Revista Brasileira de Oncologia Clínica Vol. 8, n o 29 julho / agosto / setembro 2012
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1 130 Artigo de Revisão Receptores tirosina-quinase: implicações terapêuticas no câncer Receptor tyrosine kinases: therapeutic implications in cancer Caio Abner V G Leite 1 ; José Victor G Costa 1 ; Rodrigo B Callado 1 ; João Nathanael L Torres 1 ; Roberto César P Lima Júnior 2 ; Ronaldo A Ribeiro 3 1 Acadêmicos de Medicina, Ex-Monitores de Farmacologia, atuais Bolsistas de Iniciação Científica (CNPq), Faculdade Medicina, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil. 2 Professor Adjunto de Farmacologia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil. 3 Professor Titular de Oncologia e Farmacologia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará; Oncologista Clínico do Hospital Haroldo Juaçaba do Instituto do Câncer do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil. Pesquisador 1A do CNPq. Palavra-Chave câncer, receptor tirosina quinasetirosinaquinase, inibidor de tirosina quinasetirosinaquinase, anticorpo monoclonal Resumo Nas últimas duas décadas, a melhor compreensão da biologia do câncer permitiu um progresso notável no manejo clínico dessa doença. Isso é resultado do crescente conhecimento sobre as estruturas moleculares e vias de sinalização de receptores tirosina-quinase, o que levou ao desenvolvimento de diversas terapias alvo, incluindo os inibidores de tirosina-quinase (TKIs) e os anticorpos monoclonais (Mabs). Alguns dos TKIs disponíveis são relativamente específicos para o receptor de fator de crescimento epidérmico (EGFR), como o Erlotinibe e o Gefitinibe, enquanto outros, por exemplo, Sunitinibe e Sorafenibe, agem em vários alvos, incluindo receptor do fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGFR) e receptor do fator de crescimento do endotélio vascular (VEGFR). Além disso, um número de Mabs, como o Trastuzumabe (anti-her2), Cetuximabe (anti-egfr) e Bevacizumabe (anti-vegf), vem sendo utilizados na terapêutica do câncer, como no câncer de mama, câncer colorretal e câncer de pulmão não pequenas células. Um grande número de outros TKIs e Mabs está sob investigação em ensaios clínicos. Dessa forma, esta revisão fornece uma visão geral das terapias alvo, com ênfase sobre os mecanismos, aplicabilidade clínica e perspectivas futuras. Keywords cancer, tyrosine kinase receptor, tyrosine kinase inhibitor, monoclonal antibody Abstract In the last two decades, the improved understanding of the cancer biology allowed a remarkable progress in the management of such disease. This is a result of the growing knowledge regarding the structures and signaling pathways of tyrosine kinase receptors, which led to the development of several target therapies, including the tyrosine kinase inhibitors (TKIs) and monoclonal antibodies (Mab). Some of the available TKIs are relatively specific for epidermal growth factor receptor (EGFR), such as erlotinib and gefitinib, while others, for instance sunitinib and sorafenib, act on multiple targets, including platelet-derived growth factor receptor (PDGFR) and vascular endothelial growth factor receptor (VEGFR). In addition to that, a number of Mabs, such as trastuzumab (anti-her2), cetuximab (anti-egfr) and bevacizumab (anti-vegf) have been used in cancer therapy, for example breast cancer, colorectal cancer and non-small cell lung cancer. A great number of other TKIs and Mabs are under investigation in clinical trials. Then, this review provides an overview of target therapies, with an emphasis on the pharmacological mechanisms, clinical applicability and future perspectives. Recebido: 23/02/2012 Aceito: 04/10/2012
