A simplicidade e a instabilidade no sistema fiscal português Prioridades da política fiscal
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1 RA40_AF.qxp:RA40_miolo :31 Page 55 José Manuel de Paiva Gomes A simplicidade e a instabilidade no sistema fiscal português Prioridades da política fiscal JAN/MAR 2008 REVISORES AUDITORES 55
2 RA40_AF.qxp:RA40_miolo :31 Page Introdução A simplicidade opõe-se à complexidade. A estabilidade está no pólo oposto da instabilidade. Parece, então, que simplicidade e estabilidade têm algo de comum: assumem-se, para muitos, como características positivas e desejáveis de muitos sistemas sociais e económicos. Não obstante, a necessidade de mudança faz parte da vida e é positiva e alguma complexidade pode traduzir mais qualidade, pelo que é na busca do equilíbrio que certamente estará a virtude. É comum, socialmente, afirmar-se: a beleza está na simplicidade ou a busca da simplicidade deve ser uma meta. Os informáticos afirmam: os sistemas devem ser simples. E até Einstein se pronunciou: Se no início a ideia não parecer absurda, não há esperanças para ela. Concordemos que poderia ter sido menos complexo. Sobre a estabilidade é comum, socialmente, as organizações de trabalhadores afirmarem: o trabalhador tem o direito de permanecer no emprego. Algumas correntes políticas defendem a estabilidade no emprego como sustentação de desenvolvimento social. A simplicidade é desejada por todos, pelo que a simplificação das relações entre o cidadão e a administração pública é um objectivo transversal a todas as correntes políticas. A estabilidade é, em muitos sectores da vida social, desejada e em muitos exige-se o seu incremento. A simplicidade na interpretação e aplicação dos tributos e a estabilidade da lei fiscal como uma garantia do sistema fiscal em sentido lato são, hoje, aliciantes temas de discussão. É sobre esta temática que versará este trabalho. 2. Contexto Estabilidade e Complexidade num sistema fiscal O direito fiscal assenta no respeito pelo passado tradição e no respeito pela modernidade renovação. Renovar implica alterar ou transformar, pelo que a consecução do imperativo modernidade implica alterações da lei fiscal. Não alterar a lei fiscal significa assumir a mesma como uma força de constrangimento ao desenvolvimento económico. As alterações poderão ser de natureza conjuntural ou estrutural. As leis fiscais são um dos sectores do ordenamento jurídico onde as alterações podem criar mais profundos problemas de adaptação na actividade dos agentes económicos. É por esta razão que é importante saber, de modo sistemático, o que pensam os contribuintes sobre a forma como vêem as alterações legislativas produzidas num espaço temporal. Um sistema fiscal óptimo deve ser simples. Simples de compreender, simples de aplicar. Mas se a simplicidade tem vantagens muito evidentes: (i) transparência das regras e procedimentos (ii) menor dificuldade de interpretação (iii) maior facilidade de cumprimento das obrigações acessórias (iv) maior colaboração do contribuinte (v) menor custo de cobrança 1 Não deixa de ser verdade que é difícil elaborar sistemas equitativos e personalizados sem algum input de complexidade no sistema. A consideração das diferentes especificidades e capacidades contributivas de cada indivíduo pode perder-se num sistema simples sem diferenciação Consequências da instabilidade da norma fiscal sobre os agentes económicos A mudança da lei fiscal afecta as expectativas dos contribuintes. Diminui a certeza e a segurança pelo que a racionalidade da decisão e do planeamento empresarial são afectadas negativamente. Num sistema democrático com rotação do poder, com ciclos de tempo correspondentes ao exercício do poder e com grupos de pressão, a construção de um sistema estabilizado com soluções duradouras e com regras do jogo que não se alterem sempre que o mesmo acaba fica comprometida. 4. Consequências da complexidade do sistema fiscal sobre os agentes económicos A execução das regulamentações legais acarreta custos para os operadores económicos. Por vezes, estes custos são difíceis de quantificar. De acordo com o documento Comunicação da Comissão sobre o observatório 1 os recursos perdidos na cobrança de imposto em Portugal são elevados face a outros países 2 Não obstante, o imposto sobre o rendimento das empresas, em Portugal, é complexo e possui reduzida personalização. Actualmente existe uma fiscalidade diferenciada para microempresas situadas em zonas de interioridade. 56 REVISORES AUDITORES JAN/MAR 2008
