PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

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1 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRATICA REGISTRADO(A) SOB N ACÓRDÃO llllllllin * * Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal, N Q / , da Comarca de São Paulo, em que é(são) APELANTE(s) MÁRCIO MIGUEL, sendo APELADO(s) MINISTÉRIO PÚBLICO, sendo CO-RÉU{s) EVERALDO GOMES NOVAIS, JOSÉ D"ANGELO, LEONILDE RODRIGUES DE QUEIROZ, LUÍS PAULO DE OLIVEIRA, MANOEL GOMES DE QUEIROZ. ACORDAM, em 9 â Câmara do 5 o Grupo da Seção Criminal, proferir a seguinte decisão: "POR V.U., DERAM PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO PARA RECONHECER O PRINCÍPIO DA UNICIDADE DOS CRIMES FALIMENTARES, AFASTANDO O CONCURSO MATERIAL E FIXANDO A PENA DO RÉU EM 1 (UM) ANO DE RECLUSÃO, E, AINDA, PARA CONCEDER AO APELANTE O BENEFÍCIO DO "SURSIS", PELO PRAZO DE TRÊS ANOS, COM A CONDIÇÃO DE PRESTAR SERVIÇOS À COMUNIDADE NO PRIMEIRO ANO DO PRAZO, EM LUGAR DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL POR MULTA, TAL COMO FIXADO NO DECISÓRIO DE PRIMEIRO GRAU", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores UBIRATAN DE ARRUDA (Presidente) e LEONEL COSTA. São Paulo, 27 de junho de

2 ESTADO DE SAO PAULO VOTO N 4558 APELAÇÃO N /0 COMARCA: SÃO PAULO - 6 a VARA CÍVEL APELANTE: MÁRCIO MIGUEL APELADA: JUSTIÇA PÚBLICA Pela r. sentença de fls. 474/480, cujo relatório adoto, Márcio Miguel foi condenado à pena de 2 (dois) anos de reclusão, em regime aberto, por incurso nos artigos 187 e 188 do Decreto-Lei 7.661/45, sendo substituída a pena privativa de liberdade por multa, fixada em 180 (cento e oitenta) salários mínimos, reversíveis à massa falida. Não se conformando, apelou o sentenciado buscando a reforma do julgado. Preliminarmente, pugna pelo reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal, na modalidade retroativa. No mérito, alega que desconhecia a situação em que se encontrava a sociedade, sendo que ingressou no quadro social da empresa depois de distribuído o pedido de falência e não chegou a administrá-la. Aduz, ainda, que não há provas documentais hábeis a sustentar a imputação, sendo que 1

3 as provas testemunhais não o incriminam. Por fim, alega ser "pessoa com instrução insuficiente e que o ramo de exploração era exíguo" e, ainda, que não pode ser condenado pela não apresentação dos livros contábeis porque sequer sabia quem os detinha. Pleiteia, assim, a absolvição ou, quando não, a redução da pena de multa por não ter condições de efetuar o seu pagamento, ou, ainda, a concessão do "sursis" no lugar da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito (fls. 486/497). O recurso foi regularmente com contra-razões (fls. 515/522). processado, A douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do apelo. Este é o relatório. Preliminarmente, ao contrário do alegado pela combativa Defensora, não correu lapso temporal suficiente para a caracterização da prescrição da pretensão punitiva estatal. p 2

