Nº COMARCA DE PORTO ALEGRE A C Ó R D Ã O

Transcrição

1 APELAÇÃO. ALIMENTOS. EXONERAÇÃO. DECISÃO JUDICIAL. SITUAÇÃO FÁTICA. CONFRONTO. REPETIÇÃO SISTEMÁTICA E CONTINUADA DE UM COMPORTAMENTO. SURRECTIO. Preliminar. Embora o processo tenha sido extinto sem julgamento do mérito, houve modificação de situação fática que trouxe prejuízo ao apelado. O apelante (réu na ação) tem interesse recursal, na medida que seu status jurídico foi atingido pela decisão. Mérito. O apelado, mesmo com decisão judicial favorável a desonerá-lo da pensão alimentícia paga ao apelante, continuou a pagar-lhe pensão por largo período de tempo. E, se a despeito da decisão judicial, continuou a pagar alimentos, surge uma nova obrigação alimentar, diversa da anterior. A repetição sistemática e continuada de um determinado comportamento cria direito, consubstanciado na expectativa de que esse comportamento, pelo menos, continuará se repetindo. É a surrectio. Assim, o feito comporta julgamento de mérito, com o exame do trinômio alimentar (necessidade, possibilidade e proporcionalidade). Análise da verba honorária prejudicada. REJEITARAM A PRELIMINAR. UNÂNIME. DERAM PROVIMENTO, POR MAIORIA. APELAÇÃO CÍVEL OITAVA CÂMARA CÍVEL COMARCA DE PORTO ALEGRE P.H.A.. O.A.A.. APELANTE; APELADO. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Magistrados integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, rejeitar a preliminar. No mérito, deram provimento, por maioria, vencida a Dra. Walda. 1

2 Custas na forma da lei. Participou do julgamento, além dos signatários, o eminente DES. ANTONIO CARLOS STANGLER PEREIRA (PRESIDENTE). Porto Alegre, 12 de agosto de DES. RUI PORTANOVA, Relator. DRA. WALDA MARIA MELO PIERRO, Voto vencido. R E L A T Ó R I O DES. RUI PORTANOVA (RELATOR) Trata-se de apelação interposta por PATRICK H. A. contra sentença exarada nos autos da ação de exoneração de alimentos movida por OSMAR A. A., que extinguiu o processo, sem julgamento do mérito, por carência de ação. O apelante alega: - o apelado pretende a exoneração da pensão somente para agradar a atual companheira, pois tem possibilidades; - apesar de haver decisão exonerando o pagamento, o apelado manteve o pagamento da pensão e; - a verba honorária deve ser majorada. Vieram contra-razões (fls. 128/130). O parecer da Procuradoria de Justiça foi, em preliminar, pelo não conhecimento e, no mérito, pelo improvimento (fls. 136/140). É o relatório. 2

3 DES. RUI PORTANOVA (RELATOR) O Caso seu neto PATRICK. V O T O S OSMAR ajuizou ação de exoneração de pensão alimentícia contra OSMAR narra que PATRICK lhe moveu ação de alimentos (fls. 07/15). A ação foi julgada procedente, fixando alimentos em 3 (três) salários mínimos (fls. 18/20). OSMAR apelou da sentença que fixou alimentos. Por maioria, foi dado provimento à apelação (fls. 21/22). Então, OSMAR interpôs embargos declaratórios, cujo resultado foi a exoneração de alimentos (fls. 23/27). Contudo, mesmo com a decisão favorável, OSMAR peticionou nos embargos, renunciando à exoneração obtida judicialmente (fls. 28/29). Nessa renúncia OSMAR alega que não foi assistido por advogado e afirmou que a assinatura não era sua. renúncia (fl. 30): O Desembargador- Relator dos embargos disse acerca da O feito foi julgado e a decisão transitou em julgado. Se o avô pretende continuar sustentando o neto nada impede que o faça. Caso pretenda, poderá até entabular acordo de alimentos e submetê-lo a homologação judicial. 3

