Universidade de São Paulo Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto Departamento de Ginecologia e Obstetrícia
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- Giuliana Figueiroa Antunes
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1 Universidade de São Paulo Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto Departamento de Ginecologia e Obstetrícia PROTOCOLO DE CONDUTAS DO AMBULATÓRIO DE MOLÉSTIAS INFECTOCONTAGIOSAS EM GINECOLOGIA E PATOLOGIA DO TRATO GENITAL INFERIOR DO SETOR DE MOLÉSTIAS INFECTO-CONTAGIOSAS EM GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA (SEMIGO) Ribeirão Preto
2 Editor Silvana Maria Quintana: Professora Doutora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e Diretora Geral do Centro de Referência da Saúde da Mulher de Ribeirão Preto-Mater COLABORADORES Carolina Sales Vieira: Professora Doutora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Emília Moreira Jalil: Pós-graduanda nível doutorado do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Geraldo Duarte: Professor Titular do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia e Vice Diretor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Maurício Tsiguio Kobayashi: Pós-graduando nível mestrado do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e médico assistente do Centro de Referência da Saúde da Mulher de Ribeirão Preto- Mater Patrícia Pereira dos Santos Melli: Pós-graduanda nível doutorado e médica assistente do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo 2
3 ÍNDICE 1-HIGIENE GENITAL FEMININA 1a-Trato genital feminino (TGF) 1b- Mecanismo de defesa do TGF 1c-Higiene da região genital feminina 2-ABORDAGEM DAS DST 2a- Abordagem sindrômica 2b- Abordagem etiológica das DST 3-VULVOVAGINITES 3a-Vulvites 3b- Vulvovaginites 3.b.1. As principais causas de vulvovaginite 3.b.2. Diagnóstico etiológico das vulvovaginites 3.b.3. Abordagem etiológica das principais vulvovaginites 3.b.4. Abordagem sindrômica das vulvovaginites e cervicites 4-ÚLCERAS GENITAIS 5-DOENÇA INFLAMATÓRIA PÉLVICA AGUDA (DIPA) 5a- Fatores que se correlacionam com a DIPA: 5b- Classificação da DIPA 5c- Quadro clínico 5d- Exames laboratoriais para o diagnóstico de DIPA 5e- Tratamento 5f- Seguimento 5g- Indicação de tratamento cirúrgico 6- RASTREAMENTO, DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DAS LESÕES PRÉ-NEOPLÁSICAS DO COLO UTERINO 6a-O colo uterino 6b-Biologia da Zona de transformação 6c-Rastreamento das lesões precursoras do câncer do colo do útero 6c1. Colpocitologia 6c2. O exame colposcópico: genitoscopia 6c3. Técnicas de biópsia cervical 6c4. Genitoscopia durante a gestação 6c5. Biologia Molecular 6d-Tratamento das lesões precursoras do câncer do colo uterino 6d1-Cirurgia por Ondas de Radiofreqüência (CORAF OU CAF) 3
4 6d2-Terapia com LASER de CO2 em lesões do trato genital inferior 6d3- Protocolo de condutas das neoplasias intra-epiteliais do trato genital inferior 7-ORIENTAÇÃO ANTICONCEPCIONAL EM PACIENTES COM DIAGNÓSTICO DE DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS (DST) 7a-Portadoras do HIV 7b-Portadoras de outras DST 8-ATENDIMENTO ÀS VÍTIMAS DE AGRESSÃO SEXUAL 8a- Protocolo de atendimento às mulheres vítimas de violência sexual do SEMIGO LISTA DE FIGURAS Figura 1: Genitais femininos internos e externos Figura 2: Esfregaços vaginais corados pelo método de Gram Figura 3: Esquema dos diferentes tipos de úlcera no cancróide, sífilis e herpes Figura 4: Epitélio estratificado escamoso: desenho esquemático e corte histológico Figura 5: Localização da JEC em relação a ectocérvice e endocérvice Figura 6: Imagem colposcópica e desenho esquemático dos epitélios, JEC e ZT do colo uterino. Figura 7: Corte histológico demonstrando as células de reserva e o início da hiperplasia destas células. Imagem colposcópica da metaplasia escamosa Figura 8: Desenhos esquemáticos e imagens colposcópicas evidenciando os eventos fisiológicos da Zona de transformação Figura 9: Material básico para coleta da colpocitologia Figura 10: Esquema de transferência do conteúdo cérvico-vaginal Figura 11: Colposcópios e seus constituintes Figura 12: Mesa para genitoscopia e espéculo bivalve envolto em condom Figura 13: Desenho esquemático do pontilhado e imagem colposcópica Figura 14: Desenho esquemático do mosaico e imagem colposcópica 4
5 Figura 15: Condiloma cervical Figura 16: Leucoplasia Figura 17: Pinça de Medina modificada (3mm e 4mm) Figura 18: Conjunto de Baliu para biópsia cervical Figura 19: Conjunto de alças diatérmicas Figura 20: Representação esquemática do genoma do HPV 16 Figura 21: Representação esquemática do efeito térmico, gerado pela CAF, nas células Figura 22: Efeito eletrolítico, gerado pela CAF, nas células Figura 23: Espéculo com saída para acoplar aspirador de fumaça Figura 24: Aparelho para cirurgia por ondas de rádio freqüência (CAF) e aspirador de fumaça Figura 25: Carimbo padronizado no SEMIGO para orientação anticoncepcional LISTA DE QUADROS Quadro 1: Diagnóstico diferencial das principais vulvites Quadro 2: Flora do trato genital inferior na mulher adulta Quadro 3: Principais síndromes clínicas: corrimentos e cervicites/endocervicites Quadro 4: Classificação bacterioscópica da flora vaginal Quadro 5: Principais agentes etiológicos causadores da vaginose bacteriana Quadro 6: Pontuação e escore do Método de Gram (Nugent et al., 1991) Quadro 7: Esquemas terapêuticos para vaginose bacteriana em mulheres grávidas e não grávidas Quadro 8: Esquemas terapêuticos para tricomoníase em mulheres grávidas e não grávidas Quadro 9: Classificação filogenética dos fungos Quadro 10: Esquema terapêutico para candidíase em gestantes e não gestantes Quadro 11: Etiologia das úlceras genitais causadas por agentes de transmissão sexual Quadro 12: Características clínicas das úlceras genitais nas DST Quadro 13: Classificação dos critérios para o diagnóstico de DIPA 5