2 Receptores tirosina quinasetirosina-quinase: implicações farmacológicas e terapêuticas no câncer 131 Introdução O tratamento farmacológico do câncer recebeu significativos avanços nas últimas décadas. A descoberta de vias envolvidas na transdução de sinais desencadeados pela ativação de receptores por seus ligantes nas células tumorais tornou possível a identificação e posterior validação de novos alvos terapêuticos do câncer, levando ao desenvolvimento de novas classes de drogas, comumente conhecidas como terapias alvo. Essas drogas representam uma grande promessa para o aperfeiçoamento dos tratamentos convencionais, que se baseiam na ressecção cirúrgica tumoral, na radioterapia, hormonioterapia, e quimioterapia. A terapia-alvo está frequentemente dirigida aos ligantes (fatores de crescimento), aos seus receptores ou ainda às moléculas envolvidas nas suas vias de sinalização intracelular. Os fatores de crescimento (FC) desempenham um papel importante no controle da maioria dos processos celulares fundamentais, incluindo proliferação, diferenciação, metabolismo e sobrevivência celular, bem como migração celular e controle do ciclo celular 1. Os receptores dos FC podem sofrer desregulação em uma variedade de processos patológicos, incluindo câncer, diabetes, inflamação, doenças ósseas graves, arteriosclerose, e angiogênese 1. No câncer, alterações nesses FC e/ou em seus receptores ou ainda nas vias de transdução de sinais, por eles desencadeadas, podem estar presentes em várias características associadas ao fenótipo maligno, entre as quais pode-se citar: aquisição de auto-suficiência na produção de FC, de insensibilidade aos supressores do crescimento, de resistência à morte celular, de escape à destruição imune, de indução de angiogênese, de ativação da invasão e metastatização, de um potencial replicativo ilimitado, de instabilidade genômica e mutação, de inflamação promovida pelo tumor, e de desregulação energética celular 2. Este trabalho foi realizado através de uma revisão bibliográfica, de fontes de revistas indexadas em bases de dados (PubMed, Scielo, Medline), com objetivo de discutir os mecanismos farmacológicos e moleculares envolvidos na ativação de receptores tirosina-quinase por ligantes, na transdução de sinais intracelulares desencadeados, assim como nas implicações relacionadas ao fenótipo maligno. Finalmente, realizamos a descrição do impacto da utilização dessas terapias na prática clínica do tratamento oncológico. Consideraram-se os artigos publicados até janeiro de 2012 e descritores padronizados: cancer, solid tumors, tyrosine kinase receptors, target therapy, tyrosine kinase inhibitors, monoclonal antibodies, clinical trials. Para cada um desses, foram selecionados os descritores padronizados que se relacionavam a cada tema. Foram utilizados os operadores booleanos or/ and entre os descritores padronizados. Classificação dos Receptores Celulares Baseados na estrutura molecular e na natureza dos mecanismos de transdução de sinal com ativação de cascatas intracelulares, classicamente pode-se distinguir quatro tipos de receptores: Receptores Tipo I (Canais iônicos controlados por ligantes ou ionotrópicos). São proteínas de membrana com estrutura similar a outros canais iônicos, incorporando um sítio de ligação ao ligante (receptor), geralmente no domínio extracelular. Tipicamente, estes são os receptores nos quais os neurotransmissores rápidos agem. Exemplos incluem o receptor nicotínico da acetilcolina e o receptor de glutamato. Os canais iônicos geralmente se abrem quando o receptor estiver ocupado por um agonista. Entretanto, também podem ser modulados de diversas maneiras. O tipo mais simples de modulação envolve um bloqueio físico do canal pela molécula da droga, como ocorre com a ação bloqueadora dos anestésicos locais sobre o canal de sódio. Uma ativação ou inibição também pode ocorrer pela interação indireta envolvendo uma proteína G e outros intermediários 3 ; Receptores Tipo II (Receptores acoplados à proteína G ou metabotrópicos). São receptores que atravessam sete vezes a membrana celular (heptaelicoidais). São receptores de membrana que estão acoplados a sistemas