Rodrigo Perez Oliveira 1
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- Elisa Palhares da Rocha
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1 A representação de si através do culto à memória de outrem: a inauguração do monumento em homenagem a Manoel Luís Osório nos últimos dias do governo de Floriano Peixoto (1894) Rodrigo Perez Oliveira 1 Pierre Bourdieu indica, em sua sociologia do poder simbólico, que as formulações simbólicas são instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento dotados de historicidade. De acordo com a proposta teórica do sociólogo francês, esses sistemas simbólicos possuem uma função política de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para assegurar, naturalizando e re-apresentando uma dada conjuntura social, a hegemonia de um grupo (s) sobre outro (s) (BOURDIEU; 2007). Nesse sentido, as elaborações teóricas de Pierre Bourdieu são centrais para a minha reflexão porque possuem como fundamento a relação entre sistema simbólico e um dado estado material da existência. O autor nos acrescenta que nenhum tipo de ação simbólica é algo em si; as construções simbólicas estão intimamente relacionadas com a correlação de forças existente no ambiente social no qual estão inseridas. Ou seja, a cultura simbólica somente existe efetivamente sob a forma de um conjunto de significantes/significados de onde provém todo seu potencial de representação da realidade. Essa realidade simbólica, que os sistemas de produção simbólica produzem, inculcam e fazem parecer natural, possui relação direta com a organização política da sociedade que o produziu. Assim como não existem puras relações de força, também não há relações de sentido que não estejam referidas e determinadas por um sistema de dominação. Para além das representações que os agentes incorporam, capazes de propiciar justificativas simbólicas para a posição que ocupam, o observador deve reconstruir o sistema completo das relações simbólicas e não simbólicas, ou seja, as condições de existência material e a hierarquia social daí resultante 2. (grifos nossos) (BOURDIEU; P. 76) 1 Mestrando em História Social do Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGHIS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 2 Op cit. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.
2 Esse tipo de análise chama nossa atenção para o elemento social estruturador de todo tipo de construção simbólica: as relações sociais que lhe conferem sentido. Se assim o é, o estudo de um dado sistema simbólico deve levar em consideração o aspecto não simbólico existente no enquadramento social no qual se desenvolveu determinada simbolização. A partir dessa relação entre o social e o simbólico é possível perceber os motivos que explicam o sucesso, ou não, de um sistema simbólico. A eficácia de um sistema simbólico bem sucedido consiste na sua capacidade de ordenar o mundo natural e social através dos discursos, mensagens e representações, que não passam de alegorias que simulam a estrutura real das relações sociais (BOURDIEU; P. 87) Ou seja, o grande mérito de um sistema simbólico é a dissimulação de sua ação a um determinado nível em que a realidade construída seja automaticamente relacionada com a única realidade possível. Eis a inculcação simbólica tanto abordada por Bourdieu. Daí a necessidade da análise conjunta do aspecto simbólico e não-simbólico da dominação para que possa ser possível aferir a maneira pela qual as relações de poder fazem-se presente nas formulações simbólicas. Pierre Bourdieu chama atenção para a necessidade de buscar a atuação do poder simbólico onde ele menos se deixa perceber; nas situações, aparentemente, desprovidas de violência simbólica, nos momentos onde a tranquilidade e a harmonia parecem pautar a conduta dos agentes históricos, ou seja, os momentos das festividades e das comemorações. Nessas ocasiões, quando todos parecem estar pacificados, o poder simbólico exerce sua ação de inoculador e naturalizador de realidades simbólicas artificiais, tendenciosas e dotadas de historicidade. Cabe ao historiador, então, decodificar o significado simbólico dessas manifestações comemoracionistas, geralmente representadas através dos rituais coletivos de culto ao passado (CATROGA;2001), percebendo a lógica dos conflitos político/sociais que engendram essas formulações simbólicas. É com essa abordagem teórica que pretendo analisar o problema que fundamenta esse trabalho: a inauguração, em 12 de novembro de 1894, na
3 praça XV de Novembro 3, localizada na região central da cidade do Rio de Janeiro, no pantheon em homenagem ao general Manoel Luís Osório ( ), um dos maiores líderes do exército brasileiro durante o século XIX 4. A inauguração do monumento foi marcada pelo translado dos restos mortais de Osório, que até então estavam na igreja Santa Cruz dos Militares, para uma cripta localizada na parte inferior do monumento, que era encimado por uma estátua equestre construída pelo artista Rodolfo Bernadeli ( ) e fundida com o bronze dos canhões utilizados na Guerra do Paraguai. A cerimônia de inauguração foi caracterizada por grandes festejos e homenagens militares; estavam presentes na ocasião uma multidão de populares, o marechal Floriano Peixoto, na época nos últimos dias na posição de presidente da república, e o paulista Prudente de Morais, primeiro civil a ocupar a presidência da república, que já estava eleito para o cargo desde 1 março de 1894 e tinha ido ao Rio de Janeiro para tomar posse da principal magistratura republicana. Nesse sentido, defendo como hipótese que o grande objetivo da política simbólica desenvolvida nos últimos dias do governo de Floriano Peixoto, que conduziu pessoalmente a semana de comemorações da qual a inauguração do pantheon de Osório foi o principal evento, foi produzir um Osório que representasse o arquétipo de Floriano Peixoto. Ou seja, a memória jacobina 5 organizou uma apropriação do passado na qual a Osório foi atribuído o papel de grande herói militar, tudo isso foi feito a partir do objetivo de afirma que Floriano Peixoto, tal como Osório, também era um grande líder, um grande herói nacional. O objetivo dessa formulação simbólica foi cultuar Floriano Peixoto via Osório. A inauguração do monumento em homenagem a Osório foi a última e maior ação simbólica do governo de Floriano Peixoto. A última semana do mandato do marechal foi marcada por uma série de comemorações que começaram no dia 10 de 3 Antes da proclamação da república, o logradouro, hoje correspondente à Praça XV de Novembro, era chamado de Praça do Paço. Após a implantação do regime republicano, a Praça XV de Novembro se tornou um dos lugares mais simbólicos para o novo regime. 4 Para saber mais sobre a biografia de Osório consultar Francisco Doratioto. General Osório. São Paulo: Companhia das Letras, Segundo Suely Robles Reis. Os radicais da república. Brasília: Ed. Brasiliense, 1986 o grupo atores históricos, uma classe média urbana, que serviu como base do apoio político do governo de Floriano Peixoto autonomeava-se Jacobinos. Inspirados no grupo homônimo protagonista da Revolução Francesa, os jacobinos brasileiros pautavam sua atuação política na agressividade e possuíam como grande fundamento identitário o anti-lusitanismo.
