TROMBOEMBOLISMO ARTERIAL DECORRENTE DE CARDIOMIOPATIA HIPERTRÓFICA EM FELINO ARTERIAL THROMBOEMBOLISM RESULTING IN FELINE HYPERTROPHIC CARDIOMYOPATHY
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- Thalita Pais Camarinho
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1 ISSN Alm. Med. Vet. Zoo. 9 TROMBOEMBOLISMO ARTERIAL DECORRENTE DE CARDIOMIOPATIA HIPERTRÓFICA EM FELINO ARTERIAL THROMBOEMBOLISM RESULTING IN FELINE HYPERTROPHIC CARDIOMYOPATHY Vanessa Yurika Murakami * Felipe Gazza Romão Gisele Fabrícia Martins dos Reis RESUMO A cardiomiopatia hipertrófica felina (CMHFF) é a cardiomiopatia mais comum em felinos domésticos, classificada como uma enfermidade primária ou secundária do músculo cardíaco. A sua apresentação primária ainda é alvo de estudos na medicina felina, sendo reconhecidas uma provável herança autossômica recessiva e uma mutação genética na miosina cardíaca. A CMHFF pode ser secundária a outras doenças, como estenoses valvulares e hipertireoidismo. A maior complicação da CMHFF é a ocorrência de tromboembolismo arterial, principalmente na região aórtica da trifurcação ilíaca. O objetivo do presente trabalho foi realizar uma revisão de literatura sobre a CHMFF, relatando um caso de tromboembolismo arterial em um gato suspeito de CMHFF. Palavras-Chave: Aorta, Felinos Domésticos, Ilíaca, Trifurcação. ABSTRACT Feline hypertrophic cardiomyopathy (CMHFF) is the most common heart disease in domestic cats, classified as a primary or secondary disease of the heart muscle. Your presentation is still primary studies on feline medicine, being recognized a likely autosomal recessive disorder and a genetic mutation in Cardiac Myosin. The CMHFFF can be secondary to other diseases, such as valvular stenosis and hyperthyroidism. The biggest complication of CMHFF is the occurrence of arterial thromboembolism, mainly in the iliac region aortic trifurcation. The objective of this study was to conduct a literature review on the CHMFF, reporting a case of arterial thromboembolism in a cat suspected of CMHFF. Key-Words Aorta, Domestic Cats, Iliac, Trifurcation. INTRODUÇÃO As especialidades na medicina veterinária vêm crescendo muito nos últimos anos, facilitando desta forma o diagnóstico e terapia de doenças antes despercebidas. Com isso, podemos ressaltar o grande desenvolvimento na área de emergência clínica de pequenos animais, tendo as miocardiopatias grande importância em virtude da alta incidência e mortalidade em cães e gatos (14). Entre as cardiopatias de felinos, as doenças miocárdicas (cardiomiopatias) são as mais comuns. A cardiomiopatia ocorre quando há comprometimento funcional ou uma anormalidade no músculo cardíaco. Ela pode ser de origem primária (idiopática) ou secundária, quando é identificada uma alteração metabólica, sistêmica ou uma deficiência nutricional, capaz de induzir a hipertrofia cardíaca (16). A cardiomiopatia hipertrófica (CMHF) é uma doença primária do miocárdio caracterizada por aumento da massa cardíaca associada à hipertrofia do ventrículo esquerdo (VE) com ausência de dilatação ventricular; induzindo a disfunção diastólica com elevação da * Aprimoranda do Hospital Veterinário da Faculdade de Agronomia e Engenharia Florestal (FAEF) - Garça - São Paulo, Brasil. neessa_murakami@hotmail.com Docente do Curso de Medicina Veterinária da Faculdades Integradas de Ourinhos (FIO) - Ourinhos - São Paulo, Brasil. Docente do Curso de Medicina Veterinária da Faculdade de Agronomia e Engenharia Florestal (FAEF) - Garça - São Paulo, Brasil.
