AS POSSIBILIDADES DE INTERAÇÕES LINGUÍSTICAS ENTRE A CRIANÇA SURDA E O JOVEM SURDO: A EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA DO FESTIVAL CRIATIVO DO BICUDO.
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- Maria do Pilar Galindo di Azevedo
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1 AS POSSIBILIDADES DE INTERAÇÕES LINGUÍSTICAS ENTRE A CRIANÇA SURDA E O JOVEM SURDO: A EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA DO FESTIVAL CRIATIVO DO BICUDO. Jaqueline Gomes de Souza Universidade Federal de São Paulo UNIFESP- Campus Guarulhos Eixo Temático: Práticas Pedagógicas Inclusivas Palavras-chaves: Linguagem, Crianças e Jovens Surdos, Escola Bilíngue. O presente trabalho se filia aos estudos desenvolvidos pelo GEICS Grupo de Pesquisa e Estudos Identidade e Cultura Surdas e ao ILCAE - Inclusão Linguística em Cenários de Atividades Educacionais, por esse motivo adota a perspectiva sócio-históricocultural como referência teórica. Nesta concepção, o desenvolvimento da linguagem em bebês humanos decorre das relações que este, desde o seu nascimento, estabelece com outros igualmente humanos, integrantes do seu círculo de relações. Desta forma, o contato com a realidade é socialmente mediado e dependente da presença do outro para que, de forma dialética, a criança possa se constituir como sujeito. Desta maneira, crianças ouvintes estabelecem, desde o seu nascimento, cotidianamente, no seio familiar e nos meios sociais em que elas se inserem, uma comunicação natural, através da língua majoritariamente compartilhada, no caso brasileiro, a língua portuguesa oral. Por outro lado, as crianças surdas, em sua maioria, são oriundas de lares ouvintes, implicando que a língua de sinais convencionada não seja a forma de comunicação prioritária familiar, o que, consequentemente, pode acarretar, dentre outros fatores, em atrasos de linguagem, prejuízos cognitivos e distorção na identidade. Oportunizar o contato com uma comunidade linguística visual faz-se imprescindível ao desenvolvimento dessa criança, como nos aponta as palavras de Lodi e Ricardo, 2009, p.34: Por esse motivo, torna-se necessário à criança surda o estabelecimento de relações com surdos e/ ou ouvintes fluentes na língua de sinais para que esta venha a ter o desenvolvimento análogo ao de uma criança ouvinte no que se refere ao desenvolvimento de linguagem. Diante de um evento multidisciplinar e interciclos ocorrido em uma escola de orientação bilíngue para Surdos, o objetivo deste trabalho consiste em identificar quais
2 atividades pedagógicas foram capazes de propiciar trocas linguísticas entre jovens e crianças surdas favorecendo a aquisição de linguagem. Este trabalho se insere no paradigma interpretativista-crítico (Fidalgo, 2006), por considerar que as demandas nas relações entre humanos e com o meio, assim como as resoluções diante das provocações epistemológicas suscitadas não são dadas como encerradas, são (re)struturadas durante todo o processo do trabalho, como nos aponta a autora (p.21) estão, portanto, nem nos fenômenos em si, nem em sua descrição (fenomenologia); não estão na linguagem que interpreta tal fenômeno considerando todas essas variáveis. No que se refere à produção dos dados, esta pesquisa possui um cunho etnográfico, que se alinha às ideias de Fidalgo (idem) p.10, porque concebe a etnografia como coleta dos dados in loco, através do trabalho de campo. Já os procedimentos de coleta utilizados foram os diários de campo, leitura de documentos institucionais, vídeos e fotografias. Os conceitos espontâneos e os conceitos científicos, presentes na teoria de Vygotsky servirão de aporte teórico para compreender a experiência vivenciada no evento escolar. O primeiro conceito- espontâneo- relaciona-se ao que a criança aprende em seu cotidiano e utiliza, geralmente, de forma inconsciente; ou seja, o arcabouço constitutivo apreendido socialmente nas interrelações sociais. Assim, as crianças surdas filhas de