Rogério foi comunicar a Márcio que tinha passado no concurso: - Olá Márcio... que cara fechada... o que há com você?

Transcrição

1 Feedbacks Era uma manhã normal em um departamento de marketing de uma multinacional. Todos, a exceção de dois funcionários, já haviam chegado e puseram-se a executar suas rotinas: ler e responder s, atender a ligações e a compilar dados em planilhas com o objetivo de mensurar a participação dos produtos da empresa no mercado e os resultados das ações implementadas nos últimos dias, semanas e meses. Mas estranhamente os representantes da tão comentada Geração Y não se encontravam no recinto. Os dois tinham idades semelhantes: 26 e 28 anos, estudaram no aclamado Colégio Bandeirantes e falavam mais de um idioma além do Português. Um deles era Márcio, bonito, sarado e carismático, ainda que um tanto intempestivo, aparentava ser um viável candidato a uma futura diretoria, se soubesse esperar... Mas ele estava além da aparência. Fora preparado desde muito cedo por seu pai, diretor aposentado de outra multinacional: morou nos EUA durante o ensino médio, por isso, falava Inglês fluente, assim como o espanhol, além de ter estudado francês e italiano durante o período em que cursara simultaneamente administração na Getúlio Vargas e Economia na USP. Logo após as graduações, que concluiu aos 21 anos de idade, emendou um MBA em Marketing na Brown. Leitor assíduo das revistas EXAME e VOCÊ S/A, assim como dos jornais, Folha de São Paulo e Valor Econômico, sempre que podia excursionava pelos sites do Clarín, The Independent, Le Monde e The New York Times. Além é claro de ser assinante da The Economist. Hiperativo, não tinha muita paciência em executar tarefas burocráticas ou que não representassem um desafio ao seu intelecto. Sonhava em ser gerente antes dos 30 anos e diretor antes dos 35, quiça presidente antes dos 50. Rogério, era mais contido, embora fosse igualmente competente. Não vendia sua imagem tão bem quanto Márcio, mas não se iludia, tinha consciência de suas qualidades e limitações, sabia que competir com um tipo exuberante como Márcio não seria fácil. Embora falasse Inglês e Espanhol fluentemente, não tinha vivência no exterior, estudara no Bandeirantes porque o colégio lhe oferecera uma bolsa, após ter conquistado o primeiro lugar nas Olimpíadas Brasileiras de Matemática. Fugindo do ensino público, meteu-se entre os boys e tratou de tirar o melhor proveito possível da educação que o Band lhe proporcionou. Aprendeu Inglês, Português, História, entre outras

2 disciplinas, a conviver com a diferença sócio-econômico-cultural e passou no vestibular de economia da USP entre os primeiros lugares. Arrumou um estágio e começou a estudar espanhol aos sábados, concluiu a graduação aos 22 anos. Passou na AMPEC, e garantiu sua vaga no mestrado. Embora tivessem cursado o colégio e a faculdade juntos, só se tornaram amigos, após serem selecionados no processo seletivo de Trainee da mesma multinacional e por coincidência caírem no mesmo departamento. Espertos, logo perceberam que tinham personalidades simbiônticas, Márcio era analítico e paciente. Rogério sabia muito bem como vender uma idéia. Logo formaram uma panelinha e juntos davam forma as idéias mais criativas e milimetricamente executadas do setor. Contudo, Rogério logo percebeu que não seria ele o principal beneficiado, embora a parceria fosse interessante, logo se matriculou num cursinho para concurso na área fiscal durante os finais de semana. Após dois anos de estudos intensivos, foi aprovado como Auditor Fiscal da Receita Federal. Rogério chegou feliz ao departamento de marketing, cantando e dançando igual ao Peter Park ( Rain drops falling on my head ), como não era de seu costume, e entre um verso e outro exclamava baixinho: Não mais matar um dragão por dia, não mais 55 horas semanais de trabalho!!!!!!!!!!! Márcio estranhamente chegou duas horas mais tarde que Rogério - ao meio dia estava com a cara fechada e não cumprimentou ninguém, como não era de seu costume. Estava irritado, prestes a explodir. Já havia mais de um ano que o programa de trainee terminara, trabalhava 70 horas por semana, cumpria todas as metas, isso quando não o fazia muito além do pedido, mas na noite anterior ouvira o diretor do departamento comentar, que o gerente seria substituído o que era correto -, contudo, o escolhido seria alguém de fora da empresa. Apenas pensava: - O que mais eles querem de mim? Rogério foi comunicar a Márcio que tinha passado no concurso: - Olá Márcio... que cara fechada... o que há com você? - Nada, mas você parece muito bem? - Sim, é verdade, estou muito bem!!!! - E o que aconteceu?