efetores intracelulares via uma proteína G. Esses receptores tem sua regulação feita por proteínas G triméricas, em contraposição às proteínas G monoméricas, como RAS ou rac, por exemplo, também chamadas pequenas proteínas G. A proteína G tem esse nome devido a sua interação com os nucleotídios de guanina guanosina difosfato (GDP) e guanosina trifosfato (GTP) e c. As proteínas G triméricas consistem em três subunidades (alfa, beta e gama) que são difusíveis no plano da membrana celular. Estas atuam ativando ou inibindo a formação de segundos mensageiros intracelulares (Trifosfato de inositol, Diacilglicerol, 3,5 -adenosina-monofosfato cíclico), culminando com a fosforilação de proteínas e canais iônicos, por exemplo. Nessa classe de receptores estão incluídos os receptores para hormônios e transmissores lentos, como o muscarínico da acetilcolina e os receptores adrenérgicos 3. Receptores Tipo III (Receptores ligados à quinase e correlatos). Esse é um grande e heterogêneo grupo de receptores de membrana respondendo principalmente a mediadores protéicos. Apresentam um domínio Revista Brasileira de Oncologia Clínica Vol. 8, n o 29 julho / agosto / setembro 2012
3 132 extracelular de ligação ao ligante conectado a um domínio intracelular por uma hélice única transmembrana. Em muitos casos, o domínio intracelular é de natureza enzimática (com atividade proteína quinase). Essa família inclui receptores para insulina, citocinas e fatores de crescimento (EGF e VEGF, por exemplo) 3 ; Receptores Tipo IV (Receptores nucleares). São receptores que regulam a transcrição gênica. O termo receptor nuclear é um tanto falho, pois alguns estão na realidade localizados no citoplasma e migram para o compartimento nuclear, quando um ligante está presente. Compreende receptores para hormônios esteróides, hormônio da tireóide e outros agentes como o ácido retinóico e vitamina D3. Em função dos objetivos dessa revisão, iremos nos deter aos mecanismos envolvidos na sinalização dos receptores com atividade proteína quinase, devido à importância que estes possuem na biologia do câncer e como alvos terapêuticos. Figura 1. Estrutura dos principais receptores tirosina quinasetirosina-quinase. Os receptores tirosina quinasetirosina-quinase humanos contêm 20 subfamílias, das quais seis estão esquematicamente mostradas na figura com os nomes listados abaixo de cada receptor. Domínios estruturais nas regiões extracelulares, identificados por determinação da estrutura ou análise da seqüência, e são marcados de acordo com a estrutura. Os domínios intracelulares são mostrados como retângulos vermelhos (Adaptado de Lemmon et al., 2010). EGF VEGF PDGF IGF1 Ret ALK Receptores Tirosina-Quinase Atualmente, foram descritos 58 Receptores tirosina-quinase (RTK) humanos, divididos em 20 subfamílias, dos quais cada um é caracterizado por três segmentos: um domínio extracelular que funciona como um local obrigatório para um ligante específico, um domínio transmembranar e um domínio tirosina-quinase citoplasmático, além de sequências enzimáticas adicionais que promovem a transdução do sinal intracelular 1. A figura 1 mostra exemplos de alguns desses receptores. Quando ocorre o contato entre o ligante (FC) e seu receptor na forma monomérica, ocorre um processo de dimerização, resultando na fosforilação do domínio intracelular, através da reação entre ATP e resíduos de tirosina. Em seguida, ocorre a fosforilação de proteínas-alvo que possuem o domínio SH2, o qual representa um sítio de reconhecimento para as fosfotirosinas. A fosforilação intracelular inicia uma cascata de reações citoplasmáticas que culmina em diversas respostas celulares 3. As reações citoplasmáticas ocorrem através de complexas interações enzimáticas seqüenciais, que constituem as vias de sinalização. As principais vias de sinalização dos fatores de crescimento envolvem a via PI3K/Akt (Fosfatidilinositol 3-quinase/ proteína quinase b) e a via