6 Quadro 14: Opções para o tratamento ambulatorial da DIPA Quadro 15- Classificações dos achados colpocitológicos no período de 1941 a 2010 Quadro 16- Desenho esquemático dos vasos do colo uterino Quadro 17: Guia de interpretação para o diagnóstico colposcópico Quadro 18: Taxa de amenorréia com uso de progestagênios Quadro 19: Orientações para queixa de sangramento anormal (SUA) em usuárias de métodos combinados Quadro 20: Orientações para queixa de sangramento anormal (SUA) em usuárias de métodos compostos apenas de progestagênios Quadro 21: Orientações para queixa de sangramento anormal (SUA) em usuárias de DIU de cobre Quadro 22: Orientações para queixa de sangramento anormal (SUA) em mulheres que realizaram LT Quadro 23: Quadro 24: Esquema imunização ativa e passiva em casos de violência LISTA DE FLUXOGRAMAS Fluxograma 1: abordagem diagnóstica etiológica das vulvovaginites Fluxograma 2: Abordagem da paciente com corrimento vaginal SEM realização de microscopia Fluxograma 3: Abordagem da paciente com corrimento vaginal COM realização de microscopia Fluxograma 4: Abordagem da paciente com corrimento cervical COM realização de microscopia Fluxograma 5: Abordagem da paciente com CANDIDÍASE DE REPETIÇÃO Fluxograma 6: Fisiopatologia da úlcera genital Fluxograma 7: Abordagem sindrômica da úlcera genital Fluxograma 8: Abordagem sindrômica da DIP Fluxograma 9: Evolução fisiológica da zona de transformação normal Fluxograma 10: Conduta para resultado de colpocitologia com atipias escamosas de significado indeterminado sugestivas de reparação (ASC-US) Fluxograma 11: Conduta para resultado de colpocitologia com atipias escamosas de significado indeterminado sugestivas de lesão de alto grau (ASC-H) 6
7 Fluxograma 12: Conduta para resultado de colpocitologia com atipias em células glandulares de significado indeterminado Fluxograma 13: Conduta para resultado de colpocitologia com LIEBG (NIC I) Fluxograma 14: Conduta para resultado de colpocitologia com LIEAG (NIC II ou NIC III) Fluxograma 15: Conduta para resultado de anátomo patológico de NIC I Fluxograma 16: Conduta para resultado de anátomo patológico de NIC I em pacientes imunossuprimidas Fluxograma 17: Conduta para resultado de anátomo patológico de NIC II Fluxograma 18: Conduta para resultado de anátomo patológico de NIC III Fluxograma 19: Conduta para seguimento semestral pós-tratamento de NIC II/III Fluxograma 20: Conduta para gestantes com resultado de anátomo patológico de NIC I, II, III ou invasão Fluxograma 21: Orientação para anticoncepção em pacientes infectadas pelo HIV (A1, A2, B1 e B2) sem TARV Fluxograma 22: Orientação para anticoncepção em pacientes contaminadas pelo HIV (A3, B3, C1, C2. C3) sem TARV Fluxograma 23: Orientação para anticoncepção em pacientes contaminadas pelo HIV em uso de TARV Fluxograma 24: Orientação para anticoncepção em pacientes contaminadas pelo HIV (A3, B3, C1, C2. C3) em uso de TARV Fluxograma 25: Orientação para anticoncepção em pacientes contaminadas pelo HIV e dos vírus da Hepatite B e C Fluxograma 26: Orientação para anticoncepção em pacientes contaminadas pelo HIV - ACHI Fluxograma 27: Orientação para anticoncepção em pacientes contaminadas pelo HIV ACHI trimestral Fluxograma 28: Orientação para anticoncepção em pacientes contaminadas pelo HIV ACHO combinado Fluxograma 29: Orientação para anticoncepção em pacientes contaminadas pelo HIV ACHO progestagênio Fluxograma 30: Orientação para anticoncepção em pacientes contaminadas pelo HIV DIU cobre Fluxograma 31: Orientação para anticoncepção em pacientes contaminadas pelo HIV DIU Mirena Fluxograma 32: Orientação para anticoncepção em pacientes contaminadas pelo HIV Implanon Fluxograma 33: Orientação para anticoncepção em pacientes contaminadas pelo HIV LT Fluxograma 34: Conduta na irregularidade menstrual conforme MAC em uso: métodos combinados 7
8 1-HIGIENE GENITAL FEMININA Este capítulo foi adaptado do Manual de Orientações da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO). O Trato Genital Feminino (TGF) é dividido em superior (TGFS) e inferior (TGI) sendo o limite anatômico o orifício cervical interno (OCI). Portanto, vulva, vagina, ectocérvice e endocérvice fazem parte do TGI; cavidade endometrial, trompas e pelve constituem o TGFS. O TGF é habitado por uma microflora constituída por bactérias comensais de diferentes espécies que coabitam em harmonia, mas que podem, em situações especiais, tornarem-se patogênicas. Mecanismos endógenos, próprios da mulher, ajudam na manutenção deste ecossistema, mas determinados fatores podem favorecer o desequilíbrio e causar doenças. 1a-Trato genital feminino (TGF) - Genitais externos: composto pela vulva - A pele da vulva apresenta um epitélio estratificado escamoso queratinizado com pelos, glândulas sudoríparas e sebáceas. A semimucosa, presente no vestíbulo vulvar, possui epitélio estratificado escamoso levemente queratinizado, onde nota-se a presença de glândulas sebáceas e glândulas mucoprodutoras. A vulva é composta por: Monte Púbico ou de Vênus: Elevação gordurosa revestida por pele queratinizada, que contém glândulas sebáceas e glândulas sudoríparas. Grandes Lábios: Par de dobras cutâneas preenchidas por tecido adiposo e fibroso revestido por epitélio escamoso queratinizado que delimita as laterais da vulva. Fundem-se anteriormente no monte de Vênus e posteriormente terminam 3 a 4cm acima do ânus. São ricos em glândulas sebáceas e sudoríparas. Tanto o Monte de Vênus como os Grandes lábios se recobrem de pelos a partir da puberdade. Pequenos Lábios: Consistem em duas delgadas dobras de tecido conectivo, sem quase nenhum tecido adiposo. Cada pequeno lábio divide-se anteriormente em duas porções: - Uma passa sobre o clitóris para dar forma ao prepúcio clitoriano e - Uma se junta abaixo do clitóris, dando forma ao frênulo do clitóris. Inferiormente os pequenos lábios misturam-se com a superfície medial dos grandes lábios. A pele glabra e a mucosa são ricas em glândulas sebáceas. As áreas mais profundas contêm o tecido conectivo denso. É habitual perceber-se um material branco, pastoso e aderente no sulco interlabial (semelhante ao esmegma encontrado entre a glande e o prepúcio do pênis) que se não for removido regularmente, pode causar irritação local. ATENÇÃO: O sulco interlabial e as dobras formadas entre os grandes e pequenos lábios e a região sob o prepúcio devem ser higienizados e secos regularmente para evitar infecções. Vestíbulo: É o espaço entre os pequenos lábios que contém os óstios vaginal e uretral, as glândulas vestibulares maiores (glândulas de Bartholin) e as glândulas vestibulares menores ou periuretais (glândulas de Skene). É limitado anteriormente pelo clitóris, posteriormente pelo períneo, medialmente pelos restos himenais, e lateralmente pelos pequenos lábios. É coberto pelo epitélio pavimentoso estratificado, que tem uma camada fina da queratina para além da línea de Hart. Entre esta linha e o intróito vaginal, o vestíbulo não é queratinizado (similar ao epitélio vaginal). 8