3 RA40_AF.qxp:RA40_miolo :31 Page 57 europeu para as PME, o custo anual de todas as obrigações administrativas incluindo as fiscais que pesam sobre as empresas foi estimado entre 3 e 4% do PIB, anualmente. Certo, também, é que, em termos relativos, o custo é superior para as PMEs. Sistemas fiscais complexos geram custos desnecessários para as empresas e afogam a capacidade empreendedora e de criação de emprego das PMEs. A complexidade desproporcionada de um sistema fiscal aumenta a resistência do contribuinte face ao imposto e em nosso entendimento contribui para a evasão fiscal. 5. O caso português No trabalho intitulado Observatório da competição fiscal produzido por uma consultora internacional presente em Portugal dá-se conta que quase 60% dos consultados (contribuintes empresariais) consideram que deverá ser garantida maior estabilidade da lei fiscal. Simultaneamente 70% dos mesmos inquiridos consideram relevante que o sistema fiscal português seja menos complexo. Parece, portanto, existir maioritariamente, em Portugal, a consideração de que: (i) são excessivas e ou desproporcionadas as alterações das normas fiscais; (ii) o sistema fiscal é complexo e deve caminhar para a simplificação. Do ponto de vista da estabilidade, se presumirmos que as apreciações são generalistas, então, critica-se o momento alterações a todo o momento do calendário criticam-se as alterações permanentes como se de uma reforma fiscal permanente se tratasse alterações orçamento do estado após orçamento do estado e critica-se também a abundância de Reformas fiscais (aquelas que mudam globalmente o imposto). A instabilidade afecta o contribuinte português nos seguintes níveis: Maior insegurança na sua decisão e expectativas potencialmente alteradas; Dificuldades acrescidas sobre certas empresas, sectores de actividade ou pessoas (Contabilistas, Auditores e Gerência); custo acrescido de cálculo do imposto sempre que há alterações fiscais; interpretações incorrectas da lei ou necessidade de aguardar por esclarecimentos ou interpretações vinculativas por parte da Administração Fiscal. Se analisarmos o passado recente concluímos que nos últimos anos assistimos a mudanças estruturais no imposto sobre o património imobiliário passagem da JAN/MAR 2008 REVISORES AUDITORES 57
4 RA40_AF.qxp:RA40_miolo :31 Page 58 Eduardo Sá e Silva 58 REVISORES AUDITORES JAN/MAR 2008
5 RA40_AF.qxp:RA40_miolo :31 Page 59 SISA e da CA para o IMT e para o IMI ao fim do Imposto sobre Sucessões e Doações, a alterações substanciais no Imposto de Selo. Estas mudanças estruturais têm sido acompanhadas com alterações conjunturais permanentes, através do Orçamento de Estado, umas vezes movidas por alterações da complexidade económica que são vertidas na Lei Fiscal, outras vezes por alterações de visão do decisor político (Bagão Félix afecto ao governo PSD/CDS retirou aos PPRs a sua qualidade de benefício fiscal por os considerar instrumentos financeiros aliados a um benefício fiscal e serem utilizados por escalões de maior rendimento. Não obstante, o governo actual haveria de os voltar a condecorar com benefício fiscal por considerar importante a poupança de médio-longo prazo e o financiamento privado da reforma), outras vezes por motivos duvidosos mas que geram algum acréscimo de receita pública via impostos (como a diminuição do montante considerado de 35% para 30%, a título de custos com obtenção do rendimento para os usufrutuários de rendimentos da categoria B do IRS. Simultaneamente com o grandioso momento da aprovação do orçamento para o ano seguinte em que as alterações das normas fiscais são conhecidas e aqui existe uma vantagem clara que consiste em o contribuinte conhecer as datas de apresentação e aprovação, o contribuinte convive com alterações constantes das normas. Por exemplo, em 2007 ocorreu alteração importante em sede de IVA com as alterações sobre o sujeito que deve liquidar o Iva nas empreitadas de construção. Recentemente assistimos a alterações estruturantes da Lei das Finanças Locais com consequências sobre a base de cálculo da Derrama Municipal. Do ponto de vista da complexidade, se presumirmos que a apreciações são generalistas, então, critica-se o excesso de normativos, a dificuldade de interpretação e compreensão, a profusão de diplomas não adequadamente arrumados (o Regime de incentivos à interioridade apenas em 2007 passou a fazer parte integrante do EABF), a morosidade na resposta a reclamações graciosas, etc. 6. As prioridades na política fiscal portuguesa Estabelecer prioridades na política fiscal nacional, em função dos grandes objectivos que devem presidir a qualquer sistema fiscal, deverá tomar em linha de conta desígnios promotores do desenvolvimento económico e social, onde se enquadram a desejada estabilidade e simplicidade nos moldes desenvolvidos anteriormente. Estes desígnios farão dele um sistema mais atractivo aos olhos dos seus clientes forçados : particulares e empresas, nacionais e não