Ras/Raf/MEK/MAPK, as quais têm funções importantes no crescimento, metabolismo, sobrevivência e divisão celular 4 (Figura 2). As vias Ras/Raf/MEK/MAPK e PI3K/Akt desempenham papéis críticos na transmissão de sinais provenientes dos receptores de FC para regular a expressão gênica EGRF HER2 HER3 HER4 Tisosina quinase VEGFR1 VEGFR2 VEGFR3 L PDGRFα PDGRFβ CSF1R Fms/KIT FLT3/FLK2 Rico em Cisteína Fibronectina Tipo III IR IGF1R IRR Ret Caderina Ig Ldla Domínio Mam ALK LTK e evitar a apoptose. Estas vias interagem entre si para regular o crescimento e, em alguns casos a carcinogênese. Componentes dessas vias podem estar mutados ou superexpressos em diversos cânceres humanos (por exemplo, Ras, B-Raf, PI3K, PTEN, Akt) 5. Os principais FC envolvidos com o câncer, os quais representam alvos terapêuticos importantes são: fator de crescimento epidérmico (EGF), fator de crescimento do endotélio vascular (VEGF), fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGF), fator de células tronco (SCF), fator de crescimento semelhante à insulina (IGF), entre outros. As principais abordagens terapêuticas envolvidas com os receptores tirosina-quinase são baseadas no uso de (a) Anticorpos monoclonais (Monoclonal Antibodies
4 Receptores tirosina quinasetirosina-quinase: implicações farmacológicas e terapêuticas no câncer 133 Figura 2. Vias de transdução de sinais dos fatores de crescimento. Os receptores ativados estimulam as cascatas de fosforilação, incluindo aquelas envolvendo Raf/Ras/MEK/MAPK e PI3K/Akt, culminando na proliferação, sobrevivência celular, e angiogênese. (Adaptado de Murer, 2008) Estímulo Inibição PTEN mtor Síntese protéica AKT Ciclina D1 Ciclo Celular P53 PI3K Apoptose P BcIXL P Grb2 Ras Raf MEK MAPK PROLIFERAÇÃO,SOBREVIVÊNCIA E ANGIOGÊNESE ou MAbs), e (b) pequenas moléculas inibidoras da tirosina-quinase (Tyrosine Kinase Inhibitors ou TKIs), que podem se ligar de forma reversível ou irreversível, e atuarem especificamente num receptor ou em vários. Apesar de atuarem com o mesmo objetivo final, essas duas classes de fármacos possuem mecanismos moleculares e perfil clínico diferentes. MAbs são geralmente direcionados ao domínio externo dos receptores ou ao ligante, bloqueando a ligação ligante-receptor. TKIs impedem a fosforilação do domínio intracelular irosina-quinase, uma vez que competem pelo sítio de ligação do ATP 6. Fator de Crescimento Epidérmico O receptor do fator de crescimento epidérmico (EGF), conhecido por HER-1 (Human Epidermal growth factor Receptor-1) medeia numerosos processos essenciais nas células epiteliais normais, incluindo proliferação, sobrevivência diferenciação, adesão e migração 7. Nos seres humanos, existem quatro membros da família HER: EGFR/ErbB-1, HER2/ErbB-2/neu-2, HER3/ErbB-3, e HER4/ErbB-4 8. Quando esses receptores são estimulados por ligantes, ocorre a dimerização na forma de homodímeros ou heterodímeros. A capacidade da família HER heterodimerizar permite uma maior diversificação de vias de sinalização 9. Embora todos os membros dessa família de receptores sejam importantes mediadores das células normais do epitélio normal, não surpreendentemente, eles podem encontrar-se desregulados no câncer. De fato, anormalidades da via têm sido identificadas em câncer da mama, ovário, pulmão e cólon, para citar alguns. A desregulação dos receptores HER ocorre por uma variedade de mecanismos, entre eles: (a) superexpressão do receptor 10. (b) superprodução de ligantes 11. (c) superexpressão do receptor acrescido de superprodução de ligantes, o que resulta numa alça autócrina 12. (d) mutações que provocam a ativação constitutiva do domínio tirosina-quinase 13. (e) defeito na internalização com consequente não desativação dos receptores, mecanismo conhecido como downregulation 14. Além dos mecanismos de desregulação, os receptores tirosina-quinase podem ser estimulados por outras vias de sinalização, processo conhecido como transativação ou cross-talk. Essas