9 -Uretra: o orifício uretral é revestido pelo epitélio pavimentoso estratificado. A muscular é composta de uma camada interna longitudinal e uma camada circular externa de músculo liso. -Glândulas de Bartholin: Correspondem às glândulas bulbouretrais no homem. O duto glandular é recoberto por epitélio transitório e os ácinos periféricos são constituídos por células colunares em camada única e com citoplasma desobstruído. -Glândulas de Skene: Seus dutos estão situados no assoalho da extremidade terminal da uretra e abremse apenas dentro ou externamente ao meato. Medem de 0,5cm a 1,5 cm. - Genitais internos: composto pela vagina e colo uterino - A mucosa vaginal é revestida por epitélio estratificado escamoso não queratinizado e não apresenta qualquer estrutura glandular. Deve-se ressaltar que esta mucosa é permeável devido à presença de canais intercelulares que comunicam a luz vaginal com o estroma de sustentação. Este fato propicia a absorção de medicamentos colocados na luz vaginal e também permite que haja um transudado, proveniente dos tecidos profundos que passam para o interior da vagina. Estas diferenças determinam respostas de adequação aos diversos agentes agressores e também diferentes manifestações clínicas. Portanto, produtos de higiene que são adequados para a vulva, não necessariamente o serão para a vagina. Vagina: Na mulher adulta, a cavidade vaginal possui um comprimento de 7,5 a 10 cm. O terço inferior da vagina tem origem embriológica no seio urogenital e é circundado por músculos que formam o assoalho pélvico e controlam o seu diâmetro. Este terço é ricamente inervado. Os dois terços superiores da vagina tem origem embriológica nos Dutos de Müller e estão localizados acima dos músculos do assoalho pélvico e podem ser facilmente distendidos. Histologicamente, a vagina é revestida pelo mesmo tecido encontrado na vulva, porém sem a cobertura da camada córnea e, principalmente, sem glândulas. É um canal formado por mucosa permeável que sofre influência da variação hormonal e da variação do afluxo sanguíneo que ocorre na rede vascular que envolve todo o seu comprimento. Colo uterino (porção intravaginal): mede cerca de 3 a 4 cm, formato coniforme e se projeta para o interior da vagina. O canal cervical permite que a menstruação e o feto passem do útero até a vagina; assim como permite que o esperma passe da vagina para o interior do útero. A ectocérvice (porção visível do colo uterino ao exame especular) é revestida por epitélio pavimentoso estratificado cujas células possuem grandes quantidades de glicogênio que fixa o iodo. O Canal endocervical ou endocérvice é revestido por epitélio glandular contendo criptas que formam as glândulas endocervicais produtoras de muco. As estruturas anatômicas descritas estão expostas na figura 1. 9
10 1b- Mecanismo de defesa do TGF O trato genital feminino possui vários mecanismos de defesa contra agentes infecciosos que atuam de forma sinérgica e complementar. Vários fatores intrínsecos e extrínsecos atuam no equilíbrio do ecossistema do TGF. Em decorrência de sua localização anatômica, a região anogenital fica sujeita ao atrito da marcha e ao aumento de temperatura. As secreções das glândulas sudoríparas e sebáceas, associadas ao resíduo orgânico acumulado aos pelos e asseio inadequado, podem ser sede de infecções ou de alterações que promovem odores e corrimento indesejado. Um fator importante protetor da mucosa do TGF é o grau de acidez tecidual. O ph da pele é afetado por um grande número de fatores endógenos, por exemplo: umidade, transpiração (suor), produção de gordura pelas glândulas sebáceas, local anatômico, predisposição genética e idade. Fatores exógenos como detergentes fortes, aplicação de produtos cosméticos, vestuários oclusivos, assim como antibióticos tópicos, também podem influenciar no ph da pele. Deve-se ressaltar a ação agressiva das lâminas usadas para raspagem dos pelos genitais e também a depilação com cremes e ceras que ressecam a região. Os mecanismos iniciais de defesa compreendem: - Barreira epitelial, - Síntese de muco protetor, - ph vulvar e vaginal, - Microflora vulvar e vaginal e - Componentes inespecíficos inerentes à imunidade inata (células fagocitárias e reação inflamatória). Vulva: o estrato córneo é a camada mais externa da pele humana, funcionando como interface entre o organismo e o meio ambiente. Vários fatores contribuem para o equilíbrio da barreira cutânea como o conteúdo de água, lipídeos, aminoácidos e ph. Na pele da vulva, a barreira cutânea é facilmente rompida por diversos fatores. A oclusão pelo uso de roupas íntimas, os absorventes higiênicos, a própria menstruação e uso de produtos de higiene inadequados agridem a barreira cutânea, tornando a pele da vulva susceptível a várias dermatoses, como infecções bacterianas e fúngicas, dermatites irritativas, alergia de contato e outras. A própria oclusão e uso de produtos alcalinos eleva o ph da região vulvar, facilitando o aparecimento de algumas dermatoses. Assim, a pele da vulva, por características próprias, é mais propensa à quebra da barreira, favorecendo o aparecimento de infecções fúngicas (candidíase) e bacterianas, dermatite alérgica de contato, 10
