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1 Este documento faz parte do Repositório Institucional do Fórum Social Mundial Memória FSM memoriafsm.org

2 Diferentes Lutas e um inimigo comum Por Rita Freire Movimentos sociais e sindicatos europeus: não há divergência de conteúdo, mas somente de estratégias, diz Francine Mestrum, em entrevista a Rita Freire, da Ciranda. Semana passada, milhares de pessoas, especialmente convocadas por sindicatos, realizaram demonstrações em Bruxelas para bloquear a adoção do Pacto para o euro. É considerado um ataque sem precedentes contra os direitos políticos e sociais dos povos europeus, uma vez que é esperado que pessoas e Estados sejam colocados sob o controle total dos mercados financeiros. Cidadãos europeus estão sofrendo cortes em seus salários e aposentadorias há meses. E com o pacto, as coisas podem piorar, de acordo com a ativista social Francine Mestrum, membro do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial pelo CETRI (Centro Tricontinental) e a rede Global Social Justice (Justiça Social Global). Um dos problemas é que os mundos dos sindicatos e de outros movimentos ainda encontram-se bastante separados. Em sua opinião, eles deveriam se unir contra a ofensiva neoliberal. Leia a entrevista Você considera que estes protestos terão impacto nas diretrizes das políticas econômicas na região, já que os governos não estão dando atenção às mensagens nas ruas? FM na sexta-feira 24 de março por volta de vinte mil sindicalistas, principalmente da Bélgica, protestaram contra as políticas de austeridade europeias. Foi uma mobilização muito importante que recebeu bastante atenção da mídia, mas não de uma maneira positiva. Infelizmente, as chances são mínimas que isso terá consequências imediatas e reais. Deixe-me mencionar dois problemas: Primeiro, nenhum outro movimento social esteve envolvido nestes protestos, já que os mundos dos sindicatos e dos outros movimentos ainda encontram-se bastante separados. Graças ao processo do Fórum Social, há tentativas de aproximá-los, mas para as maiores mobilizações, cada organização prefere claramente ter sua própria agenda. Mesmo na sexta-feira, os maiores sindicatos belgas realizaram ações separadamente, o que é algo muito triste, já que eles nunca poderão vencer sem juntar forças. Eu sublinho o fato que não há divergências quanto ao conteúdo, mas apenas quanto à estratégia. Nós realizamos há algumas semanas uma Conferência Social Conjunta no nível europeu com sindicatos e movimentos sociais e isso foi uma consequência direta do Fórum Social Europeu. Essa é uma iniciativa muito promissora, apesar de ser um processo lento, e fico imaginando se não surgiu já tarde demais. Em relação a influenciar as políticas, eu também tenho dúvidas, já que todos os nossos governos mostram-se firmes em seus compromissos. Eles nos dizem, de fato, que nós temos que desmantelar o Estado social para poder preservá-lo! Nossos governos vão ao Conselho Europeu e conversam entre si, dizem uns aos outros o que deve ser feito e então voltam para casa e dizem ao povo que a Europa os obriga a fazer isso ou aquilo! De fato, todos os compromissos europeus que dizem respeito ao Estado do bem-estar social estão sendo implementados no nível nacional. Eles agora possuem um rótulo europeu que os torna mais rigorosos. Memória FSM memoriafsm.org 1

3 Então, à primeira vista, eu tenho dúvidas quanto à real influência que estes protestos podem ter em nossos governos. Veja o que aconteceu na França: em 2010, milhões de pessoas foram às ruas protestar contra a reforma, mas o governo não os ouviu. Sábado dia 25 de março, meio milhão de britânicos foram às ruas, mas a maior parte das medidas de austeridade já foram tomadas. É uma situação muito difícil. A Europa tem uma história significativa de lutas pelos direitos trabalhistas e pelo bemestar social. Qual é a resposta da população à ameaça da política de austeridade, zero crescimento, Estado fraco, desemprego, sob o pretexto de garantir competitividade? FM Esse é o lado trágico da história. A Europa Ocidental foi a primeira e continua sendo a última ilha de segurança e proteção social relativamente boa. Claro, nossos Estados sociais não eram perfeitos, mas comparando com que existia no resto do mundo, foi muito bom e pessoalmente eu ainda acredito que devemos tentar exportar esse modelo de segurança social para o resto do mundo. Mas eu também vi que as políticas neoliberais, também chamadas de Consenso de Washington, exterminaram os Estados de bem-estar social que surgiam em países do terceiro mundo. Eles colocam as políticas de erradicação de pobreza em seus lugares, e é isso o que eles querem fazer agora na União Europeia. Isso é um mecanismo perverso que muitos movimentos sociais ainda não compreenderam. Porque o sistema vem criado mais e mais pobreza, e claro que devemos ajudar as pessoas pobres. Mas a primeira coisa a fazer é impedir que pessoas se tornem pobres. Então nós não deveríamos ajudar os pobres às custas da classe trabalhadora. O que as forças neoliberais querem é um Estado com proteção para aqueles que realmente precisem, enquanto todos os outros podem comprar proteção no mercado. Dessa maneira não há uma redistribuição de renda dos ricos aos pobres, mas da classe trabalhadora não-pobre à classe trabalhadora pobre. Eles querem um piso mínimo de proteção a todos, mas querem por um fim aos Estados do bem-estar social existentes. O slogan geral na União Europeia é o de tornar o trabalho compensador, o que significa que as pessoas devam ser estimuladas a integrar o mercado de trabalho, e por trás disso que as pessoas na verdade não querem trabalhar e devem ser encorajadas. Esse encorajamento não se faz por meio de salários mais altos, mas com baixa ou nenhuma tolerância em relação ao desemprego. A realidade é que há muitos poucos empregos disponíveis. Minha impressão é que as pessoas ainda não entendem esse mecanismo perverso, ou que elas acreditam que governos que dizem que isso é necessário para proteger nossa competitividade. O maior problema, entretanto, é que a esquerda não possui nenhuma alternativa pronta considerada atrativa o suficiente pelas pessoas. Nós vemos em todos os países europeus uma guinada à direita e à extrema direita e isso vem se tornando muito preocupante. Na França, o candidato da extrema direita provavelmente estará no segundo turno das eleições presidenciais de Em Flandres, o lado belga que fala holandês, os partidos de direita e extrema direita possuem quase 50% dos votos. Portanto o descontentamento é generalizado, mas nem sempre levando rumo a alternativas de esquerda. As pessoas acham que os seus problemas podem ser resolvidos parando a entrada de imigrantes na Europa ou mandar para longe aqueles que já estão aqui. A realidade é que essas pessoas fazem todo o trabalho sujo e mal pago que os Memória FSM memoriafsm.org 2