nacionais, com ímpeto ao investimento estrangeiro, neste último. Mas definir prioridades para a política fiscal nacional obriga-nos, desde logo, a reflectir sobre alguns constrangimentos existentes. Observemos os seguintes: (i) O montante e a forma da despesa pública um constrangimento Pergunte-se: qual será o nível de fiscalidade óptimo? As prioridades de qualquer política fiscal devem ser estabelecidas em função desse indicador. Pode-se afirmar que o nível de fiscalidade óptima depende do nível de despesa pública óptimo. O nível de despesa pública pode crescer permanentemente desde que o crescimento económico o permita. Aumentar a despesa pública sem correspondência no crescimento do PIB terá como consequência o aumento do nível de fiscalidade e este não pode crescer permanentemente. Há um limite para o nível de fiscalidade. À medida que o nível de fiscalidade aumenta, aumenta também a riqueza gerada pelo sector privado que é transferida para o sector Estado, diminuindo os meios financeiros do cidadão contribuinte para satisfação das suas necessidades privadas. O constrangimento fundamental na implementação da política fiscal em Portugal será o deficit do orçamento do estado e a necessária consolidação orçamental. Outros constrangimentos colaterais serão de referir: Despesa pública predominantemente fixa, que não permite variabilidade acentuada na cobrança; Morosidade na reforma do Estado, que não permite geração de ganhos de eficiência; Entrada de novos estados na comunidade europeia, espaço de liberdade e movimentação de factores de produção, caracterizados por oferta de mão-de-obra com níveis de escolaridade elevados e taxas de imposto sobre os lucros societários mais competitivas. JAN/MAR 2008 REVISORES AUDITORES 59
6 RA40_AF.qxp:RA40_miolo :31 Page 60 (ii) As pressões sociais outro constrangimento Como corolário da eficácia fiscal do sistema de arrecadação, a partir de 2004, e do aumento do nível de fiscalidade (por exemplo a subida da taxa normal do Iva para 21%) o deficit do orçamento do estado tem diminuído. Representando esse acréscimo um aumento do sacrifício pedido aos contribuintes, sem contrapartida com um crescimento económico alinhado, pelo menos, com a média comunitária, alguns grupos sociais pressionam, actualmente, a governação no sentido da fixação de taxas mais baixas sobre o consumo redução da taxa do Iva e sobre as empresas redução do Irc ou das contribuições para a segurança social. Tomando em consideração que se aproxima o fim do ciclo governativo e, portanto, sujeição à escolha popular, é previsível que o Orçamento de 2008 contenha algumas medidas de desagravamento, pela via dos impostos, da despesa fiscal ou das transferências do estado para as famílias. Em nosso entendimento, a política fiscal nacional a definir deverá assumir as seguintes prioridades: DO PONTO DE VISTA INTERNO Privilegiar a continuação do esforço de consolidação orçamental, salvaguardando a receita fiscal. Actuar sobre a despesa pública, reestruturando-a, de modo a que continue a satisfazer as necessidades sociais mas que não se assuma como uma forma de pressão sobre a matéria colectável e a taxa de imposto. Prevenir e combater a fraude fiscal, a corrupção e o crime organizado; Continuar a melhoria da administração tributária, incrementando a formação dos seus meios humanos e a tecnologia; Promover uma nova relação de confiança entre a Administração Fiscal e os contribuintes, colocando-se ao seu serviço, através de novas regras e procedimentos ambos simples e cómodos, concedendo aos direitos e ás garantias dos cidadãos uma posição central no sistema fiscal. É fundamental actuar sobre os seguintes pontos: (i) reclamações graciosas a administração fiscal deve fazer um esforço radical para evitar que a resposta a uma reclamação dure dois anos, (ii) esclarecimentos deve ser aferido periodicamente, por exemplo, através da técnica do cliente misterioso o grau de qualidade dos serviços relativamente às dúvidas dos contribuintes. Nos Estados Unidos a revista Money diz que pouco passa dos 75% 60 REVISORES AUDITORES JAN/MAR 2008