4 Como se sabe, "a prescrição extintiva da punibilidade de crime /alimentar opera-se em dois anos" (Decreto-Lei 7.661/45, art. 199), sendo que u a prescrição de crime /alimentar começa a correr da data em que deveria estar encerrada a falência, ou do trânsito em julgado da sentença que a encerrar ou que julgar cumprida a concordata! 7 (Súmula 147 do C. STF). É certo que a Nova Lei de Falências e Recuperação Judicial (Lei /2005) alterou a regra da contagem do prazo prescricional dos crimes falimentares, ao dispor, em seu artigo 182, que " a prescrição dos crimes previstos nesta Lei reger-se-á pelas disposições do Decreto-Lei n 2.848, de 7 de dezembro de Código Penal, começando a correr do dia da decretação da falência, da concessão da recuperação judicial ou da homologação do plano de recuperação extrajudiciaf'. Contudo, tal inovação não deve retroagir ao caso em análise, uma vez que importaria em regra mais gravosa ao apelante, que teria aumentado o prazo prescricional para 4 (quatro) anos, levando em conta a pena aplicada (CP, arts. 109, V, e 110, I o ). Desta forma, no caso em apreço, como a 3

5 quebra ocorreu em , o processo falimentar deveria se encerrar em Não hã nos autos, contudo, nenhum registro da data de encerramento da falência, o que faz incidir o teor da Súmula 147 acima referida, iniciando-se daí ( ) a contagem do biênio prescricional. A denúncia, porém, foi recebida em (fls. 268), dando causa à interrupção da prescrição, pelo que o prazo prescricional voltou a fluir integralmente a partir de então. Ademais, tendo a r. sentença sido publicada em (fls. 481), antes de transcorridos dois anos do recebimento da denúncia, também não ocorreu a prescrição após o recebimento da inicial. Neste passo, importante salientar que, nos termos da Súmula 592 do C. STF, "nos crimes falimentares, aplicam-se as causas interruptivas da prescrição, previstas no Código PenaF. Afasto, assim, a prejudicial. absolutório. No mérito, sem procedência o reclamo Apelação n" /0 Comarca de São Paulo Voto n"

6 Com efeito, os autos evidenciam que, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na peça acusatória, o acusado Márcio Miguel, ora apelante, praticou as infrações penais descritas nos arts. 187 e 188, VIII, do Decreto-Lei 7.661/45. Pelo apurado, José D'Angelo, Leonilde Rodrigues de Queiroz e Manoel Gomes de Queiroz fundaram a empresa falida "Indústria de Plásticos Branquinha Ltda" no ano de 1972 e, no dia I o de setembro de 2000, se retiraram da sociedade, nela ingressando Everaldo Gomes e o apelante Márcio Miguel. A empresa teve pedido de falência ajuizado em 17 de fevereiro de 2000, pela empresa "JCN - João Carlos Nicolella Advogados Trabalhistas", credora da importância de R$ 5.599,81 (cinco mil, quinhentos e noventa e nove reais e oitenta e um centavos), referente a contrato de prestação de serviços advocatícios. Com a decretação da quebra, em 05 de fevereiro de 2001, foi fixado o termo legal, período no qual houve a fraudulenta alteração contratual acima mencionada. A gerência da sociedade era exercida pelos sócios e por Luís Paulo de Oliveira, sendo que, conforme relação de documentos arquivados na JUCESP, a empresa possuía os livros 5

7 "Registro de Duplicatas", substituídos por "Notas Fiscais Fatura" e os "Livros Diários". Ocorre que eles não foram arrecadados e nem apresentados em juízo, dificultando a aferição dos motivos que determinaram a quebra da empresa. A prática dos delitos foi verificada, inicialmente, no laudo pericial contábil, realizado durante o inquérito judicial (fls. 14/19), que relatou não terem sido entregues livros "obrigatórios ou não" e listou diversos "meios ruinosos para retardar a falência". E, de fato, não há dúvida que, com o fim de criar ou assegurar injusta vantagem para si ou para outrem, o apelante praticou, antes da falência, ato fraudulento de que resultou prejuízo aos credores. Ora, mesmo sabendo das dificuldades financeiras pelas quais passava a empresa, inclusive com notícia de que credores passaram a gerenciá-la com o intuito de angariar fundos para sua reestruturação, os antigos sócios Leonilde Rodrigues de Queiroz, Manoel Gomes de Queiroz e o falecido José D'Ângelo se retiraram do empreendimento e o venderam para o apelante Márcio Apelação n /0 Comarca de São Paulo Voto n"

