Desmistificando o Führer: A Contradição Entre o Conceito de Dominação Carismática e o Comando de Adolf Hitler Durante o Terceiro Reich)
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1 Desmistificando o Führer: A Contradição Entre o Conceito de Dominação Carismática e o Comando de Adolf Hitler Durante o Terceiro Reich) Demystifying the Führer: The Contradiction Between the Concept of Charismatic Domination and the Command of Adolf Hitler During the Third Reich) Desmitificando el Führer: La Contradicción entre el Concepto de Dominación Carismática y el Comando de Adolf Hitler Durante el Tercer Reich) Dissertar 121 Revista Dissertar Nº30 V.1 ANO XIV DOI: / ed Data de submissão: Data de aceite: por Ana Luisa Komora 1 Resumo Alguns autores defendem que Hitler pode ser considerado exemplo de autoridade carismática, nos moldes do descrito por Max Weber. Aproximando-se o olhar para as minúcias descritivas da teoria, e analisando a trajetória e ações do líder, é possível estabelecer claramente uma posição contrária a esta caracterização. Palavras-Chaves: Dominação, Carisma, Hitler Abstract Some authors argue that Hitler can be considered an example of charismatic authority, as described by Max Weber. Approaching the descriptive minutiae of the theory, and analyzing the trajectory and actions of the leader, it is possible to establish clearly a position contrary to this characterization. Keywords: Domination, Charisma, Hitler 1 Ana Luisa Komora: Graduada em Administração pela Unilasalle-RJ, Mestre em Engenharia de Transportes pela COPPE-UFRJ. Atuante em pesquisas nas áreas de Planejamento Urbano. Experiência acadêmica em docência e coordenação em ensino superior. Experiência profissional nas diversas áreas da gestão. Atuante nas áreas de consultoria e auditoria administrativa público e privada. komora@gmail.com
2 122 Desmistificando o Führer: A Contradição Entre o Conceito de Dominação Carismática e o Comando de Adolf Hitler Durante o Terceiro Reich Resumen Algunos autores defienden que Hitler puede ser considerado un ejemplo de autoridad carismática, en los moldes de lo descrito por Max Weber. Al aproximarse la mirada a las minucias descriptivas de la teoría, y analizando la trayectoria y acciones del líder, es posible establecer claramente una posición contraria a esta caracterización. Palabras Claves: Dominación, Carisma, Hitler Introdução O estudo das teorias administrativas passa pela Teoria Burocrática de Max Weber. Nesta apresentam-se os conceitos de poder, autoridade e dominação, com suas subdivisões em racionallegal, tradicional e carismática. Não raramente, autores apresentam como exemplo de dominação carismática a figura de Adolf Hitler. Contudo, esta posição é questionável, considerando a ação coercitiva do líder, suas artimanhas sociais e sua concentração de poder. O presente artigo busca apresentar uma análise comparativa entre a atuação de Adolf Hitler à frente da Alemanha Nazista (período conhecido como Terceiro Reich) e o conceito de dominação carismática de Max Weber. Seu objetivo principal é apresentar argumentação contrária à opinião de alguns autores, que consideram o Führer como um líder dotado de carisma. Seus objetivos específicos serão a apresentação dos tipos de dominação legítima, da ocorrência de rotinização do carisma, a situação dos alemães subjugados e ao comportamento de Hitler durante o período nazista. Dominação e Carisma WEBER (1999a), em seu trabalho Economia e Sociedade, apresenta importante diferenciação entre os conceitos de poder, dominação e disciplina. A compreensão destas diferenças é fundamental para entender a questão da legitimação da autoridade e a transformação da dominação carismática. Enquanto poder se relaciona à probabilidade de imposição de vontade, mesmo contra resistências, dominação está ligada à obediência às ordens, entre indivíduos de uma determinada relação. Já a disciplina está condicionada à obediência automática e esquemática, entre um grupo de indivíduos, em função de treinamento. O conceito de disciplina inclui treino na obediência em massa, sem crítica nem resistência. (WEBER, 1999a) O autor apresenta, ainda, os três tipos puros de dominação legítima, a saber: Racional, em que a aceitação da autoridade é baseada na crença e na legalidade de leis e regulamentos, também podendo ser chamada
