Jipe Javali. 4 A Bramont, fundada em 2007, monta, sob licença, os veículos utilitários da Mahindra. Em 2011, foi vendida para o grupo chileno Gildemeister. 399 Automotivo

401 400 Ao analisar o histórico das montadoras nacionais no país, é possível constatar algumas características recorrentes. Focando apenas nas iniciativas de maior destaque (aquelas com produção acumulada acima de 9 mil veículos), observa-se que a FNM e a Vemag, embora estampassem suas marcas nos veículos, não tinham projeto próprio. A FNM, fundada em 1942, produziu caminhões sob licença da Isotta Fraschini a partir de 1949 e, posteriormente, caminhões e automóveis sob licença da Alfa Romeo, até ser adquirida por esta em A Vemag iniciou suas atividades em 1945, mas como Distribuidora de Automóveis Studebaker Ltda. Montou veículos de outras marcas no início da década de 1950, mas apenas em 1956 iniciaria a produção de veículos da marca DKW alemã, sob licença da Auto Union. A produção sob licença de empresas estrangeiras criou instabilidades nos dois casos. A FNM precisou encontrar novo parceiro quando a Isotta Fraschini foi à falência, ainda em Já à época de produção sob licença da Alfa Romeo, o alto grau de dependência de produtos importados da empresa italiana e a elevada taxa de despesa de assistência técnica fixa (prevendo o contrato a fabricação de número de veículos muito superior à produção efetiva) contribuíram para deteriorar a situação da FNM [Paiva (2004)]. Em situação complicada, a alienação para empresas estrangeiras aparecia como uma alternativa, e a proposta da própria Alfa Romeo acabou vingando. No caso da Vemag, sua compra pela Volkswagen do Brasil, em 1967, e o fim da produção dos DKW pouco depois ocorreram na esteira do movimento da Volkswagen alemã, que, ao adquirir a Auto Union em 1964, também pôs fim à produção dos automóveis da marca DKW. A alternativa da Vemag de encontrar outro parceiro, em vez do desfecho ocorrido Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil com sua venda para a Volkswagen, foi prejudicada pela situação financeira delicada da empresa e pela dificuldade para a obtenção dos recursos necessários à readaptação de sua linha de montagem para a fabricação de novos veículos. A Willys-Overland do Brasil foi inaugurada em 1952 como licenciada da Willys americana. Com capital majoritariamente nacional, iniciou sua produção em 1954 (ainda com baixo índice de nacionalização de componentes) a partir de projetos estrangeiros. Em 1967, a Willys foi vendida para a Ford, que continuou produzindo por alguns anos sob a marca Ford-Willys até descartar integralmente a marca. 15 Em 1976, a Fiat assumiu o controle da Alfa Romeo.

402 As empresas Puma, Miura e Gurgel têm algumas semelhanças importantes. Nas três empresas, o projeto dos veículos era nacional e o material usado na carroceria foi a fibra de vidro, mais barato e mais leve do que o aço. As diferenças aparecem quanto à fabricação de motor próprio. Puma e Miura dedicaram-se à produção de modelos esportivos e utilizaram exclusivamente motores de outras empresas, principalmente da Volkswagen. Embora a Gurgel também tenha utilizado motores de outras empresas durante grande parte de sua trajetória, a empresa desenvolveu e fabricou seu próprio motor, o Gurgel Enertron de dois cilindros, que equipou primeiro o BR-800, em 1988, e, posteriormente, o Supermini e outros automóveis da empresa. A Gurgel também produziu o utilitário Itaipu E400, veículo elétrico movido a baterias, somando 87 unidades entre 1981 e Puma, Miura e Gurgel encerraram suas atividades em 1990, 1992 e 1996, respectivamente. Embora algumas particularidades de cada empresa tenham contribuído para o fim dessas iniciativas, algumas características comuns são relatadas em notícias da época, tais como dificuldades financeiras, dívidas, problemas de gestão, baixo volume de vendas, escala de produção reduzida, desconfiança dos consumidores e acirramento da concorrência em virtude da abertura comercial ocorrida no início dos anos A Troller nasceu em 1997 como uma montadora nacional. O primeiro jipe de série desenvolvido e produzido foi o RF Sport. Em 2001, o jipe sofreria modificações diversas, passando a se chamar T4. O jipe teve grande aceitação, e a marca consolidou-se. O sucesso da marca e a possibilidade de extensão dos incentivos fiscais para sua fábrica em Camaçari (BA) atraíram a Ford do Brasil, que, em 2007, adquiriu a empresa e, desde então, conduz o desenvolvimento e a produção dos Troller T4. O Quadro 3 traz o detalhamento das iniciativas de maior destaque. Em razão da dificuldade de se resgatar cada um dos modelos de veículos das empresas, optou-se por escolher o modelo de maior destaque e, então, apresentar a origem do projeto, o material da carroceria, o motor e o fabricante do motor. 401 Automotivo 16 Fonte: Anuário Anfavea.