11 dermatites irritativas e outras doenças. A manutenção de ph ácido, nesta região, pode ser útil na prevenção e controle destas doenças. A manutenção da função de barreira da vulva, através dos cuidados de higiene e hábitos adequados, auxilia na defesa de todo o trato genital, pois são estruturas contínuas e integradas. Vagina: A integridade e o trofismo da mucosa são fatores importantes de proteção. Em mulheres no menacme, o epitélio vaginal é constituído por várias camadas de células escamosas, distribuídas em quatro tipos celulares: basais, parabasais, intermediárias e superficiais. Estas constituem uma barreira física responsável pela manutenção da integridade do epitélio, exercendo papel de proteção contra a ação de microorganismos patogênicos. A flora vaginal normal é constituída por diferentes espécies de lactobacilos formando um biofilme natural, revestindo toda a mucosa. Estes bacilos inibem a adesão, crescimento e proliferação de outros microorganismos estranhos ao meio vaginal, mediante diferentes mecanismos, incluindo secreção de ácidos orgânicos, produção de substâncias antimicrobianas (peróxido de hidrogênio, bacteriocinas e biossurfactantes), competição por nutrientes (arginina) e receptores, por ocasião da adesão no epitélio. Essas substâncias são responsáveis pela manutenção do ph vaginal ácido, que inibe o crescimento de estreptococos e de anaeróbios (incluindo Gardnerella vaginalis). Quando estas linhas de defesa iniciais falham é acionada a resposta imune específica que pode ser do tipo celular ou humoral, dependendo do tipo de antígeno que precisa ser eliminado. No córion superior da mucosa vaginal, existem macrófagos, células de Langerhans, linfócitos, plasmócitos, eosinófilos e mastócitos. A resposta celular é mediada principalmente pelas células de Langerhans e linfócitos T, enquanto a humoral, por linfócitos B e anticorpos. Embora a mucosa do trato genital seja considerada um componente do sistema imune específico das mucosas (MALT), esta possui diversas características não compartilhadas por outras mucosas (respiratória e intestinal). Os anticorpos produzidos nas mucosas apresentam a peculiaridade de atuarem de forma independente da resposta imune humoral sistêmica. Durante as diferentes fases da vida da mulher (infância, menacme, climatério, menstruação, gestação e puerpério), observam-se importantes variações no epitélio do compartimento genital influenciadas por hormônios, amadurecimento celular, alterações locais e do ciclo grávido-puerperal. Infância: O epitélio vulvar nesta fase é atrófico ou hipotrófico, com poucas glândulas sudoríparas e sebáceas e pelos. Na vagina de meninas pré-puberes o ph vaginal é alcalino e podem ser encontrados organismos potencialmente patogênicos em pequenas quantidades, o que não indica infecção. A vulvovaginite é considerada um problema ginecológico comum neste grupo etário, embora nem sempre de origem infecciosa, pois quase metade das crianças sem infecção apresenta irritação e hiperemia do canal vaginal, além de células inflamatórias em esfregaços corados pelo Gram. Estes episódios são autolimitados e vários fatores podem ser listados como colaboradores de infecção genital na criança: a concentração reduzida dos estrógenos nesta fase da vida, manutenção de resíduos orgânicos e oclusão pelo uso de fraldas por períodos mais prolongados e higiene precária efetuada pela própria criança. Menacme: ao entrar na adolescência tem início a produção e liberação de estrogênio que é responsável pela proliferação da camada de células epiteliais intermediárias no epitélio escamoso estratificado. Essas células armazenam glicogênio iniciando uma cascata de mudanças fisiológicas que incluem a acidificação do ph vaginal e o estabelecimento da flora normal ou Tipo 1 com predomínio de lactobacilos. Estes lactobacilos constituem cerca de 80% a 95% dos microorganismos presentes na vagina e mantém o equilíbrio da flora vaginal normal por 11
12 serem produtores de peróxido de hidrogênio e ácido lático entre uma série de outras substâncias. Desta forma reduzem o ph vaginal, exercendo efeito protetor que limita o crescimento de microorganismos potencialmente nocivos ao equilíbrio do seu ecossistema. A flora vaginal normal apresenta concentrações equilibradas de organismos facultativos e anaeróbios. Climatério: a mulher volta a ter ph e flora vaginal semelhantes ao da infância, visto que existe um declínio da produção hormonal com achatamento das camadas celulares da mucosa vaginal com dificuldade para manutenção dos ph e floras ideais. A presença de lactobacilos é da ordem de 62%, sendo prevalente naquelas submetidas à terapia de reposição hormonal. A colonização pela Escherichia coli é maior nas pacientes com deficiência de estrógenos e não está associada à atividade sexual. Menstruação: a mulher que normalmente apresenta ph ácido e flora tipo 1, terá um achatamento celular por descamação intensa e influência das alterações hormonais, predominantemente progestogênica. A vulva entra em contato com excretas do endométrio, o que provoca alterações da flora microbiológica local (predominantemente constituída por germes de pele). A vagina apresenta-se com ph alcalino e predominam as bactérias anaeróbicas na flora vaginal (flora tipo 3). Gestação: os epitélios vulvar e vaginal sofrem influências dos hormônios produzidos nesta fase, observando-se maior quantidade de conteúdo vaginal e mudanças no ph e na flora vaginal. A concentração dos lactobacilos se eleva em decorrência do estímulo hormonal aumentado. Quase todas as grávidas, referem corrimento vaginal, prurido e ardor em algum momento da gestação, o que dificulta o diagnóstico e tratamento correto neste período. 1c-Higiene da região genital feminina 1c1- Recomendações gerais: 1- Área a ser higienizada: Genitais externos (Monte de Vênus, grandes lábios, pequenos lábios, sulco interlabial, vestíbulo) e região perianal. A higienização diária deverá evitar a introdução de substâncias na cavidade vaginal. 2- Frequência diária de higienização -No clima quente: uma a três vezes. -No clima frio: pelo menos uma vez ao dia. 3- Técnica de higienização: A vulva, a região perianal e os sulcos crurais (raiz das coxas) deverão ser higienizados com água corrente e sabão, fazendo-se movimentos circulares, que evitem trazer o conteúdo perianal para a região vulvar incluindo os sulcos interlabiais (entre pequenos e grandes lábios) e a região retroprepucial (clitóris). Não se recomenda, exceto nos casos de indicação médica, introduzir água e/ou outros produtos no interior da vagina (duchas vaginais). Secar cuidadosamente a área lavada com toalha de algodão seca e limpa que não agridam o epitélio da região. A lavagem genital deverá dar preferência para os banhos com água corrente para favorecer a remoção mecânica das secreções (efeito Wash Out). Os banhos de assento estarão indicados somente quando houver recomendação médica, onde se prioriza o efeito medicamentoso de algumas substâncias prescritas e/ou onde quer se aproveitar os efeitos físicos de vasodilatação ou constrição vascular promovido pela temperatura da água. 4- Tipo de produto: Produtos apropriados para a higiene anogenital devem ser hipoalergênicos, com detergência suave e ph ácido variando entre 4,2 a 5,6. 12
