REFLUXO GASTROESOFÁGICO O QUE FAZER POR ESTE PACIENTE?
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- William Galvão Fartaria
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1 CEFAC CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA MOTRICIDADE ORAL REFLUXO GASTROESOFÁGICO O QUE FAZER POR ESTE PACIENTE? ANDRÉA GRECO SÃO PAULO
2 RESUMO Este estudo é uma pesquisa teórica sobre a doença do refluxo gastroesofágico ( RGE ), com a intenção de esclarecer do que se trata e refletir a contribuição que o fonoaudiólogo pode oferecer ao paciente portador desta afecção. Há necessidade de um conhecimento de anatomia, fisiologia e dos distúrbios da deglutição para que se entenda a doença do RGE com suas manifestações clínicas e se possa elaborar um tratamento específico. Alguns autores concordam que o tratamento clínico do RGE deve ser postural, dietético e medicamentoso. A pesquisa conclui que necessariamente o fonoaudiólogo deve conhecer a doença do RGE para poder diagnosticá-la e tratá-la adequadamente, uma vez que o RGE é subdiagnosticado e subtratado. Inicialmente, o fonoaudiólogo deve reconhecer a doença do RGE, encaminhar o paciente para uma avaliação clínica médica e seguir com orientações sobre a dieta e a postura. O enfoque da terapia muda no caso do paciente desenvolver sintomas de disfagia e/ou disfonia. 2
3 ABSTRACT This study comprises a theorical research on gastroesophageal reflux (GERD) in a tentative of clarifying and analyse the speech language pathology contribuition. Anatomy, phisiology and deglutition disturbs knowledgement are necessaries for the compreension of clinical manifestations of this pathology due to elaborate a specific treatment. Some authors agree that GERD clinical treatment should be postural, dietary and medicamentous. Ours results indicate that speech language pathologist should be able to recognize and treat the disease correctly once the reflux usually is subdiagnosticated and subtreated. The following step is indicate a clinical avaliation and postural and dietary orientation. In case of dysphagia and dysphonia development the aim of the therapy can be changed. 3
4 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 5 ELEMENTOS DE ANATOMIA 6 DEGLUTIÇÃO 8 DISTÚRBIOS DA DEGLUTIÇÃO 11 REFLUXO GASTROESOFÁGICO 14 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DO RGE 18 TRATAMENTO DO RGE 21 CONSIDERAÇÕES FINAIS 24 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 25 4
5 INTRODUÇÃO Esta pesquisa teórica tem como objetivo auxiliar e esclarecer através da fonoaudiologia, pais, médicos e profissionais de áreas afins, quando nos deparamos com a doença do refluxo gastroesofágico ( RGE ). A idéia de desenvolver este trabalho vem acompanhada de uma angústia por não ter nos campos da fonoaudiologia respostas para dúvidas de pais ansiosos pela cura e qualidade de vida de seus filhos. A reflexão que proponho aos meus colegas é : o que podemos fazer por este paciente? Ao longo desta pesquisa tentarei mostrar o que tem se destacado nas descobertas sobre a doença do RGE e como os fonoaudiólogos podem se alimentar deste conhecimento e aplicá-lo em sua prática clínica. Outra questão sempre presente me levou a refletir : qual é o objetivo do fonoaudiólogo nos casos de RGE? A deglutição é uma função biológica complexa e coordenada que consiste no ato de propulsão do alimento da cavidade bucal até o estômago, sem que haja ocorrência de aspiração de materiais para dentro das vias aéreas. Com certa frequência, observam-se associações entre distúrbios da deglutição e da voz e o RGE. Para que nós fonoaudiólogos possamos fazer um diagnóstico diferenciado, devemos entender o processo da deglutição e mais especificamente o distúrbio faringoesofágico e do esôfago distal, o RGE. A orientação aos nossos pacientes 5
