Sobre a Formação de uma Mente: os vínculos iniciais e suas potencialidades; da protomente à capacidade simbólica

Transcrição

1 A Constituição Do Psiquismo: Vicissitudes, Desenvolvimentos e Patologias Sobre a Formação de uma Mente: os vínculos iniciais e suas potencialidades; da protomente à capacidade simbólica Gislene Andrade Psicanalista SBPRP Psicóloga Clínica Membro do GPU Vice-Presidente do CEEPU

2 Dimensões da Mente Fernanda Montenegro - Vídeo

3 Mente Incipiente FREUD: Mente Incipiente é a mente da criança de três a cinco anos em seus desenvolvimentos pulsionais e cognitivos. KLEIN e BION: Mente incipiente é a mente do bebê, no primeiro ano de vida, em seus desenvolvimentos emocionais.

4 O Primeiro Olhar É de extrema importância o psiquismo do objeto primário mãe ou substituto, na constituição dos estados iniciais da mente do bebê. O bebê, desde o início singular (com toda sua peculiaridade constitucional), é colocado diante de um objeto que vai poder ajudá-lo, ou não, a nascer psiquicamente e a se desenvolver. Para que o sujeito nasça psiquicamente e possa se ver, ele precisa inicialmente ser visto pelo objeto.

5 CHICO BUARQUE Até o Fim

6 Precisamos falar sobre o KEVIN

7 Precisamos Falar Sobre o KEVIN

8 O Olhar Materno Olhar disponível - Trata-se do primeiro olhar para o bebê, acompanhado da fala e dos gestos da mãe, traduzindo sua compreensão da experiência emocional vivida no momento, entre o bebê e ela (Bion, 1959). (banho e alimentação) Olhar que não vê - Depressões e Narcisismo da Mãe Olhar do Pai Ampara a mãe e futuramente faz o corte

9 FRANCIS TUSTIN Consciência da separação corporal É o âmago de toda a existência humana. Algumas pessoas a experimentam de forma mais drástica que outras. A maneira como cada pessoa lida com ela é determinante na formação da personalidade. A organização do psiquismo depende de como cada um tolera a percepção da separação corporal. Há flutuações deste estado de consciência. Sensação de continuidade corporal com o objeto A presença física e psíquica da mãe, sua disponibilidade e seus cuidados, impede que os estados iniciais não integrados sejam vividos pelo bebê como vivências aterrorizantes de desintegração, até que ele tenha melhores condições para as vivências de percepções da separação corporal.

10 WINNICOTT Mãe Suficientemente Boa - Cuida para que seu bebê não tenha de lidar com falhas acima de sua capacidade própria e, assim, não seja rompida, precocemente, a continuidade de ser. Estado de Unidade Indiferenciada com o Ambiente Preocupação Materna Primária - Capacidade natural da mãe de sintonizar com as necessidades singulares de seu bebê em processo regressivo de identificação com ele. Promove a necessária ilusão temporária do bebê de estar fusionado com sua mãe.

11 WINNICOTT Objetos transicionais Com o amadurecimento do bebê, a mãe necessita acreditar e garantir que seu bebê enfrente frustrações - sempre na medida de sua capacidade - para se desenvolver. A ausência da mãe poderá ser, gradativamente, substituída por alguns objetos a ela associados: um bichinho de pelúcia, uma frauda, um bico, ou mesmo os sons que ele balbucia, imitando, inicialmente, a voz materna. Constituem as primeiras formações simbólicas do bebê, uma vez que já substituem a presença materna. A partir daqui, o processo de desenvolvimento rumo à separação, independência, e à autonomia prosseguem.

12 Rompimento precoce Se a continuidade de ser do recém nascido é rompida precocemente, defesas primitivas se criam para defender o bebê de agonias impensáveis, colapso e angústia de aniquilamento.

13 Mente Primitiva Primórdios, primeiros passos da vida mental. Distinguíveis em maior ou menor proporção, em qualquer pessoa e de modo nítido em algumas psicopatologias. Casos Clínicos

14 Identificação Adesiva Ocorre antes da constituição de um continente interno. A segurança do bebê está depositada nas qualidades sensoriais do objeto materno. Self e objeto são experimentados como superfícies contíguas. Primeira forma de identificação. A dependência do objeto é absoluta e a separação é experimentada como perda de partes do corpo. Caso Clínico

15 ESTER BICK Pele Psíquica (1967) A pele psíquica é formada pela introjeção de um objeto ainda indiferenciado, composto por sensações na superfície corporal ocasionadas principalmente pelo cuidado materno físico e afetivo que envolve o bebê, como se fosse uma película protetora invisível. A formação da pele psíquica é um elemento fundamental no desenvolvimento do psiquismo. É o limite que instaura a possibilidade de separação entre self e objeto, dando início a essa primeira diferenciação e criando os rudimentos de um espaço mental interno.

