Capítulo I O primeiro contato

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2 Capítulo I O primeiro contato Viviam Barbosa tinha apenas doze anos de idade quando ouviu pela primeira vez a sinistra história de Gnson. Frederico abriu seu livro de magia e mostrou para a menina como os feitiços e encantos de invocação do duende poderiam ser executados. Fred não havia se preparado para a prova de história, por isso precisou da ajuda de seu mentor sobrenatural. Espere e verá, afirmou para Viviam, que testemunhou, estarrecida, os exames escolares serem adiados. A professora de história sofrera um estranho acidente na manhã sombria daquele dia de avaliação. Capítulo II Melhorando sua autoestima Morena de olhos azuis, pele clara e simpática, Viviam era uma das garotas mais bonitas de sua sala de aula. Ainda assim, sofria de um profundo complexo de inferioridade que a levava a crer que fosse menos bela que suas amigas. A aflição causada por aquele sentimento fez com que ela buscasse mais informação sobre o poder místico e espiritual que lhe fora apresentado por Fred. E dentro de dois anos, a garota já se considerava uma verdadeira Gnslet, serva e adoradora do poderoso duende. Acreditando ser capaz de usufruir de um poder tão grande e incomparável, sua autoestima melhorou consideravelmente. Ela se tornava uma pessoa mais segura a cada dia. Com isso, criou coragem para declarar todo seu amor para André Gomes, o garoto loiro de olhos verdes, que estudava na sala ao lado da sua. Capítulo III Decepção Não foi apenas rejeição que Viviam sofreu ao se declarar ao rapaz. Os amigos de André passaram a caçoar dela nas rodinhas do recreio, demonstrando que sua declaração de amor se espalhara entre todos os estudantes da escola. Viviam estava envergonhada e sentia que precisava fazer algo. Então, apelou para seu mentor espiritual, Gnson. Trancou-se em seu quarto com todos os instrumentos de magia necessários e fez tudo conforme estava escrito no livro que ganhara de Fred. Naquela mesma semana, durante a aula de ciências no laboratório, André Gomes teve todo seu braço esquerdo queimado a fogo. Um extraordinário e terrível acidente com o bico de bunsen. Capítulo IV O tempo passou O acidente com André deixou-a bastante abalada, mas não menos confiante de que tinha o mundo em suas mãos. Assim começou toda a trajetória de Viviam Barbosa no mundo da magia e do ocultismo. Era sua

3 maneira de se proteger das pessoas e das circunstâncias da vida. Uma forma fácil e prática de sentir-se segura. Para ela, o céu passou a ser o limite. Formou-se em marketing e tornou-se, dentro de pouco tempo, uma designer conceituadíssima. Seu primeiro empecilho profissional surgiu quando a empresa para a qual trabalhava decidiu que ela ou Query Silva deveria ser removida do escritório da sede para uma filial, em uma cidade pequena do interior. Capítulo V A mulher intocável Mesmo sendo solteira e jovem como sua concorrente, para Viviam, a transferência de escritório significava um rebaixamento ou desclassificação em relação a Query e também uma mudança de vida bastante desfavorável e incômoda. Não hesitou em buscar a ajuda de Gnson. Não desejava que acontecesse nenhuma perversidade com sua colega de trabalho, assim como ocorrera com André Gomes, mas também não admitiria ser removida do escritório no lugar de Query Silva. Precisava se proteger e nisso Viviam não via nada de mal. Dentro de três dias, após a invocação que fizera, a gnslet assistiu a sua rival deixar o escritório da filial, após juntar seus pertences e despedir-se de todos, triste e frustrada. Capítulo VI É chegado o dia Toda a fé da designer era colocada no ser espiritual que lhe fora apresentado por Frederico no ensino médio. A crença naquele poder invisível e aparentemente infalível a seduzia. Foram poucas as vezes, durante muitos anos, em que não alcançara resultados favoráveis; no entanto, conseguia formular justificativas para todos os insucessos com a magia e os feitiços que praticava. Certamente, a quinta-feira melancólica e fria do outono de 2010 seria para ela o dia em que mais confiança precisaria ter em Gnson, seu duende protetor. Todo o quinto andar do prédio onde trabalhava crepitou em chamas infernais, tomado por um incêndio furtivo e implacável. Capítulo VII Fogo e carne O fogo alastrou-se de maneira impressionante e impetuosa. Consumia computadores, estações de trabalho inteiras, bloqueando passagens, escadas e tornando inúteis os elevadores do prédio. Um corpo rubro negro atravessou na frente de Viviam, agonizando em dor, e tombou no chão próximo de onde ela se escondia das labaredas ferozes. Era Carlos, seu chefe. Horrorizada, Viviam escutou o som de vidro sendo quebrado. Pensou imediatamente que se tratava dos bombeiros que tinham sido acionados. Porém, era Júlio, o fotógrafo, que acabara de se lançar através