403 402 Quadro 3 Montadoras de capital nacional com atividades encerradas ou em operação com controle estrangeiro detalhamento de casos selecionados Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil Empresa Origem do capital (N/E)* Marca (N/E) Modelo base FNM 1 N N D (1958) Willys N E Jeep Willys (1959) Vemag N N Belcar (1961) Puma N N Puma GTE (1970) Gurgel N N BR 800 (1991) Miura N N Targa (1979) Troller (status atual) 2 E E T4 (2014) Projeto (N/E) Material da carroceria Motor utilizado E Aço Motor Alfa Romeo 1610 seis cilindros E Aço Motor BF-161 seis cilindros E Aço Motor DKW- Vemag três cilindros N N N N Fibra de vidro Fibra de vidro Fibra de vidro Aço e fibra de vidro Motor VW 1600 quatro cilindros Gurgel Enertron dois cilindros Motor VW 1600 quatro cilindros MWM Maxxforce 3.2H EGR Fabricante do motor Alfa Romeo Willys do Brasil Vemag Volkswagen Gurgel Volkswagen MWM Fonte: Elaboração própria, com base em Bartolomais Júnior (1991), Bedani (2012), Marazzi (1970), Marzanasco Filho (1979), Quatro Rodas (1961), Revista Automóveis e Acessórios, Seixas e Arantes (s.d.), Stammer (2007) e Troller (2014). * N/E = Nacional ou estrangeiro. 1 Os primeiros motores do FNM D eram italianos. Posteriormente, passaram a ser fabricados no Brasil. 2 O T4 foi projetado e desenvolvido pela Troller antes da aquisição pela Ford Brasil em Com a aquisição, o controle e a marca Troller passaram a ser estrangeiros. De forma geral, embora o controle de capital fosse nacional e, em muitos casos, utilizasse uma marca própria, o projeto tendia a ser estrangeiro. Nos casos de projetos nacionais, sua posterior fabricação tendia a ser em

404 fibra de vidro, material mais barato e que exige menos capital fixo na produção. Na maior parte dos casos, o projeto do motor também era estrangeiro, ainda que algumas vezes fosse fabricado no Brasil. Atributos relevantes em uma montadora nacional Com base no levantamento das iniciativas brasileiras do passado e dos exemplos internacionais selecionados, cinco atributos destacam-se: controle do capital, marca, fabricação local, engenharia local e motorização própria. Com maior ou menor grau de importância, eles aparecem sistematicamente nos exemplos listados. Como tais atributos compõem a base da pesquisa de campo realizada, discute-se sinteticamente cada um deles a seguir. 403 Automotivo Controle do capital Talvez o atributo mais óbvio seja justamente a nacionalidade do controle do capital societário da montadora. Em países como a China e a Rússia, como visto anteriormente, o desenvolvimento de uma indústria automotiva local teve como um de seus pilares a presença do Estado no capital. Já em países como a Coreia do Sul e o Japão, ainda que o Estado não participasse do capital das empresas, os chaebols e os keiretsus, respectivamente, eram grupos empresariais de controle nacional fomentados e favorecidos por políticas públicas. Mesmo no Brasil, as principais iniciativas nos primórdios da indústria local tinham capital nacional, como a FNM, a Vemag e a Willys. Marca própria O uso de uma marca de terceiros envolve custos de licenciamento e deixa a empresa a mercê dos interesses do licenciador. Exemplificando, a exportação pode ficar comprometida, visto que os acordos de uso da marca normalmente têm restrição regional. Em outras palavras, o domínio de uma marca gera mais autonomia ao empresário. Todos os países listados no Quadro 1 têm alguma marca local. Nos exemplos históricos do Brasil, algumas montadoras locais fracassaram, pois suas licenciadoras entraram em crise ou foram adquiridas por outras empresas. Por fim, construir uma marca não é algo barato e exige um longo tempo para a aceitação do produto, assim como sua mera aquisição não é algo tri-