6 de acordo com este conhecimento, terá grande serventia para alcançarmos o nosso objetivo. ELEMENTOS DE ANATOMIA Apresento a seguir alguns elementos de anatomia do sistema respiratório e digestivo do corpo humano que compreendem este estudo. Segundo Erhart (1987), cavidade nasal, faringe, laringe, traquéia e brônquios são vias aeríferas por onde circulam o oxigênio e o gás carbônico a fim de intercomunicar o meio ambiente com os pulmões. A faringe, conduto ímpar e mediano que pertence à via respiratória e ao tubo alimentar, situada posteriormente às cavidades nasal, bucal e laríngea é continuada pelo esôfago. A musculatura da faringe, estriada, é representada pelos músculos constritores superior, médio e inferior e músculos elevadores da faringe, diretos responsáveis pela mecânica da deglutição. O esôfago, tubo músculo-membranoso, continuação da faringe, desce pelo pescoço e tórax, atravessa o diafragma e, na cavidade abdominal, termina na cárdia, início do estômago. Mede cerca de vinte e cinco centímetros de comprimento e amplia-se por ocasião da passagem do bolo alimentar. A inervação do esôfago é feita pelo plexo esofágico, formado por fibras simpáticas provenientes do tronco simpático e por fibras parassimpáticas do nervo vago. Impulsos parassimpáticos parecem interferir no mecanismo de abertura do esfíncter cárdico. 6
7 O estômago é o segmento sacciforme, excêntrico do tubo digestivo que se segue ao esôfago e se continua no intestino. Apresenta dois orifícios: um proximal, de comunicação com o esôfago cárdia e outro distal piloro que o comunica com a porção inicial do intestino delgado, denominada duodeno. A inervação é feita por fibras simpáticas provenientes do gânglio cilíaco e por fibras parassimpáticas integrantes do nervo vago. Impulsos simpáticos aumentam o tônus dos esfíncteres e inibem a secreção dos sucos digestivos. Impulsos parassimpáticos determinam o relaxamento dos esfíncteres e estimulam a secreção de sucos digestivos. 7
8 DEGLUTIÇÃO Marchesan (1998) afirma que a deglutição é uma ação motora automática, na qual estão envolvidos músculos da respiração e do trato gastrointestinal. O objetivo da deglutição é o transporte do bolo alimentar e também a limpeza do trato respiratório. A deglutição é uma atividade neuromuscular complexa, que pode ser iniciada conscientemente, durando de 3 a 8 segundos, sendo que a fase oral dura 1 segundo. Participam da deglutição em torno de 30 músculos e 6 pares encefálicos. Os pares encefálicos que fazem parte da deglutição são: trigêmeo V, facial VII, glossofaríngeo IX, vago X, acessório espinhal XI e hipoglosso XII. Segundo Barbieri & Koda (1996), a deglutição é um ato fisiológico resultante da interação dos músculos e nervos cranianos da cavidade oral, da faringe e do esôfago proximal e é composto de três fases distintas : oral, faríngea e esofágica. Marchesan (1998) considera a existência de uma fase anterior à oral, que é a preparatória. Na fase preparatória, o alimento é mordido e mastigado para que possa ser transformado em um bolo homogêneo, o que facilitará a deglutição. 8
9 Na fase oral, a ponta da língua faz um contato ligeiro com os incisivos inferiores, elevando-se em seguida de encontro ao palato. Ocorrem, ainda, o vedamento anterior dos lábios, a cessação da mastigação e a inibição reflexa da respiração. O bolo alimentar coletado na superfície dorsal da língua é levado para a orofaringe. Na fase faríngea observa-se uma série de reflexos : fecha-se a nasofaringe pela elevação do palato mole contra a parede posterior da faringe evitando a passagem do alimento para a nasofaringe, fecha-se a orofaringe pela manutenção da posição da língua retraída e elevada contra o palato duro evitando o retorno do alimento à boca, e fecha-se a hipofaringe pela elevação e projeção da laringe para diante, pelo fechamento da epiglote e pela aproximação das pregas vocais. Desta forma vedam-se as vias aéreas prevenindo a aspiração pela traquéia. Concomitante ao início da fase faríngea da deglutição, inicia-se a primeira onda peristáltica, impelindo o bolo alimentar para baixo. O músculo cricofaríngeo, o componente principal do esfíncter superior do esôfago (ESE), relaxa-se permitindo assim a entrada do conteúdo alimentar no esôfago. Normalmente o ESE mantêm-se permanentemente fechado, evitando a aspiração do ar pela faringe e somente se abre durante a deglutição. Na fase esofágica da deglutição o bolo alimentar alcança o estômago pela ação das ondas peristáltica do esôfago e pelo relaxamento reflexo dos esfíncter inferior do esôfago (EIE). O EIE permanece também constantemente fechado, iniciando seu relaxamento imediatamente após ser desencadeado o mecanismo de deglutição. O bolo alimentar e impulsionado pelo esôfago através do 9