vias marginais podem advir da ativação de receptores acoplados a proteína G, de receptores de citocinas/proteínas de adesão, de receptores ativados por canais de cálcio voltagem dependentes, várias formas de estresse celular (radiação ultravioleta, radiação gama, além de vários compostos oxidantes) 15. Com os processos de desregulação, as células tornam- -se propensas à perpetuação tumoral, dando margem para que algumas estratégias terapêuticas possam bloquear esses processos. Os principais fármacos utilizados são Mabs e TKIs, como mostrado na figura 3. Figura 3. Terapia alvo direcionada à família do receptor do fator de crescimento epidérmico. Cetuximabe Gefitinite Erlotinibi Inibição Trastuzumabe HER1 Lapatinibe Pertuzumabe HER2 HER3 HER4 Canertinibe Revista Brasileira de Oncologia Clínica Vol. 8, n o 29 julho / agosto / setembro 2012
5 134 Inibidores de Tirosina-Quinasedo EGFR/HER1 Gefitinibe Gefitinibe (Iressa, AstraZeneca) é uma pequena molécula que inibe reversivelmente a autofosforilação da tirosina-quinase do EGFR/HER1, inibindo a sua via de sinalização 16. Os efeitos antitumorais atribuídos ao Gefitinibe foram mostrados inicialmente em estudos pré-clínicos in vivo com xenoenxertos utilizando células tumorais de câncer de pulmão e próstata em animais atímicos 17. Em seguida, foram desenvolvidos estudos clínicos com Gefitinibe em pacientes com câncer de pulmão não-pequenas células (CPNPC). No estudo fase I, foi mostrada resposta objetiva encorajadora de aproximadamente 8,5%1 8, evidenciada também em dois estudos fase II (IDEAL 1 e 2), com respostas objetivas de 12% 19 e 18% 20. Entretanto, em grandes estudos fase III (IN- TACT 1 e 2) em que pacientes com CPNPC avançado, foram randomizados para receber quimioterapia à base de platina versus quimioterapia à base de platina em combinação com Gefitinibe, não foi evidenciado diferença significativa em termos de sobrevida geral (SG) e sobrevida livre de progressão (SLP) entre os grupos analisados 21,22. A observação de que subgrupos de pacientes do sexo feminino, com tipo histológico de adenocarcinoma 19,20, e de etnia japonesa 19 apresentavam maiores taxas de resposta e maior sobrevida média, estimulou estudos posteriores na tentativa de identificar possíveis preditores de resposta ao Gefitinibe. Além disso, nunca ter fumado estava associado com sensibilidade aumentada ao Gefitinibe No entanto, não estava claro se resultados semelhantes seriam vistos em estudos controlados utilizando outras terapias ou se estes seriam fatores preditivos específicos para o Gefitinibe. Em uma análise retrospectiva, 81% dos pacientes que tiveram respostas parciais ou melhora clínica acentuada com uso de Gefitinibe ou Erlotinibe (outro inibidor do EGFR) apresentavam mutações no domínio tirosina-quinase EGFR (nos éxons 19 ou 21) 26. As mutações do EGFR foram mais prevalentes em mulheres, nunca-fumantes, com histologia de adenocarcinoma e de origem étnica asiática 26-29, ou seja, aqueles grupos que já se mostravam com melhor resposta ao uso do Gefitinibe. Com isso, foram desenvolvidos diversos estudos com finalidade de mostrar o benefício clínico do Gefitinibe em pacientes com CPNPC selecionados de acordo com as características clínicas ou da genética dos tumores. Dessa forma, o Gefitinibe foi associado a uma melhora significativa na sobrevida SG (9,5 vs 5,5 meses, p = 0.010, n=235) em pacientes de origem asiática com CPNPC previamente tratados com quimioterapia 30. Finalmente, um estudo fase III, utilizando pacientes asiáticos com CPNPC, tipo histológico adenocarcinoma, não fumantes ou ex-fumantes leves, sem quimioterapia prévia, evidenciou superioridade na SLP do grupo tratado com Gefitinibe em comparação ao grupo tratado com carboplatina e paclitaxel (24,9% vs 6,7% de SLP em 12 meses) 31. Os resultados desse estudo evidenciaram também que a presença das mutações do EGFR seria forte preditor de melhor resposta objetiva ao