13 5- Forma de apresentação: Preferencialmente produtos de formulação líquida, pois os produtos sólidos são mais abrasivos, geralmente, apresentam ph mais alcalino. 6- Tempo de higienização: O tempo de higiene genital não deve ser superior de dois a três minutos para evitar o ressecamento local. Existem no mercado, vários tipos de produtos de limpeza: Sabonetes em barra: são os mais utilizados na higiene feminina em geral, seja pela tradição ou pelo preço. Em geral, os sabonetes em barra são alcalinos ou neutros em sua forma sólida, com ph ao redor de 7, diferente do ph fisiológico da pele. Apesar de sua popularidade, facilidade de uso e preços mais acessíveis, o uso rotineiro pode promover ressecamento e diminuição da acidez da pele vulvar e região adjacente. Sabonete líquido: vários sabonetes líquidos íntimos são produtos à base de ácido láctico por ser um componente natural da pele. Porém, diferem entre si pelos vários excipientes associados. Seu principal atributo é poder manter o ph mais próximo do ideal para o desenvolvimento e manutenção das células da pele. Os sabonetes líquidos específicos para higiene da genitália feminina são recomendados apenas para uso da genitália externa e não são indicados para fazer duchas vaginais ou tratar infecções ou inflamações genitais. Recomendam-se produtos hipoalergênicos e que proporcionam detergência suave. Desta forma pode-se minimizar a chance de eventuais alergias e, como já foi dito, evitar a remoção excessiva da camada lipídica que protege a pele vulvar. Syndets: desenvolvidos para contrariar o fazem espuma. Estes sabões são feitos a partir de substâncias sintéticas (não orgânicas) e quase sempre apresentados na forma líquida. Gel: são constituídos por uma fase aquosa (95% de água) com pouca ou nenhuma quantidade de lipídios. Têm agentes tensoativos suaves associados a agentes gelificantes hidrofílicos que fazem espuma com a massagem e lhe conferem poder adstringente, produzindo sensação de frescor. Lenços umidecidos: O seu uso deve ser reservado para situações como necessidade de realizar higiene fora de casa, utilização de sanitários públicos, pois podem remover o filme lipídico da pele. Tem ph na faixa de 5 a 6, base celulósica embebida em detergentes suaves, adição de produtos amaciadores, fragrâncias e outros constituintes. 1c2- Recomendações adicionais A higiene da região anogenital não tem a finalidade de esterilizar o local que é normalmente colonizado por bactérias, mas sim remover resíduos e o excesso de gordura; Secar a região é fundamental para controlar a proliferação bacteriana, fúngica e viral; O uso de roupas naturais (não sintéticas) é recomendável por favorecer a ventilação local; A depilação da área genitoanal poderá ser realizada, mas deverá respeitar a sensibilidade individual de cada mulher. O excesso de pelos pode contribuir para o acúmulo de resíduos e secreções, sendo recomendado aparar os pelos desta região. Após a depilação, o uso de substâncias calmantes (água boricada e soluções de camomila) pode ajudar. 13
14 O uso de absorventes externos não respiráveis (com película plástica) no período intermenstrual deve ser evitado; Casos onde há muita transpiração ou perda de urina, o uso de absorventes externos respiráveis (sem película plástica) pode ser uma boa indicação para diminuir a umidade local. Trocar periodicamente em, no máximo, 4 horas de intervalo; Após lavagem, enxaguar exaustivamente as roupas íntimas para retirada de resíduos químicos; Trocar as roupas íntimas ao menos uma vez ao dia; Dormir, quando possível, sem calcinha ou com roupas largas para aumentar a ventilação dos genitais 1c3- Recomendações especiais Pós-coito: Após ato sexual, lavar área genital externa com água e com produtos com ph levemente ácidos. Não fazer uso de duchas vaginais sem indicação médica Pós defecar: após utilizar o papel higiênico no sentido vulva/ânus recomenda-se lavar a região genital externa e perianal com água e com produtos com ph levemente ácidos Período perimenstrual e menstrual: Nesta fase a higiene da região anogenital deveria ser realizada com menor intervalo para aumentar a remoção mecânica dos resíduos e melhorar a ventilação genital. Resíduo de sangue menstrual, maior produção de secreção sebácea e sudorípara e uso prolongado de absorventes com película plástica externa são fatores agravantes da irritação vulvar. Puerpério recente: O asseio deve ser feito como no período menstrual, com produtos com ph levemente ácidos. A maior frequência da higienização é recomendada; contudo a pele vulvar e a mucosa vaginal estarão menos tróficas e mais irritadas pelo hipoestrogenismo, a constante loquiação e maior sudorese, próprios do período puerperal. Pós-menopausa: Devido a menor espessura do epitélio, recomenda-se realizar a higiene da região anogenital no máximo duas vezes ao dia, usando produtos com ph próximo ao fisiológico para evitar maior ressecamento e prurido. Infância: As pré-púberes têm características genitais que exigem cuidados especiais. A falta, mas também os excessos na frequência e fricção durante a higiene podem trazer consequências desagradáveis. Deve ser feito o uso de produtos com ph entre 4,2 a 5,5 quando for dar banho na criança e a cada vez que houver evacuação. Além dos sabonetes líquidos é fundamental o cuidado em secar, cuidadosamente, a região anogenital. Pós-atividade física: Fazer a higiene dos genitais após o término da atividade física para evitar que o suor e outras secreções irritem a pela da vulva. Vulvovaginites: Na vigência do quadro devem ser realizados tratamentos específicos. A higiene genital é fundamental, mas não deve ser encarada como tratamento. Situações associadas à alcalinidade, tais como vaginose bacteriana, podem se beneficiar de higiene com produtos mais ácidos. Pós-depilação: Levando-se em consideração a maior possibilidade do aparecimento de foliculites, ressecamento e irritação da pele, recomenda-se o uso de substâncias antissépticas e anti-inflamatórias naturais (água boricada, infusões de camomila, água termal, etc) nas primeiras 24 horas. 14