pais ouvintes aprendem estes conceitos, possivelmente, à priori, em língua de sinais caseira. [...] tipicamente, são aprendidos em ambiente escolar como parte de um sistema de conhecimento; tem definições verbais (Newman e Holzman, 2002, p.77) são transmitidos em língua de sinais formalizada, partilhada pelos professores e alunos mais velhos e no bojo dessa cooperação sistemática os conceitos científicos modificam, de forma dialética, os conceitos espontâneos, portanto modificam e são modificados pelos conceitos espontâneos. Propiciar o contato entre jovens e crianças surdas pode atuar na intermediação destes conceitos dentro do espaço escolar, favorecendo aprendizagem-e-desenvolvimento, e é na zona de desenvolvimento proximal que o par mais experiente no caso o jovem surdo - infere, não nos aspectos que a criança já desenvolveu, mas aqueles que estão em processo de maturação : Ela (a ZDP) é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que costuma determinar através da solução independente de problemas e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas
3 sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. (Vygotsky, 1984, P. 97, apud Oliveira, 1997, p. 60). Na conjuntura legal brasileira, a língua de sinais brasileira (LIBRAS) teve seu status linguístico reconhecido através da Lei Federal /2002, e regulamentada pelo Decreto 5.626/ 2005, diante deste contexto, está o reconhecimento, entre outras questões, do surdo com um ser bilíngue, utente da LIBRAS como primeira língua preferencialmente na modalidade escrita, como segunda língua. e da língua portuguesa, A cidade de São Paulo, através do decreto de 10 de Novembro de 2011 instituiu as Escolas Municipais de Educação Bilíngue para Surdos EMEBS- na Rede Municipal de Ensino, dentre as seis escolas existentes, a Escola Municipal de Educação Bilíngue para Surdos configurou-se como lócus da experiência pedagógica pesquisada. ada na zona norte de São Paulo Por atender pessoas surdas a partir dos quatro anos de idade, a escola supramencionada pode ser considerada um espaço privilegiado de aquisição linguística, uma vez que conta com professores ouvintes especialistas em educação de Surdos, Instrutores surdos e alunos de diferentes faixas etárias agrupados na Educação Infantil e nos Ciclos: de Alfabetização (1º ao 3º ano); Interdisciplinar (4º ao 6º Ano) e Autoral ( 7º ao 9º ano), divididos em dois períodos: matutino ( 6º ao 9º ano) e vespertino ( Educação Infantil ao 5º ano). Entretanto, o contato entre crianças e jovens surdos acontece esporadicamente, devido ao fato de estudarem em períodos inversos. Anualmente, desde 2011, em comemoração ao Dia do Surdo 26 de setembro- que consiste em um evento interdisciplinar, cultural e esportivo, cuja proposta pedagógica prevê a interação entre surdos de todos os ciclos, familiares e comunidade escolar. Os dados do presente estudo foram coletados entre os dias 14 a 25 de setembro de 2015, durante a quinta edição do evento. Para a realização das atividades alunos e professores foram subdivididos em quatro grupos através de um sorteio (laranja, amarelo, azul e vermelho) e a Comissão organizadora (formada apenas por professores e/ou instrutores Surdos) que ficou responsável pela adaptação dos materiais, distribuição das tarefas e supervisão do cumprimento regras. Por se tratar de um evento extenso, esta análise se concentrou em algumas tarefas realizadas nos dois dias em que houve horário diferenciado (das 9h às 15h), ocasionando o encontro dos alunos dos diferentes períodos. Uma das atividades conjuntas realizada foi o sorteio para integrar a equipe, cada participante fazia sua apresentação pessoal, pintava a mão com a cor de seu grupo e