405 404 vial. Não por acaso, vários dos maiores anunciantes (em volume de recursos publicitários) no Brasil são ligados à indústria automotiva. Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil Fabricação local Uma das principais preocupações de um país que visa se desenvolver é promover sua indústria local. Os ganhos de produtividade inerentes a esse processo alavancam o crescimento econômico do país. Assim, a produção local torna-se algo fundamental para países como o Brasil, assumindo um ponto central nas políticas voltadas ao desenvolvimento. Por outro lado, em um mundo globalizado, é frequente, ao menos em outras indústrias, a fabricação terceirizada. A terceirização não tem fronteiras. Várias empresas de calçados e vestuário desenham seus produtos em suas sedes, mas os produzem em outros países. Em um produto complexo e regulado como um veículo, em que uma decisão de terceirização envolve muito mais questões do que em outras indústrias, a fabricação local ganha outra dimensão. Fatores como a disponibilidade de peças ou características específicas de cada mercado podem exigir uma fabricação local, freando esse impulso pela globalização. Casos como a aquisição da Chrysler pela Fiat, concluída em 2014, e da Jaguar-Land Rover pela Ford e depois pela Tata Motors em 2008 mostram que talvez a fabricação local tenha um peso relevante, dado que é muito difícil conceber que a Chrysler seja meramente italiana, assim como a Jaguar seja meramente indiana. Há algo que as prende ao país em que foram criadas, que se inicia na fabricação local, mas que vai mais adiante, com uma cadeia produtiva estabelecida e uma relação com o próximo tópico, a engenharia local. Engenharia local Dois fatores surgem do levantamento realizado. O primeiro é o design dos modelos comercializados. O desenho industrial dos veículos é protegido e pode ser licenciado a fabricantes locais. Na história brasileira, há alguns casos de fabricação sob licença. Ao não criar seus próprios modelos, ainda que projete derivados de um modelo desenvolvido em outro país, a montadora torna-se refém da estratégia de sua licenciadora, funcionando quase como uma subsidiária. Não há autonomia para o lançamento de outros modelos, mesmo havendo interesse da licenciada.

406 O segundo fator é relacionado à capacitação que um projeto automotivo envolve. Portanto, ainda que o projeto conceitual seja criado por um escritório de design, por exemplo, depende da montadora sua transformação em um produto viável, bem como sua conexão a uma plataforma da montadora. O design, o desenvolvimento da plataforma e seu casamento são trabalhos de engenharia. Criar esse tipo de capacitação envolve algo além dos bancos das universidades, visto que requer experiência prática, ou seja, depende da existência e diversidade de empresas em território nacional. 405 Automotivo Motorização própria O motor é o coração do veículo. É possível imaginar um veículo sem vidros, sem capota, sem pneus (usando esteiras, por exemplo) ou até sem toda a carroceria, mas nunca sem motor, pois sua utilidade final é o movimento. Portanto, implantar uma montadora sem fornecimento de motores torna-se uma tarefa praticamente impossível. As maiores montadoras de veículos leves no mundo têm fabricação própria de motores. A escala de produção de veículos leves justifica esse investimento. Montadoras que não dispõem de motor próprio ficam sujeitas a acordos de fornecimento, o que pode gerar conflitos caso o mercado seja de interesse da fornecedora. Os fornecedores de motores, portanto, tendem a ser: montadoras globalmente menores, que enxergam nesse fornecimento uma possibilidade de atingir uma escala de produção mais econômica; ou montadoras fornecendo a parceiros em joint ventures. Nos veículos pesados, poucas montadoras têm escala suficiente para produzir toda a gama de motores necessária a suas linhas de montagem. Em função disso, existem empresas especializadas na fabricação de motores pesados. Essa independência em relação às montadoras torna mais simples o fornecimento a novos entrantes. Em consequência da necessidade de um motor, um padrão aparece na maior parte das iniciativas de montadoras em países emergentes. As iniciativas em veículos leves normalmente são construídas a partir de joint ventures com montadoras já estabelecidas em outros países ou por meio de licenciamento. Por outro lado, montadoras de capital exclusivamente nacional frequentemente se dedicam a veículos pesados.

