Renata Aparecida de Freitas

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1 as escolhas linguísticas revelando decisões: uma breve aplicação de conceitos da gramática sistêmico-funcional como instrumento de análise Renata Aparecida de Freitas

2 Renata Aparecida de Freitas Doutoranda em Teoria Literária e Literatura Comparada - USP. Mestre em Literatura e Crítica Literária - PUC SP; Graduado em Letras - USP. Professor de Teoria Literária, Literatura Comparada, Semiótica e Literatura Brasileira - Fatea. Professor Titular da Rede Pública Estadual.

3 resumo Este artigo pretende fazer uma breve aplicação dos pressupostos teóricos de Halliday sobre a Gramática Sistêmico-Funcional e o sistema da transitividade (metafunção Ideacional), com o objetivo de comprovar que, por meio da identificação de escolhas lingüísticas, é possível demonstrar que a opção pela carreira de professora está centrada na autora do texto analisado e em suas ações. Palavras-Chave Escolhas lingüísticas; Linguagem; Representações. Abstract This article intends to briefly apply Halliday theories about the Systemic Functional Grammar and the transitivity system (Ideation) and intends to prove that by identifying the linguistic chooses it is possible to demonstrate that the choice for the teacher s career is focused on the author of the analyzed text and on her actions. Keywords Linguistic choices; Language; Representing. janus, lorena, v. 4, n. 6, p , jul./dez.,

4 Introdução Este artigo pretende demonstrar que é possível comprovar, por meio de identificação e análise das escolhas linguísticas do sujeito escrevente, que a opção pela carreira de professora está centrada na autora do texto e em suas ações. Para tanto tomamos como base os pressupostos teóricos de Halliday (1994) sobre o sistema da transitividade, e os aplicamos na análise de um corpus constituído por uma redação escrita por uma aluna do 3º ano do curso de Letras, Habilitação em Espanhol, de uma instituição privada no Vale do Paraíba. Essa redação faz parte do corpus de nosso trabalho de dissertação de mestrado, que enfoca a produção escrita em língua espanhola com o objetivo de aprimorá-la. Para neutralizar a preocupação com a forma da produção escrita em espanhol, para essa análise optamos por trabalhar com o texto em português e anexar o original em espanhol. Fundamentação teórica Romero (2004) destaca que a Gramática Sistêmico-Funcional (GSF) trabalha com a linguagem em uso, estabelecendo por isso forte relação com a realidade. Aborda desempenhos sociais dentro de contextos específicos, levando em conta que os contextos são, por definição, diferentes, e determinam escolhas diferentes. A abordagem da linguagem escrita e oral pela GSF é semântica (e não sintática), pois identifica o papel de diferentes elementos lingüísticos em qualquer tipo de texto e sua função na construção de significados. Além disso, essa abordagem considera fundamentais o ambiente e o contexto de realização da produção lingüística, e vê a linguagem como um sistema de significados realizado através de um processo de escolhas. Romero (2004, p. 2) argumenta, baseando-se em Halliday (1994), que uma análise do discurso que não se baseie em gramática não pode ser levada a sério, pois que não passará de um mero comentário sobre o texto. A GSF parte do princípio de que as possibilidades de escolha dos falantes no sistema lingüístico (semântico, léxico-gramatical, fonológico e fonético) não são aleatórias; estão condicionadas ao contexto e são 36 janus, lorena, v. 4, n. 6, p , jul./dez., 2007

