PLATÃO, ÉTICA E O SISTEMA UNIVERSITÁRIO BRASILEIRO
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- Isaac Avelar Aquino
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1 PLATÃO, ÉTICA E O SISTEMA UNIVERSITÁRIO BRASILEIRO Walmir Ruis Salinas, (TIDE), UNESPAR/FECILCAM, Walmir.salinas@gmail.com INTRODUÇÃO O desejo por uma administração pública pautada na ética é recorrente na história do Ocidente. Entre tantos escritos sobre o tema, A República de Platão está entre os mais lembrados e mencionados. Por isso, essa obra serve como base para o objetivo deste trabalho que é o de expor a posição do filósofo grego sobre como se constitui um governo e sociedade justos, mesmo que por meio de uma utopia, e, por extensão, fazer uma reflexão sobre a administração de universidades brasileiras, e, também, do que se ensina nelas. Além de A República de Platão, buscou-se, para dar sustentação à esta reflexão, um artigo do professor Leonardo Prota, que discute a relação entre universidade, ética e poder. A composição desse trabalho está assim disposta: a primeira seção é toda dedicada a Platão e sua cidade utópica; a segunda seção destaca o trabalho do professor Prota sobre a universidade brasileira, mesclando com o ideal de administração pública pensado por Platão. PLATÃO E SUA UTOPIA Não é temerário afirmar que Platão está entre os filósofos mais conhecidos em todo Ocidente, e sem muito esforço, por simples inferência, pode-se afirmar, sem muito risco, que suas obras estão entre as mais traduzidas e lidas nesta parte do mundo. Porém, essa divulgação toda não facilita a apresentação de sua biografia. Para começar, Platão não é, para muitos autores, o seu nome, mas sim, seu apelido. Há uma versão que afirma que este apelido tem sua origem na sua estrutura física bem desenvolvida devido à prática de modalidades esportivas e exercícios para a guerra. A prática de tais exercícios o teria deixado com os ombros largos, daí a suposta origem do apelido. Seu suposto nome seria Arístocles, que é pouco divulgado, motivo de ser quase desconhecido aos leitores comuns. Para Watanabe (2002), outra dificuldade, no que se refere à vida de Platão é o ano de seu nascimento. Há divergência entre os biógrafos se seria 427 ou 428 a.c. Há, ainda, biógrafos que afirmam que poderia não ser nenhuma das datas, isso devido a multiplicidade de calendários e a uma possível manipulação da data de nascimento, fazendo com que esta coincidisse com a comemoração envolvendo o deus Apolo, para dar a Platão origem divina. Segundo Watanabe (2002), o que se tem por certo é de que Platão nasceu não muito tempo após a morte de Péricles, governante de Atenas entre 460 e 429 a.c., portanto quando a democracia já havia sido consolidada em Atenas, cidade natal de Platão. Além de participar da democracia, como
2 membro da aristocracia, pode usufruir da Scholé, ou seja, estar livre das obrigações civis para se dedicar ao conhecimento. Discípulo de Sócrates, herdou do mestre a busca pela verdade através do diálogo. No seu tempo livre tinha como discussão do momento a tentativa de explicação do universo por meios naturais, não mais por ação divina. Esta era a meta dos chamados pré-socráticos, que buscavam descobrir a arché, ou seja, o princípio organizador da natureza. Nessa época histórica, a preocupação maior era entender a realidade, o mundo (o cosmos) em sua totalidade (RIBEIRO, 1988, p. 21). Segundo Ribeiro (1988), os pensadores que se propuseram a esse empreendimento se dividiam entre aqueles que estavam atentos à transformação e aqueles que se inclinavam à permanência. Entre os defensores da transformação quem se destacou foi Heráclito, que defendia a ideia de que tudo muda e nada permanece. Para ele o fogo é elemento desencadeador da transformação, o que explica a realidade por seu eterno movimento de destruição e de fusão. No grupo da permanência, o destaque é Parmênides. De maneira simplória pode-se dizer que para ele as coisas não podem mudar, tudo permanece sempre igual, ou seja, é o ser que é, portanto isento de transformação. Ao analisar a permanência do e no ser em Parmênides, Lara afirma sobre este pressuposto: Permanecendo idêntico e em um mesmo estado, descansa em si próprio, sempre imutavelmente fixo e no mesmo lugar (LARA, 1992, p. 61). Assim sendo, o ser jamais migrará para o não-ser, pois como começou, terminará. Do confronto entre Parmênides e Heráclito, Platão tira a base de sua filosofia que é a teoria do Mundo das Ideias e o Mundo Sensível. 