3 Dissertar de dominação legal. Encontrada em grande parte dos governos ocidentais recentes, especialmente nas democracias. 123 Tradicional, também podendo ser identificada como feudal ou patrimonial, em que a aceitação da legitimidade se baseia em tradições ou costumes, hábitos tradicionais ou fatos históricos imemoriais (ALFAYA, 2011). Pode ser identificada nas monarquias, impérios, e na antiguidade. Carismática, em que a aceitação tem origem na lealdade e confiança nas qualidades extraordinárias de quem governa, o ser dotado de carisma. Especificamente, em relação à dominação carismática, ela se apresentaria na presença de líder, chefe, senhor, que personificasse o carisma invulgar ou excepcional (ALFAYA, 2011), que garantiria a legitimidade de sua autoridade. Baseava-se na veneração extracotidiana da santidade, do poder heroico ou do caráter exemplar de uma pessoa e das ordens por esta reveladas ou criadas (WEBER, 1999a). O conceito de carisma apresentado por Weber caracteriza um conjunto de qualidades pessoais excepcionais, algumas de origem inexplicável, que atribuiriam a um indivíduo poderes sobre-humanos, fora do comum, e talvez de origem dita divina. Estas qualidades são avaliadas e ponderadas, de fato, pelos seguidores de tal personalidade carismática, e não através de determinados padrões éticos ou estéticos. A existência de uma autoridade carismática reside na relação interdependente de adoração, reconhecimento e veneração do líder e seus seguidores. Conforme apresenta ROMÃO (2003), o carisma de um indivíduo é um dom nato, não adquirido, que faz com que este tenha qualidades diferenciadas, e em função disto acabe conquistando seguidores. Contudo, frequentemente o conceito é confundido com a capacidade de diálogo, oratória e persuasão, ou de atrair a atenção de pessoas, de multidões, e promover a criação de uma legião de seguidores. Segundo exemplos do próprio autor, Airton Senna e Roberto Carlos são reais exemplos de pessoas carismáticas, uma vez que mantinham (e mantêm) seus seguidores, independentemente de suas opiniões, seus resultados, suas conquistas, ou mesmo sua existência em vida, bem como Jesus Cristo, este talvez o maior exemplo de personalidade carismática. Como dito, por um dom nato. Diferente destes podem ser identificados políticos, por exemplo, hábilmente preparados que realizam discursos para multidões e têm o poder de conquistar a atenção e adesão destes. No caso do político, ele não aprendeu a desenvolver o seu carisma, até porque isto não é possível, mas a seduzir as pessoas, identificar seus problemas e dizer o
4 124 Desmistificando o Führer: A Contradição Entre o Conceito de Dominação Carismática e o Comando de Adolf Hitler Durante o Terceiro Reich que estas querem ouvir. Seduz, capta e manipula. Muitas vezes, nas religiões, este fato se repete. ROMEIRO (2012) apresenta questionamentos atuais sobre o grande número de adesões às chamadas religiões modernas, e argumentos baseados em lavagem cerebral. Citando Margaret Singer, detalha as características dos relacionamentos de seita e as interações entre os elementos destes grupos, destacando a ação do líder como uma pessoa que, dotada de alto poder da sedução, induz, propositalmente, os demais elementos à segui-la e tornarem-se total ou parcialmente dependentes desta para decisões na vida, em função da crença que este senhor é dotado de algum talento, dom ou conhecimento especial. Sob pressões cumulativas de controle físico, emocional e intelectual, o autocontrole e crenças pessoais cedem. Isolado do mundo e cercado de armadilhas exóticas, os convertidos absorvem os estilos alterados de pensamento e da vida diária da seita. Em pouco tempo, antes de perceberem o que está acontecendo, os novos adeptos entram num estado mental em que não são mais capazes de pensar por si mesmos. (ROMEIRO apud CONWAY & SIEGELMAN, 2012) Ainda de acordo com os preceitos de WEBER (1999b), o aparecimento de uma real dominação carismática é pontual, e em sua maioria originada em situações externas, em especial às políticas ou econômicas, ou as internas, como psíquicas, religiosas, ou ambas. Surge da excitação coletiva provocada por algum evento extraordinário ou de caráter heroico, e o encerramento do fato em si promove o fim da referida dominação. Contudo, em determinadas situações apresenta-se o anseio coletivo pela continuidade desta relação de comando, e na ausência de um líder, faz-se necessária a nomeação de um sucessor. Uma vez que o carisma, em sua forma pura, não é possível de ser transmitido, não há como haver a continuidade da dominação carismática, e, portanto, esta deverá ser convertida nas formas descritas como racional ou tradicional. A esta necessidade de continuidade dos processos de dominação, WEBER (1999b) intitula de rotinização do carisma, quando determinados grupos buscam a manutenção da figura de um líder carismático, de forma que o processo de dominação seja mantido, no modo como estas já se encontram habituadas. Estes seguidores têm a necessidade de uma figura que determine suas atitudes e crenças. Churchill, Roosevelt, Stalin, Hitler e Mussolini foram líderes personalistas que tiraram partido do culto da personalidade, concentrando poder e ganhando apoio das massas e das mídias da época. (TERRA, 2000).
