O pagamento de faturas com atraso pela Administração Pública e a concessão de compensações financeiras

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1 O pagamento de faturas com atraso pela Administração Pública e a concessão de compensações financeiras A preservação do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos tem raiz constitucional. Com efeito, assim dispõe o art. 37 da Carta da República: XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. Três são as formas de recomposição dos preços ajustados num contrato: a) reajuste; b) compensações financeiras e c) reequilíbrio econômico-financeiro. a) O reajuste contém previsão no art. 40, XI da Lei de Licitações 1, que obriga a fixação de um indexador para corrigir o valor inicialmente ajustado, nos termos que seguem: Art. 40 XI - critério de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais, desde a data prevista para apresentação da proposta, ou do orçamento a que essa proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela; O indexador a ser empregado para o reajuste será aquele estipulado em cláusula contratual. 1 Lei nº 8.666, de 21 de junho de b) As compensações financeiras, que também devem integrar o edital da licitação e o contrato, têm por fim recompor o preço ajustado quando a Administração paga as parcelas devidas com atraso. Essa previsão está contida no art. 40, XIV do Estatuto das Licitações: XIV - condições de pagamento, prevendo: c) critério de atualização financeira dos valores a serem pagos, desde a data final do período de adimplemento de cada parcela até a data do efetivo pagamento; d) compensações financeiras e penalizações, por eventuais atrasos, e descontos, por eventuais antecipações de pagamentos; c) O reequilíbrio econômico financeiro do contrato, que pode ocorrer a qualquer tempo, durante a execução contratual, tem previsão no art. 65, II, d, da Lei de Licitações, assim dispondo: Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: II - por acordo das partes: (..) d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômicofinanceiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou 1

2 fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual. A dúvida que não raro exsurge na execução dos contratos administrativos é quanto à possibilidade de a Administração compensar, ainda que tardiamente, o contratado que recebeu a remuneração pelo fornecimento de bens e serviços com atraso, em face da inexistência de previsão no instrumento do ajuste para tanto. Em observância ao comando constitucional contido no inc. XXI do art. 37, a compensação financeira, independentemente de previsão contratual, afirma-se, de pronto, deve ser observada. Com efeito, a doutrina, na lavra de Marçal Justen Filho 2 está assim redigida: 20.3) As compensações financeiras e conseqüências do inadimplemento O ato convocatório deve disciplinar as condições de adimplemento e conseqüências de inexecução, tanto no tocante ao particular como à própria Administração. É um desvio de óptica, incompatível com o Estado Democrático de Direito, omitir disciplina da conduta estatal. A idéia de democracia exige submissão do Estado e de seus agentes à observância dos princípios jurídicos fundamentais. Entre esses princípios, está a obrigatoriedade das convenções e vedação à impunidade. Não é cabível que o Estado pretenda, através da omissão de regras sobre conseqüências de inadimplemento, assegurar para si próprio regime excludente de sanções em caso de infração ao Direito. A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul tem essa orientação, como se verifica da: 2 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12ª ed. São Paulo. 2008, p.518. Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. LICITAÇÃO E CONTRATO ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO PARA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. PAGAMENTOS EFETUADOS COM ATRASO. PAGAMENTO DE DIFERENÇAS A TÍTULO DE CORREÇÃO MONETÁRIA. DEVIDO. Constatada a finalização dos serviços prestados, conforme o contrato firmando perante o Município de Santa Cruz do Sul, havendo parcelas pagas em atraso, é devido o pagamento à empresa contratada das diferenças a título da correção monetária respectiva, não obstante a ausência de previsão expressa no contrato em questão, tratando-se de consectário legal. Inteligência dos artigos 40, XIV, `a e 55, ambos da Lei nº 8.666/93 e do art. 397 do Código Civil. Precedentes do TJRGS e STJ. CORREÇÃO MONETÁRIA. IGP-M. ART. 1º-F DA LEI Nº 9.494/97. LEI /09. ÍNDICES OFICIAIS DE REMUNERAÇÃO BÁSICA. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, antes da vigência da Lei nº /09, incide correção monetária pelo IGP-M, ressalvando-se o período anterior, que seguirá os parâmetros então vigentes. A partir da entrada em vigor da Lei nº /09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, aplicam-se os índices oficiais de remuneração básica. REsp SP - art. 543-C do CPC. Precedentes do TJRGS e STJ. Apelação parcialmente provida liminarmente. (Apelação Cível Nº , Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em 10/04/2012) Do Acórdão destacam-se os seguintes excertos: Outrossim, consta no art. 397 do Código Civil: 2

