No mundo da moda: notas sobre o mercado do luxo e o mercado fast fashion Tereza Audi; Carolina Junqueira

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1 No mundo da moda: notas sobre o mercado do luxo e o mercado fast fashion Tereza Audi; Carolina Junqueira Inovador e criativo, o mercado da moda apresenta desenvolvimento amplo, sempre criando novos empregos. Na economia brasileira é o segundo setor que mais emprega, perdendo apenas para o setor da construção civil. Estilistas, costureiros, administradores, engenheiros de produção, engenheiros têxteis ou químicos, economistas, piloteiros, entre tantos outros profissionais, têm papel de destaque nesse setor. Certamente ainda temos muito que aperfeiçoar quanto às condições de trabalho e competitividade. Porém estamos caminhando aceleradamente para situações melhores. Fatores como altos impostos, mão de obra não registrada, excesso de burocracia, falta de infraestrutura fazem tanto mal ao mercado da moda quanto aos outros mercados dentro de nossa economia brasileira. Neste ponto os estrangeiros ainda levam vantagem. O maior concorrente no Brasil para os seus produtos é uma passagem aérea para o exterior, onde os preços são bem menores. Mas, mesmo com todos os problemas, a moda no Brasil ultrapassou fronteiras especificamente produtivas e se instala também em cursos universitários de graduação e pós-graduação. Neste trabalho, enfocamos alguns aspectos dos segmentos luxo e fast fashion, a fim de fazer uma breve reflexão sobre esses dois extremos do mercado da moda. Em referência ao luxo, temos observado que as cadeias de distribuição e consumo se ampliam a cada dia no país, porém ainda não se pode afirmar que tenhamos produção do luxo em larga escala, como na França, por exemplo. O governo francês estimula prioritariamente a produção da moda, seja na alta costura, no fast fashion, ou no prêt-à-porter. Certamente, o que é luxo para algumas pessoas pode não o ser para outras. Para alguns, estar à beira de um rio, com ar puro, sem pressão de horário ou de trânsito é um luxo. Para outros, vestir roupas de grife da cabeça aos pés, caprichando nos sapatos, acessórios e joias, é um luxo só. Há aquelas pessoas que são escravas do luxo porque não sabem viver sem estarem cobertas com roupas e acessórios de grifes. Outras, já misturam o luxo com o popular, no famoso estilo high low. Para alguns tipos de consumidores, possuir uma caneta Mont Blanc, ou um relógio Rolex, ou ainda uma bolsa Hermes é motivo de satisfação pessoal. Enfim, o tema luxo suscita diversos tipos de discussões. Interessante notar que, após a crise financeira mundial de 2008, aumentou o interesse por bens de luxo por parte dos indivíduos que sempre depositaram muito dinheiro no mercado financeiro. Comprar mansões, obras de arte, joias preciosas, ouro e outros produtos luxuosos tem se mostrado 24