2 ISSN Alm. Med. Vet. Zoo. 10 pressão de enchimento, culminando com a possibilidade de desenvolvimento de insuficiência cardíaca congestiva (ICC) (11). O diagnóstico de CMHF é realizado pelos sinais clínicos apresentados, pelos achados de anamnese e exame físico, e pelo auxílio de exames complementares, como ecocardiografia, radiografias torácicas e eletrocardiograma. Os gatos com CMHF discreta podem permanecer assintomáticos por anos, estes muitas vezes são atendidos apenas quando apresentam manifestações respiratórias ou sinais de tromboembolismo (TE) agudo (19). O tratamento descrito na literatura é bem vasto, porém não existe um consenso sobre a melhor conduta terapêutica, ficando então a critério do veterinário avaliar as condutas para cada paciente individualmente (19). Tentativas terapêuticas para esta enfermidade incluem o uso de diuréticos, inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA), bloqueadores dos canais de cálcio e beta-bloqueadores (12). O tromboembolismo aórtico (TA) sistêmico é uma complicação grave da CMHF, que ocorre pela estase sanguínea que se estabelece no interior da câmara atrial esquerda dilatada, secundariamente à hipertrofia primária do VE. A terapia antitrombótica e analgésica deve ser iniciada imediatamente, a fim de impedir a formação de novos trombos e para o controle da dor (1). O objetivo do presente trabalho foi realizar uma revisão de literatura sobre a CHMFF, relatando um caso de tromboembolismo arterial em um gato suspeito de CMHFF. DESENVOLVIMENTO As cardiomiopatias na medicina de cães e gatos constituem um grupo heterogêneo e bastante importante de doenças cardíacas, caracterizadas pelo comprometimento estrutural e funcional do músculo cardíaco. Elas podem ser classificadas em cinco categorias - cardiomiopatia hipertrófica (CMHF), cardiomiopatia dilatada (CMD), cardiomiopatia restritiva (CMR), cardiomiopatia arritmogênica ventricular direita e a cardiomiopatia indeterminada ou não classificada (11). Cardiomiopatia Hipertrófica Introdução A cardiomiopatia hipertrófica em felinos é uma doença miocárdica primária ou secundária, é caracterizada por uma hipertrofia concêntrica dos músculos papilares e das paredes do ventrículo esquerdo, sem ocorrência de dilatação deste (8). Uma hipertrofia cardíaca concêntrica é a consequência de uma sobrecarga ventricular e aumento da pressão nesta câmara. Neste tipo de hipertrofia, ocorre um aumento regular da espessura da parede ventricular com diminuição do tamanho das câmaras cardíacas. Ela está frequentemente associada a patologias, como estenose valvar/subvalvar ou outra obstrução ao fluxo ventricular, hipertensão arterial sistêmica, e a doenças metabólicas, como hipertireoidismo ou insuficiência renal (2). A disfunção diastólica do ventrículo esquerdo, caracterizada por relaxamento miocárdico prejudicado e redução da complacência ventricular, é considerada como hipótese principal para a ocorrência de alterações estruturais e funcionais do miocárdio nestes pacientes (7), resultando em insuficiência cardíaca congestiva (ICC) a qual é caracterizada por edema pulmonar, efusão pleural e ascite. Ocasionalmente, identificam-se, pela ecocardiografia, trombos aderidos ao endocárdio (especialmente no átrio esquerdo), os quais podem se desprender e acarretar em obstrução da artéria aorta abdominal, na região da trifurcação ilíaca, resultando em neuromiopatia isquêmica dos membros pélvicos. Tromboembolismo e infarto subsequente também podem ocorrer nos rins, cérebro, intestinos e até no próprio coração (15). Alguns autores relatam a maior ocorrência em felinos de seis meses a 16 anos de idade, com maior incidência entre 5 e 7 anos, outros relatam entre os cinco meses a 17 anos com maior
3 ISSN Alm. Med. Vet. Zoo. 11 incidência dos 4,8 a 7 anos. Foram descritos casos de CMHF em filhotes de gatos com dois meses de idade. Machos são mais susceptíveis há doença do que fêmeas, e o felino mais acometido é o gato doméstico de pelo curto. Felinos das raças Maine coon, Persa, Ragdoll e Rex cornish têm uma maior predisposição e, dentre essas, a raça Persa tem uma maior incidência. A doença ocorre raramente nas raças siamês, birmanês e abissínio (7). Etiologia A etiologia da CMHF primária é desconhecida e consiste na forma de cardiomiopatia mais comum nos felinos. No entanto, reconhece-se a existência de um fundo genético da doença, caracterizado com padrão autossômico dominante, que geralmente está associado a determinadas raças, mas não exclusivamente. Contudo, também ocorre a CMHF secundária que