O processo prosseguiu e o r. Juízo de Direito a quo fez a entrega da prestação jurisdicional, declarando nula a fiança e extinguindo a execução.

Transcrição

1 APELAÇÃO COM REVISÃO N º /8 Vargem Grande do Sul Apelante: Benedita Ferreira Martins Apelada: Antonia Chaves Garcia LOCAÇÃO DE IMÓVEIS. PACTO ADJETO DE FIANÇA. GARANTE ANALFABETA. INSTRUMENTO PARTICULAR. INEFICÁCIA. Não tem eficácia a fiança prestada por pessoa analfabeta ou que não saiba ler e escrever através de instrumento particular. A liberdade dos contratantes sobre a criação ou a estipulação de vínculos obrigacionais está subordinada às normas jurídicas e ao interesse coletivo. Voto n º Visto, ANTONIA CHAVES GARCIA opôs embargos à execução que lhe move BENEDITA FERREIRA MARTINS, partes qualificadas nos autos, alegando benefício de ordem e nulidade da fiança. Recebido o incidente, a Embargada ofertou impugnação. Em audiência, após o depoimento pessoal da Embargante e da oitiva de quatro testemunhas, as partes se compuseram com suspensão do andamento das ações, mas esse acordo não foi cumprido. O processo prosseguiu e o r. Juízo de Direito a quo fez a entrega da prestação jurisdicional, declarando nula a fiança e extinguindo a execução

2 BENEDITA FERREIRA MARTINS apelou: "... a apelada devidamente acompanhada pelo seu procurador, reconheceu a legitimidade do débito cobrado e efetuou em audiência de instrução debates e julgamento um acordo amigável para pagamento..." (folha 57 grifo e destaque do original). ANTONIA CHAVES GARCIA apresentou contra-razões defendendo o acerto da decisão. É o relatório, adotado no mais o da r. sentença. Quando alguém abona obrigação de outrem para com o seu credor, caso o devedor não a cumpra ou possa cumpri-la, dá-se o contrato de fiança, que é acessório, distinto da locação, mas não exclui a responsabilidade do garante pelas obrigações resultantes desses contratos. A fiança prestada em conjunto a um só débito por mais de uma pessoa, importa em compromisso de solidariedade entre elas, salvo se houver declaração de reserva do benefício da divisão, sendo lícito ao credor acionar qualquer uma delas, à sua livre escolha, podendo exigir a dívida de algum dos co-devedores. Contrato é um acordo de vontades, escrito ou não, que, conforme a lei, tem por finalidade, adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos. É ato jurídico (negócio jurídico) que reclama os requisitos de validade do Código Civil. A liberdade dos contratantes sobre a criação ou a estipulação de vínculos obrigacionais está subordinada às normas jurídicas e ao interesse coletivo

3 Faz-se interpretação razoável da lei, com subsídios na analogia 1. O artigo 145, inciso III, c. c. artigos 82 e 130 do Código Civil de 1916, vigentes à época da alegada contratação da fiança (10/6/1999 folha 10 do apenso), dispunham sobre a nulidade do ato jurídico quando não revestido da forma prescrita em lei. No contrato de locação de serviços, não sabendo a parte ler nem escrever, o instrumento podia ser escrito e assinado a rogo, mas com subscrição de quatro testemunhas 2. Um dos requisitos essenciais do testamento particular era que ele fosse escrito e assinado pelo testador. No testamento público, se o testador não soubesse ou não pudesse assinar, o oficial devia assim declarar, assinando, nesse caso, por ele, a seu rogo, uma das testemunhas instrumentárias 3. Na separação consensual se os cônjuges não puderem ou não souberem escrever, será lícito que outrem assine a petição a rogo deles, mas as assinaturas, quando não lançadas na presença do juiz, devem ser reconhecidas por tabelião 4. Não pode ser árbitro o analfabeto 5. Sem digressão pode-se sustentar que a falta de assinatura a rogo de contratante analfabeto, autoriza a nulidade prevista pelo artigo 145, inciso III do Código Civil de 1916, do instrumento de promessa de venda e compra. Da doutrina extraí-se que a fiança prestada por analfabeto, via instrumento particular, é inválida, uma vez que desatende ao artigo 135 do Código Civil 1 - Código de Processo Civil, artigo Código Civil de 1916, artigo Código Civil de 1916, artigo 1.645, inciso I. 4 - Código de Processo Civil, artigo 1.120, parágrafos 1º e 2º. 5 - Código de Processo Civil, artigo 1.079, inciso II

4 de 1916, que condicionava a validade da obrigação assumida através daquela modalidade ao lançamento da assinatura de quem se obrigou. "... o analfabeto ou aquele que se encontrar em situação de não poder assinar o nome, só por meio de escritura pública ou por intermédio de procurador bastante pode contrair obrigação por instrumento particular..." 6 "Analfabeto, cego e surdo-mudo. Todas estas pessoas podem ter capacidade civil. Mas certos atos da vida civil somente poderão fazê-los mediante forma especial. Assim o é com a fiança. A fiança só pode ser prestada por instrumento público quando o fiador for analfabeto, cego ou surdo-mudo..." 7 "Se analfabeto o fiador, nula será a fiança prestada em seu nome, desde que se não apresente procuração por instrumento público outorgada por ele próprio." 8 A exigência do instrumento público era, no caso, formal e objetiva, não podendo ser afastada ainda que a Apelada, analfabeta, tivesse algum conhecimento sobre o que estava acontecendo, conforme o entendimento jurisprudencial dominante: Fiança. Fiador analfabeto. Requisito. Instrumento público ou procurador legalmente constituído. Nula a fiança prestada por analfabeto em instrumento particular J. M. CARVALHO SANTOS, in "Código Civil Brasileiro Interpretado", 10ª ed., vol. III, pág LAURO LAERTES DE OLIVEIRA, in "Da Fiança", Ed. Saraiva, págs. 30/ WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, in "Curso de Direito Civil", Ed. Saraiva, 5º vol., pág º TACivSP - Ap. c/ Rev ª Câm. Rel. Juiz JOSÉ MALERBI - J No mesmo sentido: JTA (RT) 86/441, 92/359. JTA (Saraiva) 72/264. RT 454/147, 477/144, 546/143. Ap. c/ Rev ª Câm. - Rel. Juiz AMARAL VIEIRA - J Ap. c/ Rev ª Câm. - Rel. Juiz RENATO SARTORELLI - J

5 Resulta a nulidade de contrato de fiança em locação assinado a rogo por fiadora analfabeta. 10 É nula a fiança prestada por analfabeto, ou por quem não saiba escrever. Para ter validade só pode ser por instrumento público. 11 A r. sentença de primeiro grau deu adequada solução à controvérsia, devendo a Apelante voltar-se contra os seus inquilinos, uma vez que a fiança, tal como prestada, não reuniu condições mínimas para produzir efeitos de direito entre as partes, sendo que o acordo formulado em audiência, com mera suspensão do processo, não altera essa realidade fática, até porque descumprido. recurso. Em face ao exposto, nega-se provimento ao IRINEU PEDROTTI Desembargador Relator 10-2º TACivSP - Ap. c/ Rev ª Câm. - Rel. Juiz EROS PICELI - J º TACivSP - Ap. c/ Rev ª Câm. - Rel. Juiz LUÍS DE CARVALHO - J