ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO PARECER N.º

Transcrição

1 PARECER N.º SERVIDOR PÚBLICO INATIVADO POR INVALIDEZ HÁ SETE ANOS ACUSADO DE PRÁTICA DE DELITO PENAL PRATICADO EM 1988 COM REFLEXOS NA ESFERA DISCIPLINAR. CONVERSÃO DA PENA DE CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA EM MULTA SOBRE OS PROVENTOS DE INATIVIDADE. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. INTELECÇÃO DO ART. 19 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL COMBINADO COM OS ARTS. 93 E 81, XXXVIII DA LEI 7366/80. Vem a exame e parecer da Equipe de Revisão da Procuradoria de Probidade Administrativa e de Processo Administrativo Disciplinar o Processo nº /00-7, oriundo da Polícia Civil, que encarta o expediente nº /91 do Conselho Superior de Polícia, que se refere ao Processo Administrativo Disciplinar instaurado contra o Escrivão de Polícia Silveira Martins dos Santos Moraes, inativado por doença incapacitante desde O fato determinante da instauração do procedimento disciplinar deveu-se a uma desobediência funcional,ocorrida em , na cidade de São Luiz Gonzaga, local onde estava lotado o ora processado, para cuja execução o indiciado cometera uma falsidade grosseira, ou seja, rasurou a ocorrência onde fora registrada a apreensão de um revolver Smith & Vesson, calibre 38 e inseriu um revolver Bety e sendo devolvido ao proprietário Euclides Borges Gomes a arma pré-aludida, em desobediência à ordem do Delegado, que determinara a instauração de processo sumário por porte ilegal de arma contra o proprietário. Noticiado o fato ao Conselho Superior de Polícia, aquele colegiado, por intermédio da Resolução nº , de 19 de novembro de 1991, determinou a instauração de Processo Administrativo Disciplinar contra o indiciado, por incursão em tese nas cominações do art. 81, inciso XXXVIII da lei 7366/80, sendo designado autoridade processante o Delegado Edmor Cansiam, que ouviu o proprietário da arma apreendida (fl, ). Nessa oportunidade, o depoente disse que,no início do ano de 1988, quando passava em frente ao Bailão Casarão em São Luiz Gonzaga, teve seu revolver Marca Smith & Vesson, calibre 38 apreendido numa barreira

2 policial, estando a arma guardada no porta-luvas do caminhão em que trafegava, apesar de ter exibido registro e licença de porte. Que, em face de possuir essa documentação, requereu ao Delegado a devolução do revolver, recebendo a informação de que o Delegado não despachara o pedido. Entretanto, dias depois, o processado foi até a sua casa comercial e lhe devolveu a arma, sem qualquer explicação. Ouvido o Delegado Antônio Rocha, que autorizara a abertura de procedimento sumário contra Euclides Borges Gomes, por porte ilegal de armas (fls ), esta autoridade diz não se lembrar com detalhes do fato, pois era rotina fazer barreira policial em lugar de movimentação pública, como casas de meretrício e bailões, a fim de fazer apreensão de armas e inibir a violência e sempre realizando os procedimentos legais aplicáveis à espécie, ostentasse ou não porte de arma quem fosse flagrada na posse dela. Aduziu, por outro lado, que o processado era disciplinado, enquanto servidor, não sendo dado a desobedecer a chefia. Encerrada a instrução em que foi revel o indiciado, a autoridade processante conclui pela responsabilidade do indiciado pelo delito de falsidade ideológica e prevaricação (fls ). Paralelamente ao feito disciplinar, o indiciado respondeu processo no Poder Judiciário, ao ser denunciado por infração ao art. 297 do CPB, por onde resultou condenado a 3 anos e 6 meses de reclusão, sendo a pena confirmada pelo Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (fls ). O Conselho Superior de Polícia, através da Resolução nº , de 26 de junho de 2000, de que foi relator o Conselheiro Dr. Ricardo Félix Herbstrith, decidiu pela cassação da aposentadoria com sucedâneo no arts, 93 e 81, XXXVIII da lei 7366/80. É o relatório. Não há nulidade a sanear, eis que obedecido o devido processo legal e assegurada a ampla defesa. No mérito, ouso discordar parcialmente da decisão alvitrada pelo douto colegiado de primeiro grau, uma vez que o objetivo da função disciplinar do Estado é expurgar da vida funcional servidores que possam causar prejuízo à moralidade e à legalidade da vida administrativa. Então, a pena capital consistente na demissão é um corolário que se aplica em face de ser constatada, no devido processo legal, a infringência a esses dois vetores. Todavia, a pena de cassação da aposentadoria é medida de exceção e aplicável diante de fatos que possam abalar pela estrepitosidade ou clamor público esses dois fundamentos ou, quando a jubilação ocorre por meio de fraude ou alicantina, que parece não ser o caso dos autos, uma vez que, ao julgar pelo informado pela Secretaria do Conselho Superior de Polícia, o servidor foi aposentado por invalidez em (fl. 122).

