PROCESSOS EDUCATIVOS NO CUIDADO COM O TERRITÓRIO: SUBSÍDIOS PARA POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO NAS RESERVAS EXTRATIVISTAS DA TERRA DO MEIO
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- Cristiana Teresa Branco Zagalo
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1 PROCESSOS EDUCATIVOS NO CUIDADO COM O TERRITÓRIO: SUBSÍDIOS PARA POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO NAS RESERVAS EXTRATIVISTAS DA TERRA DO MEIO Cristiano Tierno de Siqueira Valéria Oliveira Vasconcelos 1. Ponto de Partida Em artigos anteriores128 buscamos entender, com as populações ribeirinhas d a Terra do Meio, no município de Altamira/Pará, como pode se dar a educação escolar na região. A experiência de que trata este artigo circunscreve-se em um curso de Gestão Territorial129 ocorrida entre os anos de 2011 e 2013 com essas populações ribeirinhas e tem como objetivo dar continuidade a essa busca por subsídios para implementação de políticas de educação escolar. Organizamos esse artigo nos apoiando na orientação de Jara Holliday (2006, p.73), que sugere uma proposta metodológica em cinco tempos pa ra a sistematização de experiências: 1) ponto de partida; 2) Perguntas iniciais; 3) Recuperação do processo vivido; 4) Análise, síntese e interpretação da experiência; 5) Considerações. O ponto de partida deste trabalho foi a nossa pró pria prática. Um dos autores foi o coordenador do curso de Gestão Territorial da Terra do Meio e a outra autora orientou processos educativos de sistematização de experiências em três dos seis módulos do curso. Assim, esse primeiro tempo se configura com base no fato de que nós, autores da sistematização, somos igualmente atores da experiência, tendo acesso a todos os registros da experiência construídos coletivamente (dos quais somos igualmente co - autores). No material bibliográfico produzido nos três anos essed curso seis Cadernos de Estudos gravações das aulas e entrevistas, busca mos um primeiro nível de conceitualização a partir dessa prática concreta. 2. Objetivo e Perguntas iniciais O objetivo desta pesquisa é analisar alguns depoimentos dos participantes do curso em questão, em especial as que dizem respeito à sua co mpreensão sobre seu desenvolvimento, procurando encontrar elementos para possíveis caminhos para processos de emancipação.
2 Dentre as perguntas que nos guiaram nessa pesquisa podemos citar: O que significou o Curso de Gestão Territorial para vocês? O que pensam ter aprendido e ensinado durante o curso? Quais aprendizados consideram que são/serão úteis para sua vida cotidiana e das demais famílias da região? 3. Recuperação do processo vivido O Curso de Gestão Territorial com Extrativistas das Reservas Extrativistas (Resex) da Terra do Meio, município de Altamira, Pará, teve aduração de três anos. Nesse período ocorreram seis etapas intensivas e cinco períodos de acompanhamento nas localidades das pessoas que participaram do curso entre uma etapa intensiva e a seguinte. Dentre os temas trabalhados desde o primeiro módulo, por ordem de tratamento, temos: 1) histórias de ocupação da região: processos de mi gração, de busca por melhorias; 2) Quem são os ribeirinhos, entendidos como populações tradicionais, e o que podem fazer para melhorar as suas vidas; 3) Como vivem os ribeirinhos: a sistematização do modo de vida como forma de qualificar o acesso a direitos diferenciados; 4) Valorização do conhecimento tradicional: da passagem de pai pra filho ao respeito à tradição; 5) Processos educativos na busca por acesso a direitos; 6) Projetos de futuro desejados no contexto da Terra do Meio e Corredor do Xingu. Estes temas foram trabalhados em cada módulo tendo como referências metodológicas a Educação Popular, mais especificamente as experiências de Paulo Freire e de Carlos Rodrigues Brandão, experiências do movimento indigenista e dos movimentos de luta pela terra - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Programa Nacional de Educação para a Reforma Agrária, Casas Familiares Rurais. 