XIV Congresso Brasileiro de Sociologia 28 a 31 de julho de 2009, Rio de Janeiro (RJ)
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- Ana da Conceição Morais
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1 XIV Congresso Brasileiro de Sociologia 28 a 31 de julho de 2009, Rio de Janeiro (RJ) Grupo de Trabalho: Precarização, Solidarismo e Políticas Públicas no Mundo do Trabalho As Ações do Ministério do Trabalho no Combate ao Trabalho Escravo no Brasil Antonia Celene Miguel Instituição: NESEFI Núcleo de Estudos em Sociologia Econômica e das Finanças/UFSCar
2 Resumo É uma pesquisa exploratória sobre as ações do Ministério do Trabalho no combate ao trabalho em condição análoga à de escravo no âmbito rural. Na lei brasileira o trabalho escravo se caracteriza pela soma de trabalho degradante com a privação da liberdade. No Brasil os casos da prática de trabalho escravo são caracterizados pelo abuso de sistemas de recrutamento de mão de obra. O Ministério do Trabalho através da sua fiscalização tem como objetivo, não só garantir o cumprimento dos direitos trabalhistas aos trabalhadores vítima de trabalho escravo, mas promover ações para tirar esses trabalhadores do ciclo de servidão mediante programas de geração de trabalho e renda. Palavras - chave: trabalho escravo; Ministério do Trabalho; direito do trabalho; fiscalização do trabalho.
3 Introdução O trabalho escravo na lei brasileira se caracteriza pela soma de trabalho degradante com a privação da liberdade. A prática desta forma de utilização da mão de obra não é especifica da realidade brasileira, varia conforme as condições econômicas, sociais e históricas de cada país. De acordo com o Relatório Global da Organização Internacional do Trabalho OIT de 2001, as diversas modalidades de trabalho forçado no mundo têm sempre em comum duas características: o uso da coação e a negação da liberdade. No Brasil as ações de combate a esta forma de uso/exploração da mão de obra começaram efetivamente a partir de Neste mesmo período foi firmado um termo de compromisso entre o MTE e outros ministérios, dentre eles o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Secretária de Polícia Federal (SPF) com o objetivo de conciliar esforços na prevenção, na repressão e na erradicação de práticas de trabalho forçado, de trabalho ilegal de crianças e adolescentes, de crimes contra a organização do trabalho e de outras violências aos direitos à segurança e a saúde dos trabalhadores, especialmente no meio rural (conf. as informações contidas no termo de compromisso de 08 de novembro de 1994). Além das iniciativas de Ministérios e Secretárias, órgãos não governamentais como a Pastoral da Terra e Sindicatos de Trabalhadores Rurais também têm auxiliado as ações da fiscalização do trabalho, principalmente denunciando casos de trabalho escravo em diversos estados do Brasil. Com o intuito de discorrer sobre essas ações desenvolvidas no âmbito do MTE, o paper estar organizado da seguinte forma: 1. Trabalho Escravo no Âmbito Rural: o ciclo da servidão por dívida; 2. O GERTRAF e o Grupo Especial de Fiscalização Móvel; 3. As ações do Ministério do Trabalho nos programas e medidas para coibir a prática do trabalho escravo no meio rural e 4. Considerações Finais.
4 1.Trabalho Escravo no Âmbito Rural: o ciclo da servidão por dívida Segundo os dados apresentados no Relatório da OIT (2001), os casos de trabalho escravo no âmbito rural no Brasil vêm ocorrendo em vários setores da economia, como na mineração e no trabalho sazonal de desmatamento, na produção de carvão vegetal e numa variedade de atividades agrícolas entre as quais o corte da cana, a plantação de capim e a colheita de algodão e de café. Conforme informações da SIT Secretária de Inspeção do Trabalho (2003), os estados com maiores incidências de trabalho escravo são Pará, Mato Grosso, Tocantins, Maranhão, Bahia, Rondônia e Rio de Janeiro. Na realidade brasileira, a maioria as práticas de trabalho escravo é atribuída ao abuso de sistemas de recrutamento de mão de obra. Essa forma de recrutamento que posteriormente se caracteriza no aliciamento de trabalhadores - geralmente é mediada por um tipo popularmente chamado de gato. O gato recruta os trabalhadores em diversas localidades do país, principalmente em cidades do norte e nordeste, onde o aliciamento da mão de obra é facilitado pela própria condição em que se encontram esses trabalhadores. O gato oferece serviço em fazendas em localidades distantes do local de origem dos trabalhadores recrutados. O aliciamento é feito com promessas de salário alto e garantia de boas condições de trabalho com direito a alojamento e alimentação. É oferecido também, na maioria dos casos, um certo adiantamento para a família dos trabalhadores e transporte por conta do contratante até o local de trabalho.