Gefitinibe 31. Outro estudo fase III randomizou 230 pacientes com CPNPC metastático e mutação do EGFR para receberem Gefitinibe ou quimioterapia, e evidenciou um aumento na SLP (10,8 vs 5,4 meses, p<0,001) nos pacientes submetidos ao Gefitinibe, bem como um aumento na SG (30,5 vs 23,6 meses p=0,31) 32. Erlotinibe O Erlotinibe (Tarceva, Genentech Roche) é uma pequena molécula que inibe reversível e seletivamente a atividade tirosina-quinase do EGFR, competindo com o ATP pelo sítio de ligação no domínio intracelular do EGFR 33. O Erlotinibe apresentou atividade antitumoral em modelos animais de câncer de cabeça e pescoço, carcinoma vulvar 34, câncer de mama e colorretal 35. O estudo de fase III (BR21) em pacientes com CPNPC avançado que falharam a uma ou duas linhas de quimioterapia padrão, e que foram randomizados (2:1) para receber Erlotinibe mais melhores cuidados de suporte versus placebo mais melhores cuidados de suporte, evidenciou um aumento nas taxas de SLP (2,2 vs 1,8 meses, p<0,001, n=731) e SG (6,7 vs 4,7 meses, p<0,001) no grupo tratado com Erlotinibe 35. As taxas de resposta foram ainda maiores em pacientes que apresentaram rash, mulheres, nunca-fumantes, de etnia asiática, e com histologia de adenocarcinoma 35. A avaliação da qualidade de vida dos pacientes desse estudo, definido como o tempo de piora clinicamente significativa em três sintomas (tosse, dispnéia e dor), mostrou que pacientes que receberam Erlotinibe tiveram um maior tempo até a piora clínica 36. O BR21 foi o primeiro estudo a mostrar aumento de sobrevida em tumores sólidos tratados com inibidor de tirosina- -quinase do EGFR. O Erlotinibe também mostrou eficácia no tratamento de primeira linha em pacientes de etnia asiática com CPNPC e mutação do EGFR, com aumento de SLP (13,1 vs 4,6 meses, p<0,0001, n=165)37 e também em pacientes de etnia caucasiana, com aumento de SLP (9,4 vs 5,2 meses,p<0,0001, n=1227) e SG (22,9 vs 18,8, p=0,42) 38. Além disso, um estudo fase II demonstrou que o acréscimo de Erlotinibe ao tratamento com gencitabina aumentou a SG (6,24 vs 5,91 meses, p=0,023, n=569)
6 Receptores tirosina quinasetirosina-quinase: implicações farmacológicas e terapêuticas no câncer 135 e SLP (3,75 vs 3,55 meses, p=0,004) de pacientes com carcinoma de pâncreas localmente avançado, inoperável ou metastático 39. Inibidores Duais de HER1 e HER2 Lapatinibe Lapatinibe (Tykerb, GlaxoSmithKline) é um inibidor reversível da autofosforilação de ambos os receptores tirosina-quinase HER1 e HER2 40. O Lapatinibe inibe também uma forma de receptor HER2, conhecida por p95her2 ou HER2 truncado, cujo domínio extracelular de ligação ao Trastuzumabe está ausente, o que confere resistência ao uso deste fármaco 41. Depois de demonstrada a atividade antitumoral do Lapatinibe em xenoenxertos, e em estudos fase I/ II, foi avaliada, em estudo clínico fase III, a eficácia da associação de Lapatinibe com Capecitabina em mulheres com câncer de mama HER2-positivo metastático ou localmente avançado que progrediu após tratamento com regimes que incluiam antraciclinas, taxanes e Trastuzumabe (anticorpo anti-her2). O estudo concluiu que a terapia combinada proporciona maior SLP (8,4 s 4,4 meses, p<0,001, n=324) e maior taxa de resposta quando comparado à monoterapia com capecitabina, contudo a SG foi semelhante em ambos os braços do estudo 42. Anticorpos Anti-Her Anticorpos Anti-EGFR/HER1 Cetuximabe Cetuximabe (Erbitux, Merck) é um anticorpo quimérico (recombinante, com características humanas e murinas) que se liga especificamente ao domínio extracelular do EGFR humano em células normais e tumorais, e inibe competitivamente a ligação do EGF ao seu receptor 43. A inibição do EGFR através da ligação ao Cetuximabe promove uma vasta gama de propriedades biológicas antitumorais, exploradas em modelos experimentais in vitro e in vivo 43. Estimulados pelos resultados pré-clínicos, diversos ensaios clínicos utilizando combinações