1 Segundo Platão, o Mundo Sensível é mera cópia do Mundo das Ideias. É no Mundo Sensível que estão as mudanças, por ele atingimos no máximo a opinião, jamais o conhecimento ou a verdade. No Mundo das Ideias é que se encontra a essência das coisas, por isso, é este que deve ser almejado quando se busca a verdade e seus equivalentes na política, na moral e no conhecimento, ou seja, em tudo que é importante, ao menos para o ateniense. Apesar da forte influência de Heráclito e Parmênides na filosofia de Platão, o seu mestre maior foi Sócrates. Mesmo não tendo deixado nenhum legado escrito e sua própria existência ser questionada, Sócrates tornou-se um dos nomes mais expressivos da filosofia, graças, principalmente, a Platão e Xenofonte, principais biógrafos de Sócrates. 1 Platão detalha a distinção entre esses dois mundos e suas implicações, no livro VII de A República, com seu afamado Mito da Caverna. Por uma alegoria ele apresenta as limitações do Mundo Sensível e a difícil passagem deste para o Mundo das Ideias. A saída de um morador da caverna para o mundo exterior é carregada de simbologia, traduzindo boa parte da filosofia do Platão. Mesmo escrevendo de forma figurada, Platão expressa, por este mito, um resumo do que pensava sobre política, amor, ética, conhecimento, educação e mundo.
3 Conforme Durant (2000), Sócrates tinha um grupo heterogêneo de discípulos, predominantemente composto de jovens. A atração exercida sobre estes, deve-se, provavelmente, a novidade de seu discurso, que na sua essência questionava o ceticismo e a amoralidade dos sofistas, grupo de educadores que estava em alta entre camadas sociais de destaque de então. O mestre de Platão não aceitava o descompromisso, ou até mesmo a descrença, que os sofistas tinham para com a verdade: A tese sofista era de que o importante era defender um argumento de forma a convencer o ouvinte, mesmo que não fosse verdade (RIBEIRO, 1988 p. 24). Sócrates questionava, também, o politeísmo, comum na religião grega de sua época. Ao inquerir sobre as divindades gregas, Sócrates oportunizou a seus desafetos a possibilidade de levá-lo a julgamento pelo Tribunal de Atenas. A questão religiosa foi apenas um pretexto para tentar calar, temporária ou definitivamente, Sócrates. O que de fato incomodava os opositores de Sócrates era, pelo uso da ironia, o desmascaramento que este impunha aos falsos conhecedores, numa época em que ser destaque na oratória, ou seja, na capacidade argumentativa, ser flagrado em contradição nos argumentos, e em público, era um verdadeiro desastre. Outra coisa que incomodava os líderes políticos de Atenas era a contrariedade que Sócrates apresentava quanto à democracia ateniense. Segundo o filósofo, pela democracia abria-se espaço para governantes despreparados, passíveis de cometerem distorções nos valores que guiariam seu governo. O desejo de por um fim as manifestações de Sócrates se realizou quando, após findar seu julgamento, 2 este foi condenado a tomar cicuta, veneno que ocasiona a morte de quem o ingere. Platão teria, a princípio, vinte oito anos quando seu mestre foi condenado e morto pelos representantes da democracia ateniense. A família de Platão era de uma linhagem de políticos famosos. Sua mãe era parente de Sólon, dirigente renomado de Atenas. Apesar do parentesco de Platão, mesmo que distante, com Sólon, o homem de ombros largos não aceitou o final imposto a seu mestre pelos representantes da democracia ateniense. O desalento e decepção de Platão com a aristocracia ateniense serviram de base e inspiração para que escrevesse, o que é tido por alguns biógrafos de Platão, a sua obra-prima, A República. Esta obra foi escrita, provavelmente, entre os anos 390 e 370 a.c., ou seja, passado mais de uma década da morte de Sócrates, ocorrida em 400 a.c. A importância dada a esta obra pode ser flagrada nas palavras de Durant: [...] A República é um tratado completo, Platão reduzido a um livro, nele encontramos a sua metafísica, sua teologia, sua ética, sua psicologia, sua pedagogia, sua política, sua teoria da arte. Nele encontramos problemas exalando modernidade 2 Detalhes sobre o julgamento de Sócrates podem ser encontrados na obra Apologia de Sócrates, de Platão e em obra de título idêntico de Xenofonte.