407 406 Objetivos do levantamento Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil Dos cinco atributos, vários deles aparecem ou apareceram em iniciativas de montadoras nacionais. Porém, frequentemente de forma isolada. Algumas empresas possuíam apenas controle de capital nacional e fabricação local, sem nenhum dos demais atributos. Outras possuíam quase o conjunto completo, com exceção da motorização. Apenas a Gurgel perpassou todos os atributos, como se viu no Quadro 2. Tendo em vista que a política pública deve ter foco e ser seletiva, optou-se por perguntar a um determinado grupo de especialistas que atributos são mais importantes e, portanto, devam ser privilegiados. Há atributos mais relevantes que outros para o desenvolvimento de projetos nacionais na indústria automotiva? Com base em estudo dos casos internacionais, de que possivelmente há benefícios em projetos nacionais, os respondentes foram consultados na tentativa de antever possíveis impactos da disseminação de empresas de capital nacional no setor automotivo, a fim de confirmar (ou não) a expectativa inicial. A existência de empresas nacionais na indústria automotiva traria impactos positivos sobre o desenvolvimento tecnológico e sobre a cadeia produtiva local? Questionário e perfil dos respondentes O instrumento utilizado para a coleta de dados foi um questionário estruturado com três blocos de perguntas um voltado para cada teste de hipótese e o terceiro para qualificação do respondente. Ele foi disponibilizado em link na internet em maio de Os respondentes foram convidados por a responder o questionário. Foram enviados 68 convites a especialistas do setor automotivo ligados direta ou indiretamente ao governo ou à academia e foram recebidas 43 respostas, ou seja, uma taxa de resposta de 63%. Todos os respondentes trabalham, trabalharam, estudam ou estudaram o setor automotivo, e 65% estavam na faixa de 31 a cinquenta anos de idade e 30% tinham acima disso. Quanto à formação, 91% tinham concluído algum tipo de pós-graduação, e 63% tinham mestrado ou doutorado.

408 Há atributos mais relevantes que outros para o desenvolvimento de projetos nacionais na indústria automotiva? Foi solicitado ao painel de especialistas que marcasse, entre os atributos a seguir, quais os três mais importantes em uma montadora nacional. O Gráfico 2 mostra esse resultado. Os dados mostram um forte alinhamento em torno do atributo engenharia local, com 79%. De fato, como apontado por Castro, Barros e Vaz (2014), as atividades de engenharia têm papel fundamental para a indústria automotiva, configurando-se como componente importante para a construção de uma indústria automotiva nacional e competitiva globalmente (p. 187). Em seguida, aparece o atributo controle do capital, com 65%. Em uma visão pragmática de que os acionistas são, em última instância, os responsáveis pela tomada de decisões estratégicas pela empresa, o resultado não chega a ser surpreendente. Finalmente, há três atributos com percentuais muito próximos uns dos outros: fabricação local, com 49%, matriz localizada no Brasil, com 47%, e marca própria, com 42%. 407 Automotivo Gráfico 2 Importância relativa de atributos selecionados em uma montadora nacional Engenharia local 79% Controle do capital 65% Fabricação local Matriz localizada no Brasil 49% 47% Marca própria 42% Motorização própria 19% % Fonte: Dados da pesquisa.

409 408 A fabricação local gera desdobramentos importantes em cadeia produtiva e engenharia de produtos. Em um setor que lida com produtos de alto valor agregado, como o automotivo, em que o desenvolvimento de novos produtos tem que considerar a economicidade de sua posterior produção, não há razoabilidade em uma completa terceirização para outros países, como ocorre em outros setores. Assim, a resposta positiva parece ter um fundamento relevante. Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil É de esperar também que a existência de uma marca própria esteja fortemente relacionada à fabricação local. É possível que, em função dessa relação, tenha havido menos respostas nesse item. Da mesma forma, a localização da matriz normalmente pressupõe uma instalação fabril. Assim sendo, é possível que as respostas tenham se dividido entre os três atributos por diferenças de entendimento de cada um dos respondentes. De fato, há uma dicotomia nas respostas para esses três itens, em que, ao assinalar um deles, o especialista tendia a não assinalar os outros dois. Por fim, o atributo motorização própria apareceu como o de menor importância na opinião dos especialistas. Infere-se que o foco brasileiro em veículos pesados, no qual o fornecimento de motores é feito por terceiros, pode ter influenciado as respostas para esse atributo. Não obstante, várias experiências brasileiras focam em jipes e comerciais leves, em que a legislação permite o uso de motores a diesel, cujo fornecimento é mais simples. Atualmente, a legislação proíbe registro, licenciamento e emplacamento de veículos a diesel com capacidade de transporte inferior a uma tonelada, incluindo os pesos do condutor, motorista, passageiros e carga. A única exceção são os jipes, assim denominados os veículos com tração nas quatro rodas, guincho ou local para recebê-lo, além de atender a alguns requisitos dimensionais. 17 As respostas, portanto, geram evidências de que há três grupos de atributos relevantes, quais sejam, a engenharia local, o controle de capital e algum ativo no Brasil, seja tangível, como uma fábrica, seja intangível, como uma marca consolidada no setor. 17 Para outros detalhes, vide Ato Declaratório (normativo) 32, de 28 de setembro de 1993, da Coordenação-Geral do Sistema de Tributação; a Portaria 23, de 6 de junho de 1994, do Departamento Nacional de Combustíveis (DNC); e a Resolução 292, de 29 de agosto de 2008, do Conselho Nacional de Trânsito (Contran).