3 - Lembra que lhe disse que não podia trabalhar 70 horas por semana, pois estava fazendo um curso que seria muito importante para minha carreira profissional. - Sim, me lembro, mas...? - Então, na verdade, resolvi abandonar a iniciativa privada e estudar para a Receita Federal. Minha nomeação saiu hoje. Sinto muito, mas vou me demitir. - Não acredito... você vai me abandonar... e o plano que tínhamos de um puxar o outro... - Bom, Márcio, você sabe... tenho um perfil mais analítico, não faço marketing pessoal tão bem quanto você... tratei de garantir meu futuro... - Entendo, mas acho que você fez bem. Sabia que vão demitir o João... - Já não era sem tempo... você será o novo gerente? - Não, não serei, eles trarão alguém de fora... - Vejo que fiz bem em estudar para a Receita... se você não foi escolhido, quem mais poderia? - É o que gostaria de saber... Mas você, Rogério, vai se demitir? - Hoje mesmo, mas após essa sua notícia, vou pedir um Feedback ao diretor. - Vou junto com você, Rogério. E se ele não me der uma explicação correta, eu me demito. - Mas por quê? Tão radical... - Você me deu uma boa idéia... - Não sei o que é, mas vou agora... faço questão de atrapalhar o almoço do diretor... - Ótima idéia. Entraram na sala do diretor. Era um senhor grisalho, magro e bem apessoado como Roberto Justus, desenvolto, objetivo e às vezes

4 um tanto cruel com aqueles que não demonstravam todo o seu potencial. - Como vai a dupla dinâmica do nosso departamento? - Queremos um Feedback - disse Márcio sério. - Mas agora, na hora do meu almoço? - Sim, agora. - disse Rogério com um sorriso no canto da boca. - Tudo bem, tudo bem, estou bem humorado... - O que vocês querem saber? Está tudo ótimo. - Na verdade, gostaria de saber por qual motivo não serei eu o novo gerente do departamento disse Márcio de forma apressada. - Como você ficou sabendo... E você, Rogério, está aqui pelo mesmo motivo? - Sim, também gostaria de saber o porquê de não ser o escolhido? - Bem... comecemos por você, Márcio. Você tem uma excelente formação, é enérgico, cumpre todas as metas, mas ainda está cru, precisa aprender a ter paciência. Veja eu, só consegui minha primeira gerência aos 35 anos. A diretoria aos 43. E hoje tenho 56 e não sei quando serei presidente. - Paciência... senhor? Meu casamento está marcado para o ano que vem. Tenho 26 anos e pretendo ter um filho até os 30 anos. Como vou pagar a prestação do meu apartamento e a educação dele com um salário de analista de marketing? São Paulo é uma cidade cara... - Mas, meu filho, não disse que você não ocupará um cargo de gerência até os 30 anos, só lhe peço paciência. Além disso, o salário oferecido por nós é compatível com o mercado. - Mas não é compatível com a minha educação. O senhor sabe quanto custa um MBA nos Estados Unidos? Na Brown? - Bem, eu sei o preço... eu fiz Harward. - Mas não saiu do seu bolso. A empresa bancou o seu MBA e isso ela não faz mais.