5 Os trabalhadores aliciados têm pouca instrução, muitos são analfabetos e a maioria não possui documentos como: registros de nascimento, carteira de identidade e carteira de trabalho. Sendo que boa parte desses trabalhadores têm como principal ocupação o cultivo de lavoura. Dessa forma, esses trabalhadores atraídos pelas promessas de trabalho e de uma remuneração acabam sendo envolvidos num ciclo de exploração constituído por um suposto endividamento destes com os seus contratantes. O endividamento dos trabalhadores é feito através do registro em cadernos de tudo que eles consomem: artigos alimentícios, material de higiene, fumo e cachaça. Os cadernos são utilizados como comprovante de que o trabalhador tem uma dívida com o contratante que mantém estrategicamente um pequeno comercio no local de trabalho. A dívida é sempre maior do que o valor que o trabalhador ganharia no final do contrato. Dessa forma, o trabalhador fica preso a uma dívida fictícia criada como forma de manter-lo no ciclo do trabalho escravo. Mesmo quando resgatados da situação de trabalho escravo, grande parte dos trabalhadores por falta de alternativas de renda acabam voltando ao ciclo de exploração e aceitando novamente as ofertas dos gatos. 2. O GERTRAF e o Grupo Especial de Fiscalização Móvel O Ministério do Trabalho tem desenvolvido as suas ações de combate ao trabalho escravo através de iniciativas como o Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (GERTRAF) e o Grupo Especial de Fiscalização Móvel. O GERTRAF foi criado em 1995 através do Decreto nº tendo em vista o compromisso internacional que o Brasil assumiu junto a OIT desde de 1957 quando ratificou a sua Convenção n. 29 sobre a supressão do trabalho forçado ou obrigatório. Tal convenção prever que, Todos os membros da Organização Internacional do Trabalho que ratificaram a presente convenção se obrigam suprimir o emprego do trabalho forçado ou obrigatório, sob todas as
6 suas formas, no mais curto prazo possível. O combate ao trabalho forçado também é mencionado na Convenção n. 105 da OIT ratificada pelo Brasil em Em 1998 a OIT elabora uma declaração sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e seu Seguimento, a qual tem entre os principais objetivos, estimular os esforços desenvolvidos pelos membros da organização para promover os direitos fundamentais como, eliminação de todas as formas de trabalho obrigatório e abolição efetiva do trabalho infantil. O GERTRAF faz parte da Câmara de Política Social do Conselho de Governo, sendo formado pelo Ministério do Trabalho - o qual é o responsável direto pela coordenação de ações do grupo - o Ministério da Justiça, Ministério do Meio ambiente, Ministério da Indústria, Comércio e Turismo, Ministério da Previdência e Assistência Social, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério da Agricultura e Abastecimento. Segundo a SIT (2001), o grupo foi criado devido a necessidade de articular ações entre vários ministério, visto que além do caráter trabalhista, a questão do trabalho escravo envolve um conjunto de situações sociais, econômicas, criminais e ambientais.