15 Leitura complementar sugerida 1. Aureus.Rippke F, Schreiner V, Doering T, Maibach HI. Stratum corneum ph in atopic dermatitis: impact on skin barrier function and colonization with Staphylococcus. Am J Clin Dermatol 2004; 5(4): Belec C. Defenses of the female genital tract against infection. J Gynecol Obstet Biol Reprod 2002; 31,4S45-4S Brasil. Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE. Perfil das mulheres responsáveis pelos domicílios no Brasil 2000 [Internet]. Brasília (DF): Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão, Disponível em: 4. Elias PM. The skin barrier as an innate immune element. Semin Immunopathol 2007; 29: Giraldo PC, Amaral RL, Gonçalves AK, Vicentini R, Martins CH, Giraldo H, Fachini AM. Influência da frequência de coitos vaginais e da prática de duchas higiênicas sobre o equilíbrio da microbiota vaginal. Rev Bras Ginecol Obstet 2005; 27(5): Giraldo PC, Ribeiro-Filho AD, Simões JA, Neuer A, Feitosa SB, Witkin SS. Circulating heat shock proteins in women with a history of recurrent vulvovaginitis. Infect Dis Obstet Gynecol 1999; 7(3): Johansson M, Lycke NY. Immunology of the human genital tract. Curr Opin. Infect. Dis. 2003; 16: Kuznetsov AV, Erlenkeuser-Uebelhoer I, Thomas P. Contact allergy to propylene glycol and dodecyl gallate mimicking seborrheic dermatitis. Contact Dermatitis 2006; 55: Larsen B, Galask RP. Vaginal microbial flora: composition and influence of host physiology. Ann Intern Med 1982; 96: Mardr PA. The vaginal ecosystem. Am J Obstet Gynecol. 1991(165): Runeman B, Rybo G, Forsgren-Brusk, Larko O, Larsson P, Faergemann J. The vulvar skin microenvironment: Influence of different liner on Temperature, ph and Microflora. Acta Derm Venereol 2004; 84: Schmid-Wendtner MH, Korting HC. The ph of the skin surface and its impact on the barrier function. Skin Pharmacol Physiol, 2006; 19: Volochtchuk OM, Fujita EM, Fadel APC, Auada MP, Almeida T, Marinomi LP. Variações do ph dos sabonetes e indicações para sua utilização na pele normal e na pele doente. An bra Dermatol 2000; 75(6): Weissenbacher T, Witkin SS, Ledger WJ, Tolbert V, Gingelmaier A, Scholz C et al. Relationship between clinical diagnosis of recurrent vulvovaginal candidiasis and detection of Candida species by culture and polymerase chain reaction. Arch Gynecol Obstet [Epub ahead of print] Wira CR, Fahey JV, Sentman CL, Pioli PA, Shen L. Innate and adaptive immunity in female genital tract: cellular responses and interactions. Immunol. Rev. 2005; 206: Zhou X, Bent SJ, Schneider MG, Davis CC, Islam MR, Forney LJ. Characterization of vaginal microbial communities in adult healthy women using cultivation-independent methods. Microbiology 2004;150:
16 2-ABORDAGEM DAS DST 2a- Abordagem sindrômica Essa forma de abordagem foi sugerida na segunda metade da década de 70 por pesquisadores e médicos de saúde pública trabalhando na África sub-sahariana, onde havia grande número de pessoas em condições de pobreza extrema acometidas por DST com o objetivo de reduzir estas doenças. A idéia foi desenvolvida para as condições específicas locais e os recursos disponíveis. Em 1991, a Organização Mundial de Saúde (OMS) introduziu o conceito de abordagem sindrômica para atendimento do portador de DST em países em desenvolvimento e promoveu-o globalmente na forma de algoritmos. A abordagem sindrômica consiste em incluir a doença dentro de síndromes pré-estabelecidas, baseadas em sintomas e sinais, e instituir tratamento imediato sem aguardar resultados de exames confirmatórios. Sua aplicação parece racional para países ou regiões com poucos recursos, sem pessoal treinado e laboratório equipado. Seu sucesso exige monitoração e avaliação constante dos protocolos, bem como supervisão e treinamento do pessoal envolvido. A aceitação ocorreu pela rápida disseminação da HIV/AIDS e pela aparente eficácia do método. Em meados dos anos 90, o interesse no controle do HIV encorajou sua adoção pelos programas nacionais de controle das DST. A redução de 40% na incidência de HIV foi observada na população da zona rural da Tanzânia (África) em pessoas cuja abordagem das DST foi feita de maneira sindrômica. Essa medida, entretanto, pode induzir a tratamento desnecessário com medicações caras e provocar resistência bacteriana aos antimicrobianos. No Brasil, desde 1993, o Programa Nacional de Controle a DST/AIDS recomenda a abordagem sindrômica para tratamento dos doentes com alguma DST. Essa forma de atendimento vem sendo realizada em várias cidades brasileiras, tendo como base os dados de Consensos, enfatizando a necessidade de práticas de baixo risco, como sexo seguro com preservativos e diminuição do número de parceiros sexuais. Portanto, a abordagem síndrômica consiste na identificação de um grupo de sinais e sintomas que são comuns a determinadas doenças (síndromes) e seu principal objetivo é iniciar o tratamento para as doenças mais freqüentes naquela síndrome, naquela região. Para cada doença foi desenvolvido e testado um fluxograma com o objetivo de orientar os profissionais a tomar decisões e adotar ações para tratar as DST e interromper imediatamente a cadeia de transmissão da doença. Vantagens da abordagem sindrômica: Simples; Baseada em problemas; Início rápido da terapia; Altas taxas de cura; Economiza nos testes de laboratório; Pode atingir grande parcela da população; 16