10 peristaltismo primário e secundário em direção ao estômago. Este peristaltismo constitui o principal mecanismo pelo qual é devolvido para o estômago qualquer material dele refluído. A deglutição intra-útero é normalmente descrita como tendo início entre a 16 e 17 semana de gestação, embora haja relato de deglutições faríngeas em fetos de 12 semanas. A deglutição pré-natal possui a importante função de manter normal o volume do líquido amniótico. A sucção e a deglutição, embora presentes na vida intra-uterina, não estão totalmente desenvolvidas até depois do nascimento. O RN normal, a termo, apresenta um modelo de sucção-deglutição imaturo, transitório, caracterizado por quatro a cinco sucções curtas seguidas de poucas deglutições e acompanhadas de ondas esofágicas terciárias. Este modelo imaturo de sucção-deglutição previne a entrada de uma quantidade de líquido que não poderia ser tolerada por um esôfago com peristaltismo ainda inadequado. Um aspecto importante a considerar no RN prematuro é a relação entre a deglutição e a respiração. O prematuro não é capaz de coordenar de forma eficiente as duas atividades, de forma que pode ocorrer dificuldade respiratória e aspiração durante o ato da deglutição. Desta forma, compreende-se que a prematuridade, situação na qual a sucção é fraca e a deglutição transitoriamente incoordenada, constitui fator de risco do desenvolvimento de distúrbios da deglutição, principalmente quando se 10
11 associam várias condições, como sedação materna durante o parto, lesão cerebral por anoxia e malformações. DISTÚRBIOS DA DEGLUTIÇÃO Em crianças, segundo Barbieri & Koda (1996), os distúrbios da deglutição raramente se apresentam como problemas isolados, mas com freqüência estão associados a malformações da cavidade oral e da faringe e/ou a alterações do aparelho neuromuscular responsável pela adequada coordenação do processo da deglutição. Com certa frequência, observam-se ainda associações com distúrbios faringoesofágicos e do esôfago distal como o RGE. Esta frequência é maior nas crianças prematuras e mais ainda naquelas com problemas neurológicos. Os distúrbios da deglutição, em geral, se manifestam sob a forma de tosse e engasgo imediatamente após o ato da deglutição o que implica a penetração de material alimentar na laringe ou na árvore respiratória. Em casos mais graves, pode ocorrer cianose ou mesmo apnéia. Episódios repetidos de aspiração podem levar ao desenvolvimento de doenças pulmonares como broncoespasmo e/ou pneumonia de repetição. 11
12 Regurgitação nasal associada com vômito, embora possa acontecer no recém-nascido normal, deve constituir um sinal de alerta para o pediatra para possível distúrbio de deglutição. Por outro lado, na ausência de vômito, regurgitação nasal é sempre patológica, sugerindo alteração de função do palato ou da faringe. Desnutrição e déficit de crescimento secundários às dificuldades alimentares e às complicações pulmonares costumam acompanhar o quadro clínico. Dada a ampla variedade de situações nas quais podem ocorrer distúrbios da deglutição, para um diagnóstico preciso a anamnese deve ser detalhada e o exame físico cuidadoso. Deve-se realizar um interrogatório bastante minucioso em relação à história alimentar junto à mãe ou à pessoa diretamente envolvida na alimentação da criança. Os dados a serem colhidos incluem: a pessoa que alimenta a criança; o local onde a mesma é alimentada e o método de administração do alimento, assim como o tipo de utensílio utilizado. Além disso, deve-se também perguntar sobre a posição da cabeça, do pescoço e do corpo durante a alimentação; o volume e a consistência do alimento ofertado; o volume tolerado; a presença ou a ausência de mastigação; o tempo consumido na alimentação; história de engasgo e tosse associados à alimentação. As condições de nascimento da criança e de saúde da mãe também são informações importantes. Miastenia grave materna pode causar disfagia transitória 12