2 bem mais seguro para os investidores que, ultimamente, têm aguçado a aversão ao risco, devido à instabilidade do momento. Tal fato tem sido colocado por analistas de mercado como justificativa para o enorme aumento desse nicho de vendas, tanto no Brasil como em outros países emergentes, a exemplo da China. Modernamente, certos grupos empresariais chamam a atenção no mercado da moda pelo volume financeiro que dominam. São os casos, por exemplo, do LVMH (Louis Vuitton Moet Henessy) em torno de 7 bilhões de dólares --, Chanel em torno de 4,5 bilhões de dólares --, Rolex -- 3,7 bilhões de dólares -- (dados de 2010). A mão de obra para esses produtos é extremamente bem qualificada e os salários são sempre muito altos. A pesquisadora do mercado do luxo, Danielle Alléres, em seu livro Luxe, Strategies & Marketing, classifica o luxo em três tipos: acessível, inacessível e intermediário. O acessível compreende a linha de produtos de beleza, perfumaria, chocolates e bebidas. No mundo inacessível, temos o rigor do procedimento de trabalho a serviço da valorização da criação renovada. Neste tipo, o luxo consiste não em apoiar-se na tendência mas sim em criá-la. No luxo intermediário, estão o prêt-à-porter, os artigos em série da indústria joalheira, cristaleria e cutelaria. Em termos geográficos, a cidade de Paris é o centro difusor das grandes marcas do luxo, desde que o governo francês assumiu a questão da moda como a origem do interesse pela França, seus perfumes, seus cosméticos e suas jóias, estimulando assim também o turismo. A marca americana Ralph Lauren somente conquistou projeção no mercado internacional da moda quando instalou sua loja na região parisiense da Madeleine. Próximo ao Arco do Triunfo, especificamente na Rue Montaigne e na Avenue Marceau, está o triângulo para a instalação de uma maison que pretenda ser aceita como de alto luxo no mundo da moda. No Brasil, por seu lado, o mercado do luxo deverá crescer, como temos observado ultimamente. Da região da Avenida Faria Lima até a Rua Oscar Freire, em São Paulo, contemplamos um cluster de lojas que trabalham com mercado de luxo. As vendedoras são bem treinadas e têm salários e comissões compensadores. Faz parte da estratégia das lojas fornecedoras que elas estejam satisfeitas em seu trabalho, demonstrando prazer e bem estar em atuar na área. Pensamos que todos os trabalhadores, mesmo que não sejam do setor do luxo, deveriam trabalhar com a mesma dignidade e de maneira compensadora. Entretanto, a realidade está longe do ideal. A exploração do trabalho de alguns setores nessa área é um fato que inspira triste, preocupação e a necessidade de reflexão sobre o tema. Moda rápida, vitimas rápidas 25

3 O fast fashion, conceito de moda rápida, chegou ao mundo para nos vestir melhor, ou seria só mais uma forma junkie de viver? Seriam as redes de fast fashion o Mc Donald s das roupas, nos tornando doentes pelo consumo e, pior, escravizando quem as produz? Como sintoma deste cenário, já presenciei duas mulheres optando pela agressão física por conta de um vestido, cena comum nas lojas lotadas de uma Nova York em época de liquidações. Fiquei tentada a pesquisar. Como é possível chegar a custos tão baixos? O lucro líquido deve ser exorbitante. Qual seria a mágica para vestir meio mundo com tendência e preço baixo? Subemprego. Costureiras de países como Bolívia, Peru, Camboja, Índia e outros tantos ganham salários incrivelmente abaixo do nível de mercado e trabalham em condições desumanas como, por exemplo, ficar em pé o dia todo, sem hora de almoço, em ambiente de muita pressão. Temos no Brasil o caso Zara, em que, depois da denúncia de uma ONG, a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP) fez uma investigação e acusou a rede espanhola de usar mão de obra escrava na produção de suas roupas, sapatos e acessórios, no Brasil. Os trabalhadores estavam em situações precárias, sem comer ou dormir, chegando ao cúmulo de só poderem sair do estabelecimento em que trabalhavam com a permissão dos superiores, conforme relataram. E essa permissão raramente era concedida, disseram. Seus salários variavam de 260 a 450 reais por mês, isto é, abaixo do salário mínimo. Os trabalhadores eram na maioria bolivianos e peruanos que chegaram em São Paulo com sonhos de viver melhor. A Inditex, proprietária da Zara, alegou não ter conhecimento da situação e terceirizar o trabalho para outro grupo, chamado AHA. A notícia teve repercussão tão grande, inclusive no exterior, que o site da loja no Brasil foi retirado do ar. Difícil acreditar que uma empresa do porte da Zara perca o controle sobre seus trabalhadores, a ponto de não saber se eles estão em condições desumanas ou não. Conheci algumas costureiras que trabalham para marcas pequenas, como essas que encontramos na feira da Praça Benedito Calixto, em Pinheiros, ou no Shopping Center 3, na Avenida Paulista. Elas ganham em torno de 30 reais para costurar uma simples saia, podendo ganhar mais de reais para fazer um vestido de noiva. Costureiras estão em falta no mercado. Muitos consumidores acham que elas estão ultrapassadas, mas o fato é que são essenciais. Apesar disso, têm relações precárias de trabalho. Ainda estão desprovidas de respaldo sindical, para se ter uma ideia. Talvez deixar de comprar não seja uma opção alcançável no cenário atual. Seria uma visão irrealista, porque as pessoas não vão deixar de fazê-lo se o preço for atraente, especialmente quando se tem em mente vivemos em um mundo bombardeado por 26