5 - Bancou, mas eu soube esperar, entrei na empresa com 15 anos, como Office-boy e galguei posições. Foi mérito. - Sim, mas na sua época os salários dos profissionais com nível superior eram consideravelmente mais altos. Uma analista conseguia comprar uma casa e pagar o Bandeirantes para seus filhos. Hoje não. - Você diz isso, mas não deveria. Sabe muito bem que o nosso programa de Trainee é procurado por milhares de jovens recémformados. - È verdade, mas nem todos têm o perfil procurado. Acho engraçado, querem, líderes, mas lhes negam função quando encontram. - Não estamos negando... mas no tempo certo. - Então, o senhor me diz que devo ficar aqui a espera de um cargo de gerência, torcendo para que vocês não me demitam, se ocorrer uma nova crise mundial, ou, caso seja demitido, rezar para conseguir uma recolocação, assim como fizeram com os membros da geração X? - Espere um minutinho, por favor (enquanto disca o ramal da secretária)... Regininha, e Lindenberg já voltaram do almoço? - Sim, - responde a secretária deseja falar com eles? - Por favor, mande-os entrar. - Vocês já fizeram o que lhe pedi? - Sim, diretor, já fizemos, deseja ver o projeto agora? - Por favor. Os dois estagiários entraram e entregaram o projeto e logo saíram. O diretor olhou as folhas em suas mãos e depois repassou a dupla dinâmica. - Geração Y, o que acha do projeto dos Zs? - Parece bom, embora tenha alguns erros de Português. disse Rogério. - Bom, mas você sabe, eles são da geração PROUNI disse Márcio.

6 - Bom, realmente bom, - disse o diretor -. E fizeram rápido. Sabe o que isso significa? - O quê? perguntou Márcio. - Esses jovens, geração PROUNI, como você disse Márcio, esses jovens que o Governo nos fez o favor de colocar no mercado, filhos da Classe C e D, estão ávidos pelo emprego de vocês. Loucos por uma oportunidade. Eles não sabem Inglês, ou sabem mal, têm deficiência no Português, não sabem que um guardanapo de pano é posto no colo e serve para limpar a boca antes que ela encoste na taça ou a posição dos garfos no prato. Mas eles estão cheios de vontade, estão cheios de gana... - E não reclamam disse Rogério. - Foram educados para obedecer... disse Márcio. - Eles precisam do emprego. Mais que isso, uma cargo de analista representa uma efetiva melhora no padrão de vida deles. - Ou seja, você está me dizendo, que o que a VOCÊ S/A e a EXAME falavam durante à época em que cursei o Ensino Médio, sobre iniciativa e necessidade de formação é uma grande bobagem. Que o fato de eu ler uns 10 periódicos diferentes por mês, falar quatro idiomas, trabalhar 70 horas por semana, ter cursado duas graduações simultaneamente, ter um MBA numa das Universidades TOP 10 dos EUA, não vale nada? Que a educação talvez não passe de um grande negócio? Que perdi tempo e dinheiro? disse Marcio. - Sim, se não tiver paciência... - Sim, se não for servil. concluiu Rogério. Além disso, a origem dos Z s, da geração PROUNI, é a mesma que a sua, diretor. - É um fato, estou muito mais próximo a eles do que a vocês, especialmente ao Márcio. Embora hoje já tenha acostumado a outro padrão de vida. - Só uma pergunta, diretor: - Diga... - Com quem seu filho se parece? - Com você, Márcio.

7 - Engraçado, diretor, sua geração veio para substituir outra que teve o privilégio de ser bem remunerada. Vocês foram contratados em troca de baixos salários, treinados pela empresa, que tratou de selecionar os melhores para ocupar os cargos de chefia. Agora a história se repete. Seus filho serão trocados, e trocados por vocês, por jovens com origem semelhante a sua, diretor. disse Márcio. - Não vejo a coisa dessa maneira... - Não foi treinado para isso... assim como eles não serão, além disso ficarão felizes em receber um salário de Trainee, quiçá de Analista que há anos não têm sequer aumento nominal disse Rogério. - Os que não se destacarem, serão demitidos. disse Márcio. - Não ocuparão bons cargos públicos, pois têm deficiência na formação básica. disse Rogério. Olharam um para o outro e disseram: - Nós nos demitimos. - E farão o quê? - Você está falando com o futuro Auditor Fiscal da Receita Federal. - Esperto... por isso não ficava até tarde, Rogerio... Márcio?!!! - Vou descansar e ver que realmente desejo fazer da minha vida. Passei tanto tempo me preparando para ser Presidente de uma Multinacional, que nunca pensei no que efetivamente queria. Talvez abra uma empresa. Ouvi dizer que o mercado de jogos para celular está em crescimento... sempre gostei de jogos. Aliás, detesto a EXAME, detesto a VOCÊ S/A!!!!!!!!!!! - Até um dia. disseram eles - Até.

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