4 Seja como for, o apelante continuou pagando alimentos ao apelado, mediante desconto em folha dos rendimentos de sua aposentadoria (fls. 31 e 57/58). Na ação de exoneração, o apelado, além da decisão dos embargos infringentes que o exonerou da obrigação, alega a maioridade do apelado (ele tem 20 (vinte) anos fl. 16) e a impossibilidade de continuar a prestar alimentos, em razão da avançada idade e doenças (fls. 32/37).Ou seja, traz discussão a respeito do trinômio alimentar. A audiência de instrução veio às fls. 91/94. A sentença entendeu que em face da decisão dos embargos, exonerando a pensão, faltava interesse processual ao apelado, extinguindo o feito sem julgamento do mérito (fl. 118). Contudo, por economia processual, autorizou a expedição ao órgão pagador para determinar o cancelamento do desconto em folha da pensão alimentícia (mesma fl. 118). Assim, ainda que o processo tenha sido extinto sem julgamento do mérito, o apelado teve sua pretensão atendida. De outro lado, o apelante, ainda que não tenha sucumbido diretamente, teve modificada uma situação fática. Por isso, apela. 4

5 p r e l i m i n a r O Ministério Público argüi a falta de interesse recursal do apelante, pois o processo foi extinto sem julgamento do mérito. Ou seja, ao julgar o apelado carecedor de ação, faltaria interesse ao apelante para recorrer da decisão. prejuízo. Contudo, é bem de ver que o apelante, de alguma forma, sofreu O juiz a quo, a pretexto de economia processual, e embora tenha julgado o apelado carecedor de ação, determinou fosse cancelado o desconto da pensão alimentícia em folha de pagamento. Essa nova situação traz ao apelante interesse em devolver a matéria a este grau de jurisdição, quanto mais quando a situação fática apresentada traz dúvida a respeito da obrigação alimentar. O apelante (réu na ação) tem interesse recursal, na medida que seu status jurídico foi atingido pela decisão. Assim, supero a preliminar e conheço da apelação. DRA. WALDA MARIA MELO PIERRO (REVISORA) - De acordo. DES. ANTONIO CARLOS STANGLER PEREIRA (PRESIDENTE) De acordo. 5

6 DES. RUI PORTANOVA (RELATOR) O caso é peculiar. m é r i t o Judicialmente, o apelado obteve pronunciamento favorável para exonerar-se da pensão (fls. 23/27). Essa é a situação jurídica. Todavia, o mesmo apelado continuou a pagar os alimentos, mesmo depois da decisão judicial favorável, pois os descontos em folha não cessaram (fls. 31 e 57/58). Essa é a situação fática. situação fática. Então, temos um confronto entre uma situação jurídica e uma A decisão dos embargos infringentes que exonerou o apelado da pensão alimentícia transitou em julgado em dezembro de 2001 (informação obtida no Sistema Themis). A ação de exoneração foi proposta em agosto de 2003 (fl. 02). Nesse período a pensão continuou a ser descontada dos proventos de aposentadoria do apelado (fls. 31 e 57/58). 6

7 Ou seja, mesmo com decisão judicial favorável, o apelado continuo a pensionar o apelante por 20 (vinte) meses ou 1 (um) ano e meio. O confronto entre a situação decidida judicialmente e a situação fática fica mais evidente quando se lê a renúncia feita pelo apelado (fls. 28/29). Lá, ele diz: Declaro, para os devidos fins de direito, que renuncio aos direitos emanados da decisão exarada em sede de embargos Infringentes (processo nº ), comprometendo-se a continuar pensionando o meu neto PATRICK H. A., conforme estabelecido na sentença. Bem de ver que a alegação de que não reconhece a sua assinatura e de que não foi assistido por advogado não encontram respaldo. A assinatura está reconhecida por autenticidade (fl. 29) e a petição foi também subscrita por advogado. Ou seja, há uma situação fática criada depois daquela outra decisão judicial que se pode dizer diversa dos fatos que embasaram a decisão final de exoneração. Bem de ver que lá a ação era para constituir uma obrigação alimentar. Aqui, é para desconstituir. Ou seja, se o apelante pretende desconstituir algo já desconstituído judicialmente, é porque entendeu que este algo é diverso do que foi desconstituído. 7