3 Art O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor. Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial. Logo, verificada a mora, porquanto não comprovados os pagamentos dentro do prazo contratual e legal, a correção monetária é impositiva, tratando-se de consectários legais, que incidem independentemente de previsão contratual. Como é cediço, é devida a fim de assegurar a manutenção do valor real da moeda, conforme pacífico entendimento jurisprudencial no STJ, como constou no REsp /CE, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, DJ 30/11/06, p. 162: Ademais, é remansoso nesta Corte Superior que a correção monetária nada acrescenta, tão-somente preserva o valor da moeda aviltada pelo processo inflacionário, não constituindo um plus, mas sim um minus. Essencial, desta forma, a correta apuração desta e de seus desdobramentos., bem como no REsp /CE, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 20/03/06 p. 209, pelo qual é cediço que a correção monetária não é um plus que se acrescenta, mas um minus que se evita, não traduzindo acréscimo patrimonial, mas sim restaurando os efeitos corrosivos da inflação, mediante a atualização da moeda. O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, na atual redação, dada pela Lei nº /09, prevê: Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança., aplicável ao caso, conforme o julgado supra. Desta forma, no que tange à correção monetária a incidir antes da vigência da Lei nº /09, utiliza-se IGP-M e, a partir da entrada em vigor da Lei nº /09, aplicam-se os índices oficiais de remuneração básica. (grifou-se) Neste sentido: DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA E CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE FÉRIAS NÃO GOZADAS E TERÇOS RESPECTIVOS. JUROS. CORREÇÃO MONETÁRIA. LEI /09. Juros e correção monetária conforme os índices da caderneta de poupança, nos termos do art. 1º-F da Lei n 9.494/97, na nova redação dada pela Lei de 2009, a partir da sua vigência, ressalvado o período anterior, que seguirá os parâmetros da legislação então vigente (REsp SP - art. 543-C do CPC). Juros moratórios são de 12% ao ano, nos termos do art. 161, 1º, do CTN, até a vigência do art. 1º-F da Lei n 9.494/97, na redação dada pela Lei de 2009, sendo o termo inicial o trânsito em julgado da ação. Inteligência do parágrafo único do art. 167 do CTN. Aplicação da Súmula nº 188 do STJ. Incidência de correção monetária desde cada desconto indevido, conforme prevê a Súmula nº 162 do STJ, utilizando-se o índice oficial adotado pelo fisco. Apelação dos réus e recurso adesivo providos em parte liminarmente. (Apelação Cível Nº , Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em 28/10/2011) 3

