TELECONEXÕES E O PAPEL DAS CIRCULAÇÕES EM VÁRIOS NÍVEIS NO IMPACTO DE EL NIÑO SOBRE O BRASIL NA PRIMAVERA
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- Bárbara Castilhos Antas
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1 TELECONEXÕES E O PAPEL DAS CIRCULAÇÕES EM VÁRIOS NÍVEIS NO IMPACTO DE EL NIÑO SOBRE O BRASIL NA PRIMAVERA Alice M. Grimm Grupo de Meteorologia, Departamento de Física, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR. grimm@fisica.ufpr.br ABSTRACT The precipitation anomalies all over Brazil during spring of El Niño years are presented along with the associated atmospheric circulation anomalies. Variations of the essential ingredients of precipitation (convergence of moisture and a force to lift it to the condensation level) are diagnosed for each anomalous precipitation region through the analysis of rotational and divergent wind, advection of relative vorticity and divergence of moisture flux. The origin of the consistent circulation anomalies over South America is sought with the support of influence functions and model simulations. INTRODUÇÃO A primavera é o início da estação chuvosa na maior parte do Brasil e concentra o máximo de precipitação do ciclo anual em parte da Região Sul. A precipitação nesta estação é importante para a agricultura, pois é época de plantio. É durante a primavera que ocorre o maior impacto sobre a precipitação no sul do Brasil causado por eventos El Niño (EN) e La Niña (LN) (Grimm et al., 1998, 2000). Como as anomalias mais fortes e consistentes se concentram no mês de novembro, escolhemos este mês para estudo mais detalhado das razões para este impacto. O estudo de campos sazonais pode diluir aspectos importantes para a análise. Neste trabalho, são focalizadas as anomalias de precipitação sobre todo o Brasil durante novembros de EN e a origem das anomalias de circulação responsáveis por essas anomalias de precipitação. São também diagnosticadas as variações que essas anomalias de circulação produzem nos fatores responsáveis pela precipitação, como convergência de umidade e levantamento de ar. MATERIAL E MÉTODOS O impacto de eventos EN sobre a precipitação foi analisado a partir dos dados de mais de 1000 estações pluviométricas selecionadas no Brasil, usando-se o período Foram usadas estações cujas séries contivessem ao menos cinco episódios EN. As anomalias de circulação foram descritas a partir dos dados da reanálise do NCEP/NCAR, de 1963 a 1992, porque parte das estações de radiossondagens no Brasil começaram a operar após 1963 e, portanto, a reanálise em ar superior é mais confiável neste período. Totais de precipitação de novembro de cada estação foram transformadas em percentis da distribuição gama ajustada aos dados. A precipitação mediana em eventos EN é calculada e expressa como um percentil da distribuição do período inteiro, que pode ser interpretado como o percentil esperado em eventos EN. Este valor dá uma idéia mais imparcial do impacto desses eventos, pois valores de anomalias carregam consigam a influência da variância em cada estação. A consistência da relação entre EN e anomalias de chuva é testada calculando-se a probabilidade de obter s episódios secos (ou u úmidos) em t tentativas numa população de n1 amostras secas e n2 amostras úmidas, usando-se a distribuição hipergeométrica. Para testar a consistência da relação EN-condições úmidas (secas) de uma população que contém t episódios EN e s (u) deles são secos (úmidos), a probabilidade de obter mais que s (u) casos secos (úmidos) numa amostra de t episódios tomados ao acaso dessa população é calculada. Este é o nível de significância dessa relação. Este teste é robusto em relação à assimetria da distribuição de chuva. Para caracterizar os mecanismos responsáveis pelas anomalias de chuva, analisamos mudanças na circulação que alteram os ingredientes essenciais da chuva: convergência de umidade e levantamento do ar úmido ao nível de condensação. Anomalias de convergência de umidade estão relacionadas principalmente ao fluxo em baixos níveis. O levantamento pode ser causado por vários tipos de mecanismos, como variações nos ventos em altos níveis que podem aumentar ou suprimir convecção (variações nas correntes de jato e na advecção de vorticidade), divergência de grande escala, forçante térmica ou topográfica. O diagnóstico das variações que as anomalias de circulação produzem nos fatores responsáveis pela precipitação, como convergência de umidade e levantamento de ar, foi realizada através de uma análise dos 1113