está principalmente associado ao hipertireoidismo, hipertensão sistêmica, acromegalia ou com infiltrações inflamatórias e tumorais (11). Cardiomiopatia Hipertrófica Hereditária, Primária ou Idiopática A CMHF nos humanos é uma doença com origem genética ou familiar em cerca de 60% dos casos, geralmente com um padrão de transmissão autossômico dominante. De forma similar, a CMHFF também apresenta um caráter hereditário da doença e é observada mais frequentemente em determinadas raças e dentro da mesma raça, em diferentes linhagens familiares. Entre as raças de gatos reconhece-se a existência de CMHF hereditária em Main coon, Ragdoll, Persa, British e American Shorthair. Duas das raças mencionadas, a Main Coon e a American Shorthair, foram identificadas como tendo um padrão autossômico dominante da transmissão da doença (11). Várias observações como, a idade precoce de surgimento em alguns gatos afetados e o aumento das porcentagens de prevalência nas raças Persa e Maine Coon vêm alimentando as especulações de hereditariedade da CMHFF. Um estudo realizado em uma colônia de gatos da raça Maine Coon, identificou achados compatíveis com a ocorrência de cardiomiopatia hipertrófica como herança de dominância autossômica. Os felinos não demonstraram evidências fenotípicas até os seis meses de idade, mas manifestaram a doença ainda na fase jovem e durante a vida adulta, evoluíra para forma severa da enfermidade (7). Cardiomiopatia Hipertrófica Secundária - Hipertireoidismo O Hipertireoidismo felino é a doença endócrina mais comum em gatos, causada pela produção excessiva de hormonas da tireoide, normalmente devido a um tumor benigno (adenoma ou bócio adenomatoso multinodular) ou mais raramente devido a um carcinoma da tireoide. Normalmente atinge gatos de meia-idade a geriátricos, com intervalo entre 4 a 22 anos de idade, sem predisposição de raça ou sexo (11). A glândula tireoide tem um papel fundamental nos processos metabólicos em vários tecidos e órgãos, com especial atenção ao miocárdio que tem extrema sensibilidade às hormonas segregadas pela tireoide (11). Os efeitos dos hormônios tireoidianos sobre o sistema cardiovascular são reconhecidos e sabe-se que alterações nos seus níveis circulantes influenciam a contratilidade e a função eletrofisiológica do coração. Os hormônios da tireoide também desempenham importante ação na regulação das funções sistólicas e diastólicas, frequência cardíaca e débito cardíaco (7). O miocárdio é o tecido que mais contém receptores para o hormônio da tireoide, os quais afetam a frequência de geração bem como a duração do potencial de ação dos miócitos cardíacos através de mecanismos genômicos e não genômicos. Além disso, alterações nos níveis do hormônio tireoidiano podem afetar a expressão gênica dos miócitos cardíacos e, consequentemente, induzir alterações na função cardíaca (7).
4 ISSN Alm. Med. Vet. Zoo. 12 O efeito da T3 e da T4 sobre o miocárdio consiste na indução da produção de uma isoforma da proteína miosina, que contribui para o aumento da velocidade de interação entre a actina e miosina com subsequente aumento da contractilidade. Além disso, também promovem o aumento da atividade da bomba Ca2+ - ATPase do retículo sarcoplasmático e do número de canais de cálcio. A hipertrofia cardíaca secundária associada ao hipertireoidismo é multifatorial e está relacionada com um estado hipermetabólico, com a vasodilatação periférica, com o aumento do débito cardíaco, com a ativação do sistema nervoso simpático, com o desenvolvimento da hipertensão sistêmica e com os efeitos diretos dos hormônios tireoidianos sobre o miocárdio. A associação entre a CMHF e o hipertireoidismo não foi provado ser casual. No entanto, o hipertireoidismo induz o aumento do número e da sensibilidade dos receptores β-adrenégicos, resultando no aumento da resposta das catecolaminas, com subsequente taquicardia, que contribui para a hipertrofia e aumento das necessidades de oxigénio do miocárdio (7). Os sintomas cardiovasculares principalmente encontrados em gatos com hipertireoidismo associados à CMHF é a taquicardia, esta, que ocorre em cerca de 50% de todos os gatos afetados, contudo a sua prevalência tem diminuído, provavelmente pelo diagnóstico precoce da doença; o sopro sistólico, forte choque precordial esquerdo, pulso femoral hipercinético e ritmo galope, são outras alterações cardíacas comuns. Menos frequentemente pode ser identificadas arritmias, particularmente arritmias ectópicas ventriculares e atriais (20). Sinais Clínicos A CMHF tem uma apresentação