17 Fácil de ser integrada à atenção primária; Permite abordagem multiprofissional; Simplifica coleta de dados, notificação, supervisão e planejamento. Desvantagens da abordagem sindrômica: Baixa sensibilidade e especificidade para infecções cervicais por clamídia e gonococo; Baixa adesão por médicos; Requer vigilância de susceptibilidade aos antibióticos; Excesso de tratamento possível aumento de custo; Não detecta casos assintomáticos; Precisa ser adaptada às diferenças locorregionais; Criação de um sistema de informações paralelo Para a abordagem sindrômica, as DST genitais estão distribuídas em cinco síndromes: Corrimentos vaginais, Corrimentos uretrais, Úlceras genitais, Dor pélvica e Verrugas genitais. 2b- Abordagem etiológica das DST A abordagem etiológica é a ideal por permitir a identificação do agente causal. Entretanto, isto implica em equipamento e profissional especializado, nem sempre disponível. Os principais fatores limitantes deste tipo de abordagem são: alto custo; demora nos exames laboratoriais (campo escuro, pesquisa de clamídia, cultura para micoplasma urogenital, entre outros); viés diagnóstico devido a semelhanças sintomatológicas, em especial as lesões das úlceras genitais; não associação de múltiplas etiologias das DST, como cancro misto de Rollet (cancro duro e cancro mole), infecção associada por clamídia e gonococo, falta de dados para história clínica associada ao período de incubação da doença. Leitura complementar sugerida 1. Bosu WK. Syndromic management of sexually transmitted diseases: is it rational or scientific? Trop Med Int Health 1999;4: Brasil. Ministério da Saúde Manual de Controle das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), Chernesky MA. How can industry, academia, public health authorities, and the sexually transmitted diseases diagnostics initiative work together to help control sexually transmitted diseases in developing countries? Sex Transm Dis 1997;24: Grosskurth H, Mosha F, Todd J, Mwijarubi E, Klokke A, Senkoro K et al. Impact of improved treatment of sexually transmitted diseases on HIV infection in rural Tanzania: randomized controlled trial. The Lancet 1995;346:
18 5. La Ruche G, Ladner J, Lattier R, Djeha D, Louise D, Coulibaly IM. Surveillance of STD syndromes: contributing to the STD programme in Cote d'ivoire. Health Policy Plan 2000;15: Linda M, Romanowski B, Brown M. Sex Transm Inf, 2001;77: Liu H, Jamison D, Li X, Ma E, Yin Y, Detels R. Is syndromic management better than the current approach for treatment of STDs in China? Evaluation of the cost-effectiveness of syndromic management for male STD patients. Sex Transm Dis 2003;30: Lush L, Walt G, Ogden J. Transfering policies for treating sexually transmitted infections: what's wrong with global guidelines? Health Policy Plan 2003;18: Mukenge-Tshibaka L, Alary M, Lowndes CM, Van Dyck E, Guedou A, Geraldo N, Anagonou S, Lafia E, Joly JR. Syndromic versus laboratory-based diagnosis of cervical infections among female sex workers in Benin: implications of nonattendance for return visits. Sex Transm Dis 2002;29: Moherdaui F, Vuylsteke B, Siqueira LFG, Santos Jr MQ, Jardim ML, Brito AM et al. Validation of national algorithms for the diagnosis of sexually transmitted diseases in Brazil: results from a multicentre study. Sex Transm Infect 1998;74(1S): Redwood-Campbell L, Plumb J. The syndromic approach to treatment of sexually transmitted diseases in low-income countries: issues, challenges, and future directions. J Obstet Gynaecol Can 2002;24: Rietmeijer CA, Patnaik JL, Judson FN, Douglas JM Jr. Increases in gonorrhea and sexual risk behaviors among men who have sex with men: a 12-year trend analysis at the Denver Metro Health Clinic. Sex Transm Dis 2003;30: Vickerman P, Watts C, Alary M, Mabey D, Peeling RW. Sensitivity requirements for the point of care diagnosis of Chlamydia trachomatis and Neisseria gonorrhoeae in women. Sex Transm Infect 2003; 79: Vishwanath S, Talwar V, Prasad R, Coyaji K, Elias CJ, de Zoysa I. Syndromic management of vaginal discharge among women in a reproductive health clinic in India. Sex Transm Infect 2000;76: Wang Q, Yang P, Zhong M, Wang G. Validation of diagnostic algorithms for syndromic management of sexually transmitted diseases. Chin Med J 2003;116: Woodward C, Fisher MA. Drug treatment of common STDs: part I. Herpes, syphilis, urethritis, chlamydia and gonorrhea. Am Fam Physician 1999;60:
19 3-VULVOVAGINITES Embora os processos inflamatórios isolados da região vulvar possam ocorrer, o mais comum é encontrarmos a associação com os processos inflamatórios vaginais: as vulvovaginites. 3a-Vulvites As vulvites nada mais são que dermatites vulvares, ou seja, inflamação da pele desta região e a causa mais frequente de vulvite é a atopia ou dermatite de contato Vulvite de contato: é uma dermatite na vulva que leva a sintomas como: prurido agudo ou persistente, irritação e/ou queimação vulvar. As vulvites de contato podem ser causadas por substâncias irritantes ou por substâncias que provoquem alergias (mecanismo imunológico). Vulvite ou Dermatite amoniacal: urina Vulvite ou Dermatite alérgica: vários agentes irritantes podem causar esta reação: pigmentos ou perfumes em papel higiênico, absorventes externos, borracha de preservativos, óleos de banho, sabonetes, desodorantes íntimos, esmalte das unhas das mãos levado a esta região pela manipulação, sabão em pó e amaciante utilizados para lavar a roupa íntima, etc. Nestes casos, deve-se orientar a paciente para afastar todos os produtos que potencialmente podem ser nocivos. Outras doenças devem ser aventadas no diagnóstico diferencial das vulvites: Psoríase; Dermatite Seborréica; Dermatofitose, Candidíase; Líquen simples crônico; Líquen plano; Líquen escleroso. No quadro 1 estão expostos as principais características das vulvites para auxílio no diagnóstico diferencial. 19
20 20
21 3b- Vulvovaginites Consistem no processo inflamatório e/ou infeccioso da vulva, vagina e ectocérvice e representam cerca de 70% das queixas em consultas ginecológicas, sendo, portanto, de fundamental importância na prática diária das unidades de saúde e consultórios de ginecologia. Além do desconforto que promovem para as pacientes, também favorecerem a aquisição de outros agentes de transmissão sexual, como por exemplo, o vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). Na maioria dos casos, este processo infeccioso causa importante desconforto a mulher, caracterizado por ardor, prurido, fluxo vaginal alterado e muitas vezes exacerbado e dispareunia, sendo que estes sintomas podem ocorrer isolados ou associados. Para facilitar o entendimento dos processos inflamatórios, serão revisados os aspectos fisiológicos do trato genital inferior (TGI). A região genital feminina apresenta umidade natural e o conteúdo vaginal fisiológico é composto por: Células descamadas do epitélio estratificado escamoso Transudato da parede vaginal Muco cervical Secreções das glândulas vestibulares (Skene e Bartholin) Secreções de cavidades superiores (endométrio e trompas) Fermentos celulares Flora vaginal (Bacilos de Döderlein ou lactobacilos e flora bacteriana mista): 10 5 a 10 6 por grama de conteúdo vaginal Leucócitos Imunoglobulinas A flora vaginal é composta por inúmeros microorganismos formando um ecossistema que depende de vários fatores para manutenção do equilíbrio, sendo o principal deles o ph vaginal cuja variação normal é de 3,5 a 4,5, caracterizando-se como um ph ácido. No quadro 2 estão expostos os principais habitantes da flora do TGI na mulher adulta. As vulvovaginites podem ser classificadas em: 21