4 novembro (1894) com a cerimônia de entrega das medalhas comemorativas feitas pelo governo do Uruguai a alguns militares brasileiros que participaram da Guerra do Paraguai. Esse vento contou com a participação de comitivas uruguaias, argentinas e com um discurso de Floriano Peixoto. Dando prosseguimento à semana de festividades, o exército e a guarda nacional organizaram um grande desfile militar no campo de São Cristóvão no dia 11 de novembro. Em 12 de novembro foi realizada a cerimônia mais esperada da semana: a inauguração do monumento em homenagem a Manoel Luís Osório. O dia 15 de novembro finalizou a semana de festividades e o mandato de Floriano Peixoto como presidente de república; no roteiro inicial, esse seria o dia da comemoração do quinto aniversário da república brasileira e a posse de Prudente de Morais, o momento no qual o presidente militar passaria a faixa para o primeiro presidente civil 6. As festividades que marcaram a última semana do governo de Floriano Peixoto não foram, em nenhum aspecto, um congraçamento destinado a celebrar o começo do mandato do novo chefe de estado. Muito pelo contrário, todas as cerimônias visaram mostrar ao futuro presidente civil e à opinião pública em geral que o exército, personificado em Osório, o herói do passado, e em Floriano Peixoto, o herói do presente, era a instituição mais qualificada para comandar o Estado brasileiro. A principal questão que está presente em todo investimento simbólico organizado pela política simbólica do governo militar de Floriano Peixoto é a mobilização da memória em função de um projeto de afirmação identitária para o exército brasileiro (RICOEUR; 2007). O alto oficialato da corporação, na época representado pelo próprio presidente da república, desejava mostrar o exército não como uma instituição a serviço do Estado, mas defini-lo como a única instituição moralmente apta para governar o Brasil. Para tal, foi feito o apelo à exemplaridade do passado: a Guerra do Paraguai, evento que, segundo os artífices dessa memória, havia demonstrado a capacidade do exército em salvar a honra nacional. Exército que, segundo a formulação dessa elaboração simbólica, tinha suas virtudes personificadas em Osório, cuja biografia era marcada pela atuação na Guerra do Paraguai, apresentado como predecessor de Floriano Peixoto na posição de principal herói nacional. De acordo com 6 A edição de 10 de novembro de 1894 do jornal O Paiz publicou todo o roteiro das festividades que foram realizadas entre 11 e 15 de novembro.
5 a memória construída, o dever de lembrar a Guerra do Paraguai não consistia apenas em guardar rastros materiais, escritos ou outros, dos fatos acabados, mas fazer com os que São pagassem uma dívida aos que foram. Dentre esses que Não Mais São, a prioridade moral daquele que rememora a Guerra do Paraguai caberia ao principal herói, Osório e, também, aquele que queria ser herdeiro desse legado, ou seja, Floriano Peixoto. Logo às 10 horas da manhã do dia 12 de novembro as tropas do exército começaram a interditar as ruas adjacentes à Praça XV de Novembro. Todo o espaço foi cercado e somente poderiam andar pelo centro da praça os convidados e as corporações que trouxesse os respectivos estandartes. O carro trazendo o presidente da república chegou ao local exatamente às 13 horas. Floriano Peixoto foi recepcionado com uma salva de tiros e com a execução do hino nacional brasileiro. A cerimônia começou com o discurso do presidente da comissão que organizou a construção do monumento e que o entregou à municipalidade e em seguida discursou Floriano Peixoto7. Entre a multidão de convivas estava Prudente de Morais, assistindo uma cerimônia que mais parecia uma parada militar. O momento mais emotivo da cerimônia foi quanto os restos mortais de Osório foram depositados na cripta que servia como base da estátua de Bronze construída por Rodolfo Bernadeli. Estava feito: o herói do presente sacralizou o herói do passado; Floriano Peixoto esteve à frente do projeto simbólico que sacralizou Manoel Luís Osório. Ao monumentalizar Osório, Floriano Peixoto desejava olhar para um espelho e autoculturar-se, fazendo com que os outros, ao cultuarem Osório, cultuassem a ele também. 7 O jornal O Paiz publicou no dia 13 de novembro várias matérias relatando a cerimônia do dia anterior.
6 Bibliografia Fontes Primárias. Jornal O Paiz- Edições publicadas entre 6 e 20 de novembro de Referências Bibliográficas. BOURDIEU, Pierre. O poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, A economia das trocas simbólicas.. São Paulo: Perspectiva, CATROGA, Fernando. Fernando Catroga. A Memória, a História e a Historiografia. Lisboa: Quarteto, RICOEUR, Paul. A memória, a história e o esquecimento. Campinas: Ed Unicamp, REIS, Suely Robles.. Os radicais da república. Brasília: Ed. Brasiliense, 1986.
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