clínica muito diversificada. Muitos animais no momento do diagnóstico podem ser assintomáticos. Geralmente, as cardiomiopatias em felinos são identificadas em exames de rotina, durante a auscultação cardíaca, onde sons de arritmia, sons de galope ou sopro principalmente no foco da valva mitral são auscultados (11). Em alguns pacientes, quando a CMHF está mais avançada podem manifestar sintomatologia de tromboembolismo ou em casos mais graves, ICC na sua forma descompensada (16). Sinais Clínicos Da Cardiomiopatia Hipertrófica Geralmente felinos com CMHF apresenta-se à consulta já em fase avançada da doença com sintomatologia respiratória que inclui taquipneia, aparecimento súbito de dispneia e raramente apresenta tosse. Ocasionalmente apresenta anorexia, letargia e mucosas pálidas. As alterações respiratórias observadas devem-se a ICC e concomitantemente edema pulmonar, efusão pleural ou ambos, responsáveis pela exacerbação dos sons pulmonares estertores úmidos e por vezes cianose (11). Durante a auscultação detectam-se taquiarritmias, sopro sistólico ao nível do ápice esquerdo do coração, por vezes também audível na região basal esquerda durante a obstrução aórtica sub-valvular e ruído de galope. É possível a associação do sopro sistólico à obstrução dinâmica do trato de saída do VE, ao identificar com maior frequência este sopro nos animais com CMHF obstrutiva. Geralmente é um sopro dinâmico, aumentando de intensidade quando o animal está excitado, quando aumenta a frequência cardíaca (FC) e a contratilidade, verificando-se o efeito contrário quando o animal permanece relaxado. O ruído de galope tornase audível devido à redução da complacência do miocárdio e a uma série de fatores, nomeadamente, a hipertrofia da parede do VE, a fibrose, a infiltração do miocárdio e a taquicardia. As arritmias cardíacas estão presentes em 25% - 40% dos casos diagnosticados com CMHF (11). Sinais Clínicos da Cardiomiopatia Hipertrófica Associado ao Tromboembolismo Arterial
5 ISSN Alm. Med. Vet. Zoo. 13 Quando há ocorrência de tromboembolismo arterial, as manifestações mais comuns são paresia ou paralisia aguda do membro posterior, pulso femoral fraco ou inexistente, palidez ou cianose nas extremidades, rigidez dos músculos gastrocnêmios e dor aguda à palpação (16). Diagnóstico O diagnóstico da CMHF requer métodos especiais para confirmação das suspeitas clínicas. Felizmente, o vasto melhoramento técnico dos métodos de diagnóstico no campo dos exames de imagem e no campo laboratorial associados com a sintomatologia característica da doença, vem facilitando o diagnóstico de CMHFF (11). Radiografia A radiografia torácica simples pode ser útil no diagnóstico da CMHFF, pois torna possível a avaliação do tamanho e formato cardíaco, além do parênquima e vasculatura pulmonar. Em estágios iniciais da doença, os achados radiográficos de limites de câmara cardíaca interna podem se apresentar normais em decorrência de hipertrofia concêntrica. No entanto, em alguns casos, a hipertrofia pode não estar aparente. Com a evolução do quadro, há uma tendência de aumento de átrio e ventrículo esquerdo, congestão venosa pulmonar, edema pulmonar e efusão pleural (7). Nas projeções látero - lateral e ventrodorsal (VD) podem ser observadas efusões pleurais e pericárdica, padrão alveolar intersticial e/ou alveolar, e em casos crônicos ou avançados, aumento cardíaco generalizado. Na insuficiência biventricular, além dos achados descritos anteriormente, podem-se constatar efusão abdominal e hepatomegalia. A silhueta cardíaca pode ficar com formato de coração dos namorados, entretanto, não se deve concluir o diagnóstico somente pelo formato observado ao raio-x, pois este achado também pode ser identificado em outros distúrbios miocárdicos com envolvimento biventricular (7). Ecocardiografia O ecocardiografia é o meio preferencialmente utilizado para o diagnóstico de gatos com CMHF na tentativa de diferenciação entre outras hipertrofias cardíacas secundárias a doenças metabólicas, infiltrativas, sistêmicas e outras cardiomiopatias. Permite a avaliação anatômica, medidas de espessura das paredes do septo interventricular e dos ventrículos, tamanho das câmaras cardíacas, presença de trombo cardíaco em átrio ou em aurícula e avaliação da função sistólica e diastólica (16). Os principais aspectos ecocardiográficos da CMHF são a hipertrofia concêntrica ventricular esquerda e dilatação atrial esquerda. Contudo, algumas vezes o átrio esquerdo pode encontrar-se normal (sem dilatação). A hipertrofia ventricular esquerda