Revista do Serviço Público Brasília: ENAP, v. : il.
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- Ivan Viveiros Bacelar
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1 Missão da Revista do Serviço Público Disseminar conhecimento sobre a gestão de políticas públicas, estimular a reflexão e o debate e promover o desenvolvimento de servidores e sua interação com a cidadania. ENAP Escola Nacional de Administração Pública Presidente: Helena Kerr do Amaral Diretor de Formação Profissional: Paulo Carvalho Diretora de Desenv. Gerencial: Margaret Baroni Diretora de Comunicação e Pesquisa: Paula Montagner Diretor de Gestão Interna: Lino Garcia Borges Conselho Editorial Barbara Freitag-Rouanet, Fernando Luiz Abrucio, Helena Kerr do Amaral, Hélio Zylberstajn, Lúcia Melo, Luiz Henrique Proença Soares, Marcel Bursztyn, Marco Aurelio Garcia, Marcus André Melo, Maria Paula Dallari Bucci, Maria Rita G. Loureiro Durand, Nelson Machado, Paulo Motta, Reynaldo Fernandes, Silvio Lemos Meira, Sônia Miriam Draibe, Tarso Fernando Herz Genro, Vicente Carlos Y Plá Trevas, Zairo B. Cheibub Periodicidade A Revista do Serviço Público é uma publicação trimestral da Escola Nacional de Administração Pública. Comissão Editorial Helena Kerr do Amaral, Paula Montagner, Paulo Sergio de Carvalho, Natália Massaco Koga, Elisabete Roseli Ferrarezi, Juliana Silveira Leornardo de Souza, Livino Silva Neto, Sérgio Grein Teixeira. Expediente Diretora de Comunicação e Pesquisa: Paula Montagner Editora: Juliana Silveira Leonardo de Souza Coordenador-Geral de Editoração: Livino Silva Neto Revisão gráfica: Ana Cláudia Borges Revisão: Larissa Mamed Hori, Roberto Carlos Araújo e Emília Moreira Torres Projeto gráfico: Livino Silva Neto Fotos: André Abraão Editoração eletrônica: Maria Marta da Rocha Vasconcelos e Vinicius Aragão Loureiro. Revista do Serviço Público Brasília: ENAP, v. : il. ISSN:0034/9240 Editada pelo DASP em nov. de 1937 e publicada no Rio de Janeiro até A periodicidade varia desde o primeiro ano de circulação, sendo que a partir dos últimos anos teve predominância trimestral (1998/2007). Interrompida no período de 1975/1980 e 1990/ Administração Pública Periódicos. I. Escola Nacional de Administração Pública. CDD: ENAP, 2007 Tiragem: exemplares Assinatura anual: R$ 40,00 (quatro números) Exemplar avulso: R$ 12,00 Os números da RSP Revista do Serviço Público anteriores estão disponíveis na íntegra no sítio da ENAP: As opiniões expressas nos artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, as da RSP. ENAP Fundação Escola Nacional de Administração Pública SAIS Área 2-A Brasília - DF Telefone: (61) / 7092 Fax: (61) Sítio: Endereço eletrônico: editora@enap.gov.br A reprodução total ou parcial é permitida desde que citada a fonte.
2 Sumário Contents O Plano Plurianual Municipal no sistema de planejamento e orçamento brasileiro 397 The Municipal Pluriannual Plan within the Brazilian planning and budget system Mario Procopiuck, Evanio Tavares Machado, Denis Alcides Rezende e Fabiane Lopes Bueno Netto Bessa Avaliação da integração do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil ao Programa Bolsa Família 417 Evaluation of the integration of the Child Labor Eradication Program with the Bolsa Família Program Maria das Graças Rua Considerações sobre o trabalho escravo no Brasil do século XXI Considerations on slave work in 21st century Brazil 451 Samuel Antunes Antero O aprendizado organizacional na implementação de políticas públicas industriais em três estados nordestinos 465 The organizational learning in the implementation of industrial public policies in three Brazilian Northeast States Antônio Glauter Teófilo Rocha Entrevista: Linda McLoughlin O coração da liderança 505 RSP Revisitada: O Ministério de Minas e Energia Elétrica como parte da reforma na administração brasileira 511 Para saber mais 519 Acontece na ENAP 520
3 Maria das Graças Rua RSP Avaliação da integração do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil ao Programa Bolsa Família Maria das Graças Rua Introdução Este relatório apresenta o levantamento e a sistematização dos processos pelos quais foi implementada a integração do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) ao Programa Bolsa Família (PBF), com a identificação de algumas das principais lições aprendidas. Apresenta, também, uma avaliação dos efeitos, para o combate ao trabalho infantil, da mencionada integração. Espera-se que essa avaliação possa servir especialmente como apoio ao governo federal em seus esforços para o cumprimento dos dispositivos constitucionais que asseguram os direitos de crianças e adolescentes ao desenvolvimento saudável e integral. Essa avaliação interessa especificamente aos seguintes usuários: o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), os demais stakeholders os gestores do Executivo, as Comissões Permanentes da Câmara dos Deputados (Comissão de Revista do Serviço Público Brasília 58 (4): Out/Dez