7 Organograma apresentado pela Secretária de Inspeção do Trabalho - SIT no informativo sobre a Experiência do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (2001). Disponível no site
8 O Grupo Especial de Fiscalização Móvel funciona como estrutura operacional do GERTRAF. O grupo foi criado em 1995 com a função de agir exclusivamente nos casos de prática de trabalho escravo, averiguando denúncias provindas de vários locais do país. O grupo tem quatro coordenações regionais e desenvolve diversas atividades que incluem campanhas de conscientização, mapeamento dos focos de trabalho escravo e degradante, normatização e assistência temporária ao trabalhador vítima de trabalho escravo. Conforme as informações da SIT (2001), o Grupo de Especial de Fiscalização Móvel atende ás necessidades de centralizar o comando para apurar denúncias e suspeitas de incidência de trabalho escravo, pois as iniciativas de descentralizar as ações da fiscalização não obtiveram sucesso diante do vazamento de informações que favorecia os infratores na dispersão de trabalhadores e dissimulação dos casos de servidão dos contratados. Portanto, a centralização das atividades da fiscalização móvel visa garantir, além do sigilo das suas operações e da padronização dos procedimentos dos casos fiscalizados, a segurança dos agentes fiscais diante de possíveis pressões e ameaças na apuração de denúncias. De acordo com as declarações da assessoria da SIT (2003), os estados que apresentam as maiores incidências de trabalho escravo são aqueles em que a chefia da Delegacia Regional esteve, ao longo dos anos, de certa forma comprometida com latifundiários. O Pará é considerado um dos estados que possui um dos mais longos históricos de permissividade por parte das DRTEs na prática de trabalho escravo. Dessa forma, como estratégia pra evitar pressões locais, o grupo especial de fiscalização móvel é composto por fiscais provenientes de outros locais que não sejam aqueles que serão fiscalizados, evitando assim, não só, a intimidação das ações fiscais, mas possível conivência das DRTEs com autoridades locais que possam favorecer a exploração de mão de obra escrava.
9 Fluxograma apresentado pela Secretária de Inspeção do Trabalho - SIT no informativo sobre a Experiência do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (2001). Disponível no site
10 Conforme os dados da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo, entre o ano de quando foi implantado o Grupo Especial de Fiscalização Móvel e o primeiro semestre de 2009 houve um total de 813 ações, com estabelecimentos fiscalizados, trabalhadores foram libertados, foram pagas indenizações trabalhistas no valor de ,17 e autos lavrados. 3. As ações do Ministério do Trabalho nos Programas e Medidas para coibir a prática do trabalho escravo As primeiras ações de combate ao trabalho escravo começaram através do Programa de Combate ao Trabalho Escravo lançado pelo governo federal no final dos anos 90. Em 2003 o programa se transformou no primeiro Plano de Erradicação do Trabalho Escravo, o qual foi composto de 76 medidas de combate ao trabalho escravo, entre essas medidas estar a criação do CONATRAE Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo. A CONATRAE é formado a partir de um órgão colegiado ligado à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, tem função principal o acompanhamento da execução do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Atualmente fazem parte da CONATRAE os seguintes órgãos e entidades: Associação dos Juízes Federais do Brasil, Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, Comissão Pastoral da Terra, Confederação dos Trabalhadores da Agricultura, Departamento de Polícia Federal, Departamento de Polícia Rodoviária Federal, Ministério da Defesa, Ministério da Justiça, Ministério da Previdência Social, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,Ministério do Desenvolvimento Agrário,Ministério do Meio Ambiente,Ministério do Trabalho e Emprego,ONG Repórter Brasil,Ordem dos Advogados do Brasil,Organização Internacional do Trabalho,Procuradoria dos Direitos do Cidadão da Procuradoria Geral da República,Procuradoria Geral do Trabalho,Secretaria Especial dos Direitos Humanos,Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho.
