MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO PROCURADORIA GERAL CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO

Transcrição

1 PROCESSO PGT/CCR/PP/Nº 10363/2013 ORIGEM: PRT 1ª REGIÃO PROCURADOR OFICIANTE: DR. SANDRO HENRIQUE FIGUEIREDO CARVALHO DE ARAUJO INTERESSADO 1: MPT INTERESSADO 2: COOPERATIVA DE PROFISSIONAIS DE CONSERVAÇÃO E RESTAURO DE BENS CULTURAIS E CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL LTDA E APAE DE SÃO GONÇALO ASSUNTO: Fraudes trabalhistas ( ); Trabalho na Administração Pública (04.08.) DENÚNCIA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE RESTAURAÇÃO E CONSERVAÇÃO DO ACERVO CULTURAL DO CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL (CCBB). CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS FIRMADO COM A APAE/SÃO GONÇALO. TRABALHADORES VINCULADOS À COOPERATIVA. FRAUDE TRABALHISTA. Não restou demonstrada nos presentes autos a regularidade da relação dos trabalhadores vinculados à Cooperativa e que prestam serviços ao Centro Cultural Banco do Brasil, por intermédio da APAE de São Gonçalo. Ainda que a terceirização pelo Banco do Brasil para os serviços de restauração e conservação do acervo cultural do CCBB seja possível, não se apresentando ilegal, essa prestação se dá por trabalhadores vinculados à Cooperativa, e não à APAE/São Gonçalo, entidade com a qual mantém contrato de prestação de serviços para essa finalidade. Necessidade de continuidade da investigação para a 1

2 regularização devida. Recurso a que se dá provimento. Promoção de arquivamento não homologada. I RELATÓRIO Trata-se de processo instaurado pelo Procurador oficiante (fls. 4/5), em face de investigação em trâmite na sede da TRT da 1ª Região, cujos autos lhe foram remetidos, envolvendo o Banco do Brasil S/A e a Cooperativa de Profissionais de Conservação e Restauro de Bens Culturais e Capacitação (PP /6-014). Em que pese a remessa feita, entendeu o Órgão oficiante que sua atribuição se restringe a investigar eventual desvirtuamento do trabalho por meio de Cooperativa, haja vista o contrato mantido pela APAE/São Gonçalo com a Cooperativa investigada, ainda que a prestação de serviços se dê perante o Banco do Brasil (Centro Cultural Banco do Brasil). Em razão desse entendimento, devolveu aqueles autos à origem, instaurou procedimento próprio contra as entidades nomeadas, considerando-se prevento para conduzir a investigação. Após diligências, o Órgão oficiante arquivou o feito, aduzindo, em síntese, que as atividades de restauro, higienização e conservação de bens culturais não se inserem nas atividades institucionais da APAE/São Gonçalo, não sendo o caso, portanto, de se cogitar de desvirtuamento do trabalho cooperado (fls. 175/178). É o relatório. 2

3 II VOTO Observo, inicialmente, que a matéria em debate é a mesma tratada no processo PGT/CCR/PP/Nº 5653/2013, do qual sou relatora. Referidos autos são oriundos da PRT 1ª Região, tendo sido encaminhado a este Órgão revisor para apreciação do arquivamento do feito. Como exposto, em que pese a remessa daqueles autos à PTM de Niterói, entendeu o Órgão oficiante instaurar procedimento específico, envolvendo a APAE/São Gonçalo e a Cooperativa em questão, por entender que não ostenta legitimidade para conduzir as investigações referentes à terceirização encetada pelo BANCO DO BRASIL (CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL), pois o local da lesão (Município do Rio de Janeiro) não se encontra inserido no âmbito de atribuições territoriais do órgão ministerial situado na PTM de Niterói (fl. 4). Sem apreciar as razões aduzidas pelo Órgão oficiante, entendo que a questão em debate no presente envolver aquela instituição bancária, especificamente, o Centro Cultural por ela mantido, eis que os serviços contratados no presente revertem em seu benefício, embora não participe diretamente do contrato firmado pelas investigadas. Nessas condições, registro, desde logo, que naqueles autos meu posicionamento é no sentido da não homologação do arquivamento do feito, em que pese reconhecer que, de fato, a terceirização pelo Banco do Brasil (CCBB) dos serviços de restauração/conservação do seu acervo cultural não se apresenta ilegal. Todavia, não há como afastar o Banco da discussão que envolve a APAE/São Gonçalo e a Cooperativa, eis que a terceirização, embora feita com a APAE/São Gonçalo, é finalizada com a realização dos serviços por trabalhadores vinculados à Cooperativa denunciada, haja vista o contrato mantido entre as duas entidades. 3