2 componentes rotacional e divergente do vento em baixos e altos níveis e cálculo de quantidades como divergência do fluxo de umidade e advecção de vorticidade relativa em 500 hpa. Foram feitas composições destes parâmetros para eventos EN e a consistência das anomalias durante estes eventos foi avaliada em cada ponto de grade com procedimento similar ao descrito acima para a precipitação. Os eventos El Niño e La Niña usados neste estudo são dados na Tabela abaixo: El Niño 1957, 1963, 1965, 1969, 1972, 1976, 1979, 1982, 1986, A origem das anomalias de circulação rotacional responsáveis pelas anomalias de precipitação, principalmente nas regiões Centro-Leste e Sul do Brasil, é estudada de duas formas: através de funções de influência de um modelo barotrópico da equação da vorticidade e através de simulações com este modelo. As funções de influência indicam as regiões nas quais divergência anômala em altos níveis (associada nos trópicos a fontes anômalas de calor na atmosfera) é mais eficiente em gerar circulação rotacional anômala em torno de dado ponto. (Grimm e Silva Dias, 1995). O modelo usado incorpora a divergência do estado básico e a advecção de vorticidade pelo vento divergente. RESULTADOS E DISCUSSÃO Em novembro de eventos EN há fortes e consistente anomalias positivas de precipitação em toda a Região Sul, enquanto em parte da Região Norte predominam anomalias negativas. Na Região Centro-Leste predominam anomalias negativas, embora não consistentes em toda a área (Fig. 1). Durante a primavera dos eventos EN as anomalias de temperatura da superfície do mar estão já bem desenvolvidas no Pacífico tropical leste, gerando as anomalias de precipitação e fontes anômalas de calor associadas. Na mesma época, há ainda forte baroclinicidade nos subtrópicos da América do Sul e, portanto, um forte jato subtropical. A propagação de ondas de Rossby em direção ao sul da América do Sul fica favorecida. De fato, nota-se um trem de ondas de Rossby originada no Pacífico Leste dirigindo-se para o Sul e então curvando-se para nordeste, em direção ao Oceano Atlântico. Tal padrão é muito consistente durante eventos EN (Fig. 2a). Além deste, há um trem de ondas que emana do Pacífico Central para latitudes altas. Em baixos níveis, há anomalias mais fracas. Sobre a América do Sul, o sinal das anomalias em altos e baixos níveis tende a ser o mesmo, nos subtrópicos e latitudes médias (Fig. 2b). O trem de ondas no Pacífico Leste tem papel crucial na geração das anomalias de precipitação no Sul do Brasil. Ele fortalece o jato subtropical, favorecendo instabilização e, devido a posição do centro ciclônico no sudoeste da América do Sul, favorece a advecção de vorticidade ciclônica para o sudeste da América do Sul. A Fig. 4a mostra o predomínio da advecção de vorticidade ciclônica sobre a região de maiores excessos de precipitação. As anomalias negativas de precipitação no Norte e Centro do Brasil devem-se, principalmente, às alterações na circulação de Walker produzidas pela redistribuição das fontes tropicais de calor durante eventos El Niño, como já citado por outros autores (e.g., Kousky et al., 1984). A Fig. 3a mostra regiões de vento divergente anômalo em 200 hpa sobre o Pacífico Central e Leste equatorial, e vento convergente sobre o centro e norte da América do Sul. Verifica-se, ainda, que boa parte da convergência sobre essa região deve-se também ao componente meridional do vento divergente, ou seja, às alterações na circulação de Hadley, favorecidas por excessos de precipitação nos subtrópicos das Américas. Essa convergência em altos níveis produz subsidência sobre o Centro-Norte, inibindo a convecção e resultando em divergência nos baixos níveis (Fig. 3b). A circulação em baixos níveis influencia o transporte e divergência de umidade. A subsidência sobre a Amazônia e consequente divergência em baixos níveis produz circulação anticiclônica sobre o Brasil Central. Esta circulação, embora favoreça o fluxo de umidade do Atlântico para o Norte do Brasil, desvia este fluxo para o oeste e daí para a Região Sul. Há, portanto, consistente divergência de umidade no Centro e parte do Norte do Brasil e convergência no Sul (Fig. 4). A composição de função corrente em 200 hpa, indica que o trem de ondas que passa sobre o sul da AS se origina do Pacífico Leste. Para verificar a região em que mais provavelmente se situa a fonte anômala de calor responsável pela geração deste trem de ondas, calculamos as funções de influência dos seus três centros de ação (não mostradas). Todas tem, na região equatorial, valores mais altos no Pacífico Leste. Contudo, a função de influência para o terceiro centro, próximo do sudeste do Brasil, mostra valores altos também no Brasil Central. Isto permite a conclusão de que o padrão anticiclônico no Sudeste do Brasil deve-se mais à supressão de convecção sobre o Brasil Central-Norte que à convecção anômala do Pacífico Leste, embora esta seja a causa primária daquela. A suposição acima foi testada com simulações com o modelo barotrópico aplicado em 200 hpa, usando estado básico climatológico de novembro e divergência anômala em altos níveis especificada. Na função corrente 1114