410 A existência de empresas nacionais na indústria automotiva traria impactos positivos sobre o desenvolvimento tecnológico e sobre a cadeia produtiva local? Foi perguntado, ao mesmo painel de especialistas, que impactos uma montadora nacional traria ao setor. Os resultados são apresentados na Tabela Automotivo Tabela 1 Impactos de uma montadora nacional sobre atributos selecionados (em %) Atributos Diminuiria Não alteraria Elevaria Preço dos veículos Qualidade dos veículos produzidos no Brasil Poder de barganha das montadoras estrangeiras Qualidade do emprego no setor Interesse de outras empresas em fabricar no Brasil Nível dos salários praticados no setor Interesse de outros players em ter P&D/engenharia no Brasil Chance de o país tornar-se uma plataforma de exportações de veículos Adensamento da cadeia de autopeças local Desenvolvimento tecnológico local Fonte: Dados coletados na pesquisa. É possível observar que, na opinião da maioria dos especialistas, alguns dos atributos não se alterariam com uma montadora nacional, quais sejam: o preço dos veículos, a qualidade dos veículos produzidos no Brasil, a

411 410 qualidade do emprego, o interesse de outras empresas em fabricar no Brasil e o nível dos salários praticados. Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil Em dois dos atributos, não é possível identificar uma clara tendência. Quanto ao poder de barganha das empresas estrangeiras, há uma leve predominância de uma opinião em relação a sua diminuição. O outro atributo diz respeito ao interesse de outros players em ter P&D/engenharia no Brasil. Tal falta de clareza no interesse de outros players em ter P&D/engenharia no Brasil é curioso, tendo em vista que o atributo de maior concordância dos respondentes (93%) foi justamente o aumento no desenvolvimento tecnológico local. Assim, conclui-se que, para os especialistas, a maior parte do incremento no desenvolvimento tecnológico surgiria da própria montadora nacional e de suas relações. Dois outros atributos apresentaram uma tendência de elevação. São eles: a chance de o Brasil tornar-se uma plataforma de exportações de veículos e o adensamento da cadeia de autopeças local. Montadoras de capital nacional no Brasil Atualmente, o país possui algumas montadoras de capital nacional. A maior parte atua em nichos de mercado específicos produzindo réplicas de automóveis clássicos, esportivos fora de série, jipes e buggies. Algumas empresas atuam em outros nichos, como o de tratores agrícolas e de veículos especiais. Há ainda montadoras que produzem ou montam comerciais leves sob licença, como é o caso da Hyundai Caoa e da Mitsubishi do Brasil. Por fim, entre as montadoras tradicionais, a Agrale desenvolve e fabrica veículos nos segmentos de comerciais leves, chassis de ônibus, caminhões e tratores. No Quadro 4, será apresentado o cluster de atuação de cada montadora (buggies, jipes, réplicas e esportivos, licenciadas, tradicionais, tratores e veículos especiais). Do levantamento realizado (não exaustivo), há predominância, em quantidade, de fabricantes de buggies, que são veículos normalmente com carroceria de fibra de vidro e mecânica simples. Em geral, usam motor Volkswagen e são dedicados a terrenos acidentados e a percursos fora de estrada. Observou-se uma relativa desconcentração espacial nas iniciativas de capital nacional, com predominância da Região Sudeste, mas também com boa presença das regiões Nordeste e Sul. Embora