5 importantes na criação de diferentes significados. Teoriza sobre a língua como um processo social e como uma metodologia que permitem uma descrição detalhada e sistemática dos padrões lingüísticos, procurando explicar como os significados são construídos nas interações lingüísticas cotidianas. Seu objeto de estudo são interações sociais autênticas, constituídas por textos orais ou escritos, considerando seu contexto social, cultural e situacional para explicar por que um texto tem determinado significado. Halliday (1994) compreende que a língua está estruturada para construir três tipos de significados simultâneos: ideacional, interpessoal e textual, identificados como metafunções. A metafunção Ideacional trata da maneira como organizamos nossas experiências e ações do mundo real, através da língua. A metafunção Interpessoal revela o modo pelo qual os participantes se relacionam socialmente no discurso por meio da linguagem, e a metafunção Textual trata da organização do texto. Construindo a carreira de professora pelo sistema da Transitividade A metafunção Ideacional está centrada no conteúdo do discurso: que atividades se realizam, quem e como são os participantes dessas atividades. É realizada gramaticalmente pelo sistema da transitividade. Martin e Rose (2003) explicam que a Ideation ou metafunção Ideacional revela como falantes e escreventes constroem sua experiência de realidade, material e simbólica, no discurso. Nesse contexto, a oração ou figura é o instrumento que nos possibilita modelar a experiência, a maneira como vemos o mundo, através da escolha dos processos (ações), dos participantes (pessoas ou coisas, também chamados entidades) e das circunstâncias. A metafunção Ideacional identifica quatro tipos de processos: de fazer, de dizer, de sentir (perceber, pensar) e de ser (este último também chamado processo relacional, que identifica ou qualifica), pelo menos cinco formas de circunstâncias (de tempo, de lugar, de assunto, de papel, de companhia) e as formas de agir dos participantes, chamadas formas de participação. A análise das formas de participação pode ter como objetivo, segundo Martin e Rose (2003, p. 86), descobrir como pessoas e janus, lorena, v. 4, n. 6, p , jul./dez.,

6 coisas participam, à medida que o texto se desdobra. ROSE, 2003, p. 86, tradução nossa). Thompson (1996 apud SARTIN, 2006) argumenta que através das escolhas dos processos é possível identificar o papel dos participantes no discurso, e que os processos indicam a escolha consciente por parte do falante de uma forma de representação de mundo em detrimento de outras. A análise apresentada neste artigo se insere na metafunção Ideacional, pois aborda a maneira como a autora da redação constrói sua própria experiência como professora, investigando sua escolha de processos e de participantes. Método Nesta análise procuramos investigar a participação de pessoas e objetos e a escolha dos processos no relato da aluna sobre por que escolheu a carreira de professora. Para isso construímos um quadro principal (Quadro 1) no qual identificamos os participantes, os processos (fazer, dizer / sentir, ser) e qualidades relacionadas (ou a identificação), quando se tratou de processos relacionais. A seguir, desdobramos este quadro em outros mais específicos, para analisar a freqüência de participantes (Quadro 2), de tipos de processos (Quadro 3) e a associação do participante de maior frequência com a escolha de processos (Quadro 4). Análise do texto Quadro 1. Levantamento de Participantes, Processos e Qualidades relacionadas. Processos Qualidades fazer dizer/ ser relacionadas Participantes sentir (identidade) ser professor/tarefa (não) é (tão) fácil ser professor (não) serve * algumas pessoas (não) têm ** 38 janus, lorena, v. 4, n. 6, p , jul./dez., 2007

7 Pessoas escolhem carreira (de professor) é compensadora e gratificante brincava era a professora esse desejo (ser professor) foi crescendo estou realizando estou dando isso (dar aulas) deixa eles (os alunos) ensinam ensino os livros alcançam eu tento ensinar estudo ( n ã o ) tive ** quero fazer q u e r o ter** carreira (de professor) é Difícil carreira (de professor) combinou quero seguir puder ajudar eu incentivando os alunos estudar o estudo (vai) ser o diferencial *serve: sentido de ser ** ter: relacional possessivo. Análise dos dados O texto pode ser dividido em dois tópicos gerais: a visão que a aluna tem da profissão de professor (linhas 1 e 2) e como a aluna vem construindo sua carreira de professora, desde a infância (linhas 3 a 12). janus, lorena, v. 4, n. 6, p , jul./dez.,