8 e Everaldo Gomes Novaes, no período compreendido no termo legal da quebra. De se ressaltar que, consoante a certidão de fls. 176, o termo legal da falência foi fixado no 60 dia anterior à data do primeiro protesto, ocorrido em Portanto, tinha o apelante conhecimento de que a empresa se encontrava em estado falência!, quando nela ingressou em 1 de setembro de Além disso, o ingresso do apelante na empresa foi decisivo para levá-la à falência, já que não possuía experiência suficiente para assumi-la, principalmente no momento de extrema dificuldade pelo qual passava a sociedade, conforme ele próprio ressaltou a fls. 99/100, por ocasião das declarações a que se refere o artigo 34 da Lei de Falências. De outra parte, o extrato da JUCESP confirma a existência do "Livro do Registro de Duplicatas", posteriormente substituído por "Notas Fiscais Fatura" e "Diário", contudo, os livros não foram localizados. Note-se que o próprio contador José 7

9 Ramon Albor Ojea (fls. 366/367), responsável pela contabilidade da empresa falida durante o período compreendido entre 1981 a 2000, relatou que a empresa passou por dificuldades financeiras entre os anos de 1998 e 1999, mas nada esclareceu sobre os livros. Desta forma, ficou evidente que os livros foram dolosamente suprimidos para evitar a fiscalização dos atos que ensejaram a falência, tendo em vista que a empresa tinha a obrigação legal de escriturar o livro de registro de duplicatas. Neste passo, convém salientar que toda empresa comercial é obrigada a manter contabilidade regular, com seus livros regularmente escriturados. Assim, decretada a quebra e apurada a não apresentação em cartório pelo falido dos livros obrigatórios, configurase o crime do art 188, VIII, da Lei de Falências, independentemente de ter a omissão concorrido ou não para a falência. // Neste contexto: 8

10 ESTADO DE SÂO PAULO o comerciante não é punido pela inexistência de livros destinados à escrituração da empresa; mas ocorrendo a falência, a falta de livros obrigatórios configura ilícito penal. A falta de livro obrigatório constitui crime de perigo contra o comércio, delito de mera conduta. Realçam os doutos que o simples fato de não possuir os livros configura o delito, independentemente de ter ou não concorrido para a falência" (TJSP - Rei. Des. WEISS DE ANDRADE - RJTSSP 112/479); "Supressão de livros obrigatórios. Delito de natureza formal, que se consuma com a não exibição ou depósito dos mesmos em cartório, em seguida ao decreto de falência" (TJSP - Rei. Des. REYNALDO AYROSA - RJTJSP 128/448). "O crime previsto no art. 188, VIII, da LF é de perigo. Basta a simples falta de apresentação dos livros obrigatórios no juízo falimentar para que ele se caracterize" (TJSP - Rei. Des. ONEI RAFAEL - RT 611/351). Por outro lado, a ficha cadastral da JUCESP (íls. 218) demonstra que o apelante ocupava a 9

11 posição de sócio gerente da empresa falida. Assim, não cabe a alegação de que ele não administrava a sociedade. Além disso, a falta de prática no ramo não escusa o empresário da imputação delituosa. Como dito anteriormente, cuida-se de delito de mera conduta, que encerra perigo presumido e prescinde da má fé do agente. Consigne-se, ainda, que, como bem salientou a digna Magistrada a íls. 478, em que pese alguns dos réus serem semi-analfabetos, não foi provado que a empresa explorava comércio exíguo, sendo certo, ademais, que tal dispositivo somente tem aplicação aos delitos tipificados no artigo 186 do Decreto-Lei 7.661/45. Ademais, insta considerar que o apelante foi citado pessoalmente, mas não compareceu ao interrogatório, tendo sido decretada sua revelia (fls. 311), o que denota o seu pouco interesse em colaborar com o esclarecimento da verdade. Em suma, o contexto probatório alicerça a bem prolatada condenação do Juízo monocrático, não havendo que se falar em insuíiciência de prova de autoria ou materialidade. /? 10