de quimioterapia com Cetuximabe foram estudados em vários tipos de tumores. No câncer colorretal metastático, um ensaio clínico fase III mostrou que o acréscimo do Cetuximabe ao tratamento de primeira linha, com irinotecano, 5-fluorouracil e leucovorin (FOLFIRI) possibilitou um aumento na resposta objetiva (46,9 vs 38,7%, p=0,004) e na SLP (8,9 vs 8,0, p=0,048, n=599), sem aumento significativo na SG (estudo CRYSTAL) 44. Quando estudado apenas os pacientes sem mutação do KRAS (a mutação do KRAS confere ativação constitutiva e consequente resistência ao Cetuximabe), o acréscimo de Cetuximabe ao FOLFIRI mostrou um impacto ainda maior na resposta objetiva (57,3 vs 39,7%, p<0,0001), assim como na SLP (9,9 vs 8,4 meses, p=0,0012, n=1217), e na SG (23,5 vs 20,0 meses, p=0,0093) 45. Por outro lado, quando associado ao regime com oxaliplatina, 5-fluorouracil e leucovorin (FOLFOX-4), o braço com Cetuximabe mostrou aumento na taxa de resposta (61% vs 37%, p=0,011, estudo OPUS) 46. Em outro estudo fase III, 1630 pacientes foram randomizados para receberem Cetuximabe combinado ou não ao esquema XELOX (Capecitabina mais Oxaliplatina), ou OxMdG (variação de Oxaliplatina mais 5-FU/Leucovorin). Embora se tenha observado um aumento na taxa de resposta, favorecendo a combinação com o anticorpo nos indivíduos com KRAS selvagem (64 vs 57%, p=0,049), não se observou diferença na SLP e na SG nesses casos (estudo MRC COIN) 47. Importante mencionar o estudo de Jonker e cols. que mostrou que Cetuximabe mais melhores cuidados de suporte quando comparado com melhores cuidados de suporte, era capaz de aumentar a SG (6,1 vs 4,6 meses, p=0,005, n=572) e a SLP e ainda preservar a qualidade de vida em pacientes com câncer colorretal metastático e imunoexpressão de EGFR, e que tinham sido previamente tratados sem resposta com regimes clássicos de quimioterapia. 48 No carcinoma recorrente ou metastático de células escamosas da cabeça e pescoço, quando comparado o acréscimo do Cetuximabe à terapia baseada em platina e fluorouracil, com a terapia sem o anticorpo, houve uma melhora na SG (10,1 vs 7,4 meses, p<0,001, n=442) 49. Panitumumabe Panitumumabe (Vectibix, Amgen) é outro anticorpo monoclonal do tipo IgG2 que tem como diferencial o fato de ser totalmente humano. Une-se ao domínio extracelular de EGFR/HER1, inibindo a sua fosforilação 50. A eficácia do Panitumumabe foi testada em estudo clínico fase III, em pacientes com câncer colorretal metastático, que superexpressaram EGFR, e não responderam à terapia a base de 5-fluorouracil, CPT-11, e oxaliplatina. Quando comparado com apenas melhores cuidados de suporte o Panitumumabe foi capaz de prolongar a SLP (8,0 vs 7,3 semanas, p< 0,0001, n=463), contudo sem diferença na SG 51. Em seguida, outro estudo clínico fase III avaliou o acréscimo do Panitumumabe na segunda linha do tratamento de pacientes com câncer colorretal metastático (CCRm) e sem mutação do KRAS em associação com o esquema Revista Brasileira de Oncologia Clínica Vol. 8, n o 29 julho / agosto / setembro 2012
7 136 FOLFIRI, mostrando um aumento na SLP (5,9 vs 3,9 meses, p = 0,004, n = 1186) quando comparado ao FOLFIRI apenas, contudo sem aumento de SG 52. Na primeira linha do CCRm, a adição de Panitumumabe ao esquema FOLFOX aumentou a SLP (9,6 vs 8,0 meses, p = 0,02, n = 1183), contudo não aumentou a SG em pacientes com tumores KRAS selvagem 53. Anticorpos Anti-Her2 Trastuzumabe Trastuzumabe (Herceptin, Genentech) é um anticorpo IgG1 humanizado que se liga com alta afinidade ao HER2, impedindo sua fosforilação, levando ao bloqueio da transdução de sinal intracelular 54. O Trastuzumabe, tanto em ensaios in vitro como em animais, é capaz de inibir a proliferação de células tumorais humanas que superexpressam HER2 54. A eficácia do Trastuzumabe foi estudada em vários ensaios clínicos, dos quais estudo fase III evidenciou que a adição de Trastuzumabe à quimioterapia padrão para o câncer de mama