8 Quadro 2. Análise de Participantes. Participante Número de participações Percentual ser professor 03 12% pessoas 02 7% carreira de professor 03 12% eu 13 50% dar aulas 01 4% os alunos 02 7% o estudo 01 4% os livros 01 4% Total % A análise de participantes revela que dentre 26 escolhas (100%), 13 (50%) apontam para o participante eu. Quadro 3. Análise de Processos. Processos Número de escolhas Percentual Fazer 17 64% Ser 06 24% Ter (relacional possessivo) 03 12% Total % A análise de processos revela que dentre 26 escolhas (100%), 17 (64%) se referem a processos de fazer. Quadro 4. Associação participante eu e escolha de processo. Participante Processo Número de escolhas Percentual Fazer 10 80% Ser 01 10% Ter 02 20% Total % A análise revela que, dentre 13 participações de eu (100%), 10 (80%) estão associadas a processos de fazer. Considerações finais 40 janus, lorena, v. 4, n. 6, p , jul./dez., 2007

9 Para a Gramática Sistêmico-Funcional, as escolhas do falante com relação a participantes e processos não são aleatórias e podem revelar suas representações dos fatos, do mundo exterior e também elementos de seu mundo interior (pensamentos, crenças, sentimentos). A abordagem sistêmico-funcional se baseia, portanto, em escolhas lingüísticas que têm como objetivo gerar significados, organizados em sistemas representados pelas três grandes metafunções da linguagem, segundo Halliday (1994): ideacional, interpessoal e textual. A metafunção Ideacional está centrada no conteúdo do discurso: que atividades se realizam, quem e como são os participantes dessas atividades. É realizada gramaticalmente pelo sistema da transitividade. A análise do ponto de vista Ideacional tem como ponto de partida uma oração ou figura, que se baseia em um núcleo semântico chamado processo, o qual envolve participantes e circunstâncias. Baseando-nos nestes pressupostos, analisamos neste trabalho a escolha dos processos para identificar o papel dos participantes do discurso. Concluímos que as escolhas lingüísticas da autora do texto confirmam nossas expectativas de que sua opção pela carreira de professora está centrada em si mesma (predomínio do participante eu ) e em suas ações (predomínio dos processos de fazer e associação de eu + fazer ). Referências HALLIDAY, M.A.K. An introduction to functional grammar. 2. ed. London: Edward Arnold, MARTIN, J. R.; ROSE, David. Ideation: representing experience. In:. Working with discourse: meaning beyond the clause. London: Continuum, ROMERO, T. R. S. Gramática e construção de significados. Claritas, v. 10, n, 1, SARTIN, F. Discurso docente no curso de Letras: uma análise de interatividade. Intercâmbio, vol. XV, janus, lorena, v. 4, n. 6, p , jul./dez.,

10 Anexos Transcrição Ser professor não é tarefa tão fácil, nem serve para todas as pessoas, pois algumas não têm vocação para isso. Mas para as que escolhem esta carreira é muito compensadora e gratificante. Desde pequena já brincava de escola com minha irmã, e eu sempre era a professora. Depois de algum tempo esse desejo foi crescendo em mim, e agora o estou realizando. 5 Estou dando aulas para crianças muito agradáveis e isso me deixa muito feliz. Eles me ensinam a ser mais amável, carinhosa e responsável. lhes ensino mais do que alcançam os livros, tento ensinar-lhes a viver melhor com o próximo e com eles mesmos. Também estudo para dar aulas de espanhol, mas ainda não tive oportunidade. E além disso quero fazê-lo com muito gosto, para ter bons resultados. 10 Mesmo sendo uma carreira difícil, foi a que mais combinou comigo e é a que quero seguir por muito tempo, até quando puder ajudar os alunos, incentivando-os a estudar sempre, porque é o estudo que vai ser o diferencial no mercado de trabalho. 42 janus, lorena, v. 4, n. 6, p , jul./dez., 2007