concêntrica pode manifestar-se de forma simétrica ou assimétrica. A forma assimétrica, que é comum no gato, pode ter as regiões do septo interventricular ou parede livre, o ápice ou músculos papilares atingidos primariamente. Por causa dessas variações a CMHF é um diagnóstico que deve ser feito pelo exame de várias imagens ecocardiográficas bidimensionais diferentes, tanto pela mensuração da espessura diastólica da parede da região, como pela identificação de espessamento nas imagens bidimensionais. Por muitas vezes é encontrado um trombo dentro do átrio e da aurícula esquerda, verificado pelo contraste hiperecóico nesta região. Também se podem observar trombos no ventrículo esquerdo (7). Eletrocardiograma (Ecg) A B C O objetivo do exame eletrocardiográfico é de avaliar o ritmo e condução elétrica cardíaca, determinar frequência e sugerir aumento de câmaras cardíacas. Em alguns casos são observados arritmias atriais ou ventriculares. Pode-se verificar o desvio do eixo elétrico médio para a esquerda. Isso frequentemente tem o aspecto de um bloqueio fascicular anterior esquerdo
6 ISSN Alm. Med. Vet. Zoo. 14 (onda S nas derivações II, III e a avf, complexo QR nas derivações I e avl, eixo elétrico médio -30 a -60 e QRS com duração normal). No entanto, em gatos não foi identificada alteração real de condução no fascículo anterior esquerdo e esse padrão pode simplesmente representar o padrão de dilatação do ventrículo esquerdo (7). Tratamento Há uma intensa discussão sobre o tratamento de animais que apresentam CMHF e encontram-se assintomáticos, ainda não há comprovação se o tratamento precoce retarda a progressão da doença ou aumenta a sobrevida do paciente, no entanto, animais apresentam aumento da atividade e melhora na atitude após serem tratados (7). A terapia instituída na CMHF objetiva a melhora da qualidade de vida do paciente e aumento de sobrevida. A melhor maneira de concretizar estes objetivos é a redução da carga de trabalho cardíaco e a restituição da função cardíaca através do controle da frequência cardíaca, facilitando a pressão de enchimento do VE. O controle de arritmias, minimização da isquemia (melhorando a oxigenação), diminuição da obstrução da via de saída do VE, e, finalmente, o controle da ICC presente, são medidas importantes para o sucesso terapêutico em cada paciente (11). Prognóstico O tempo de sobrevida em gatos com CMHF é muito variável. Vários fatores parecem influenciar o prognóstico, incluindo a velocidade da progressão da doença, a ocorrência de tromboembolismo e/ou arritmias e a resposta à terapia (16). Tromboembolismo Arterial (TA) A principal complicação da CMHF é o tromboembolismo arterial (TA), a qual é uma síndrome que ocorre em felinos, estando geralmente associado a uma cardiomiopatia, o que facilita a formação do trombo dentro do ventrículo esquerdo. Este trombo segue pela circulação sistêmica instalando-se na trifurcação ilíaca da artéria aorta abdominal caudal prejudicando todo o fluxo sanguíneo para suas tributárias, como as artérias ilíacas e femorais (13). O TA é capaz de causar variados sinais clínicos, porém seu diagnóstico pode ser confirmado no exame post mortem ou ainda, não ser observado a existência do trombo após a necropsia. A localização e o tamanho dos coágulos são fatores que irão definir a grau de comprometimento funcional da área afetada (23). Em torno de 60-70% dos gatos vão a óbito ou são submetidos à eutanásia durante o episódio tromboembólico inicial (6). Fisiopatogenia A patogenia da formação de trombos é um processo complexo, mas geralmente ocorre em decorrência de ativação plaquetária, estase sanguínea, dilatação atrial, disfunção endotelial, exposição das plaquetas ao colágeno que contribuem em graus variados de CMHF em felinos (4,16). Trombose é a formação de um coágulo sanguíneo dentro do coração ou de qualquer vaso sanguíneo. Geralmente, o trombo é formado dentro do VE ou AE em gatos portadores de CMHF (17). Essa combinação de fatores tem sido proposta para explicar a razão pela qual os gatos com cardiomiopatia estão em maior risco para a formação do TA. Em primeiro lugar, é que o dano endotelial secundário à dilatação do átrio esquerdo expõe o colágeno endotelial, que então induz à agregação plaquetária e ativação intrínseca da cascata de coagulação formando um coágulo no átrio esquerdo. Em segundo lugar, o átrio esquerdo aumentado pode causar uma estase sanguínea, finalmente, as plaquetas em gatos são mais sensíveis a serotonina induzindo agregação, tornando mais provável a formação do trombo (16).