13 no recém-nascido. Anoxia perinatal e alterações neurológicas no RN fazem antever problemas de sucção e deglutição. O exame físico da criança com distúrbio de deglutição inclui o exame cuidadoso do assoalho da boca, da língua, da mandíbula, do palato e do osso hióide. Deve-se ainda avaliar o tônus do fechamento dos lábios através da pressão negativa exercida pela criança no dedo do examinador durante a sucção e também o tônus do palato mole. O pediatra deve observar diretamente a sucção deglutição da criança através da administração de água por mamadeira, o que pode auxiliar na identificação e no diagnóstico diferencial dos distúrbios da deglutição. Assim, para o adequado tratamento das crianças com esta moléstia, tornase essencial, em primeiro lugar, diagnosticar precocemente se o distúrbio é funcional ou devido à patologia orgânica e, neste caso, se passível de correção cirúrgica. Nos distúrbios de origem funcional, que constituem a maioria dos casos, o tratamento consiste em medidas terapêuticas conservadoras e em programas de estimulação. A avaliação do mecanismo de deglutição pode ser realizada através dos seguintes exames: o estudo radiológico que compreende a radiografia contrastada e a videofluoroscopia ou cinerradiografia, que proporcionam informações não só sobre a anatomia como também sobre a função oral faríngea e esofágica. Manometria que é particularmente útil no diagnóstico diferencial entre incoordenação e acalasia cricifaríngea. Endoscopia que permite apenas detecção 13
14 de eventuais alterações estruturais, não sendo possível nenhuma informação em relação à função. E a ultra-sonografia que tem sido usada como uma nova modalidade diagnóstica para a avaliação dos distúrbios da deglutição. REFLUXO GASTROESOFÁGICO Prado (1998) define o RGE fisiológico como a passagem retrógrada do conteúdo gástrico para o esôfago. O RGE torna-se-á patológico quando: aumentar a freqüência do refluxo, diminuir a depuração esofágica do conteúdo gástrico refluído, o material refluído for mais nocivo e for menor a resistência da mucosa esofágica. Quando o RGE patológico ocasionar manifestações clínicas definidas constituirá a doença do RGE. Segundo Brito & Mathias (1991), o RGE é patológico apenas quando se torna exagerado ou quando provoca alguma lesão, disso se conclui que a demonstração isolada de RGE pode não ter significado patológico, sendo necessário quantificá-lo ou ter uma repercussão clínica apreciável. 14
15 Oliva et al. (1990) sugerem que o RGE é definido como uma entidade clínica resultante do trânsito intermitente de conteúdo gástrico em direção ao esôfago, consequente ao relaxamento da junção esofagogástrica. Tal relaxamento ocorre, provavelmente, por incapacidade funcional do EIE. Sataloff et al. (1997) discutem a possibilidade do RGE ser consequência de uma disfunção do esfíncter esofágico. A função do esfíncter é impedir a movimentação anormal do bolo alimentar para cima, e do ar para baixo. A pressão do EIE deve ser maior que a do estômago; se for contrária, o refluxo ocorre. A tonicidade deste esfíncter é determinada pela ação da musculatura intrínseca, mas quando necessário, o decréscimo desta tonicidade é determinado pela ação de medicamentos ou orientações e dieta alimentar. Patologias gástricas, desordens da mobilidade do esfíncter e outras condições também favorecem o refluxo. A barreira anti-refluxo, citada por Barbieri & Koda (1996), é um eficiente sistema de prevenção