412 haja montadoras instaladas há bastante tempo no Brasil, a maior parte foi constituída a partir da década de 1980 [Consiglio (2013)]. Quadro 4 Montadoras de capital nacional em operação (levantamento não exaustivo) Empresa Ano de fundação Cluster Produtos Número de empregados Local Capacidade da fábrica Vendas Automotivo Agrale 1965 Tradicional Jipe (comercial leve), trator, caminhão e ônibus Volare (Marcopolo) Caixas do Sul (RS) 1998 Tradicional Miniônibus ** Caxias do Sul (RS) Grupo Caoa 2007* Licenciadas Comerciais leves (Hyundai) Grupo Souza Ramos TAC Motors Randon Veículos 1991 Licenciadas Comerciais leves (Mitsubishi e Suzuki) 2004 Jipes Comerciais leves 1949 Veículos especiais Avibrás 1961 Veículos especiais Rucker 1980 Veículos especiais Edra 1989 Veículos especiais Jacto 1952 Tratores agrícolas Caminhões fora-deestrada, tratores Veículos militares e de uso especial Veículos aeroportuários e tratores Comerciais leves Tratores agrícolas Anápolis (GO) Catalão e Itumbiara (GO) n.d. Sobral (CE), Joinville (SC) ** Caxias do Sul (RS) São José dos Campos (SP) n.d. Carapicuíba (SP) n.d. Rio Claro (SP) Pompeia (SP) n.d *** *** n.d. n.d n.d. n.d. n.d. n.d. n.d. n.d. n.d. n.d. (Continua)

413 412 Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil (Continuação) Empresa Ano de fundação Cluster Stara 1953 Tratores agrícolas Budny 1990 Tratores agrícolas Produtos Tratores agrícolas Tratores agrícolas Número de empregados Local Capacidade da fábrica Vendas Não-Me- n.d. n.d. Toque (RS) 450 Içara (SC) n.d. n.d. Selvagem 1967 Buggies Buggies 19 Parnamirim (RN) BRM 1969 Buggies Buggies 20 São Paulo (SP) Bugre 1970 Buggies Buggies 12 Rio Bonito (RJ) Peixoto Veículos (Fyber) 1983 Buggies Buggies n.d. Fortaleza (CE) n.d. Wake Motors 2009 Buggies Buggies 30 Curitiba (Superbuggy) (PR) Chamonix 1987 Réplicas e Réplicas n.d. Jarinu (SP) 70 n.d. esportivos Lobini 1999 Réplicas e esportivos Esportivo 4 Cotia (SP) 12 1 Fontes: Sites das montadoras, entrevista com as montadoras, Consiglio (2013), Maia (2013), Revista Quatro Rodas, Tabela FIPE, Fenabrave, AutomotiveBusiness e dauto.nl. * Ano de inauguração da fábrica. A Caoa existe como distribuidora de veículos desde ** Números do grupo. *** Não inclui veículos importados. Outros fabricantes não listados: Baby Buggy, Cauype/RDK, Emisul, Fer-Car, Fibravan, Kadron, Kaltec/Magnata (buggies), Americar/ Guedala, Cobra Motosport, Kitcar, Kremer, Sportscar, SS Fiberglass, WW Trevis (réplicas) e San Vito (esportivos). O Brasil dispõe ainda de uma série de fabricantes de carrocerias para ônibus e de reboques e semirreboques de capital nacional. Das empresas relacionadas, talvez a mais emblemática seja a Agrale, fundada em Embora tenha foco na produção de ônibus, caminhões e tratores, a empresa já fabricou motocicletas e fabrica atualmente uma família de jipes. Baseado em modelo da Engesa, o Marruá usa motores a diesel fornecidos pela Cummins e pela MWM, assim como os ônibus e caminhões da marca, e tem aplicações civis e militares. Embora a Agrale fabrique motores, eles não equipam o Marruá. São motores menores (monocilindro, com 0,7 litro), que equipam alguns tratores da empresa voltados à agricultura familiar.