metastático em pacientes com tumores superexpressando HER2 aumentava a SLP (4,6 vs 7,4 meses, p<0,001, n= 469) e de SG (25,1 vs. 20,3 meses, p=0,046) 55. Na terapia adjuvante do câncer de mama, o Trastuzumabe foi testado em 04 diferentes estudos fase III em pacientes com tumor positivo para HER Em um deles, 3351 pacientes foram randomizadas para receber quimioterapia com doxorrubicina e ciclofosfamida, seguido de paclitaxel e Trastuzumabe e depois apenas Trastuzumabe, ou receber apenas o regime quimioterápico sem o anticorpo. O grupo tratado com Trastuzumabe mostrou aumento na SLP (85% vs 67%, p<0,001, n=3351) e na SG (91% vs 87%, p=0,02) 56. Em outro estudo, 3222 pacientes com câncer de mama HER2 positivo, em estágio inicial, foram randomizadas em três grupos, para receber doxorrubicina e ciclofosfamida seguido por docetaxel a cada 3 semanas (AC-T), ou o mesmo regime, mais 52 semanas de Trastuzumabe, ou ainda docetaxel e carboplatina com 52 semanas de Trastuzumabe, as taxas de SLP em cinco anos foram 75% vs 84% vs 81%, respectivamente, e as taxas de SG foram 87%, 92% e 91%, respectivamente, sem diferença significativa na eficácia entre os dois regimes que utilizaram Trastuzumabe, enquanto ambos eram superiores a AC-T. Além disso, o risco- -benefício favoreceu o regime sem antraciclina, dado a sua eficácia semelhante, e menos efeitos tóxicos agudos, além de menores riscos de cardiotoxicidade e leucemia 58. O Trastuzumabe também foi ensaiado em estudos pré-clínicos em câncer gástrico 60, e com os bons resultados no câncer de mama, um ensaio clínico fase III, em pacientes com adenocarcinoma gástrico e da junção gastroesofágica localmente avançados ou metastáticos com superexpressão de HER2, foi desenhado. Nesse estudo Trastuzumabe foi adicionado ou não à quimioterapia padrão. Os resultados mostraram um aumento na SG (13,8 vs 11,0 meses, p=0,0046, n=594) 61, favorecendo o grupo com o anticorpo. Fator de Crescimento do Endotélio Vascular Inicialmente, o crescimento de um tumor é alimentado por vasos sanguíneos próximos. Quando o tumor atinge um determinado tamanho, esses vasos sanguíneos não são mais suficientes e novos vasos sanguíneos são necessários para continuar o crescimento. O tumor adquire a capacidade de formar novos vasos, processo denominado angiogênese. A aquisição do fenótipo angiogênico pelo tumor pode ocorrer através de alterações genéticas ou do ambiente tumoral que levam à ativação das células endoteliais. Uma forma de ativação das células endoteliais é através da secreção de FC pró-angiogênicos, que então se ligam aos receptores de outras células endoteliais e estimulam a angiogênese 62. Assim, as células tumorais são capazes de realizar um aumento na expressão de fatores pró-angiogênicos, como o fator de crescimento do endotélio vascular (VEGF), e down-regulation de fatores inibidores da angiogênese. Embora existam pelo menos 5 isoformas (VEGF-A, VEGF-B, VEGF-C, VEGF-D e VEGF- -E), o termo VEGF tipicamente refere-se ao VEGF-A, o principal mediador da angiogênese tumoral, com importante papel na migração celular, proliferação e sobrevivência. Esses ligantes ligam-se a 3 tipos de receptores: VEGFR-1, VEGFR-2, VEGFR-3. VEGFR-2 é responsável por mediar a maioria dos efeitos angiogênicos do VEGF-A, contudo, também há evidências indicando que VEGFR-1 desempenha um papel importante na angiogênese, já o VEGFR-3 está mais ligado à linfangiogênese 62. Neste sentido, foram desenvolvidos alguns fármacos promissores para o uso clínico, como o Bevacizumabe. A figura 4 mostra o mecanismo de ação do Bevacizumabe e das terapias multi-alvo.além disso, drogas multi-alvo incluem em seu espectro de ação os receptores VEGFR, como o pazopanibe, sorafenibe e sunitinibe. Fator de Crescimento Derivado de Plaquetas A família do fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGF) consiste de quatro proteínas (PDGF-A,
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