ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL 2/7/2014

Transcrição

1 APTE.: MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL APDO.: DERLI PEREIRA RELATOR: O SR. DESEMBARGADOR CARLOS HENRIQUE RIOS DO AMARAL R E L A T Ó R I O O SR. DESEMBARGADOR CARLOS HENRIQUE RIOS DO AMA- RAL (RELATOR):- Tratam os autos de apelação criminal interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, inconformado com a r. sentença proferida pelo MM. JUIZ DE DIREITO DA 4ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE COLATINA/ES, que, nos autos em epígrafe, revogou medidas protetivas anteriormente impostas em desfavor do ora apelado, julgando extinto o feito. Às fls. 16/20, requer o apelante, em síntese, a reforma da sentença hostilizada para que as medidas protetivas de urgência sejam mantidas até ulterior deliberação. Contrarrazões às fls. 29/31, suscitanto a manutenção da r.sentença hostilizada. Parecer da Douta Procuradora de Justiça, às fls.34/34-verso, opinando para que seja conhecido e dado provimento ao recurso. Este é, em síntese, o relatório. À revisão.

2 V O T O O SR. DESEMBARGADOR CARLOS HENRIQUE RIOS DO AMA- RAL (RELATOR):- Eminentes Pares, conforme relatado, cuida-se de Apelação Criminal interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ES- TADUAL, inconformado com os termos da sentença prolatada pelo MM. JUIZ DE DIREITO DA 4ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE COLATINA/ES, nos autos em epígrafe, revogou medidas protetivas anteriormente impostas em desfavor do ora apelado, julgando extinto o feito. Pois bem. Na hipótese, verifica-se que Jecelia Santos Pereira, suposta ofendida do crime de ameaça, requereu a fixação de medidas protetivas previstas nos arts. 22, 23 e 24 da Lei Nº /2006, tendo em vista que noticiou à Autoridade Policial constantes ameaças de morte realizadas pelo seu ex-marido Derli Pereira e deflagradas em razão do ora apelado não se conformar com a separação do casal, de acordo com o Termo de Pedido de Medidas Protetivas às fls. 02/03. O expediente respectivo foi remetido ao juízo a quo, tendo o douto magistrado acolhido a pretensão da vítima, decretando as medidas requeridas (fls. 05/06), contudo, sem pré-fixação de prazo para permanência das medidas protetivas, não obstante, como se sabe, a perduração condiciona-se nas diretrizes do periculum in mora. Nesse passo, por meio de certidão à fl.11, o diligente servidor atesta em 26 de novembro de 2013 que em consulta ao sistema EJUD, foi verificado que até a presente data não foi ajuizado Inquérito Policial, sendo

3 que o transcurso do lapso temporal acima de 60 (sessenta) dias (...) (grifamos). Dessa forma, o douto Magistrado revogou as medidas anteriormente impostas e extinguiu o processo, sob o fundamento de que tais medidas não subsistem em decurso temporal que fuja ao princípio da razoabilida-de, outrossim, de que a tutela cautelar deve respeitar irrestritamente a duração razoável do processo e da dignidade da pessoa humana. E como se sabe, as medidas protetivas da Lei Maria da Penha têm natureza cautelar e visam, sobretudo, preservar o processo e garantir a eficácia da decisão final. Assim, devem ser aplicadas excepcionalmente e em caráter de urgência, no intuito de garantir a integridade física e moral da vítima de violência doméstica e assegurar a eficácia do provimento jurisdicional constante da sentença. Na hipótese dos autos, a despeito da ofendida haver requerido a imposição de medidas protetivas e representado contra o ora apelado, não pode o apelado, como bem observado pelo ilustre magistrado de primeiro grau, ter seu direito de ir e vir, constitucionalmente assegurado (Art.5º, caput, da CRFB) vilipendiado por ato omissivo e ineficiente do Estado Administração, na figura da Polícia Judiciária, que até a presente data não concluiu o inquérito policial correspondente ao fato criminoso objeto do procedimento cautelar em tela, em flagrante violação ao art.10, caput, e 3º, do Estatuto Processual Penal, ou sequer havendo notícia de sua instauração (grifamos). Registre-se que a suposta ofendida Jecelia Santos Pereira declinou desígnios a fim de representar criminalmente em desfavor do seu ex-companheiro, todavia, após a sucessão do tempo, tendo sido intimada do teor revogatório da r. sentença às fls. 25/26, quedou-se