7 ISSN Alm. Med. Vet. Zoo. 15 A embolização aórtica distal ocorre em mais de 90% dos gatos afetados por doença tromboembólica; entretanto, outras artérias, como a ilíaca, femoral, renal e braquial podem ser afetadas, dependendo do tamanho do êmbolo e do fluxo local. Além da obstrução ao fluxo na artéria afetada, os êmbolos liberam substâncias vasoativas que induzem vasoconstrição e comprometendo o desenvolvimento de fluxo sanguíneo colateral ao redor dos vasos obstruídos (13). Mais importante que a obstrução física ao fluxo sanguíneo na artéria, o trombo libera aminas vasoativas incluindo tromboxano e serotonina, que causam vasoconstrição massiva das artérias colaterais, comprometendo a perfusão adequada do membro (16). O mecanismo de coagulação do sangue implica na formação do ativador de protrombina. Esta substância pode ser formada por duas vias básicas: a via intrínseca (estimulada por traumatismo ou alteração no próprio sangue) e a via extrínseca (estimulada pela lesão vascular). Estas duas vias alcançam uma via em comum, a qual representa a produção de complexo ativador de protombina. A partir daí, ocorre uma série de eventos da coagulação sanguínea, os quais culminam com a formação do coagulo de fibrina (18). Não há predileção racial ou por faixa etária, mas machos são mais acometidos, fato que pode ser atribuído à maior predisposição ao desenvolvimento de cardiomiopatia hipertrófica (19). Sinais Clínicos No histórico, os sinais relatados no TA incluem a incapacidade de andar, dor grave com vocalização e angústia respiratória (16). As consequências clínicas dependem do local, extensão e duração da ocorrência do trombo, tão bem quanto o grau de circulação colateral funcional (14). Quando o coágulo está localizado na artéria aorta abdominal, observa-se paresia unilateral ou bilateral, paralisia segmentar, arreflexia, contratura, dos nos músculos, extremidades frias e ausência de pulso arterial (artéria femoral) (9). O resultado da auscultação cardíaca depende em parte da experiência do examinador, mas muitas vezes um sopro ou som de galope será detectado. Em alguns gatos, sons cardíacos são notavelmente normais (16). Diagnóstico O diagnóstico do TA é obtido pela anamnese usual e achados do exame físico (16). A ecocardiografia propicia avaliação rápida e não invasiva da estrutura e função cardíacas, além de detectar trombos intracardíacos, quando estas estruturas estiverem presentes. Isto permite a caracterização precoce e apurado do distúrbio miocardiopático, para que terapia apropriada seja facilitada. Nos achados ecocardiográficos, a maioria dos gatos apresentará cardiomiopatia hipertrófica caracterizada por hipertrofia ventricular esquerda, sem dilatação da câmara ventricular esquerda, átrio esquerdo dilatado e aumento da contratilidade. Ocasionalmente, pode-se observar um trombo no átrio esquerdo ou ecocontraste espontâneo ( fumaça ) (17). Na ultrassonografia abdominal, os trombos apresentam-se como uma massa sólida intraluminal de ecogenicidade moderada (16). As radiografias torácicas são utilizadas na detecção de anomalias cardiopulmonares. A maioria dos gatos com TA apresentam algum grau de cardiomegalia. Os sinais de insuficiência cardíaca incluem dilatação das veias pulmonares, edema pulmonar ou efusão pleural; porém, alguns gatos acometidos não apresentam evidências radiográficas de cardiomegalia (13). Na ecocardiografia associada à ferramenta Doppler, visualiza-se fluxo sanguíneo turbulento, de alta velocidade na saída do ventrículo esquerdo e/ou direito, sendo os gradientes de pressão estimados pelo Doppler contínuo, com mensurações de velocidade. Através do Doppler (colorido), também se pode confirmar se há obstrução dinâmica da saída do ventrículo