16 Segunda Pele Repetidos descompassos afetivos entre a mãe e seu bebê, trazem à luz, precocemente, a realidade de corpos e mentes separados entre o bebê e sua mãe. Este fato provoca perturbações no desenvolvimento da pele psíquica e pode levar à constituição de uma segunda pele, através da qual a dependência do objeto é substituída por uma pseudoindependência. (Bick, 1968) Caso Clínico

17 Socorro Cassia Eller

18 Manoel de Barros Poesia completa (pp ) Um monge descabelado me disse no caminho: Eu queria construir uma ruína. Embora eu saiba que ruína é uma desconstrução. Minha ideia era de fazer alguma coisa ao jeito de tapera. Alguma coisa que servisse para abrigar o abandono, como as taperas abrigam. Porque o abandono pode não ser apenas de um homem debaixo da ponte, mas pode ser também de um gato no beco ou de uma criança presa num cubículo. O abandono pode ser também de uma expressão que tenha entrado para o arcaico ou mesmo de uma palavra. Uma palavra que esteja sem ninguém dentro (O olho do monge estava perto de ser um canto). Continuou: digamos a palavra AMOR. A palavra amor está quase vazia. Não tem gente dentro dela. Queria construir uma ruína para a palavra amor. Talvez ela renascesse das ruínas, como o lírio pode nascer de um monturo. E o monge se calou descabelado.

19 Posição Autista-contígua Thomas Ogden (1996), um dos mais criativos autores da psicanálise contemporânea, propôs um modelo para a compreensão da mais primitiva organização psicológica no ser humano, e a denominou posição autística-contígüa (PAC). Ela é autística, pois nesses primórdios não é possível ao recém-nascido reconhecer a existência de um outro ser separado dele. Um bebê é vitalmente dependente de alguém que cuide dele, alimente-o, limpe seus dejetos, dê afeto, etc., e a percepção precoce de que esse alguém pode não estar lá quando necessário lhe é altamente perturbadora; então, ele magicamente nega a percepção da alteridade e vive um período autístico, ou fusional, no qual mãe e bebê são um (1+1=1). Essa posição é também contígua, pois o bebê necessita sentir que as superfícies que ele experimenta se tocam entre si, são contínuas, não têm rupturas ou separações, que lembrariam ao bebê seu estado de separação de sua mãe, colocando-o em estado de intenso desamparo. Paulo Ribeiro

20 Nós, adultos, também temos momentos nos quais nos deparamos com angústias da posição autísticacontígüa e fazemos uso da sensorialidade para nos acalmarmos. Essas defesas envolvem a criação de estímulos sensoriais que produzem ritmo, harmonia e sensação de continuidade. A pessoa se embala na cama para dormir, acaricia seu cabelo, ou fuma um cigarro em momentos de tensão.

21 O Perfume

22 Autismo O nível mais arcaico de funcionamento mental O indivíduo envolto em estados autísticos recolhe-se no interior de uma concha protetora, onde permanece absorto em atividades autossensuais, bastando-se a si mesmo e garantindo o sentido de existir. Dentro dessa concha protetora, essas crianças evademse do contato com os objetos reais e com qualquer forma de atividade psíquica. Nesse espaço não há noção de si mesmo ou do outro. Experiências sensoriais particulares têm função apaziguadora, mas não chegam a ter representação psíquica.

23 Desenvolvem formas autísticas e objetos autísticos São relações que se estabelecem por meio das sensações desencadeadas pelo contato, e não pelas fantasias ou significado afetivo entre o self e objeto, como ocorre no campo da neurose e da psicose. O indivíduo mantém com o objeto, desse modo, a sensação de continuidade corporal.

24 Barreiras Autísticas - muitas vezes, ficam ocultas pela parte neurótica da personalidade. Trabalho do Analista - A função do analista diante da barreira autística do paciente é penetrar em seu mundo inanimado se introduzindo como um elemento vivo, e ativo. É conferir vida psíquica aos seus estados autísticos.

25 Ensinando a viver Viver

26 BION - A mente se cria a partir da (o): Existência de pré-concepções inatas de si mesmo (self), dos objetos iniciais e das relações Tolerância à ausência do objeto concreto Introjeção da capacidade sonhante (rêverie) da mãe A mãe precisa pensar pelo bebê para ajudá-lo a pensar a cerca de si mesmo, ou seja, necessita metabolizar as experiências emocionais, ainda não elaboradas pelo bebê. Há toda uma atitude ávida do bebê pelas manifestações mentais dela. Do desenvolvimento da potencialidade para pensar, ou seja, de um funcionamento assimbólico ao simbólico.