4 inerte, não demonstrando ânsia clara em reafirmar as ameaças outrora dispendidas. Em sendo assim, não havendo inquérito policial ou ação em curso contra o apelado, não mais se justifica a imposição de medida protetiva, na seara criminal, devendo subsistir irreparável o caráter revogatório do decidum. Nesse sentido: APELAÇÃO CRIMINAL - LEI MARIA DA PE- NHA - MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA - ART. 22, DA LEI /06 - REVOGA- ÇÃO - POSSIBILIDADE - NATUREZA CAUTE- LAR - URGÊNCIA NÃO CONFIGURADA - DE- CISÃO MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO. - As medidas protetivas previstas no art. 22 da Lei /06 possuem natureza jurídica de medida cautelar, posto que criadas para oferecer proteção imediata, garantindo que as agressões sejam interrompidas de forma a permitir o desenvolvimento regular do processo e tornar eficaz a prestação jurisdicional futura. - Ainda que deferida a medida protetiva, deve ser ela revogada se, decorrido lapso temporal considerável, não houver manifestação da vítima acerca da sua necessidade, desaparecendo o perigo que justificava sua aplicação. - Recurso não provido.(tj-mg, Relator: Agostinho Gomes de Azevedo, Data de Julgamento: 20/06/2013, Câmaras Criminais /7ª CÂ- MARA CRIMINAL)

5 LEI MARIA DA PENHA - IMPOSIÇÃO DE ME- DIDA PROTETIVA - INEXISTÊNCIA DE IN- QUÉRITO POLICIAL OU AÇÃO PENAL EM CURSO EM DESFAVOR DO DESTINATÁRIO - MEDIDA APLICADA POR PRAZO INDETERMI- NADO - IMPOSSIBILIDADE - REVOGAÇÃO. - Não havendo ação penal ou inquérito policial em curso contra o réu, não deve prevalecer a imposição de medida protetiva na seara criminal, máxime se para elas não foi estabelecido prazo determinado.(tj-mg - APR: MG, Relator: Beatriz Pinheiro Caires, Data de Julgamento: 20/11/2013, Câmaras Criminais/2ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 02/12/2013) Por essa razões, Eminentes Pares, voto pelo conhecimento do apelo, para, no mérito, NEGAR-LHE PROVI- MENTO, mantendo irretocável a r. Sentença objurgada. É o voto que ora encaminho

6 V O T O O SR. DESEMBARGADOR WILLIAN SILVA:- Irresignado com a r. Sentença de fls. 12/13v, prolatada pelo Exmº Magistrado da Quarta Vara Criminal de Colatina, que extinguiu o processo sem resolução de mérito e revogou as medidas protetivas anteriormente deferidas em favor da vítima Jecelia Santos Pereira, recorre a Promotoria de Justiça de Colatina a esta Superior Instância postulando a reforma do julgado, ofertando razões recursais às fls. 16/20. O recorrido, em sede de contrarrazões de fls. 28/31, pugna pelo desprovimento do recurso, caminho não perfilhado pela douta Procuradoria de Justiça que, em parecer de fls. 34/verso, pugnou pelo seu provimento. O Exmº Relator negou provimento ao Apelo, mantendo irretocável a sentença proferida na instância inferior, entendimento ao qual peço vênia para divergir, conforme passo a expor. Destaco que o pedido de medidas protetivas de urgência foi deduzido perante a autoridade policial no dia 03/07/13, oportunidade na qual a vítima comunicou sofrer violência doméstica constantemente durante a convivência conjugal, sendo que o recorrido, com quem conviveu por 15 (quinze) anos, sempre lhe batia, mas em tempos mais recentes passou a sofrer ameaças de morte, motivo pelo qual, no dia 02/07/13 se separou e foi morar na casa de sua comadre, juntamente com seu filho. O douto magistrado de 1º grau, por sua vez, deferiu as seguintes medidas protetivas, sob pena de prisão em caso de descumprimento: i) proibição de se aproximar da vítima, guardando distância mínima de 200 (du-

7 zentos) metros; e ii) proibição de entrar em contato com a vítima, por qualquer meio de comunicação. Ocorre que, transcorridos exatos 5 (cinco) meses, considerando que o inquérito policial não havia sido concluído, nem tampouco encaminhado ao juízo, o douto magistrado a quo entendeu que a omissão estatal justificaria a extinção do processo e a revogação das medidas protetivas deferidas. Ressalto que as medidas protetivas foram pleiteadas pela autoridade policial, na forma do art. 12, inc. III, da Lei /06, o que foi prontamente deferido pelo juízo a quo. Por sua vez, seu art. 18 estabelece que ao juiz caberá comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis. Em razão do art. 16 estabelecer que nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida ( ), só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público, entendo que no âmbito da violência doméstica e familiar contra a mulher a fiscalização do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, a cargo do magistrado, aflora de modo mais recrudescido, conforme decidiu o Pretório Excelso na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4424, de relatoria do Min. Marco Aurélio, julgado em 09/02/12, acórdão ainda não publicado, oportunidade na qual O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a ação direta para, dando interpretação conforme aos artigos 12, inciso I, e 16, ambos da Lei nº /2006, assentar a natureza incondicionada da ação penal em caso de crime de lesão, pouco importando a extensão desta, praticado contra a mulher no ambiente doméstico. Ora, se não cabe à autoridade policial dispor do inquérito, arquivando-o de ofício (art. 17, CPP), quiçá sem concluí-lo, nem tampouco pode a Promotoria de Justi-