8 E, ainda que o apelado tenha sido exonerado dessa obrigação, judicialmente reconhecida, a situação fática perdurou, não só pelos descontos, mas também pela própria renúncia ao provimento judicial. Não se diga que a decisão não vale. Ao contrário, ela fez coisa julgada em relação aos fatos nela discutidos. Contudo, a situação, após a decisão, é outra. Criou-se uma nova relação jurídica distinta daquela decidida nos embargos. Tudo isso para trazer a lição da surrectio. A surrectio expressa a circunstância do surgimento, de forma complementar ao direito legislado, contratado ou judicial, de um direito não existente antes (em termos jurídicos). Direito este que, na efetividade social, já vinha sendo considerado como presente. Os requisitos da surrectio, basicamente, são: Exige-se um certo lapso de tempo, por excelência variável, durante o qual se actua uma situação jurídica em tudo semelhante ao direito subjectivo que vai surgir; requer-se uma conjunção objectiva de factores que concitem, em nome do Direito, a constituição do novo direito; impõe-se a ausência de previsões negativas que impeçam a surrectio. (Antônio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, vol. II, Livraria Almedina: Coimbra, 1984, pp. 821/822) 8

9 Para haver surrectio, o que se requer, portanto, é uma previsão de confiança, pois a repetição sistemática, constante e continuada de um determinado comportamento cria direito, de modo a imputar ao prejudicado a boa-fé subjetiva do beneficiário. Direito esse que se consubstancia na expectativa, a ser mantida pelo menos como probabilidade, da regularidade e continuidade da situação fática subjacente, ou, por outro lado, da ausência de qualquer outra solução ou resolução diferente. Essa é exatamente a situação dos autos. Por fim, o apelado sequer trouxe na sua inicial explicação acerca da permanência do pensionamento, mesmo passado 1 (um) ano e meio da exoneração. Bem de ver ainda que poderia ter simplesmente requerido o cancelamento do desconto nos próprios autos da ação de alimentos. O fato do apelado não ter requerido nos autos da ação de alimentos a cessação dos descontos reforça a idéia de que criou-se uma nova obrigação, decorrente de uma nova relação jurídica baseada na boa-fé objetiva, que deve nortear os contatos sociais da vida de relação. Essa nova relação deve ser enfrentada pelo juiz a quo, examinando o trinômio alimentar, trazido pelo próprio apelado na inicial. Assim, o feito comporta julgamento de mérito, com o exame do trinômio alimentar (necessidade, possibilidade e proporcionalidade). O caminho, assim, é desconstituir a sentença. 9

10 Honorários O apelante pretende a majoração da verba alimentar. A apreciação do pedido resta prejudicada em face da desconstituição da sentença. desconstituir a sentença. ANTE O EXPOSTO, dou provimento à apelação, para DRA. WALDA MARIA MELO PIERRO (REVISORA) - No mérito, tenho que o pagamento espontâneo dos alimentos não cria nova obrigação. Fosse assim, os pais que pagam espontaneamente alimentos não seriam demandados em juízo para a formalização da obrigação. Confirmo, assim, a sentença nos termos do parecer da eminente Procuradora de Justiça Dra. Maria Ignez Franco Santos. DES. ANTONIO CARLOS STANGLER PEREIRA (PRESIDENTE) De acordo com o Relator. A proporcionalidade já está definida no binômio do parágrafo 1º do art do novo Código Civil, que repete o que já se continha no artigo 400 do Código Civil de APELAÇÃO CÍVEL PORTO ALEGRE À UNANIMIDADE, REJEITARAM A PRELIMINAR. NO MÉRITO, POR MAIORIA, DERAM PROVIMENTO, VENCIDA A DRA. WALDA. 10

11 IMPORTANTE. O Relator está à disposição das partes, Ministério Público, Advogados e Juízes que atuaram no presente processo, para, caso desejem, discussão do acórdão. Telefone (51) portanova@tj.rs.gov.br Julgador(a) de 1º Grau: REGIS DE O. MONTENEGRO BARBOSA 11