5 Dissertar 125 Este fenômeno é identificado em relações religiosas, partidárias, profissionais, e pode ser relacionado à necessidade de culto a alguma personalidade. Esta dependência garante a predisposição de grupos à aceitação de novos líderes, que muitas vezes não são dotados de carisma, mas de um bom marketing pessoal e capacidade de sedução e manipulação. DOBRY (2006) esclarece que esta capacidade é fundamental para a conquista de seguidores, por parte das personalidades que pretendem ser vistas como carismáticas. Todos nós temos um algo que é capaz de seduzir alguém, pelo simples fato de que alguém esteja carente deste algo que temos. (ROMÃO, 2003) A Atuação de Hitler De acordo com DOBRY (2006), não é difícil encontrar autores que relacionam o Fenômeno Nazista com a conceituação de Weber sobre o líder carismático: Um exemplo de autoridade carismática seria Hitler na direção do Partido Nazista, prometendo aos operários alemães a destruição do estado burguês e a recuperação do prestígio do povo alemão. (LOBATO, 2007) Contudo, alguns autores conseguem esclarecer a ascensão de Hitler, relacionando-a ao seu marketing pessoal: Em 1924 este se autoproclamou como enviado de Deus, para tomar o comando do provo germânico (DOBRY, 2006). Um orador que se contorcia no palco, cercado de bandeiras gigantescas, música e batalhões com movimentos coreografados, bastava ver os comícios de Hitler para perceber que havia ali algo mais do que simples política. (PAZ, 2007)... quando a questão era representar, Hitler era inigualável. (KERSHAW, 1993) PAZ (2007) questiona Como alguém que foi um completo fracasso até os 30 anos pode ter ascendido até se tornar um homem com o poder de matar milhões e deixar a Europa em ruínas? e apresenta a evolução histórica da trajetória do líder, evidenciando suas estratégias quase circenses para conquistar novos seguidores. Sugere ainda duas outras explicações para sua ascensão, baseada em teorias psicológicas relacionadas ao comportamento humano, ambas evidenciando a predisposição das pessoas a manipulação.
6 126 Desmistificando o Führer: A Contradição Entre o Conceito de Dominação Carismática e o Comando de Adolf Hitler Durante o Terceiro Reich O líder carismático pode ser violento ou pacifista, falso ou verdadeiro, porém de qualquer modo a violência estará instalada durante a vida do líder no exercício do poder ou após a sua morte. (TERRA, 2000) Se WEBER (1999b) considera a dominação carismática como desligada de cargos, de salários, de status, como Hitler poderia ser considerado como uma liderança baseada em carisma, uma vez que aniquilava os que se opusessem ao seu comando ou às suas ordens? De acordo com ENCICLOPEDIA DO HOLOCAUSTO (2012), a Gestapo, polícia secreta do estado, reprimia quaisquer críticas explícitas ao regime nazista, chegando a ser suspeita de um incêndio no parlamento alemão. CARVALHO e SOUZA (2010), indicam, por exemplo, que o fortalecimento do estudo da Psicologia Social nos Estados Unidos se deu devido a grande migração de psicólogos alemães, principalmente após Hitler fechar o Instituto para Pesquisa Social em Frankfurt, para que este não intervisse em seu processo de lavagem cerebral. Ainda de acordo com a ENCICLOPEDIA DO HOLOCAUSTO (2012), com a instituição do governo nazista, o povo alemão perdeu seus direitos básicos, com decreto que suspendeu direitos civis constitucionais. Foi declarado estado de emergência, no qual as decisões governamentais poderiam ser tomadas sem aprovação do parlamento. O governo alemão passou a controlar a cultura, a economia, a educação e a legislação. Foi tentado também o controle sobre as igrejas, em vão. Contudo, a maioria do corpo clérigo católico e protestante acabou por apoiar o regime. O Ditador concentrou as posições de chefe de estado, chefe de governo e chefe do partido nazista, colocando-se fora do estado de direito, e passando a determinar todas as questões políticas da Alemanha e de sua política externa. O falso líder carismático abandona sua carreira e trajetória, quando percebe a possibilidade do fim pessoal trágico, porém o líder carismático verdadeiro tem o amor pela a morte e pelo sangue... (TERRA, 2000) Com a rendição da Alemanha nazista, na iminência de retaliações em virtude de seus atos, Hitler, então já refugiado em seu bunker, tirou a própria vida, com um tiro. Conclusões Inicialmente, a atuação de Hitler pode ser contestada simplesmente baseandose no próprio conceito de Weber, que apresenta a autoridade carismática como residente no caráter exemplar do indivíduo. Há exemplos suficientes das falhas de caráter do Führer. Não bastando sua atuação antiética (e até criminosa) na busca pela eugenia ainda deve ser considerado também o seu posicionamento