8 ISSN Alm. Med. Vet. Zoo. 16 esquerdo e/ou regurgitação de mitral, assim como podemos também quantificar a disfunção sistólica (16). Diagnóstico Diferencial O diagnóstico diferencial de TA deve ser considerado a paresia de membros posteriores secundárias a outras causas, tais como neoplasias espinhais, traumatismo, mielite, linfoma espinhal, infarto fibrocartilaginoso ou protrusão de disco intervertebral. Essas afecções que resultam em lesão da medula espinhal apresentam sinais de neurônio motor superior, enquanto os pacientes com TA apresentam sinais de neurônio motor inferior (3). Tratamento Uma variedade de medidas terapêuticas pode ser utilizada para compensar as consequências do tromboembolismo (14). Idealmente, o tratamento clínico destinado a doenças tromboembólicas consiste em dissolver trombos (trombolíticos) ou em prevenir a formação de novos trombos, principalmente por meio da utilização de fármacos antiplaquetários, produtos de heparina, e antagonistas da vitamina K (5). Também deve ser objetivado o controle da dor como terapia de suporte, além de acompanhamento e tratamento da ICC. O tratamento deve ser dirigido ao alívio dos sinais associados ao trombo, bem como à cardiopatia subjacente responsável pela sua formação (14). A administração de um analgésico é recomendada principalmente nas primeiras 24 a 36 horas, já que esta é uma condição dolorosa. O uso do butorfanol (0,15 a 0,5 mg/kg, por via intramuscular ou subcutânea a cada 1 a 3 horas), tem sido recomendado. A administração de morfina em baixas doses (0,1 a 0,3 mg/kg a cada 3-6 horas, por via IM ou SC), pode ser considerada, mas alguns gatos podem vir a apresentar hiperexcitabilidade (13). Segundo Quintana (13), o clínico deverá promover a circulação do membro afetado por meio de compressas mornas e/ou droga vasodilatadora, como acepromazina. Por outro lado a acepromazina não é recomendada para os animais com TA, apesar de seus efeitos bloqueadores de receptores α-adrenérgicos. Melhora no fluxo colateral não foi documentado e a hipotensão e a exacerbação da obstrução dinâmica ao fluxo de saída do ventrículo (em gatos com cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva) são possíveis efeitos adversos. As terapias antiplaquetárias e os anticoagulantes são usadas para reduzir a agregação plaquetária e o aumento dos trombos existentes. Embora a terapia fibrinolítica seja usada em alguns casos, às incertezas sobre as doses, a necessidade de cuidado intensivo e a possível ocorrência de sérias complicações originárias da lesão por reperfusão limitam seu uso (10). O ácido acetilsalicílico (AAS) é comumente utilizado no bloqueio da agregação plaquetária em pacientes com, ou suscetíveis ao desenvolvimento de TA. O AAS inibe, de forma irreversível, a ciclo-oxigenase, o que reduz a síntese de prostaglandina e tromboxano A2 e, portanto, a subsequente agregação plaquetária, liberação de serotonina e vasoconstrição. Os benefícios do tratamento com AAS podem estar mais relacionados à formação in situ do trombo; sua eficácia no tromboembolismo arterial agudo é desconhecida. O tratamento com AAS é indicado quando o paciente é capaz de tolerar a ingestão de alimentos e a administração oral de medicamentos. Embora Defrancesco (3) cite que o uso da aspirina é teoricamente benéfico durante e após um episódio de tromboembolismo, devido a seus efeitos antiplaquetários. A dose recomendada é de um comprimido de 81 mg, VO, a cada dois ou três dias (13). Os anticoagulantes como a warfarina, heparina, heparina de baixo peso molecular e clopidogrel, atuam atrasando a síntese ou acelerando a inativação dos fatores de coagulação. Não conseguem por si só estabilizar o trombo, mas são importantes no tratamento do tromboembolismo arterial. A warfarina apesar de ter algum sucesso nos gatos requer cuidados especiais, visto ser difícil de monitorizar e de ter um grande potencial para desenvolver