4 pressionava sobre uma folha de papel na qual havia o desenho de um tronco, formando, ao final, a copa de uma árvore. Nesta atividade, mesmo diante da participação de todos, não houve a experiência do diálogo efetivo. Notava-se o fascínio das crianças menores (principalmente alunos da Educação Infantil) ao perceber jovens igualmente surdos, contudo, não houve espaço para a comunicação entre os pares nesta dinâmica. -se as propostas de atividades desse encontro. O que pudemos observar é que o tempo estipulado para a realização da tarefa fez com que as negociações fossem feitas quase que exclusivamente entre surdos jovens e professores, consequentemente, as crianças ficaram desenvolvendo outras atividades não necessariamente afim com a operação proposta e mediadas por poucos membros do grupo. ensaiou e executou uma apresentação. Para uma das equipes não foi possível realizar a empreitada, justificando que o excesso de atividades do Festival comprometeu o tempo de ensaio. Um grupo fez a apresentação de poesias, onde somente dois alunos atuaram e as outras duas equipes optaram por apresentações teatrais. Os momentos de ensaio para as referidas apresentações foram mais profícuos com relação a intervenções dos alunos. Jovens e crianças experimentaram negociações linguísticas tais como a criação, em LIBRAS, dos roteiros das peças, a negociação de sinais que as crianças não conheciam, a distribuição de papeis, a direção das falas, auxilio na postura comportamental dos menores, as crianças indagando sobre seus personagens, seus trajes, suas falas, etc. Toda essa movimentação culminou em apresentações com riqueza de diálogos, improvisos bem sucedidos, humor e apoio mútuo. Inclusive, uma dessas apresentações venceu o desafio. Poderíamos adensar o olhar sobre muitos outros aspectos deste evento escolar (a interdisciplinaridade, a adaptação de materiais, por exemplo), mas diante do objetivo proposto, podemos concluir que o trabalho nesta escola durante o Festival Criativo configurase como um importante instrumento para atuar na zona de desenvolvimento proximal das crianças surdas, auxiliando em seu desenvolvimento, citando de Newman e Holzman, 2014, p.91 textualmente: tem na língua de sinais seu maior expoente: e a experiência surda perpassa pelo valor identitário que A língua de sinais constitui o elemento identitário dos surdos, e o fato de constituir-se em comunidade significa que compartilham e conhecem os usos
5 da mesma língua, já que interagem cotidianamente em um processo comunicativo ef, p.103). A sugestão proposta pela pesquisadora consiste em que no planejamento para o próximo festejo, as adaptações de materiais contemplem atividades em que crianças e jovens, necessariamente, possam executar juntos, prevendo intergeracional. Grande parte das atividades promovidas no a importância dessa relação Festival Criativo do Bicudo ofereceu aos envolvidos a possibilidade de resolver conflitos, tomar decisões e transformar as ações, através da linguagem. Referências Bibliográficas BRASIL Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Lei nº de 24 de abril de BRASIL Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Decreto nº5.626 de 22 de dezembro de FIDALGO. S.S, Tese de doutorado: A linguagem da inclusão/exclusão social-escolar na história, nas leis e na prática educacional. São Paulo: PUC-SP, LODI, A. C. B. ; LACERDA, C. B. F. Uma escola duas línguas: letramento em língua portuguesa e língua de sinais nas etapas (de) iniciais de escolarização. Porto Alegre: Mediação, NEWMAN, F; HOLZMAN, L. Lev Vygotsky: cientista revolucionário. São Paulo: Loyola, OLIVEIRA, M. K.. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, SÃO PAULO. Decreto nº , de 10 de novembro de Cria as Escolas Municipais de Educação Bilíngue para Surdos - EMEBS na Rede Municipal de Ensino.Diário Oficial da Cidade de São Paulo, São Paulo, 22 nov. 2011a. SKLIAR, C. Uma perspectiva sócio-histórica sobre a psicologia e a educação dos surdos. In: SKLIAR, C. (Org.) Educação & exclusão: abordagens sócio-antropológicas em educação especial. 4. ed. Porto Alegre: Mediação, p VYGOTSKY, L. Obras Escogidas. Tomo V. Fundamentos de defectologia. Madrid: de. Visor, 1997.
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