do RGE pois o refluxo ocorre só ocasionalmente e é então fisiológico. A barreira anti-refluxo é representada por fatores anatômicos e funcionais. Dentre os fatores anatômicos citam-se : ângulo de Hiss, pilar direito do diafragma, membrana freno-esofágica e disposição em roseta das pregas da mucosa do fundo do estômago. O fator funcional principal é representado pelo EIE que em razão de sua contração tônica atua como barreira funcional, antepondo-se ao RGE. Um outro mecanismo que procura manter um funcionamento competente do EIE é a existência de um gradiente pressórico positivo entre ele e o estômago. Assim, 15
16 quando ocorre alguma elevação da pressão intragástrica (que facilitaria o aparecimento do RGE), também há aumento paralelo da pressão do EIE (mecanismo reflexo vagovagal), numa atitude de resguardo contra o refluxo. A musculatura circular esfincteriana, a principal estrutura responsável pela existência de um tônus basal, sofre influências neurais e hormonais e responde de forma variável ao estímulo fisiológico, a drogas e outros fatores. A pressão basal sofre influências neurais, quer em termos de excitação quer de inibição, através do nervo vago. O esôfago possui vários mecanismos através dos quais procura se defender do material refluído quando isso ocorre mantendo, dessa forma, a sua integridade. Entre esses mecanismos, citam-se: mecanismos de clareamento esofágico e de resistência da mucosa esofágica. 16
17 Na criança pequena, o mecanismo anti-refluxo é relativamente deficitário, pois o EIE que no adulto tem uma extensão média de três a quatro centímetros, nas crianças abaixo de três meses de idade tem um centímetro. Estudos iniciais demonstraram ainda pressão diminuída no nível do EIE durante as primeiras semanas de vida, alcançando valores de adulto por volta de dois meses após o nascimento. De acordo com os autores, a pressão reduzida observada nessas crianças se deve provavelmente ou a uma menor resposta ao estímulo neuro-hormonal no nível do EIE ou a uma menor massa muscular funcionante. Esses aspectos ontogenéticos do mecanismo anti-refluxo constituem as razões pelas quais o RGE é um fenômeno quase habitual em RN e lactentes jovens. 17
18 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DO RGE Todos os autores citados são unânimes ao referir que a principal manifestação clínica do RGE é o vômito. Segundo Barbieri & Koda (1996), o vômito, nas suas diversas formas é o sintoma principal, encontrado em até noventa por cento dos casos. Pode ser uma simples regurgitação ou um vômito líquido, incolor ou esbranquiçado, ou ainda um vômito alimentar. Outra característica dos vômitos no RGE é a sua melhora com a posição ereta e piora nos decúbitos. Quando o material refluído alcança as vias respiratórias, pode provocar quadro de faringite, laringite, traqueíte, bronquite de repetição, pneumonia recorrente ou ainda crises de apnéia. As manifestações respiratórias nesses pacientes ocorrem mais comumente quando o paciente assume o decúbito dorsal, especialmente durante o sono, quando são despertados por crises de tosse e dificuldade respiratória. Brito & Mathias (1991) relatam que o portador do RGE se queixa de dor, queimação retroesternal, gosto azedo na boca e regurgitação de conteúdo gástrico ao abaixar-se após as refeições. Por outro lado, lactentes apresentam regurgitação relacionada com o decúbito. Tais crianças apresentam crescimento deficiente e costumam ter obstipação intestinal. Os sintomas respiratórios provocados pelo refluxo são consequentes à aspiração de secreção gástrica que provoca crises asmatiformes, surtos de 18