9 ISSN Alm. Med. Vet. Zoo. 17 complicações (hemorragias). Atua alterando o metabolismo da vitamina K e interferindo na produção dos fatores pro-coagulantes II, VII, IX e X. A heparina (200 a 300 UI/Kg IV e depois SC a cada 8 horas, durante horas) é um anticoagulante de eleição no tratamento agudo e crônico, que se liga e inibe o fator de Von Willebrand, exibindo também algum efeito antiplaquetário. A aspirina é desde sempre dos anti-plaquetários mais utilizados, apesar de na prática não haver evidências de ser efetiva na prevenção ou nos episódios recorrentes. Consideram-se duas doses de aspirina, a dose alta 40 mg/gato a cada 72 horas; ou a dose baixa 5 mg/gato a cada 72 horas (11). O clopidogrel é um potente agente antiplaquetário, que está recentemente sob avaliação para a prevenção ou tratamento do tromboembolismo arterial. É um antagonista irreversível do receptor do difosfato de adenosina plaquetário (ADP2Y12). É um inibidor primário e secundário da agregação plaquetária, reduz a liberação plaquetária, diminui a liberação de agentes proagregadores e vasoconstritores como a serotonina e ADP, e prolonga o tempo de sangramento. Os efeitos antiplaquetários ocorrem em três dias após a administração. A dose recomendada é de 18,7 mg a cada 24 horas, ocorrem efeitos adversos em 10% dos casos, e incluem anorexia, vômito e diarreia (13). A terapia de suporte inclui também a oxigenioterapia, que deve ser fornecida a todo paciente dispneico ou em hipóxia, além de utilização criteriosa de fluidoterapia e controle da temperatura corporal (16). A reperfusão do membro tanto espontânea quanto induzida por fármacos trombolíticos pode ocasionar hipercalemia fatal pela rápida reperfusão do músculo necrosado. O risco de um futuro TA é muito alto (50%) em até seis meses (16). Prognóstico O prognóstico é geralmente desfavorável. Em um estudo de 100 gatos, aproximadamente 60-70% deles foram sacrificados ou morreram durante o episódio tromboembólico inicial. O prognóstico em longo prazo varia entre dois meses a vários anos; no entanto, a média é de cerca de 11 meses com tratamento (4). Historicamente, apenas um terço dos indivíduos sobrevive ao episódio inicial. A sobrevida é melhor quando há envolvimento de somente um membro e/ou preservação, ao menos parcial, da função motora (10). CONSIDERAÇÕES FINAIS O diagnóstico do TA secundário à cardiomiopatia hipertrófica em gatos pode ser auxiliado pela obtenção do histórico e minucioso exame físico do paciente, entretanto, o exame ultrassonográfico com Doppler é essencial para a localização e determinação da gravidade do quadro clínico. O tratamento a ser instituído depende do estágio de evolução da doença. No caso de tromboembolismo, além do tratamento da cardiopatia, faz-se necessário a utilização de analgésicos potentes e fármacos antitrombóticos para impedir a formação de novos trombos. A utilização de medicamentos trombolíticos, como a estreptoquinase, ainda necessita de mais estudos, já que a maioria deles não obteve bons resultados em relação ao sucesso terapêutico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Arruda VK, Lourenço MLG, Chacar FC, Duarte AR, Zardo KM, Mamprim MJ. Abordagem clínica e terapêutica do tromboembolismo arterial sistêmico em um gato com cardiomiopatia hipertrófica. Archives of Veterinary Science 2002, Branquinho J, Monzo M, Cláudio J, Rosado M, Carvalho J, Lacerda R, Rodrigues K. Diagnóstico imagiológico de cardiomiopatia hipertrófica. Revista Lusófona de Ciência e Medicina Veterinária 2010;(3):44-36.
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