4 e sabor contemporâneo: comunismo e socialismo, feminismo, o controle de natalidade e eugenia, problemas Nietzschianos de moralidade e Aristocracia, problemas Rousseaunianos de retorno à natureza e educação determinista, elan vital bergnosiano e psicanálise freudiana está tudo ali (DURANT, 2000, p. 41). A diversidade de temas abordados em A República, alguns passíveis de polêmica, como eugenia, por exemplo, e outros surpreendentes para a época, como o feminismo, tem seu fio condutor na busca pela justiça. Dos dez livros que compõem a obra, quatro discutem especificamente sobre a justiça, justamente os quatro primeiros. Na contramão da justiça estão as cidades injustas, matéria dos livros VIII e IX. Conforme Reale e Antiseri (2007), para Platão, a principal meta na cidade ideal seria alcançar e viver a justiça, para isto cada um deveria fazer com precisão aquilo que lhe competia realizar. Talvez desejando compensar o que ele chamou de injustiça cometia contra seu mestre, Platão buscou estabelecer o critério de justiça a ser praticada na cidade por ele idealizada: [...] justiça não é força pura e simples, mas força harmoniosa desejos e homens entrando naquela ordem que constitui inteligência e organização; justiça não é o direito do mais forte, mas a efetiva harmonia do todo (DURANT, 2000, p.61). A harmonia proposta por Platão passa, necessariamente, pela divisão de funções que são distribuídas a partir de um critério pré-estabelecido de formação e seleção. As três funções básicas estariam voltadas para a produção, defesa e governo. A cidade idealizada por ele, além da divisão das funções regimentalmente estabelecida, não faria distinção entre homens e mulheres: [...] não há emprego concernente à administração da cidade que pertença à mulher enquanto mulher, ou ao homem enquanto homem, ao contrário, as aptidões naturais se distribuem igualmente entre os dois sexos (PLATÃO, 1973, p. 14). Colocar a mulher em condição de igualdade com o homem, para aquela época é no mínimo surpreendente. A partir dos dados apresentados e somando-se a eles o fato de que Platão defendia uma sociedade destituída da propriedade privada, a questão que se faz é: quem conseguiria governar e manter a harmonia e a justiça em uma cidade tão distinta da vivenciada pelo próprio Platão? É neste cenário que entra a figura do filósofo-rei. Por ter tido uma formação mais apurada e completa, este teria as condições mínimas para governar a República. Refém de seu mestre, Platão se apropria da ideia socrática de que o conhecimento leva à virtude, e a expressão máxima da virtude é a justiça. Se a meta desta nova cidade é manter a harmonia pela prática da justiça, ninguém estaria mais preparado para cumprir este papel do que o filósofo, pois das três categorias básicas, é ele quem melhor foi preparado para e no conhecimento.