414 A Volare constitui-se em uma unidade de negócios para venda de veículos completos pela Marcopolo. Nessa operação, há uma lógica de comercialização diferente do padrão brasileiro de chassi mais carroceria para ônibus e que se aproxima da lógica das montadoras que atuam na fabricação de comerciais leves, motivo pelo qual também foi listada no Quadro 4. As vendas dos miniônibus da marca Volare alcançaram unidades, em O Quadro 5 mostra uma síntese dos clusters relacionados às montadoras instaladas no Brasil e uma avaliação em relação a cada atributo. Para fins comparativos, foi incluído outro cluster, de montadoras de capital estrangeiro. Percebe-se que as iniciativas em operação guardam grandes semelhanças com as relacionadas na história da indústria no Brasil e apresentadas em seção anterior deste artigo. A indústria de capital nacional tem atuado em nichos de mercado em que o custo de entrada é mais baixo, ou seja, que dependem de forma menos significativa de ter uma engenharia local ou uma motorização própria. Em consequência disso, respondem por um faturamento substancialmente menor que o do segmento das estrangeiras, que, grosso modo, concentram mais de 90% do faturamento das montadoras. 413 Automotivo Quadro 5 Síntese dos atributos principais nos clusters selecionados de empresas em operação no Brasil Cluster Capital predominante Engenharia local Fabricação local Material predominante Marca própria Matriz/ autonomia decisória Réplicas e esportivos Buggies Jipes Licenciadas Veículos Estrangeiras especiais e tratores Nacional Nacional Misto Nacional Misto Estrangeiro Limitada Limitada Limitada Limitada Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Fibra de vidro/ alumínio Fibra de vidro Misto Aço Aço Aço Sim Sim Sim Não Sim Sim Sim Sim Sim Limitada Sim Limitada (Continua)

415 414 Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil (Continuação) Cluster Motorização Estimativa de faturamento do segmento (R$ bilhões) Réplicas e esportivos De terceiros Fonte: Elaboração própria. Buggies Jipes Licenciadas Veículos Estrangeiras especiais e tratores De De De De Própria terceiros terceiros terceiros terceiros < 0,1 < 0,1 0,5 6,5 n.d. 155 Com base nos levantamentos realizados e apresentados no Quadro 2 e no Quadro 4, estimou-se a participação das empresas de capital nacional na produção de veículos no Brasil, conforme apresentado no Gráfico 3. Gráfico 3 Participação das empresas de capital majoritariamente nacional na produção de veículos no Brasil % Fonte: Elaboração própria, com base em Anfavea (2006; 2014), Baldocchi (2014), Bastos (2006), Berezovski (2002; 2003; 2004; 2005a; 2005b; 2006a; 2006b), Bramont (2014), Cabral (2012), Castaings (2000; 2001a; 2001b), Ford (2013), Gandra (2005), Laguna (2012), Monegato (2011), Okubaro (2001), Pereira (2009; 2010), Quatro Rodas (1990), Revista Chapa (2010), Samahá (2002; 2007), Seixas e Arantes (s.d.), Troller (2014) e Webmotors (2011; 2012). Nota: A Volkswagen e a Fiat no Brasil tinham participação de capital nacional, embora não majoritário. Segundo Revista Quatro Rodas (1987), o Grupo Monteiro Aranha detinha 20% da Volkswagen do Brasil em sua fundação, em 1953, que foram alienados em duas etapas iguais: uma em 1980 para o Governo do Kuwait e outra em 1987 para a matriz alemã. Já o Governo de Minas Gerais detinha 18,17% da Fiat, que também foram alienados à matriz.

416 É possível observar que a indústria brasileira começa com um percentual elevado de participação nacional, girando em torno de 40%. Nos anos de 1967 e 1968, sofre uma grande inflexão, decorrente principalmente da venda da Willys do Brasil e da Vemag. Com a entrada dos Grupos Caoa e Souza Ramos na produção de veículos, observou-se um leve aumento na participação nacional nos últimos anos. 415 Automotivo Perspectivas com a eletrificação veicular A mudança de paradigma para propulsão veicular, com a consequente difusão de veículos elétricos no futuro próximo, tem figurado como oportunidade para a indústria brasileira [Gorgulho (2011)]. Como discutido em Castro e Ferreira (2010), a mudança de um paradigma mecânico para um eletroeletrônico traz consigo uma profunda transformação de componentes. Assim, fornecedores de componentes eletrônicos e de equipamentos elétricos tendem a crescer de importância em detrimento de fornecedores de componentes para sistemas mecânicos. Algumas projeções mostram que os veículos híbridos e elétricos podem chegar a uma produção mundial entre 7 milhões e 15 milhões em 2020 (entre 7% e 14% da produção prevista), a partir de uma estimativa de 1,5 milhão em 2013 (cerca de 2% da produção) [Castro (2014)]. O mercado brasileiro tende a acompanhar esse crescimento, criando oportunidades para fabricantes de autopeças brasileiros nos mercados de reposição, na nacionalização de sistemas de veículos importados ou no fornecimento para eventual produção local. Além de possibilitar a entrada de novos fornecedores na indústria, o novo paradigma permite pensar em novos usos e arquiteturas para os veículos. Considerando essa possibilidade, alguns projetos têm surgido no cenário brasileiro. Em diversos estágios de desenvolvimento, as propostas visam à atuação em nichos de mercado. Entre as iniciativas de veículos elétricos, podem-se citar, em levantamento não exaustivo: Edra (modelo Aris, comercial leve), Electric Dreams (modelo esportivo), Fiel (modelo Tree, antigo Pompéo, city car), Vez do Brasil (modelo Seed, city car com versão utilitária), VO2 (carros compactos especiais) e ZoomCar (carros compactos especiais).