4 europeus não querem fazer. Como a grande mídia na Europa está se posicionando em relação ao pacto e aos protestos? E a mídia social? FM quase toda a nossa mídia é comercial, isto é, neoliberal. Elas criaram a impressão que os movimentos sindicais e corporativos estão apenas defendendo os direitos de seus membros e usando o fazendo o resto da sociedade de refém! O centro de Bruxelas foi bloqueado na última sexta-feira, e, ao invés de celebrar os sindicatos por defenderem os direitos da classe trabalhadora, a mídia chamou isso de irresponsável e inaceitável. Na Bélgica, os sindicatos são muito institucionalizados, nós temos uma economia de concertação, nossos sindicatos até mesmo têm representação na diretoria do Banco Central. Eles ainda acreditam que podem negociar com o governo e tentar parar as reformas liberais, mas eu acredito que eles não serão bem-sucedidos, especialmente porque a mídia também está se opondo a eles. Nós temos algumas mídias alternativas sociais, e também revistas virtuais, mas elas são muito pequenas e não podem realmente enfrentar a competição com os grandes jornais, redes de televisão e rádio. Um grande problema é que a maior parte das pessoas em torno da mídia não estão realmente interessadas no que está acontecendo no nível da União Europeia. Eles nem mesmo sabem que a União está atualmente intervindo em assuntos para os quais não tem competência. As conclusões do Conselho Europeu de 24 e 25 de março explicitamente dizem que a União Europeia não tem competência, de acordo com o Tratado, para falar sobre salários, acordos coletivos, seguridade social etc. Essas são competências nacionais. Ao mesmo tempo, eles agora dão suas recomendações aos Estados em relação ao que devem fazer. Isso é uma forma bastante antidemocrática de trabalhar, mas poucas pessoas parecem se importar com isso, exceto os movimentos sociais que infelizmente não representam a maior parte da população e que, como eu disse antes, não possuem alternativas coerentes e atrativas. Como membro do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial, você irá à fronteira da Tunísia com a Líbia para discutir com representantes da resistência. Você acredita que a Europa pode se inspirar de alguma forma pelos movimentos do Norte da África? Eu torço para que sim! E espero que um dia aconteça. No última fim de semana estivemos em Paris para discutir as ações e mobilizações contra os encontros do G8 e G20 na França neste ano. Um slogan geral é inspirado pela revolta Tunisiana: G8 dégage ( Fora G8 ). Mas novamente os protestos na maior parte dos países não foram apoiados por uma maioria da população que acredita que essas reformas sejam necessárias e que se viram à extrema direita em busca de soluções. Para os próprios movimentos sociais, eles precisam urgentemente de uma alternativa atrativa. E os governos seguem seu caminho antidemocrático de impor suas reformas. A maior parte dos partidos políticos e dos políticos perderam a credibilidade. Então, como você pode ver, eu não sou muito otimista no curto prazo. Mas nós não temos outra escolha. Nós temos que ir protestar e mobilizar, mas, acima de tudo, explicar às pessoas o que está acontecendo. Aqui a mídia e a mídia social são Memória FSM memoriafsm.org 3

5 extremamente importantes. E temos que urgentemente trabalhar alternativas atraentes e possíveis. Haverá um outro grande protesto europeu em Budapeste no dia 9 de abril. Memória FSM memoriafsm.org 4