5 Tendo função nobre na nova cidade, o governante não poderia passar por um processo de escolha que pudesse oferecer qualquer tipo de equívoco. Já demonstrada sua contrariedade para com a democracia ateniense de então, Platão defende a tese de que: As autoridades públicas serão escolhidas não por votos, nem por panelinhas secretas manobrando os invisíveis cordões da aparência democrática, mas pela sua capacidade demonstrada na democracia fundamental de uma raça igual. E nenhum irá ocupar um cargo sem nenhum treinamento específico, e tampouco ocupar um cargo elevado se não tiver, primeiro, ocupado bem um cargo inferior (DURANT, 2000, p. 55). Para exercer função de tamanha responsabilidade seria necessário alguém que tivesse se livrado das limitações do Mundo Sensível, uma vez que o governante preso à caverna busca privilegiar seu grupo, dando-lhe tratamento diferenciado, e no campo individual prima pelo poder e honra pessoais. Por outro lado, o dirigente que se livrou das amarras do Mundo Sensível, tem como meta o bem coletivo, não busca se firmar no e pelo poder. [...] O verdadeiro político, segundo Platão, não ama o comando e o poder, mas usa o comando e o poder como serviço para o bem (REALE e ANTISERI, 2007, p. 164). Também não se vislumbra, buscando as realizações e prazeres imediatos, mas a realização plena dele e dos seus governados. Tiradas todas as ressalvas que podem e são feitas sobre a cidade arquitetada pelo mestre de Aristóteles, há pontos que servem de base para uma reflexão sobre a relação de poder com o processo de escolha dos dirigentes das instituições de ensino superior no Brasil. UNIVERSIDADE, ÉTICA E PODER Quando Platão escreveu A República, parece-me claro que foi uma forma encontrada de mostrar sua insatisfação e, ao mesmo tempo, sua preocupação com o rumo tomado pela Democracia Ateniense. Escrever um livro, um artigo ou um trabalho quaisquer, é uma forma, muitas vezes eficiente de demonstrar a insatisfação e preocupação de uma pessoa engajada, que se sente responsável pelo destino das instituições a que pertence. Não por acaso, o título desta seção é uma cópia literal do título dado pelo professor Leonardo Prota a um artigo escrito à Revista Crítica. Neste artigo Prota faz uma reflexão sobre dois pontos referentes à universidade no Brasil, que são motivo de minhas preocupações e reflexão também: o papel da universidade e o processo de eleição, com seus desencadeamentos, dos dirigentes das Instituições de Ensino Superior. Sobre o primeiro ponto, referente ao papel da universidade, Prota a vê [...] como centro de formação geral, abrangendo simultaneamente a pesquisa científica e a difusão cultural, deixando para uma fase posterior a formação profissional (PROTA, 1996, p.161).
6 O ideal de universidade apresentado por Prota é, na verdade, uma volta à origem da Universidade, que não nasceu para dar bases profissionais, mas para universalizar o conhecimento, tendo por base o homem em sua totalidade, não fracionando-o em suas possíveis habilidades. O almejado nas primeiras universidades de se disseminar e discutir a cultura e a ciência foi perdendo espaço, em boa parte das instituições de ensino superior, para a técnica. Na sua etimologia a palavra técnica já dá o rumo novo que se tomou nas universidades, pois seu significado, vindo do grego thecne, é: a arte ou habilidade de realizar algo. Quando se prima pela técnica, tem-se como prioridade a formação profissional. Assim sendo, os outros horizontes do homem ficam para um segundo plano, relegados a eventuais procedimentos, para que constem na formação, mas não como preocupação central de muitas instituições. Não faço essa crítica tendo isto como uma ação de má fé destas instituições, pois estas são reféns de uma tendência, que certamente será julgada no futuro se foi feita a escolha certa ou não ao tomar esta direção. Max Weber (1989), em um trabalho comparativo entre as universidades alemãs e norteamericanas, defende a ideia de que a universidade deve ser um espaço para o desenvolvimento crítico, onde o aluno deve ter acesso a todas as linhas ideológicas, para que, assim, possa universalizar seu conhecimento e aprimorar sua forma de pensar, ou seja, basicamente o que se buscava nas primeiras universidades. Quando se prima pelo