11 Com o objetivo de impedir que os trabalhadores libertos voltem ao ciclo de servidão, o Ministério do Trabalho tem viabilizado a esses trabalhadores, não só, o recebimento de indenizações trabalhistas e das seis parcelas do seguro desemprego, mas o encaminhamento desses trabalhadores aos programas de geração de renda como o bolsa família. A inserção dos trabalhadores resgatados de atividades em condições análoga a escrava no Bolsa Família, teve inicio em 2005, mediante um acordo de cooperação firmado entre os Ministérios do Trabalho e o do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Segundo os dados do MTE, até 2007, mais de 1,4 mil trabalhadores libertos estavam incluídos nesse programa. No intuito de constranger os empregadores que foram autuados por prática de trabalho escravo, o Ministério do Trabalho baixou a portaria número 540/2004, de 15 de outubro de 2004 que instituiu um cadastro com os nomes de empregadores e empresas flagrados com trabalho escravo. O cadastro é uma lista pública permanente colocada a disposição no site do próprio Ministério do Trabalho. Nesta lista consta o nome do proprietário que foi autuado cometendo trabalho escravo em sua propriedade, o nome da empresa que ele possui e quantos trabalhadores foram libertados pela fiscalização do trabalho nessa propriedade. A lista é sempre atualizada e repassada para todos os órgãos públicos de financiamento como: BNDS, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e outros, que barram quaisquer tipo de crédito para aqueles que fazem parte da referida lista. Essa relação ficou sendo conhecida como lista suja, pois através dela, instituições federais podem barrar o empréstimo de recursos públicos como punição a esses empregadores. O Ministério da Integração Nacional impede os relacionados de obterem novos contratos com os Fundos Constitucionais de Financiamento.
12 Segue abaixo parte da lista suja disponível no site do Ministério do Trabalho A referida lista pode ser obtida na íntegra no site
13 O programa mais recente do governo federal voltado para o combate ao trabalho escravo é o Marco Zero lançado em novembro de Através de ações desenvolvidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em conjunto, inicialmente com os governos do Pará, Maranhão, Piauí e Mato Grosso, o referido programa tem como objetivo coibir o aliciamento de trabalhadores no âmbito rural. Para isso serão criadas agências públicas especiais para intermediar e capacitar mão-de-obra em localidades onde é intensa a atuação dos chamados "gatos". Tal medida considera que para quebrar o ciclo de servidão de trabalhadores é essencial coibir as atividades desses recrutadores, pois mediante falsas promessas de salário e boas condições de trabalho, os "gatos" atraem trabalhadores para a armadilha da servidão contemporânea no meio rural brasileiro. No final de 2008 foi lançado o segundo Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo mantendo as metas das ações anteriores como: a prevenção, reinserção dos trabalhadores e repressão econômica aos proprietários que fazem uso da prática de trabalho escravo. Entretanto, o maior desafio deste plano, é a busca pela aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 438. Conhecida como a "PEC do Trabalho Escravo", a referida proposta pretende dá uma nova redação ao art. 243 da Constituição Federal, a qual deverá estabelecer o confisco de terras onde sejam encontradas práticas de trabalho escravo, repassando essas áreas aos assentamentos aos trabalhadores que laboram nessas terras. A PEC 438 já teve aprovação no Senado, mas depende da confirmação em segunda votação na Câmara dos Deputados.
14 4. Considerações Finais Neste trabalho apresentamos uma descrição das ações desenvolvidas sob a coordenação do Ministério do Trabalho com o intuito de combater o trabalho escravo no âmbito rural. Vimos que através do GERTRAF e do Grupo de Especial de Fiscalização Móvel, essas ações não se resumem apenas na garantia do cumprimento da legislação trabalhista, mas de viabilizar programas e outras medidas como: a geração de renda aos trabalhadores vítimas de trabalho escravo, prevenção do recrutamento ilícito desses trabalhadores feito por intermediários aliciadores, assim como constranger economicamente empregadores autuados por incidência de trabalho escravo. Portanto, o Ministério do Trabalho se constitui num importante ator na realização das ações do estado brasileiro para combater o trabalho em condição análoga á de escravo. Bibliografia Consultada DE CASTILHO, E. W. V. Considerações sobre a interpretação jurídicopenal em matéria de escravidão. Estudos Avançados n. 14 (38), Experiência do Grupo Especial de Fiscalização Móvel. Ministério do Trabalho e Emprego. Brasília, MIGUEL, A. C. A Inspeção do Trabalho no Governo FHC: análise sobre a política de fiscalização do trabalho. UFSCar, 2004 (Dissertação de Mestrado). SECRETARIA INTERNACIONAL DO TRABALHO, Não ao Trabalho Forçado: Relatório Global do Seguimento da Declaração da OIT relativa a princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, Genebra: Oficina Internacional del Trabajo, TRABALHO ESCRAVO: UMA CHAGA ABERTA. Oficina Internacional del Trabajo. Brasil. Realizada em 25 de janeiro de 2003.
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