4 Feitos esses esclarecimentos, aprecio as razões de arquivamento. O Órgão oficiante, ao arquivar o feito, assim se manifestou, verbis: Inicialmente, cumpre-nos aduzir que nos autos do PP /6 foi reconhecida a licitude da terceirização encetada pelo Banco do Brasil envolvendo a APAE de São Gonçalo, pois as atividades de restauro, higienização e conservação de acervo bibliográfico não se inserem na atividade-fim do tomador de serviços Banco do Brasil cf. relatório de arquivamento de fl. 41. No que tange à relação jurídica havida entre a APAE/SG e a cooperativa investigada, é forçoso reconhecer que as atividades de restauro, higienização e conservação de bens culturais não se inserem nas atividades institucionais da APAE/SG, não havendo cogitar-se em desvirtuamento do trabalho cooperativado. Com efeito, a APAE/SG exerce um relevante papel social, ao intermediar e propiciar o acesso ao mercado de trabalho de profissionais portadores de deficiência intelectual, ainda que por intermédio da COOPERATIVA DE PROFISSIONAIS DE CONSERVAÇÃO E RESTAURO DE BENS CULTURAIS E CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL LTDA. Ao inserir no mercado de trabalho profissionais portadores de deficiência que, sozinhos, decerto encontrariam muitas dificuldades para trabalharem como empregados ou até como autônomos no especializado e estreito ramo de restauro e conservação de bens culturais -, as entidades investigadas realizam o espírito da Lei nº 9.867/99 (cooperativas sociais), de modo que não há cogitar-se em precarização das relações de trabalho no caso em apreço. [...] Quid juris, o que ocorreria em caso de declaração de ilicitude no contrato celebrado entre a APAE/SG e a cooperativa de profissionais investigada? Ora, os efeitos deletérios decorrentes do reconhecimento do vínculo empregatício dos profissionais com a APAE/SG eis que o vínculo empregatício com o Banco do Brasil seria juridicamente inviável, pois o art. 37, II e 2º da CFFB considera nula a admissão sem aprovação em concurso público, tornando juridicamente impossível o reconhecimento de vínculo empregatício com as entidades estatais, mesmo em situações de terceirização ilícita decerto resultaria em extinção dos postos de trabalho, pois a APAE não teria condições financeiras de arcar com os custos das aludidas contratações diretas, assumindo encargos financeiros fixos e vinculados à celebração de contratos com tomadores de serviços distintos. Por seu turno, desvinculados 4

5 da cooperativa, os profissionais portadores de necessidades especiais perderiam a coesão que lhes permite negociar a sua inclusão social através do mercado de trabalho, com clientela específica, que lhes seria inimaginável, caso estivessem atuando sozinhos, isolados e sob o estigma da condição de portadores de deficiência. Ante o exposto, considerando-se a licitude do contrato celebrado entre o Banco do Brasil e a APAE/SG (fl. 41), sendo certo que as atividades de restauro, higienização e conservação de bens culturais não se inserem nas atividades institucionais da APAE/SG, não há cogitar-se em desvirtuamento do trabalho cooperativado. (fls. 176/178) Como frisado, não há dúvida da possibilidade de terceirização pelo Banco do Brasil das atividades em discussão. Todavia, não há dúvida também de que, firmado contrato específico entre este e a APAE/SG, compete a esta a contratação dos trabalhadores que prestarão esses serviços. O que se apresenta irregular, no caso, é a presença da Cooperativa que, conforme disposições legais específicas, não se caracteriza sequer como cooperativa social (Lei nº 9.867/1999). De todo o modo, independentemente desse fato, e ainda que regularmente organizada como cooperativa de trabalhadores, não se apresenta regular sua presença na relação APAE/São Gonçalo Banco do Brasil. Importante salientar o objeto do contrato firmado em entre o Banco do Brasil e a APAE/São Gonçalo (fls. 106/118), conforme cláusulas primeira e sétima: CLÁUSULA PRIMEIRA - O presente contrato tem por objeto a prestação de Seviços de Tratamento Técnico do Acervo Bibliográfico do CCBB-CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL RIO DE JANEIRO RJ, situado na Rua Primeiro de Março, 66 Centro Rio de Janeiro (RJ) ou em local a ser indicado por este, obrigando-se a CONTRATADA a realizar as tarefas constantes do Documento nº 01 deste contrato, disponibilizando pessoal necessário para atender a demanda de serviços indicada pelo CONTRATANTE. 5

6 Parágrafo Primeiro Os serviços serão prestados diretamente pela CONTRATADA, vedada a cessão, transferência ou subcontratação, total ou parcial, exceto se previstas neste contrato.... CLÁUSULA SÉTIMA Para a realização dos serviços ajustados, a CONTRATADA designará empregados de seu quadro, especializados e devidamente credenciados, assumindo total responsabilidade pelo controle de frequência, disciplina e pelo cumprimento de todas as obrigações trabalhistas, fiscais e previdenciárias, inclusive as decorrentes de acidentes, indenizações, multas, seguros, pagamentos a fornecedores direto, normas de saúde púlica e regulamentadoras do trabalho, assim como pelo cumprimento de todas as demais obrigações atinentes ao presente contrato. (grifos acrescidos) Não há dúvida da importância da colocação de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, da sua qualificação para o desempenho da atividadecom vistas a uma inserção qualificada nesse mercado. E, para tanto, assume crucial relevância o papel desempenhado pelas APAEs. Todavia, essa colocação deverá ser feitas com todas as garantias trabalhistas decorrentes. O fato de a APAE/São Gonçalo não ter entre os seus objetivos sociais especificamente a restauração/conservação de bens culturais não se apresenta relevante, vez que tem como missão, como descreve a Cooperativa investigada em sua manifestação de fls. 56/61, promover e articular ações de defesa dos direitos das pessoas com deficiência e representar o movimento perante os organismos nacionais e internacionais, para a melhoria da qualidade dos serviços prestados pelas Apaes, na perspectiva da inclusão social de seus usuários. Está, portanto, apta para desenvolver as ações decorrentes do contrato firmado com o Banco do Brasil (CCBB), não ficando impossibilitada a configuração da relação de emprego com esses trabalhadores, em razão dos recursos recebidos por intermédio do contrato firmado. 6

7 De outro lado, isso se apresenta coerente com o seu papel social, considerando estar entre os seus objetivos prestar assistência a pessoas com deficiência mental, realizando, entre outros, sua qualificação profissional para encaminhamento ao mercado de trabalho. Assim sendo, há necessidade de que a investigação prossiga para que a relação em debate seja regularizada. III CONCLUSÃO Diante do exposto, não homologo o arquivamento do feito. Brasília, 27 de agosto de Eliane Araque dos Santos Relatora 7