4. Análise, síntese e interpretação da experiência. Para a implementação de políticas de garantia de te rritórios tradicionalmente ocupados por populações tradicionais (no caso populações rib eirinhas), por vezes a celeridade nas ações do Estado não permite o diálogo e o entendime nto de ambas as partes do processo em curso, como é o caso aqui analisado. Os resultados desse processo nãodialógico podem ser desastrosos para a identidade do povo, para sua organização social e para a efetivação de políticas que tenham como ponto de pa rtida o modo de vida das populações a que se destinam. Um dos focos principais do curso de Gestão Territor ial da Terra do Meio foi o de promover ações com vistas a facilitar essa articulação e diá logo. Os resultados serão aqui divididos em duas categorias de análise: 4.1 Direito à vez e voz Entre alguns resultados fortemente notados neste processo está a conquista paulatina do direito à vez e voz. Raimundo Buiô, morador da região e est udante do curso, expressa esta conquista, que ainda está em meio de caminho :
3 A gente tá num meio de caminho que não pode parar. ( ) a gente ainda não tá preparado, mas a gente já tá começando tomar um bom caminho pra se preparar, preparar pra conversar por qualquer coisa que aconteça dentro da nossa comunidade pra s aber se defender. Conforme Freire (1994), uma das maiores formas de dominação é a negação da comunicação; a negação da possibilidade de as pesso as expressarem seus desejos, seus anseios e suas demandas. Dificilmente os moradores dessa região expressavam o que pensavam, pois poucas vezes eram oferecidas oportunidades de uma escuta respeitosa. Com a prática de interações dialógicas, o que se te m percebido paulatinamente é que os participantes do curso têm se apropriado desse protagonismo, tanto na narrativa quanto nas ações. É o que podemos perceber no acesso a dir eitos, alvo de análise no próximo item. 4.2 Valorização do modo de vida ribeirinho Seu Pedro, nascido e criado na região, perto dos se us 50 anos de idade, traz um panorama de como ele tem sentido a relação com a cidade no que se refere a valorização que a sociedade dá aos modos de vida da cidade e da floresta: Hoje eu tenho orgulho de morar aqui no mato, eu me sinto um cara bem orgulhoso, porque aqui eu tô em um lugar que é o lugar, meu lugar não é na cidade, porque lá eu não entendo... entendo, mas não sou formado pra lá e aqui é onde eu acho que a gent domina a coisa ( ) aqui foi onde eu nasci e aqui é onde tá toda a riqueza nossa, é onde tá a cultura da gente. Essa percepção tem sido fundamental para a relação cada vez maior com o estado de direitos, com as políticas públicas que estão sendo buscadas/acessadas, na medida em que o modo de vida tem sido ponto de partida para o que vem de fora. Essa valorização do saber e do modo de vida das fam ílias da região como ponto de partida para acessar direitos está presente também em relato deoutro participante do curso: Nós da RESEX vivemos diferente. ( ) Por isso nós temos direito à diferença. Ter uma educação diferente, um atendimento de saúde. Queremos que a nossa cultura, os nossos conhecimentos tradicionais sejam mais reconhecidos da maneira como nós povos t radicionais vivemos. ( ) A gente tem nossos conhecimentos tradicionais, tem nossa cultura, mas isso não era valorizado e através desse curso a gente tá tendo esse conhecimento de valorizar nossacultura, nossa tradição e melhorar o modo de vida também. (Hercula no Porto de Oliveira Filho).