19 apnéia, bronquites ou broncopneumonias de repetição e síndrome da morte súbita na criança. Os sintomas digestivos, além do vômito ou regurgitação, são a dor retroesternal, a disfagia ou odinofagia quando houver intenso espasmo ou estenose do esôfago. Brasil et al. (1998) consideram sugestivas de RGE as seguintes queixas : ardor, sensação de queimação na garganta, globus laríngeo, pigarro, tosse seca, laringoespasmo, halitose, rouquidão, azia, pirose retroesternal e regurgitação. Para Contencin, citado por Brasil et al. (1998), o RGE é responsável pelas laringites recorrentes na população pediátrica. Oliva et al. (1990) afirmam que o início dos sintomas ocorre geralmente durante o primeiro trimestre de vida. Raramente é observado em pré-escolares e escolares. Para Prado (1998), o RGE e as doenças do aparelho respiratório podem guardar entre si diversas correlações: serem apenas eventos simultâneos (embora independentes) ou um deles ser o distúrbio básico, ou então apenas exercerem mútuo reforço. Este agravamento recíproco também é observado entre o RGE e a esofagite péptica: esta determina hipotonia do EEI, diminuição do peristaltismo esofágico e comprometimento dos mecanismos de depuração, desta maneira favorecendo o RGE, estabelecendo-se então um verdadeiro círculo vicioso. Grande parte dos sintomas apresentados pelas crianças decorrem da esofagite péptica. Suas complicações como: erosão, ulceração, hemorragia, estenose e epitélio de Barrett agravam o prognóstico. 19
20 Apresentam predisposição ao RGE as crianças portadoras de: hérnia hiatal, retardo do desenvolvimento neuropsicomotor (como a trisomia do 21) e atresia do esôfago (previamente submetidas a cirurgia). Provavelmente o RGE decorre das alterações da motilidade do esôfago, apresentadas por essas últimas crianças, de origem congênita. Koufman (1995) afirma que o RGE é a causa primária e/ou agravante de dois terços dos pacientes com alterações vocais e/ou laríngeas. Esta afirmação é controversa e não muito aceita pelos otorrinolaringologistas. Mesmo aqueles que possuem grande incidência de RGE ainda o subdiagnosticam e subtratam. Os principais sintomas destas alterações vocais são a rouquidão intermitente, o pigarro, a tosse e a disfagia. Os pacientes pediátricos com RGE podem desenvolver disfonia, laringoespasmo, laringomalácia e desordens pulmonares. 20
21 TRATAMENTO DO RGE Segundo Barbieri & Koda (1996), o objetivo do tratamento é procurar reduzir o refluxo para, desta forma, proteger o esôfago e os pulmões do contato com os conteúdos gástrico e duodenal e diminuir os riscos de complicações como esofagite e pneumonia de aspiração. O tratamento de RGE pode ser clínico ou cirúrgico. O quadro clínico aliado aos achados dos exames complementares determinarão a escolha da linha de tratamento. Os autores concordam que o tratamento clínico é postural, dietético e medicamentoso. Tratamento postural : Barbieri & Koda (1996) afirmam que é de fundamental importância pois reduz a frequência e a duração dos episódios de refluxo. Para crianças pequenas as posições preconizadas são decúbito dorsal elevado de quarenta e cinco a sessenta graus ou ventral elevado a trinta graus durante vinte e quatro horas. O decúbito ventral a trinta graus possui a vantagem de facilitar o esvaziamento gástrico. Em crianças maiores deve-se elevar a cabeceira da cama em aproximadamente quinze centímetros. O tratamento postural pode ser interrompido após terem sido registradas seis semanas sem sintomas. Em Prado (1998) recomenda-se: decúbito prono ( ventral ) a trinta graus; posição ereta, com inclinação dorsal acima de sessenta graus ( supina elevada ) e decúbito lateral. Crianças maiores e adolescentes não devem deitar 21
22 por duas horas após refeição e devem colocar calços na cama para reduzir o RGE noturno. Tratamento dietético : Barbieri & Koda (1996) relatam que consiste em evitar alimentos ou bebidas que são estimulantes da secreção ácido-gástrica que diminuem a força de contração do EIE e que retardam o esvaziamento gástrico. Desta forma aconselha-se eliminar da dieta condimentos, molhos picantes, enlatados, alimentos gordurosos, doces, cremes, chocolates, frutas ou sucos cítricos, bebidas gaseificadas, café, chá, álcool e fumo. As refeições devem ser fracionadas em pequenos volumes. Recomenda-se ainda, às crianças menores comer devagar, não tomar líquidos