4 O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina 3 possui mesma orientação: APELAÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO ADMINISTRATIVO. PAGAMENTO COM ATRASO. CORREÇÃO MONETÁRIA DEVIDA, SOB PENA DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DA MUNICIPALIDADE RÉ. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ADEQUADAMENTE FIXADOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. I. Comprovado que a Municipalidade ré contratou os serviços da empresa autora, aditou o contrato e não pagou, no prazo avençado, a contraprestação devida, é devida a aplicação de correção monetária a partir do momento em que deveria ter sido efetuado o pagamento, sob pena de enriquecimento sem causa do devedor. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná 4 : 3 EMENTA: APELAÇÕES CÍVEIS. INDENIZAÇÃO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. OBRAS PÚBLICAS. REEQUILÍBRIO ECONÔMICO DO CONTRATO. PAGAMENTO DE FATURAS COM ATRASO, EM FACE DAS DATAS DAS MEDIÇÕES. ÉPOCA DE GRANDE INFLAÇÃO. PERÍCIA EFETIVADA. PREJUÍZO CONSTATADO. DEMANDA JULGADA PROCEDENTE EM PARTE, CONDENANDO-SE A RÉ A PAGAR A CORREÇÃO MONETÁRIA COM JUROS LEGAIS. 1)- APELAÇÃO DA AUTORA- CONSTRUTORA. PRETENSÃO DE INCLUSÃO DE "JUROS DE MERCADO" NA CONDENAÇÃO, POR Apelação Cível. Acórdão Segunda Câmara de Direito Público. Data do julgamento: 06/09/ Apelação Cível. Acórdão Quinta Câmara Cível. Data do julgamento: 05/07/2011. Paulo: TER FEITO EMPRÉSTIMOS BANCÁRIOS PARA DAR CONTA DE SUAS ATIVIDADES NAQUELES PERÍODOS. TODAVIA, AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL DIRETO ENTRE OS MÚTUOS E OS ATRASOS IMPUTADOS À AUTARQUIA RÉ. ADEMAIS, ATRASOS QUE SE CONSUBSTANCIAM EM RISCO DO NEGÓCIO PARA A CONSTRUTORA, A QUAL DEVE TER FLUXO DE CAIXA A DAR CONTA DE SUAS ATIVIDADES EM TAIS CASOS, POIS OS ATRASO... Do acórdão extrai-se: Em caso parecido o extinto TAPR julgou: "APELAÇÃO CÍVEL - CONTRATO DE EMPREITADA - OBRA PÚBLICA - PAGAMENTO COM ATRASO - CORREÇÃO MONETÁRIA DEVIDA - JUROS MORATÓRIOS DEVIDOS À TAXA DE 12% AO ANO - APLICAÇÃO DA TAXA REFERENCIAL COMO FATOR DE CORREÇÃO MONETÁRIA - IMPOSSIBILIDADE MESMO PACTUADA - APURAÇÃO DO QUANTUM A SER FEITA EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA - PROVIMENTO PARCIAL. Mesmo nos casos de empreitada de obra pública, comprovada a prestação dos serviços e o atraso no pagamento das faturas, devida é a correção monetária, ainda que não contratada, face à desvalorização da moeda pela inflação, devendo o "quantum" ser apurado em execução de sentença. Tribunal de Justiça do Estado de São Ementa: Administrativo. Contrato. Correção monetária. Faturas. Pagamento. Atraso. É devida a correção monetária, quando demonstrado o atraso no pagamento de faturas decorrentes de contrato 4

5 segue: administrativo, para que se preserve a equação financeira deste. Do acórdão, destaca-se o excerto que Como bem decidiu a primeira instância, o atraso no pagamento de faturas decorrentes de contrato para realização de obras públicas determina a incidência de correção monetária, mesmo na falta de previsão expressa no instrumento de ajuste, uma vez que ela se opera em face da desvalorização da moeda pela inflação, sendo vedado o enriquecimento sem causa do devedor e ilícito que se beneficie da própria inadimplência. Nesse sentido, a orientação dos Tribunais Superiores: "Correção monetária. Quebra contratual. O ilícito contratual é fonte direta de correção monetária, ainda que a Lei ou o contrato não a tenha previsto"(stf, Recurso Extraordinário nº /SP, relator o Ministro Francisco Rezek, DJ , p ). hipótese, de sorte a preservar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos. Texto produzido por: Volnei Moreira dos Santos Consultor do IGAM. "Contrato de obra. Atraso no pagamento. Correção monetária. Pacificou-se a jurisprudência desta corte no sentido do cabimento da correção monetária e juros, quando configurado o atraso no pagamento de faturas, ainda que a lei ou o contrato não a tenha, expressamente, previsto"(stj, Recurso Especial nº /AL, Primeira Turma, relator o Ministro José de Jesus Filho, DJ , p ). Assim, conclui-se pela possibilidade jurídica de a Administração Pública efetuar o pagamento de compensações financeiras, administrativamente, ainda que o edital ou contrato não tenham homenageado tal 5