12 Entretanto, embora os fatos narrados na peça acusatória tenham sido devidamente comprovados, tem-se entendido que sendo diversos os crimes falimentares, apenas um deve ser considerado para efeito de punição, vale dizer, aquele com pena mais grave - em obediência ao princípio da unicidade dos crimes falimentares. É que, em última instância, pune-se o inadimplemento doloso das obrigações por parte do falido, obstando o recebimento das dívidas pelos credores. Logo, nada mais correto do que aplicar a sanção apenas uma única vez. Eis a jurisprudência: "Assentou a doutrina no sentido de que em matéria de crimes falimentares, há unidade no crime, não obstante a multiplicidade de fatos que a caracterizem. O fato criminoso que, em última análise, se pune é a violação do direito dos credores pela superveniente insolvência do comerciante. Todos os atos, portanto, contra tal direito devem ser considerados como um todo único. Concluindo, / 11

13 ESTADO DE SÂO PAULO é de se observar o princípio da unicidade dos crimes falimentares, pois, no caso concreto, os atos lesivos ensejaram a falência da empresa. Recurso parcialmente provido, apenas para declarar a unicidade dos crimes" (STJ - RHC 10593/SP - 5 a Turma, Rei. Min. JORGE SCARTEZZINI - j. 28/08/2001, DJ 08/04/2002, p ementa parcial). No mesmo sentido: RT 728/532, 633/272, 626/284, 602/322, 600/368, 575/364, 569/283. Destarte, aplicando o princípio da unicidade dos crimes falimentares na hipótese ora sob exame, e considerando que ambos os crimes mereceram idêntica punição, vale dizer, um ano de reclusão, afasto o concurso material indevidamente considerado, reduzindo a pena do réu para um ano de reclusão. Por fim, no tocante à aplicação do "sursis" em lugar da substituição da sanção corporal por pena alternativa, entendo que o pleito recursal deve ser acolhido. Ora, é preciso ressaltar, por primeiro, que o próprio inciso III do art. 77 do Código Penal autoriza a concessão do "sursis" quando a execução das penas alternativas não é indicada. Além disso, não se pode 12

14 perder de vista que o beneficio do art. 44 do Código Penal antecede ao do art. 77 na aplicação da pena, com a única finalidade de assegurar ao condenado o beneficio mais favorável. Assim, se a aplicação das penas alternativas está, por algum motivo, a se revelar como solução mais gravosa do que o "sursis", não se tem como insistir em sua aplicação ao invés de se conceder o beneficio do art. 77 do CP, desde que, obviamente, preenchidos os requisitos legais. Na espécie dos autos, a pena pecuniária aplicada ao réu, em substituição à pena corporal, é, de longe, muito mais gravosa do que o "sursis". Assim, não desmerecendo o recorrente as condições previstas no art. 77 do CP, concedo-lhe o "sursis", pelo prazo de 3 (três) anos, com a condição de prestar serviços à comunidade no primeiro ano do prazo. Ante o exposto, dou provimento parcial ao recurso para reconhecer o princípio da unicidade dos crimes falimentares, afastando o concurso material e fixando a pena do réu em 1 (um) ano de reclusão, e, ainda, para conceder ao apelante o beneficio do "sursis", pelo prazo de três anos, com a condição de prestar Apelação n" /0 Comarca de São Paulo Voto n

15 ESTADO DE SAO PAULO serviços à comunidade no primeiro ano do prazo, em lugar da substituição da pena corporal por multa, tal como fixado no decisório de primeiro grau. /SÉRGIO COELHO Relator Apelação n /0 Comarca de São Paulo 14 Voto n 4558

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