4 das amplas janelas do escritório, contorcendo-se em chamas. Teresa encontrava-se desmaiada no corredor de acesso à copa, provavelmente intoxicada pela fumaça negra que a tudo engolfava. Encurralada e sem esperanças, Viviam insistia em evocar Gnson. Capítulo VIII Não pergunte por eles Ela está acordando. Prontamente, a enfermeira deixou o quarto do hospital e saiu à procura do médico. Aquilo era um verdadeiro milagre. Com dificuldade, a serva de Gnson conseguiu mover as pálpebras, abrindo seus olhos pela primeira vez, quarenta dias após o incêndio. Ficara em coma todo aquele tempo. Avistou o crucifixo pregado na parede, moveu levemente o olhar e enxergou Frederico ao lado de seu leito. Viviam percebeu que ele sorria para ela. Onde estão os outros?, perguntou, sofregamente, a acamada mulher. Oh, Viviam, não se preocupe com eles, respondeu Frederico, temeroso de que a notícia da morte de todos os colegas de trabalho pudesse abalar ainda mais o delicado estado de saúde de Viviam. Porém, aquele eufemismo não a impediu de descobrir a verdade. Capítulo IX Uma visita inesperada Assustada e confusa, Viviam acabou por descobrir que André, o menino de quem, um dia, ela tentara se vingar, tornara-se o médico que a salvou. Após aquele incidente com fogo no laboratório do colégio, começou a crescer um desejo louco dentro de mim. Formei em medicina e me pós graduei em dermatologia. Hoje sou especialista em tratar queimados", explicou-lhe André ao entrar no quarto do hospital para ver sua paciente. Não havia chances de aquela coincidência estar acontecendo. Não, na cabeça de Viviam. Contudo, o horror e pânico ainda estavam por vir. Quando as enfermeiras removeram as bandagens de sua cabeça, e a designer se olhou no espelho, não foi um ser humano que enxergou. Com terror e nojo, seus olhos fitaram um ser disforme e monstruoso. Um esboço de cabeça humana, carbonizada e destruída. Capítulo X Coincidências? A insegurança da linda garota de olhos azuis deixara de existir a partir do momento em que depositou sua fé em Gnson, seu duende protetor. Mas, agora, desfigurada e afastada de suas funções laborais, ela se questionava: até que ponto não passaram de coincidências os resultados que obtivera ao lançar seus feitiços sobre a vida de outras pessoas? Ou, quem sabe, se o duende realmente existisse, não pudesse ter sido o incêndio o preço cobrado por seus favores durante aqueles anos? Certamente, seria muito difícil para Viviam prosseguir esteticamente deformada como se encontrava. Tristeza e

5 vergonha eram os frutos que colhera. Vergonha de si, das coisas que fizera, acreditando no duende. Deixada a esperar no corredor, em uma cadeira de rodas, antes de partir do hospital de queimados, ela leu no jornal do saguão uma notícia que a fez estremecer. Capítulo XI Reportagem de capa O jornal trazia uma entrevista numa reportagem de capa em um de seus cadernos. A entrevistada era Query Silva, sua colega transferida anos atrás para uma cidade do interior. A moça havia recebido um prêmio internacional pela criação de uma coleção intimista, com retorno à simplicidade e uso de materiais alternativos. Na entrevista, Query contava como sua remoção no emprego, que a abalara inicialmente, tinha servido de inspiração para aquela ideia simples e inovadora. Contava que, um ano após o desgosto profissional, encontrara naquela cidadezinha o grande amor de sua vida. Um marido maravilhoso, dizia ela, com quem estava casada e tivera um primeiro filho e agora as gêmeas. Seu relato ia além. Naquela época, a designer pedira demissão da empresa para dar atenção ao filho que lhe nascera. Devido ao trabalho de seu marido, alguns meses atrás, já com as gêmeas, retornaram para a capital e agora retomava sua carreira no mundo da moda, numa grande empresa concorrente daquela em que trabalhara no passado. Query se dizia muito feliz com tudo o que colhera em sua vida. Por fim, agradecia a Deus o fato de ter sido removida para a filial no interior. Somente depois de muito tempo, ela conseguiu perceber que aquele fato, que lhe parecera tão triste e injusto, fora o caminho para sua bênção na área sentimental e familiar. "Isso também representou minha salvação" disse, ainda, ao jornal. "Não tenho dúvida de que eu estaria no quinto andar do prédio em que ocorreu o incêndio mês passado. A mão de Deus me levou para o interior. Minha remoção foi meu livramento."

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