22 Infecciosas: as principais são: -Vaginose bacteriana -Candidíase -Tricomoníase Não infecciosas -Alérgicas -Traumáticas -Vaginose citolítica Aproximadamente 90% das mulheres que apresentam quadro clínico de vulvovaginite têm como causa a infecção causada por agentes da própria flora vaginal que sofre um desequilíbrio como, por exemplo, a vaginose bacteriana e a candidíase ou ainda por um agente adquirido por transmissão sexual como o Trichomonas vaginalis. Apesar das vulvovaginites quase sempre serem causadas por agentes biológicos (transmitidos ou não pela relação sexual), também podem se relacionar a processos alérgicos e/ou traumáticos que agem, ora de forma predisponente, ora desencadeante do processo. Além destes fatores, deve-se mencionar o diabetes, a ingestão de esteróides, o uso de lubrificantes e de absorventes internos e externos, a depilação exagerada e freqüente, as roturas perineais, a prática de coito não convencional, e o uso de DIU além dos estados hiper/hipoestrogênicos como fatores predisponentes para as vulvovaginites. No quadro 3 está exposta a classificação bacterioscópica da flora vaginal. Já os processos infecciosos endocervicais (endocervicites) podem cursar sem sintomas ou serem oligossintomáticos, causando desde aumento inespecífico do conteúdo vaginal até sinusiorragia. Os principais agentes etiológicos das vulvovaginites infecciosas e das endocervicites estão expostos no quadro 4. 22
23 A abordagem das vulvovaginites poderá ser etiológica ou sindrômica dependendo dos recursos disponíveis. Abordagem etiológica das vulvovaginites: nesta abordagem o objetivo é identificar o agente etiológico e realizar o tratamento específico. O roteiro para esta abordagem consiste em: Anamnese e exame ginecológico: apresentam sensibilidade de 50% para o diagnóstico etiológico das vulvovaginites. Testes diagnósticos: são rápidos, fáceis e baratos e elevam a sensibilidade do diagnóstico etiológico para 80 a 85%. Os testes utilizados são: -Aferição do ph vaginal: deve utilizar fita própria para este fim e o material deve ser colhido do 1/3 médio das paredes vaginais laterais, pois o material do fundo de saco vaginal está misturado com muco cervical que altera o ph. -Teste de Whiff (ou teste das aminas): consiste na liberação de aminas voláteis pelas bactérias que estão aderidas a membrana das células epiteliais quando o KOH 10% é misturado ao conteúdo vaginal. Estas 23
24 aminas são a putrescina, a cadaverina e a trimetilamina e, como o próprio nome sugere, o odor liberado é semelhante a peixe podre. -Bacterioscopia: Gram. -Direta consiste em colocar uma gota de SF 0,9% no conteúdo vaginal depositado em lâmina de vidro, cobrir com lamínula e observar no microscópio. Nesta visualização procuram- tricomonas. Se for utilizado o KOH 10% ocorrerá a destruição das células epiteliais e será mais fácil a visualização das pseudo hifas. -Corada pelo método de Gram é considerada o padrão ouro para o diagnóstico da vaginose bacteriana. ATENÇÃO O esfregaço cérvicovaginal corado pela técnica de Papanicolaou pode ser utilizado para o diagnóstico etiológico das vulvovaginites, entretanto o principal objetivo deste exame é o diagnóstico de lesões préneoplásicas ou neoplásicas do colo uterino e deveria ser colhido com este fim. Além disto, a identificação de alterações celulares inflamatórias com ou sem a identificação de um agente específico em pacientes assintomáticas não deve ser sinônimo de tratamento. As culturas, apesar de altamente específicas, não são utilizadas rotineiramente, ficando reservadas para as vulvovaginites de repetição. As culturas do conteúdo vaginal de mulheres adultas, quando não realizadas em meio de cultura específico, não têm valor para o diagnóstico etiológico das vulvovaginites. Abordagem etiológica das principais vulvovaginites: a. Vaginose bacteriana: é a vulvovaginite mais freqüente em nosso meio e ocorre devido ao desequilíbrio do ecossistema vaginal com redução e/ou desaparecimento dos lactobacilos (BD) e colonização de elementos da própria flora. a1- Quadro clínico/diagnóstico Assintomática/oligossintomática: em torno de 50% das pacientes não apresentam sintomas ou os sintomas são frustros Corrimento homogêneo, acinzentado com odor podre que piora pós-coito e menstruação Ocasionalmente prurido, dispareunia e sintomas urinários 24
25 Exame ginecológico não evidencia alterações como hiperemia ou fissuras, apenas aumento do conteúdo vaginal geralmente com odor fétido. a2- Quadro laboratorial ph > 4,5 Teste das aminas (Whiff): positivo Bacterioscopia: - Técnica à fresco: Clue cells - Coloração de Gram CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS 1- Critérios de Amsel Corrimento homogêneo, acinzentado, baixa viscosidade ph > 4,5 Teste das aminas (Whiff): positivo Técnica à fresco: Clue cells e redução ou ausência de BD Para o diagnóstico de vaginose bacteriana é necessário que pelo menos três dos critérios anteriores estejam presentes 2-Escore de Nugent ou Coloração pelo método de Gram Na figura 1 observam-se esfregaços vaginais corados pelo método de Gram. 25
26 a3- Tratamento da vaginose bacteriana: Dá-se preferência ao tratamento sistêmico (VO), prolongado. A droga de escolha são os derivados imidazólicos, em especial o metronidazol. Orienta-se abstinência alcoólica durante o tratamento pelo risco do A vaginose bacteriana tem sido associada com resultados obstétricos adversos como parto pré-termo, portanto recomenda-se que a queixa de corrimento vaginal seja valorizada durante a gestação. O diagnóstico neste grupo de pacientes é realizado da mesma forma anteriormente descrita e o tratamento da vaginose bacteriana em gestantes e não gestantes está exposto no quadro 7. Não se recomenda o tratamento do parceiro. 26
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