desenvolvimento das habilidades, basta ao homem conhece-las e dominá-las, tornando o homem passivo ante o conhecimento, tirando dele a necessidade de pensar sobre o que conhece. João Álvaro Ruiz, ao escrever sobre a natureza do conhecimento e do método científico, faz uma comparação interessante sobre o conhecer e o pensar. Ele começa mostrando a importância dessas ações para o ser humano: Conhecer e pensar constituem não somente uma capacidade, como também uma necessidade para o Homem; necessidade para sua sobrevivência, [...] o conhecimento é necessário para o progresso do Homem. [...] Conhecer e pensar colocam o universo a nosso alcance e lhe dão o sentido, finalidade e razão de ser (RUIZ, 1982, p ). Parece-me que é difícil que não se aceite o valor do conhecimento para o homem, e assim sendo, é razoável imaginar que faça parte do que se deve ser tratado nas universidades. Porém, o pensar ocupa um lugar de destaque, pois, se pelo conhecimento busca-se o domínio do horizonte ôntico, pelo pensar transcende-se para o horizonte ontológico. Se o conhecimento me diz o que o ser é, pelo pensar busca-se as implicações que vão além da manifestação do ser, por isso, transcende ao
7 próprio ser. Por sua importância, o pensar não pode ser colocado num segundo plano, para que não se chegue à constatação de Ruiz: A atual geração encontra, pois, diante de seus olhos, um mundo já pensado, já interpretado, pronto para o uso e consumo: história interpretada, sociedade organizada, normas estabelecidas de moral, leis de direito codificadas. [...] mas a geração de hoje não pode resignar-se a um conhecer o mundo de segunda mão; não pode julgar-se dispensada de pensar naquilo que já pensaram por ela e definiram sem consulta-la. Se as gerações que nos precederam tivessem pensado assim, estaríamos hoje sob o manto da barbárie ou atados a grilhões medievais (RUIZ, 1982, p. 87). O professor Prota destaca em seu artigo que a busca pelo domínio profissional tem levado universidades brasileiras a preterir a formação geral, primando por um ensino destituído da investigação científica, dando ênfase as licenciaturas. Tal situação poderia se constituir em uma discussão ética? À essa pergunta, Prota assim se manifesta: Só é possível falar em ética se assumirmos a concepção de Universidade anteriormente descrita: centro de formação geral, abrangendo simultaneamente a pesquisa científica e a difusão cultural, deixando para uma fase posterior a formação profissional. [...] Dessa forma valorizaríamos o Eu como fonte criadora e como doador de sentido. O Eu, possibilitado de auto-definir-se e de auto-determinar-se [sic], com a plena liberdade de criar sua cultura e seus valores (PROTA, 1996, p.168). Por isso, não basta que se produza o conhecimento (técnica) nas universidades, é necessário, acima de tudo, que se tenha uma posição sobre o conhecimento. Em decorrência desta situação, a escolha de quem dirige tais instituições é fundamental, pois envolve diversos aspectos, inclusive moral e ético. Assim como Platão questionava a Democracia Ateniense pela distorção em seus resultados, Prota também questiona o sistema de escolha dos reitores das universidades brasileiras. Segundo Prota, a carga político-ideológica no processo eleitoral é muito forte, fazendo com que o eleito fique refém de setores, fazendo uso de práticas sectarizantes em suas ações administrativas: [...] A teia desse domínio é tão extensa que envolve toda a atividade burocrática e chega até a sala de aula, fazendo o chocante uso inadequado da liberdade acadêmica para manter sempre em evidência a ideologia dominante camuflada pelo trinômio vazio, repetindo à sociedade, da indissociabilidade de ensino, pesquisa e extensão (PROTA, 1996, p.167). É ponto comum de todo candidato a dirigente de ume instituição de ensino superior externar sua preocupação com o ensino, a pesquisa e a extensão. No entender de Prota, tal discurso esconde e desvia a atenção de todo compromisso feito entre os candidatos com os políticos e o que alguns