4 propaganda para todo tipo de consumo, 24 horas por dia. Fast fashion, para entendermos melhor o conceito, refere-se a roupas novas que seguem as tendências do mundo e chegam às lojas com muita frequência. Chegam todos os dias, quando em uma loja comum isso acontece uma vez por semana, quando muito. Nos dias de hoje, as marcas vêm sendo fortemente influenciadas pelo conceito fast fashion e produzem as chamadas minicoleções, que consistem na produção das peças em pequenas quantidades. Nesse conceito, as tendências se tornam ultrapassadas rapidamente e os consumidores sentem cada vez mais necessidade de comprar de novo. Atualmente o Brasil vem chegando mais perto dos modelos internacionais: "Nós evoluímos bastante, o prazo entre a colocação do pedido e a chegada do produto nas redes de vestuário caiu de cerca de 120 dias, há quatro ou cinco anos, para até 25 dias hoje. Mas ainda falta muito. As lojas brasileiras não têm no DNA o conceito de fast fashion, diz o consultor Maurício Morgado, ligado ao GVcev, o Centro de Excelência em Varejo da FGV-EAESP. Zara e H&M, por exemplo, levam no máximo sete dias. O termo fast fashion surgiu na década de 90, mas só há alguns anos vem sendo popularizado no país. Neste semestre recebemos a gigante inglesa Topshop, queridinha de top models como Kate Moss, que por alguns anos assinou coleções dessa marca. Até grandes maisons como Lanvin, e designers como Karl Lagerfeld criaram coleções com preços acessíveis para a sueca H&M. No Brasil, também vimos nossos grandes estilistas dando seus nomes a marcas populares. Entre eles temos Cris Barros, Oskar Metsavaht, Clo Orozco. A moda é a indústria que mais emprega na França, e no Brasil é a segunda, gerando milhões de empregos. O difícil no conceito do fast fashion é fabricar as peças de maneira responsável (mão de obra, direitos trabalhistas e impostos). Como em outros mercados, ficar fora da fiscalização não quer dizer ficar fora do consumo final. Brechós e projetos de tecidos recicláveis, como a coleção consciente da sueca H&M, são algumas das soluções para conter o consumo exacerbado e diminuir a poluição. Na parte da fiscalização, a situação é mais complexa porque, como todos nós sabemos, há corrupção. As pessoas envolvidas no caso Zara, por exemplo, tinham plena consciência do que se passava naqueles porões, mas produzir barato significa que boa parte do dinheiro dos semi-escravos iria para seus bolsos. Tráfico humano e contrabando são algumas das questões mundiais que estão na pauta dos governos. Elas podem ser amenizadas, ainda que custe muito, mas não podem ser extintas, já que têm o apoio oculto de políticos, policiais e funcionários de órgãos públicos. Enquanto uma mão puder ser molhada, nem a indústria da moda e nem qualquer outra está a salvo de si mesma. 27

5 Tereza Audi é economista, Mestre e Doutora pela PUC-SP. Professora em vários cursos de graduação e pós-graduação nas áreas de Economia, Gestão e Relações Internacionais. Carolina Junqueira é estudante de graduação em Relações Internacionais na Faculdade Santa Marcelina. 28