4 Aqui se percebe alguns moradores da região assumind o-se como autores e atores da própria história (FREIRE, 1977), o que nos parece essencial como resultado de processos de formação que buscam emancipação. 5. Considerações Finais A educação das famílias ribeirinhas e a construção de conhecimentos essenciais ao modo de vida na floresta tem início na infância: po r meio do convívio, da observação, da oralidade, dos silêncios, da imitação, do estudo de cada movimento cotidiano e das relações intrinsecamente estabelecidas entre as pes soas e destas com a natureza. Esse modo de vida é passado de pai pra filho, veio lá ed longe do antepassado (Francisco Bandeira dos Santos). Vimos que a urgência pela implementação de políticas de garantia do território de ribeirinhos podem provocar traduções equivocadas ta nto das famílias com relação ao que vem da cidade, quanto das instituições com rela ção as famílias e seu modo de vida, e pode provocar mudanças indesejáveis nesse modo de vida e na maneira como ele é passado de geração em geração. Temos entendido que ações similares a que aqui se e ncontra, no sentido de construir entendimentos de quais são os caminhos da lei e do Estado de direitos, acompanhado de análises de experiências de implementação de políticas públicas em outros contextos, podem se converter em fortalecimento dos processos educativos e do modo de vida a que estão associados, convertendo-se em processos d e fortalecimento da gestão educacional e territorial como possibilidade democrática e emancipadora, pautada no profundo conhecimento de sua realidade, de suas demandas e de seu papel de sujeitos de sua própria história. Investir em formas de educação para a gestão territ orial e também educacional é, de certa forma, encontrar maneiras de contribuir para fortalecer populações que assentam suas formas de vida numa relação mais respeitosa co m a natureza. E, ao mesmo tempo, aprender com essas pessoas novas formas de partilha e de comunhão em um planeta que não se sustenta sem a participação e conscientizaçã o de todos. Referências Bibliográficas Freire, P. (1977). Pedagogia do Oprimido. 4a. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. Freire, P. Pedagogia da Esperança. 3a edição. São P aulo: Instituto Socioambiental-ISA. Cadernos de Estudos dos módulos 1 a 6 do Curso de Gestão Territorial com Extrativistas das Resex da T erra do Meio. Altamira: Jara Holliday, Oscar. Para sistematizar experiências / Oscar Jara Holliday; tradução de: Maria Viviana V. Resende. 2. ed., revista. Brasíl ia: MMA, 2006.
5 Palavras-chave: Processos Educativos. Políticas Públicas. Educação Popular. Amazônia. 126 Mestre em Educação na linha de pesquisa Práticas Sociais e Processos Educativos da Universidade Federal de São Carlos. Atualmente está finalizando processo de sistematização do curso aqui analisado junto ao Instituto Socioambiental. tierno.cristiano@gmail.com. 127 Doutora pela Universidade Federal de São Carlos/U niversidade de Salamanca. Docente do Programa de Mestrado em Educação do Centro Universi tário Salesiano de São Paulo (UNISAL/Americana). valvasc2013@gmail.com. 128 Ver: VASCONCELOS, V. O., SIQUEIRA, C. T.. Populações ribeirinhas da Amazônia e preservação da cultura tradicional dilemas em uma sociedade globalizada. São Paulo: Fórum Paulo Freire, 2008; SIQUEIRA, C.T. ; VASCONCELOS, V. O.. Dialogando com populações tradicionais da Amazônia na construção da educação escolar. Recife: VII Colóquio Internacional Paulo Freire, 2010; SIQUEIRA, C. T., VASCONCELOS, V. O., SALAZAR, M. La educación escolar en áreas protegidas: lo que dicen algunas poblaciones tradicionales de Amazonia. Havana: Congresso Internacional de Pedagogía - Encuentro por la unidad de los educadores, 2011; SIQUEIRA, C. T.; VASCONCELOS, V. O.. Gestão educacional/territorial: estudo de caso c om populações ribeirinhas da Amazônia. Araraquara: VII Encontro Ibero-americano de Educação, 2013.
6 129 O Curso de Gestão Territorial com Extrativistas das Reservas Extrativistas (RESEX) da Terra do Meio foi idealizado pelo Instituto Socioambiental (ISA) em parceria com A Fundação Viver, Produzir e Preservar-FVPP e as associações de moradores das Resex, apoiado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), com financi amento do Fundo Vale.
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