3 resultante, as médias zonais foram retiradas, para que se possam ver mais claramente as anomalias zonalmente assimétricas. Para permitir a comparação com a situação observada, são mostradas na Fig. 5 as anomalias de função corrente observadas, sem as médias zonais. Na primeira simulação, com divergência anômala no Pacífico Leste, pouco ao norte do equador (Fig. 6a), onde há indicação de consistente fluxo divergente na Fig. 3a, obtém-se um trem de ondas em que o centro anticiclônico observado no Atlântico está deslocado para latitudes médias e o padrão ciclônico no sudoeste da AS está um pouco deslocado para leste (Fig. 6a). Na segunda simulação, na qual se acrescenta a convergência anômala em altos níveis sobre o Brasil Central-Norte, o par ciclone/anticiclone sobre o Brasil está melhor representado. Não é possível comparar magnitudes, porque nem a magnitude da divergência especificada nem a dissipação no modelo reproduzem exatamente a realidade. Contudo, a análise qualitativa mostra a importância das fontes anômalas de calor no Pacífico Leste e Amazônia. CONCLUSÕES Na primavera de eventos EN, aqui representada pelo mês de novembro, há fortes e consistentes anomalias positivas de precipitação no Sul do Brasil, enquanto em parte do Norte há consistente tendência à seca. No Brasil Central-Leste há tendência à seca, mas sem muita consistência. A análise das perturbações de circulação mostra que há fortalecimento do jato subtropical sobre o Sul do Brasil e o estabelecimento de um par anômalo ciclone-anticiclone que favorece a advecção de vorticidade ciclônica em 500 hpa sobre a região, o que fornece condições dinâmicas favoráveis ao levantamento de ar. A seca na Região Centro-Norte do Brasil é causada por subsidência de grande escala sobre a região, devida a alterações na circulação de Walker promovidas pelas fontes equatoriais anômalas de calor durante eventos EN. Esta subsidência produz em baixos níveis uma circulação anticiclônica na maior parte do país que, com a ajuda da circulação ciclônica a sudoeste da América do Sul, conduz o fluxo de umidade do Atlântico para o sul do Brasil, sul do Paraguai e nordeste da Argentina. As anomalias de circulação que conduzem às anomalias de precipitação devem-se a um trem de ondas de Rossby forçado a partir da convecção anômala no Pacífico Oeste e da subsidência no Brasil Central-Norte. AGRADECIMENTOS Esta pesquisa contou com o apoio do CNPq e do IAI. Agradecimentos a Raphael Balbinotti e Josef Magalhães pela ajuda na montagem das figuras e ao Dr. Igor Pisnitchenko pela cessão do programa de cálculo de advecção de vorticidade e divergência de umidade. REFERÊNCIAS GRIMM, A. M., SILVA DIAS, P. L. Analysis of tropical-extratropical interactions with influence functions of a barotropic model. Journal of the Atmospheric Sciences, v.52, p , GRIMM, A.M., FERRAZ, S.E.T., GOMES, J. Precipitation anomalies in Southern Brazil associated with El Niño and La Niña events. Journal of Climate, v.11, p , GRIMM, A.M., BARROS, V.R., DOYLE, M.E. Climate variability in Southern South America associated with El Niño and La Niña events. Journal of Climate, v.13, p.35-58, KOUSKY, V.E., KAYANO, M.T., CAVALCANTI, I.F.A. A review of the Southern Oscillation: oceanic atmospheric circulation changes and related rainfall anomalies. Tellus, v.36a, p ,
4 (a) Fig. 1 Percentis esperados de precipitação para Novembro (0) de eventos El Niño. As áreas sombreadas indicam consistência com um nível de significância melhor que 90%. Fig. 2 Composição de anomalias de função corrente para Novembro (0) de eventos El Niño em (a) 200 hpa e 850 hpa. Unidades estão em 10 6 m 2 s -1. As áreas sombreadas indicam anomalias consistentes com nível de significância melhor que 90%. (a) (a) Fig. 3 - Composição de anomalias de vento divergente para Novembro (0) de eventos El Niño em (a) 200 hpa e 850 hpa. Unidades estão em ms -1. As áreas sombreadas indicam anomalias consistentes com nível de significância melhor que 90%. Fig. 4 Composição de anomalias para novembro (0) de eventos El Niño de: a) advecção de vorticidade relativa em 500 hpa (em s -2 ); b) divergência de umidade (em 10-9 gs -1 Kg -1 ). 1116
5 Fig. 5 Composição de anomalias de função corrente em 200 hpa para Novembro (0) de eventos El Niño, com as médias zonais removidas. Unidades estão em 10 6 m 2 s -1. As áreas sombreadas indicam anomalias consistentes com nível de significância melhor que 90%. a) b) Fig. 6 - a) Divergência idealizada em 200 hpa correspondente a uma fonte de calor no Pacífico leste. Intervalo entre isolinhas de 5.0E-7 s-1. b) Função corrente anômala estacionária em 200 hpa, correspondente a essa divergência sem os componentes zonalmente simétricos. Intervalo entre isolinhas de 1.0E+6 m 2 /s. a) b) Fig. 7 - a) Divergência idealizada em 200 hpa correspondente a uma fonte de calor no Pacífico leste e subsidência sobre a Amazônia. Intervalo entre isolinhas de 5.0E-7 s-1. b) Função corrente anômala estacionária em 200 hpa, correspondente a essa divergência sem os componentes zonalmente simétricos. Intervalo entre isolinhas de 1.0E+6 m 2 /s. 1117
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