Arte e Justiça - XVI A burra

Transcrição

1 Arte e Justiça - XVI A burra Um dos objectos que está directa ou indirectamente relacionado com a Justiça e que faz parte do património museológico do Tribunal da Relação de Lisboa e do Supremo Tribunal de Justiça é uma burra. A burra é uma arca, que servindo de cofre, era utilizada para guardar, por um lado, os documentos importantes e, por outro, os impostos cobrados no concelho, com vista a mantê-los guardados, sem acesso, em segurança e inacessíveis. Era, nessa medida, representativa da riqueza e do resguardo. Por sua vez, era também utilizada para guardar e transportar documentos probatórios importantes e processos judiciais, daí a sua associação também ao exercício da justiça. Dada a representação e a funcionalidade associadas à burra não admira que fosse necessária, em regra, mais do que uma chave para a abrir. Mais do que isso, essas chaves estariam na posse de pessoas distintas. A burra existente no Tribunal da Relação de Lisboa é composta por duas fechaduras, estando normalmente uma das chaves na posse do magistrado e a outra na do escrivão, tendo em conta que a sua função era a de guardar e transportar processos e documentação váriade natureza jurídica.

2 Burra de juiz. Burra de madeira. Forrada a couro, com fechadura metálica de dois segredos e pregaria de latão amarela disposta em filetas, espiras e motivos florais. Sobre o tampo abaulado, consta o nome do proprietário, gravado em pregaria docontorno duplo, o Juiz Conselheiroo José Ferraz Tavares de Pontes (JFTP), formado em Direito pela Universidadee de Coimbra e que exerceu funções como Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa de Janeiro a Junho de De acordo com o relato familiar, a arca em apreço servia para transporte de processos e obras jurídicas, guardando umachave o magistrado e estando a outra em posse do escrivão de direito/secretário. Não andará distanciado da realidade que assistia o quotidiano dos magistrados de Oitocentos o relato ora colhido. Nas cabeças de comarca, as Câmaras Municipais eram cominadas a fornecer aos magistrados aposentadoria (cama, louça e lenha para combustão). O resto (beca. vara, códigos. utensíliosde trabalho, roupas) tinha de os levar na bagagem o próprio titular docargo. Nas Relações e no Supremo Tribunal de Justiça, continuavam a ser necessárias as burras, ora paraa transportar os terese haveres nos dias dassessões, ora para se remeterem em segurançaos processoss recorridos. Àburra de ontem sucedeu o bobe ou carrinho de rodas de hoje. O charme, esse já não é o mesmo. Colecção do Engenheiro Almeida e Sousa (Porto). Fotografias cedidas pelo mesmo. Fonte: Coordenação VAZ DAS NEVES, Luís Maria, MONTEIRO, Dina Maria, Tribunal da Relação de Lisboa - Uma Casa da Justiça Com Rosto,, Tribunal da Relação de Lisboa, Lisboa, 2010

3 A burra viria a ser utilizada tambémm nos tribunais superiores, como o era a Relação de Lisboa, exercendo, essencialmente, para além das funções de segurança e de conservação de processos judiciais e outros pertences dos magistrados, uma função de transporte dos mesmos, designadamente dos autos de recurso, daí o nome que lhe é designado. Actualmente, esta burra faz parte do acervo do Tribunal da Relação de Lisboa. patrimonialmuseológico Esta é, por sua vez, o exemplar da burra existente no Supremo Tribunal de Justiça, compondo também o seu rico acervo patrimonial. É feita de madeiraa com algumas ferragens, sendo uma mala dupla de segredo usada outrora no transporte de valores entre Lisboa e o Rio de Janeiro. 1 Registamos, por fim e por curiosidade, que o Museu da Justiça do 1 CARVALHO, João, O Supremo Tribunal de Justiça em Portugal: Dois Séculos e Quatro Regimes de Memórias, Supremo Tribunal de Justiça, 2003 gentilmente cedido pelo Exmo. Senhor Chefe de Gabinete do Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Senhor Juiz Desembargador Doutor Luís Lameiras e pela equipa de Divisão de Documentaç ção e Informação Jurídica, nas pessoas dos Exmos. Senhores Maria Sofia Andrade e André Rodrigues Capricho, a quem agradeço a imprescindível colaboração e disponibilidade prontamente demonstradas.

4 Estado do Rio de Janeiro possui uma arca de metal que foi utilizadaa em comarcas do interior do Estado do Rio de Janeiro durante o século XX, até ser incorporada ao acervo do Museu em meados do ano de Era utilizada como cofre para guardar valores propriamente a função de arca judiciária 2. financeiros, não tendo a Burra em ferro com duas fechaduras 3 Burra em ferro e metal 4 2 Imagem gentilmente cedida pelo Senhor Doutor António Rafael Frio do Serviço de Acervos Museológicos e Iconográficos do Museu da Justiça do Estado do Rio de Janeiro. 3http: :// consultado a Disponível em / 23 e consultado a

5 Catarina Lima