3 Ora, toda a decisão administrativa deve ser tomada em consonância com os princípios reitores de nossa ordem constitucional, salientandose dois princípios-guias (o da Justiça, inscrito no Preâmbulo da Lei Maior e da dignidade da pessoa humana, art. 1º, III, da CF). Vale aqui lembrar as lições do celebrado Chaim Perelman, que formula 6 hipóteses de como fazer justiça, a saber: 1) a cada qual a mesma coisa; 2) a cada qual segundo os seus méritos; 3) a cada qual segundo suas obras 4) a cada qual segundos suas necessidades 5) a cada qual segundo sua posição 6) a cada qual segundo o que a lei lhe atribui ( apud Ética e Direito, editora Martins Fontes,1996,pg 9). Parece aos pragmatas ser mais cômodo aplicar indistintamente a última alternativa a cada qual segundo o que a lei lhe atribui. Contudo, o festejado autor dirá mais adiante; o juiz, que atribuísse a cada um o que lhe cabe segundo a lei, seria assimilável a aparelhos aperfeiçoados que indicam o montante a pagar, multiplicando a quantidade da mercadoria entregue pelo preço unitário. O montante é justo, porque a conta é exata e não se contesta a exatidão do aparelho, nem o preço unitário. Nessa concepção, o juiz perfeito seria como uma máquina sem defeito, que dá a resposta, quando lhe fornecem os elementos do problema, sem se preocupar em saber o que está em causa e quem seria o beneficiário de um erro eventual... Nessa linha de raciocínio, o autor dirá o juiz não se pode contentar em aplicar a lei consoante a vontade do legislador: deve servir-se da lei para motivar suas decisões, mas estas devem ser acima de tudo eqüitativas. O juiz não está a serviço do poder que o nomeou, está serviço da justiça, opus cit. pgs No caso dos autos, embora incontroversas a materialidade e a autoria, em razão da decisão penal transitada em julgado seria extremamente cruel cassar a aposentadoria de um portador de doença emocional, após estar jubilado há quase oito anos, por ter entregue uma arma velha a um administrado que detinha registro e licença para porte. Por isso, seguindo a diretriz hermenêutica inscrita no art. 19 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, na esteira do Parecer n.º , proponho a conversão da cassação da aposentadoria que seria aplicável à

4 espécie em multa de 60 dias aplicável nos proventos de inatividade, obedecendo os critérios do art. 82 da Lei Complementar nº /94, levando em linha de consideração o princípio constitucional da igualdade perante a lei (art. 5º caput, CF), posto que aos servidores em atividade é possível comutar-se a pena de demissão para a de suspensão, nos termos do art. 189, IV da LC 10.98/94. É o parecer. Sala de sessões, 27 de dezembro de José Hermílio Ribeiro Serpa, Relator. Dea Mara Ribeiro Lima, Sérgio Gualdi Ferreira da Silva, Maria da Graça Vicentini, Luiz Felipe Targa.

5 Processo nº /00.7 Acolho as conclusões do PARECER nº , da Procuradoria de Probidade Administrativa e de Processo Administrativo-Disciplinar, de autoria do Procurador do Estado Doutor JOSÉ HERMÍLIO RIBEIRO SERPA, em especial ante a aplicação imediata da norma procedimental inserida no Art. 195, Parágrafo Único, da Lei Complementar , de 03 de fevereiro de 1994, pela Lei Complementar , de 13 de junho de Submeta-se o expediente à deliberação do Excelentíssimo Senhor Governador do Estado. Em Helena Maria Silva Coelho, Procuradora-Geral do Estado.

6 GABINETE DO GOVERNADOR Processo nº /00.7 Aprovo o PARECER nº , da Procuradoria-Geral do Estado, cujos fundamentos adoto para aplicar a pena de MULTA de 60 (sessenta) dias deduzida do valor dos proventos de aposentadoria do Escrivão de Polícia SILVEIRA MARTINS DOS SANTOS MORAES, 3ª classe, padrão 8, matrícula nº , obedecendo os critérios do artigo 83, da lei Complementar nº /94, renumerada pela Lei Complementar nº /99. À Procuradoria-Geral do Estado para as devidas anotações e publicação. Após, à Secretaria da Justiça e da Segurança para as demais providências pertinentes. PALÁCIO PIRATINI, em Porto Alegre, 29 de julho de GERMANO ANTÔNIO RIGOTTO, GOVERNADOR DO ESTADO.