8 ça dele dispor, já que deve pleitear o arquivamento ao magistrado se assim o entender (art. 28, CPP), na qualidade de fiscal do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, em hipótese nenhuma poderia o juízo sentenciante extinguir o processo sem resolução do mérito (art. 267, CPC), pois esta decisão, via transversa, viola não apenas o procedimento estabelecido na Lei /06, mas também o seu espírito, já que Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, conforme estabelece o art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Nesse contexto, embora a medida protetiva não possa perpetuar indefinidamente, por sua natureza cautelar para alguns, igualmente não se pode considerar que decorrido o prazo sem que haja notícia da conclusão do inquérito, seja, por si só, justificativa para a revogação da medida, mormente se existir a simples possibilidade de que a situação de risco ainda persista. Nesse sentido se consolidou a jurisprudência do e. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, litteris: EMENTA: LEI MARIA DA PENHA - VIOLÊN- CIA DOMÉSTICA - VIAS DE FATO - MEDI- DAS PROTETIVAS POSTULADAS PELA VÍTIMA - CONCESSÃO - NECESSIDADE - NATUREZA JURÍDICA AUTÔNOMA E SATISFATIVA DE TUTELA INIBITÓRIA - EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO - AUSÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA - IRRELEVÂN- CIA - AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIO- NADA - RECURSO MINISTERIAL PROVIDO. 1. As medidas protetivas de urgência, deferidas no âmbito da Lei Maria da Penha, têm natureza jurídica autônoma

9 e satisfativa, de tutela inibitória e não cautelar, sendo cabíveis sempre que houver lesão ou ameaça de violação à integridade física e psicológica da vítima. 2. O art. 22 da referida Lei condicionou a concessão das medidas protetivas tão somente à existência da situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, não fazendo qualquer menção à necessidade da existência de um inquérito policial ou um processo criminal em curso. 3. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4.424/DF reconheceu a natureza incondicionada da ação penal nos casos de crime de lesão corporal e de contravenção penal de vias de fato praticados mediante violência doméstica e familiar contra a mulher, não importando sua extensão, sendo, portanto, desnecessária a representação da vítima ou de seu representante legal. (Apelação Criminal /001, Relator(a): Des.(a) Kárin Emmerich, 1ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 02/07/2013, publicação da súmula em 12/07/2013). Conforme esclarece José Carlos Barbosa Moreira em sua obra Comentários ao Código de Processo Civil. v.5, 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 267, o error in procedendo implica em vício de atividade (v.g., defeitos de estrutura formal da decisão, julgamento que se distancia do que foi pedido pela parte, impedimento

10 do juiz, incompetência absoluta) e por isso se pleiteia neste caso a invalidação da decisão, averbada de ilegal, e o objeto do juízo de mérito no recurso é o próprio julgamento proferido no grau inferior. Acrescento ainda, conforme bem decidiu o e. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais na Apelação Cível nº /001, de relatoria Des. Marcelo Rodrigues, julgado pela 11ª Câmara Cível em 20/03/2013, publicado em 01/04/2013, que No momento em que o julgador extingue de plano o feito, pela análise equivocada dos ditames legais, certamente está violando o direito da parte a uma prestação jurisdicional efetiva, devendo ser anulada. Portanto, ao não observar o procedimento instituído pela Lei /06, constato que o juízo sentenciante incorreu no vício error in procedendo, razão pela qual entendo que a sentença guerreada deva ser anulada. Isso posto, embora tenha o Ministério Público pleiteado a reforma, divergindo do Exmº Relator, conheço do recurso para, dando-lhe integral provimento, anular a prematura sentença e, assim, manter irretocáveis as medidas protetivas outrora deferidas, até posterior julgamento de mérito. É como voto.

11 CONFIRMAÇÃO DE VOTO O SR. DESEMBARGADOR CARLOS HENRIQUE RIOS DO AMA- RAL (RELATOR):- Egrégia Câmara. Mantenho o meu voto. V O T O O SR. DESEMBARGADOR NEY BATISTA COUTINHO:- Egrégia Câmara. Acompanho o voto proferido pelo Eminente Relator. D E C I S Ã O Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: por maioria de votos negar provimento ao recurso nos termos do voto do Eminente Relator. vc/