7 RA40_AF.qxp:RA40_miolo :31 Page 61 de respostas certas. E em Portugal qual será a taxa? (iii) melhorar o instituto do direito de audição do contribuinte. Promover o desenvolvimento económico e social harmonioso em Portugal através de reduções nos impostos sobre o rendimento Irs e Irc nos impostos sobre o património IMT e sobre a Seg. social para as empresas que se localizem no interior e invistam em sectores estratégicos. Manter o nível de fiscalidade não agravando o esforço fiscal. Melhorar a equidade e a eficiência do sistema fiscal, melhorando a repartição justa que segue naturalmente o combate contra as desigualdades existentes no sistema fiscal. A este respeito é imperioso que a fiscalidade não desincentive o casamento e o nascimento. O que dizer, em termos de equidade e eficiência das seguintes normas: - Encargos com juros e amortizações de empréstimos à habitação: Um homem solteiro + uma mulher solteiros deduzem o dobro do mesmo homem e da mesma mulher mas casados - Ou o António disse à Octávia para se divorciarem porque desse modo conseguiria uma isenção ou euros em IRS. A Octávia acordou desde que continuassem a fazer vida de casados. - O Silva tem fortes preocupações sociais. Sabendo que o índice de reposição humano em Portugal anda pelas ruas da amargura (1,3 contra um índice desejável de 2,1 disse à Maria: Ena, temos que fazer mais um. Nasceu o Joãozinho, que se juntou à Mariana e ao Silvinha. O Silva quis ir mostrar a sua comunidade. E eis que não consegue. As cadeiras para transporte de garotos (3) não cabem no carro, apesar dos empurrões que o Silva e a Maria lhes deram. Ora bolas, vamos a isto, vendemos a carripana e compramos uma carrinha de sete lugares. Assim pensaram, assim olharam para o imposto automóvel e perceberam que este varia progressivamente em função da cilindrada e a carrinha tem mais ccs do que a carripana. DO PONTO DE VISTA EXTERNO Promover na CE a coordenação e a harmonização dos sistemas tributários, diminuindo as tensões entre os estados devido a fenómenos de concorrência fiscal; Encarar a sério o sigilo bancário, para que este não impeça a cooperação entre estados. Um pede e o outro não lhe pode dar. Desenvolver a aplicação do Código de Conduta Fiscal Europeu. JAN/MAR 2008 REVISORES AUDITORES 61
8 RA40_AF.qxp:RA40_miolo :31 Page 62 Por tu gal foi dos países que mais cresceram economicamente na Europa em resultado da adesão à CE. Isso permitiu que o nível de fiscalidade tivesse subido 11,6 pontos percentuais entre 1980 e Os portugueses ao contrário dos suecos não terão por onde respirar. 7. Conclusões Parece-nos perfeitamente claro que a Lei fiscal tem sofrido alterações bastantes no decorrer das últimas décadas, obstruindo os desígnios da eficiência e baixo custo que o contribuinte, os investidores, os técnicos e demais agentes deveriam ter como aliados no seu cumprimento de obrigações fiscais, dificultando-se a actuação dos agentes económicos. Mas, por um lado, o contribuinte, o cidadão e a empresa não podem pedir ao Estado, em nome da estabilidade da Lei Fiscal, a imutabilidade da mesma porque: (i) é necessário conseguir uma lei tão neutra quanto possível e geradora de eficiência económica; (ii) é necessário verter para a Lei fiscal alterações da actividade económica e (iii) é necessário aperfeiçoar a Lei. E, concomitantemente, por outro lado o Estado, incluindo todos os agentes intervenientes na produção da Lei fiscal devem orientar-se por princípios de rigor consagrados na Constituição Fiscal que observem a necessidade da modificação da Lei fiscal e os prejuízos que daí podem decorrer para o contribuinte, oferecendo-lhe uma segurança jurídica que possamos reputar de satisfatória. É necessário encontrar o equilíbrio e esse assenta no respeito mútuo pelos papéis que estado, cidadão, contribuinte e empresa desempenham em prol do desenvolvimento. Estamos convictos de que a política fiscal dos países membros da CE tenderá a possuir pontos de harmonização acordos de dupla tributação, medidas de combate à evasão fiscal comuns - em virtude da não transferência da soberania fiscal. Os estados europeus tenderão a encontrar meios comuns de subordinação da complexidade dos seus sistemas fiscais a uma estratégia de crescimento económico prolongada. Estamos convictos de que a CE intervirá progressivamente na vida dos estados membros regulando sobre a edificação dum sistema mais simples e portanto menos complexo sobre as empresas, especialmente sobre as de menor dimensão. Disso é exemplo o documento citado abaixo 1. Pelo que a complexidade equilibrada controlada e a estabilidade num período deverão assumir-se como prioridades desejadas do sistema fiscal português. Acreditamos que tão importante quanto impostos razoáveis e boa gestão dos dinheiros dos contribuintes a facilidade com que se lida com o sistema fiscal e a não alteração constante das expectativas derivadas da instabilidade são pilares prioritários do mesmo. Não se deve nunca gastar mais dinheiro a compreender e a cumprir com as obrigações do imposto do que a pagá-lo. 1 COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS Bruxelas, COM(2007) 394 final COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO sobre um ambiente simplificado para as empresas das áreas do direito das sociedades comerciais, da contabilidade e da auditoria 62 REVISORES AUDITORES JAN/MAR 2008
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