7 Dissertar nos momentos de ameaça, protegendo a si e um pequeno grupo, confinando-se em seu bunker. O poderio de Hitler frente ao Terceiro Reich deriva muito mais da dependência do povo alemão por um líder, do que pela pessoa do mesmo (SILVA e SCHUSTER, 2011). É inegável o poder de oratória e persuasão do Ditador, contribuindo expressivamente para a adesão de novos membros ao nazismo. Contudo, a obediência destes e principalmente do povo alemão era condicionada a fatores muito mais relevantes do que à imagem do Führer. As relações estabelecidas por WEBER (1999a) deixam claras que a concretização do poder e da dominação podem ser relacionados à disciplina, ou seja, à obediência em função de treinamento, num processo de massificação desta, com ausência de criticas ou de resistência. Uma vez que todo processo de treinamento predispõe uma rotina relacionada a determinados procedimentos, fica caracterizada a necessidade de rotinização do carisma, e desta forma, a obediência deixa de ser relacionada exclusivamente à adoração ou veneração do dito portador deste carisma, e torna-se uma prática. Com isso, a dominação deixa de ser carismática, e evolui para os modelos racional ou tradicional. A ascensão de Hitler ao comando do partido nazista pode ser baseada na crença das pessoas na sua capacidade heroica, mas não é possível generalizar a sua atuação à frente do Terceiro Reich como uma dominação baseada exclusivamente em carisma. Assim, sua relação com o comando da Alemanha Nazista não se caracteriza como um modelo real de dominação carismática, devendo ser analisada de forma desmembrada em etapas pontuais, em virtude de sua pluralidade de situações. 127 Referências ALFAYA, T. V., Teoria Geral da Administração. Faculdade de Tecnologia e Ciências Ensino à Distância. Instituto Mantenedor de Ensino Superior Metropolitano. CARVALHO, B. P.; SOUZA, T. M. S, A Escola de São Paulo de Psicologia Social: Apontamentos Históricos. Psicologia em Estudo. Vol. 15, num. 4, out-dez, Universidade Estadual de Maringá. DOBRY, M., Hitler, Charisma and Structure: Reflections on Historical Methodology. Totalitarian Movements and Political Religions. Vol. 7. No Junho. Ed. Routledge. Londres, Inglaterra. ENCICLOPEDIA DO HOLOCAUSTO, O Terceiro Reich: Visão Geral. United States Holocaust Memorial Museum (
8 128 Desmistificando o Führer: A Contradição Entre o Conceito de Dominação Carismática e o Comando de Adolf Hitler Durante o Terceiro Reich org). Acesso em 17/11/2012. KERSHAW, I., Hitler Um perfil do Poder. 1ªEd. Jorge Zahar, São Paulo. LOBATO, J. P., Teoria Geral da Administração. Departamento de Ensino à Distância. Universidade Salgado de Oliveira. São Gonçalo, RJ. PAZ, M., Como o Poder de Hitler Aconteceu? Blog Jornalista Mariângela Paz ( Publicado em 31/10/2007. Acesso em 17/11/2012. ROMÃO, C., Carisma. Artigos. Publicado em Acesso em 17/11/2012. ROMEIRO, P., A Sedução dos Novos Movimentos Religiosos: Um Breve Estudo Sobre o Processo de Sedução nos Novos Movimentos Religiosos. Programa de Pós Graduação em Ciências da Religião.. Universidade Mackenzie. São Paulo. com.br. Acesso em 18/11/2012. SCHMIDT, J. P., Cultura e Política Alemã: Autoritarismo Secular e Construção Democrática Recente. Barbarói, Vol 16, Santa Cruz do Sul, RS. SILVA, F. C. T.; SCHURSTER, T., Figura Esvaziada de Hitler. Revista de História.com.br ( artigos/figura-esvaziada-dehitler). Publicado em 13/06/2012. Acesso em 17/11/2012. TEIXEIRA, R. S., A Dominação Carismática de Fidel Castro ( ). Dissertação de Mestrado. Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia. Universidade Federal de Goiás. TERRA, N. F., Economia, Poder e Soberania. Revista Direito Mackenzie. Número 1. Ano 1. P São Paulo, SP. VALENTE, M. A. L., Democracia em Max Weber. Revista de Informação Legislativa. Ano 41. Número 164. Out/Dez. P Brasília, DF. WEBER, M., 1999a. Economia e Sociedade: Fundamentos da Sociologia Compreensiva. Vol. 1, 4ª Edição. Editora Universidade de Brasília : São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. WEBER, M., 1999b. Economia e Sociedade: Fundamentos da Sociologia Compreensiva. Vol. 2, 4ª Edição. Editora Universidade de Brasília : São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.
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