durante ou próximo às refeições, assim como não dormir logo a seguir as refeições. Prado (1998) refere que deve-se corrigir se houver: obesidade, desnutrição, anemia ou constipação intestinal. Deve-se,ainda, evitar o aumento da pressão intra-gástrica, estimulantes da secreção ácida, redução da competência do EEI, ação irritativa direta sobre a mucosa esofágica e ácidos. Tratamento medicamentoso : Barbieri & Koda (1996) descrevem que o objetivo deste tratamento é obter melhor desempenho do EIE como barreira antirefluxo e reduzir ou amenizar os efeitos dos fatores agressores. O período de tempo preconizado para o tratamento medicamentoso é de quatro a oito semanas. Drogas que agem sobre o EIE : cloridrato de betanecol, metoclopramida, bromoprida, domperidona e cisaprida. As drogas que agem modificando o conteúdo gástrico são as que reduzem a acidez gástrica,é o que refere Barbieri & Koda (1996). 22
23 Segundo Prado (1998), a conduta cirúrgica é indicada para pacientes com complicações graves e sem resposta à conduta clínica. Cirurgias anti-refluxo: fundoplicatura de Nissen, prótese de Algelchik etc. Os altos índices de insucesso e o grande número de complicações inicialmente descritas (tais como: disfagia, dificuldade ou impedimento ao vômito, dor abdominal e dispepsia) hoje estão minimizados pelo desenvolvimento de técnicas mais aprimoradas, incluindo as da videolaparoscopia. 23
24 CONSIDERAÇÕES FINAIS Uma história clínica cuidadosa é capaz de proporcionar dados importantes para a suspeita diagnóstica de RGE. As crianças que requerem condutas de emergência são minoria, a maior parte delas, tem boa evolução e recupera-se em torno de um ou dois anos de vida. A correlação entre o RGE e os distúrbios da deglutição é apresentada na literatura com grande incidência na faixa etária infantil. Na idade adulta o RGE é considerado como causa ou fator agravante de alterações vocais e laríngeas. Uma vez diagnosticado o RGE deverá ser tratado. Com conhecimento sobre o RGE o fonoaudiólogo poderá atuar com eficiência e responsabilidade, orientando o paciente principalmente na dieta e na postura. Outro enfoque deverá ser dado à terapia no caso do paciente apresentar sintomas referentes aos distúrbios da deglutição ou vocais. É fundamental também a avaliação e o controle dos fatores emocionais do portador de RGE e seus familiares. 24
25 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBIERI,D. & KODA,Y.K.L. Doenças gastrenterais em pediatria. São Paulo, Atheneu,1996. p BRASIL,O.; RODRIGUES,S. & MADAZIO,G. Refluxo gastroesofágico : achados videolaringoscópicos. In: BEHLAU,M. (org.) Laringologia e voz hoje. Rio de Janeiro, Revinter, p BRITO,I.A. & MATHIAS,A.L. Refluxo gastroesofagiano. In: MARCONDES,E. Pediatria básica. São Paulo, Sarvier,1991. p DEJONCKERE,P.H.; REMACLE,M. & FRESNEL-ELBAZ,E. Reability and relevance of differentiated perceptual evaluation of pathological voice quality. In: CLEMENTE,M.P. (ed.) - Voice update. Amsterdam, Elsevier, p ERHART,E.A. - Elementos de anatomia humana. São Paulo, Atheneu,1987. p
26 KOUFMAN,J.A. Gastroesophageal reflux and voice disorders. In: RUBIN,J.; SATALOFF,R.; KOROVIN,G. & GOULD,W. Diagnosis and treatment of voice disorders. New York, Igaku-sho, p MARCHESAN,I.Q.- Deglutição: diagnóstico e possibilidades terapêuticas. In: MARCHESAN,I.Q. Fundamentos em fonoaudiologia: aspectos clínicos da motricidade oral. Rio de Janeiro, Guanabara koogan, p OLIVA,C.A.G.; PALMA,D. & NETO,U.F. Refluxo gastroesofágico. In: NÓBREGA,F.J. Pediatria. São Paulo, Contexto,1990. p PRADO,E.T.M.L. Doença do refluxo gastroesofágico. In: PERRONE,H.C. & GUTIERREZ,M.T. Pediatria: diagnóstico e terapêutica. São Paulo, Robe,1998. p SATALOFF,R.T.; CASTELL,D.; SATALOFF, D.; SPIEGEL,J.R. & HAWKSHAW,M. Reflux and other gastroenterologic conditions that may affect the voice. In: SATALOFF,R.T. (ed.) Professional voice: the science and art of clinical care. San Diego, Singular, p
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