417 416 Considerações finais e perspectivas de atuação para o BNDES Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil Com base no estudo realizado, é possível notar que a indústria automotiva tem feito parte das políticas de diversos países em diferentes níveis, buscando seus efeitos de transbordamento. A existência de empresas de capital nacional é disseminada em alguns países, pois possibilita uma indústria de porte global. Da mesma forma, permite que o país participe da tomada de decisões estratégicas, como os focos prioritários para pesquisa e desenvolvimento, que tendem a estar concentradas nas matrizes. No Brasil, ainda que as subsidiárias de multinacionais desempenhem um importante papel na consolidação da indústria automotiva, agregando gradualmente mais atividades nobres localmente, como a engenharia de novos modelos, é notório que, por fazer parte de uma corporação com sede e acionistas em outro país, a decisão final sobre assuntos mais estratégicos não estará na subsidiária. Embora possa ser idealizada e proposta inicialmente pela subsidiária, a construção de uma nova unidade industrial ou o desenvolvimento de um novo modelo de automóvel dependerá da chancela da matriz. A autonomia decisória, portanto, parece ser crucial para o desenvolvimento de tecnologia automotiva local que tenha alguma ambição de uso global. Em outras palavras, elevar o Brasil nos rankings de inovação envolve ter empresas em setores mais intensivos em tecnologia com centro de decisão no país. Tal conclusão reflete-se diretamente nas estatísticas de patentes no setor automotivo, como visto anteriormente. As montadoras nacionais no Brasil seguem um desenho semelhante desde que a indústria local foi implantada. As iniciativas em veículos leves normalmente estão presentes via licenciamento. Isso ocorreu nos casos mais emblemáticos do passado, como Willys e Vemag, e ocorre nos casos recentes, como os dos Grupos Caoa e Souza Ramos. Já as iniciativas em veículos a diesel, por vezes, dispensam uma ligação muito próxima das multinacionais, ou seja, dispondo de autonomia estratégica. A diferença entre leves e pesados decorre fundamentalmente de sua escala de produção. A grande dependência da escala de produção leva a tratá-la como um ponto de atenção para o desenvolvimento local de iniciativas mais ousadas. Ao mesmo tempo, para que o Brasil atinja um estágio de desenvolvedor de tecnologia automotiva, é preciso galgar outros estágios, como proposto por Castro, Barros e Vaz (2014). A Figura 1 sugere algumas rotas possíveis

418 para o fortalecimento da indústria local, rumo ao topo do gráfico, ou seja, com maior desenvolvimento tecnológico. Figura 1 Rotas propostas para fortalecimento da indústria automotiva 417 Automotivo Fonte: Elaboração própria. Segundo os especialistas ouvidos, as principais vantagens de ter montadoras locais são: um possível impacto nas exportações, dado que o Brasil figuraria como peça central e não como uma das plataformas de exportação das montadoras, bem como a possibilidade de internacionalização; um possível adensamento da cadeia produtiva; e o aumento no desenvolvimento tecnológico local. Cabe, no entanto, frisar que as multinacionais instaladas no Brasil cumprem papel fundamental no desenvolvimento da engenharia automotiva e como demandantes das indústrias de autopeças locais. O incentivo à crescente incorporação de atividades de P&D às operações locais, portanto, parece gerar desdobramentos positivos para a economia brasileira. Assim, a constituição de centros de P&D locais, ainda que atrelados às montadoras estrangeiras, tem papel importante, visto que eles permitem a criação de uma massa crítica de conhecimento, aumentando a disponibilidade de pessoal qualificado. Como mencionado anteriormente, o trabalho em atividades de P&D requer não só uma formação escolar de ponta, mas experiência em projetos na indústria.

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