8 chamam de o nosso grupo. Esses compromissos, via-de-regra, se sobrepõem a qualquer boa intenção de uma prática política institucional correta, destituída de qualquer vício político comum em outras esferas. O que me causa estranheza, tendo por base experiências vividas, mais do que o pacto com setores ou grupos, é uso de práticas coercitivas, forçando receber o apoio de seus pares. O que agrava esta situação é o fato de que as pessoas que concorrem a este cargo têm uma larga formação, sendo que algumas delas fizeram doutorado e até mesmo pós-doutorado. Segundo Sócrates, o erro é fruto da ignorância, portanto quem sabe mais tem que acertar mais e dessa forma ser mais virtuoso, livre dos vícios, inclusive os políticos. À parte o excesso de confiança de Sócrates na razão, o princípio de seu pensamento é bem razoável, pois quem sabe mais tem obrigação de errar menos. O poder dado a um dirigente não pode tornar-se fonte de privilégios para determinados setores ou determinadas pessoas, que costumo chamá-las de os filhos da corte, muito menos para autopromoção. Para uma gestão ser minimamente ética, tem que observar princípios fundamentais da ética que são o bem e a justiça. Pelo bem busca-se a plenificação das pessoas que estão sob a orientação deste dirigente. Pela justiça busca-se dar oportunidade a todos, e em igualdade de condições, para que se alcance esta plenificação. Poder, ética e cidadania deveriam formar um conjunto que gerasse garantias mínimas para todo ser humano. Os dirigentes institucionais deveriam ter consciência que ocupam um papel importante nesse processo (SALINAS, 2008, p.141). A ideia que defendo aqui vai ao encontro com o pensamento de Platão de que o poder deve estar a serviço do bem. Cabe aos dirigentes institucionais escolhidos, após consulta, terem em mente que eles têm a incumbência de dirigir um grupo heterogêneo, que confiou-lhes, pelo voto, o poder de dirigir a e para todos, independente da ideologia de cada um. Portanto não cabe nas universidades, ou demais instituições, a prática de privilégios e pactos que possam colocar em risco a essência da democracia, que é governo de e para todos. Por isso, os dirigentes não podem ter seu olhar e suas ações voltados apenas para os filhos da corte. CONSIDERAÇÕES FINAIS Mesmo tendo escrito suas obras há mais de vinte séculos, Platão ainda nos oferece fonte para reflexões interessantes. A sua utopia, retratada em A República, nos impele a uma reflexão em torno da busca do verdadeiro conhecimento, que vai além da técnica e nos faz pensar no sistema de representatividade em nossas universidades. Sistema este carregado de vícios, mesmo com muitos acertos, onde quem nos representa, muitas vezes, busca servir-se do poder e não servir pelo poder, contaminando o sistema com privilégios aos filhos da corte, anulando, assim, qualquer possibilidade de justiça. Resta saber se uma administração isenta de privilégios e vícios da politicagem seria
9 possível, ou isso é tão utópico quanto a república pensada por Platão o era para seu tempo. Caso acreditemos que esse intento ultrapassa os limites da utopia, as reflexões aqui apresentadas representam um pequeno passo apenas, é uma porta que se abre para discussões mais profundas e profícuas. REFERÊNCIAS DURANT, Will. História da filosofia. Trad. Luiz Carlos do Nascimento Silva. 1. ed. São Paulo: Nova Cultural, LARA, Tiago Adão. Caminhos da razão no ocidente: a filosofia nas suas origens gregas. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1992, v. I. PLATÃO. A república. Trad. J. Guisburg. 2. ed. São Paulo: Difel, 1973, v. II. PROTA, Leonardo. Universidade, ética e poder. Revista de Filosofia Crítica, Paraná, v. 1, n. 2, p , jan./mar., REALE, Giovanni e ANTISERI, Dario. História da filosofia: filosofia pagã e antiga. Trad. Ivo Storniolo. 3. ed. São Paulo: Paulus, 2007, v.i. RIBEIRO, Jorge Claudio. Platão: ousar a utopia. 1. ed. São Paulo: FTD, (Coleção Prazer em Conhecer). RUIZ, João Álvaro. Metodologia científica. 1. ed. São Paulo: Atlas, SALINAS, Walmir Ruis. Poder, ética, cidadania e o inferno de Dante. In: III EPCT, 2008, Campo Mourão. III EPCT (Encontro de Produção Científica e Tecnológica). Campo Mourão: FECILCAM, 2008, p WATANABE, Lygia Araujo. Platão por mitos e hipóteses. 1. ed. São Paulo: Moderna, (Coleção Logos). WEBER, Max. Sobre a universidade: o poder do estado e a dignidade da profissão acadêmica. Trad. Lólio Lourenço de Oliveira. 1. ed. São Paulo: Cortez, (Coleção Pensamento e Ação, v. 1).
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