27 Elementos Beta Reverie Função Alfa Elementos Alfa Cris Conde Falhas da Rêverie Materna

28 Elementos Beta - Elementos sensoriais que não sofreram transformações no nível psíquico e, assim, não são possíveis de serem utilizados para o pensamento. São estímulos sensoriais não digeridos que são descarregados e expelidos pelo aparelho mental para se livrar do acúmulo da tensão. Rêverie - Capacidade da mãe e, posteriormente, do analista, de captar as angústias e necessidades do bebê (seus elementos beta), traduzi-las em imagens/sonhos para então, após a devida identificação e metabolização, devolvê-las a ele, de forma que lhe seja assimilável (elementos alfa). A capacidade de dar sentido às primeiras experiências emocionais é função da mãe e não do bebê.

29 Função Alfa - Capacidade da criança de desenvolver a habilidade e a função de pensar os protopensamentos, que resultam das primitivas sensações e experiências emocionais, já inscritas, mas que ainda não puderam ser pensadas. David Zimerman Elementos Alfa Primitivas impressões sensoriais e experiências emocionais que foram adequadamente transformadas pela função alfa da mãe. Dessa maneira, se constituem elementos que predominantemente adquirem a forma de imagens visuais, que são utilizadas pela mente para a formação de sonhos, recordações, formação de símbolos e para a capacidade para pensar. David Zimerman

30 As vivências que não alcançam sonhabilidade permanecem no individuo como sonhos não sonhados (Ogden, 2004) e se manifestam na forma de terror noturno, pesadelos, sintomas psicossomáticos, psicóticos, nas adições, nos núcleos autistas da personalidade, em manifestações do falso self e nas vivencias do vazio entre outras. Ao iniciarmos uma análise, podemos nos deparar com analisandos que apresentam funcionamento mental no qual há uma delicada organização psíquica, uma espécie de equilíbrio mínimo, que permite apenas garantir a sobrevivência física e mental. Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro. Clarisse Lispector

31 Aspectos Técnicos da Análise com a Dimensão da Mente Primordial Quanto mais o paciente for incipiente na sua capacidade para sonhar, mais benefício teremos se a sessão tornarse uma criação conjunta entre analisando e analista. Estímulos para brincar juntos na sessão, analiticamente buscando novas vivências emocionais e estimulando a capacidade para sonhar. Priorizar as narrativas dos analisandos, não como algo de onde extrair um significado, mas como algo com que interagir na construção de um sentido partilhado.

32 Tolerar a experiência da falta de sentido em situações precárias, fragmentadas, como registros de catástrofes psíquicas que se constituíram de experiências emocionais insuportáveis e que não puderam ser transformadas pela função alfa. Tornar-se o analisando dentro de si mesmo, em ressonância com suas verdades emocionais intoleráveis. Nortear o analisando em estados emocionais elementares a vincular palavra com sentimento, já que carecem das representações mentais que os acompanham.

33 Dar preferência ao sentido em vez do significado, pode ser compreendido pela ideia de dar atenção e formular os estados mentais nascentes a que se tem acesso na sessão. Modificar o modo de apresentar a intervenção ao paciente para melhor alcançá-lo é um desafio técnico diário. Pensar o objetivo da análise como a busca pelo desenvolvimento das potencialidades da mente inscritas como preconcepções da espécie, mas que necessitam de adequada realização através do encontro com a mente do outro. Antonino Ferro

34 Trauma Uma quantidade de estimulação sensorial (elementos beta) que supera a capacidade da função alfa de formar elementos alfa e formar pensamentos.

35 A Menina que Roubava Livros

36 Caminhada para o Crescimento Psíquico

37 Material/slides elaborados com base e recortes dos textos de fundamentos: Garcia de Barros, I. (2013). Os Primórdios da Estruturação Psíquica, como se apresentam na clínica. Bergasse 19. Vol. IV (1), Haudenschild, R. L. T. (2009). O primeiro olhar. In: Constituição da vida psíquica. 145 à 155. São Paulo: Hirondel, Korbivcher, F. C. Mente Primitiva e pensamento. In: Constituição da vida psíquica. 07 à 28. São Paulo: Hirondel Ignácio, G. Sessão de histórias. São José dos Campos: Ed. Ofício das Palavras, Filmes: - O Perfume. A história de um assassino. Comentários de Paulo de Moraes M. Ribeiro - Ensinando a Viver: Comentários de Sônia Mestriner. - Kevin: Comentários de Gislene Andrade. Ceepu/Unimed/ Uberlândia A menina que Roubava Livros