4 RSP Avaliação da integração do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil ao Programa Bolsa Família Constituição, Justiça e Cidadania; de Direitos Humanos e Minorias; de Seguridade Social e Família; de Trabalho, Administração e Serviço Público; e de Educação e Cultura), os órgãos de controle externo e de controle social, bem como entidades da sociedade civil envolvidas com o combate ao trabalho infantil. O foco da avaliação incide fortemente sobre a implementação da integração do PETI ao PBF, ou seja, foram examinadas as estratégias, insumos, procedimentos e arranjos, inclusive institucionais, adotados para produzir resultado. As dimensões examinadas foram a clareza e o compartilhamento dos objetivos pelos gestores envolvidos no processo de integração e a adequação do desenho adotado para implementá-la. Trata-se também de uma avaliação de efetividade, compreendendo o exame dos efeitos dessa integração sobre a erradicação do trabalho infantil. A partir do estabelecimento das dimensões acima, aplicaram-se os seguintes critérios de avaliação: Eficácia: em que medida a integração contribuiu para o cumprimento dos objetivos e metas de redução do trabalho infantil no Brasil? Eficiência: a integração contribuiu para a maximização dos resultados na aplicação dos recursos do PETI? O acesso às atividades socioeducativas e de convivência (Asec) foi ampliado e garantido para todas as crianças e adolescentes ex-trabalhadores atendidos pelo PETI e pelo PBF? Os parâmetros pedagógicos para a jornada ampliada foram definidos contemplando o atendimento às crianças abaixo de seis anos? Efetividade: quais os resultados obtidos versus os resultados esperados da integração dos programas? Houve resultados não-antecipados, positivos e negativos? De que natureza? Eqüidade: como foram abordados os aspectos relativos à justiça social na seleção dos beneficiários? A integração tem propiciado a focalização adequada? Transparência: o Cadastro Único (CadÚnico) 1 assegura mais transparência a esses programas governamentais? Contribui para o aprimoramento da gestão dos programas? Participação social: a integração contribuiu para o fortalecimento dos canais de interlocução dos gestores e dos demais interessados? Sustentabilidade: que formas de mudança institucional foram constituídas para a redução e/ou erradicação do trabalho infantil? O que foi feito para que as partes envolvidas não reincidam no trabalho infantil? Essa avaliação baseou-se em dois tipos de dados: em documentos oficiais dos dois programas, obtidos em meio impresso ou eletrônico junto ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome ( MDS), ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP), ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), ao Tribunal de Contas da União (TCU) e a outras instituições públicas envolvidas; e em percepções e avaliações dos principais gestores sobre os dois programas e a sua integração. Após o levantamento inicial dos documentos, procedeu-se à análise dos mesmos. Em seguida, a fim de explorar as dimensões selecionadas para a avaliação, nos meses de fevereiro e março de 2007, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com os principais gestores envolvidos no MDS, no MP e no MTE, cujas identidades, em obediência à ética de pesquisa, serão preservadas Revista do Serviço Público Brasília 58 (4): Out./Dez. 2007
5 Maria das Graças Rua RSP É necessário registrar que este trabalho enfrentou uma série de limitações. Primeiramente, registra-se o reduzido prazo de realização, em período de festas de final de ano e férias, o que atrasou as atividades de coleta de dados. Além disso, o trabalho foi dificultado pelo contexto de mudança governamental, já que o momento foi marcado pelas expectativas de reforma ministerial, que impuseram obstáculos ao acesso a vários informantes. Finalmente, posto que a integração do PETI ao PBF por intermédio do Cadastro Único só alcançou magnitude significativa no segundo semestre de 2006, os resultados desse processo ainda estão se consolidando, sendo o momento atual ainda cedo para conclusões definitivas. Este documento está dividido em cinco seções, além desta introdução. Na primeira, é descrito o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. Na segunda, apresentamse as principais características do Programa Bolsa Família. Na terceira, é descrita e discutida a integração dos dois programas nos termos estabelecidos pelo governo federal e atualmente vigentes. Na quarta, são aplicados os critérios de avaliação e apresentadas as principais constatações a partir da análise realizada. Por último, na quinta seção, são apresentadas as recomendações e um conjunto de indicadores para avaliação de resultados e de processos do PETI. Descrição dos objetos de avaliação: Programa de Erradicação do Trabalho Infantil Em 1980, registraram-se no Brasil cerca de 6,9 milhões de crianças e adolescentes em situação de trabalho. Em 1992, registraram-se 9,6 milhões com idade entre cinco e 17 anos. Em 1995, esse número decresceu para 9,5 milhões. As causas desse fenômeno são múltiplas: a pobreza e a miséria; as distorções do sistema econômico; as limitações do sistema educacional; e as restrições impostas pelos aspectos culturais. Em 1998, a incidência do trabalho infantil no Brasil começou a alterar-se de modo significativo, totalizando cerca de 7,7 milhões de crianças e adolescentes; em 1999 esse número foi reduzido para 6,6 milhões. Em 1980, registraram-se no Brasil cerca de 6,9 milhões de crianças e adolescentes em situação de trabalho. (...) As causas desse fenômeno são múltiplas: a pobreza e a miséria; as distorções do sistema econômico; as limitações do sistema educacional; e as restrições impostas pelos aspectos culturais. Em 2001, de acordo com a Pnad, cerca de 5,5 milhões de crianças e adolescentes com idade entre cinco e 17 anos encontravam-se em situação de trabalho precoce. Dentre eles, cerca de 300 mil estavam na faixa etária de 5 a 9 anos; 2,8 milhões entre 10 e 15 anos; e 2,4 milhões estavam entre os 16 e 17 anos de idade. De acordo com a legislação brasileira, trabalho infantil é aquele exercido por Revista do Serviço Público Brasília 58 (4): Out/Dez
6 RSP Avaliação da integração do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil ao Programa Bolsa Família qualquer pessoa com menos de 16 anos de idade. No entanto, é permitido o trabalho a partir dos 14 anos de idade, desde que na condição de aprendiz. Aos adolescentes de 16 a 18 anos está proibida a realização de trabalho em atividades insalubres, perigosas ou penosas; de trabalho que envolva cargas pesadas e/ou jornadas longas; e, ainda, de trabalho em locais ou serviços que lhes prejudiquem o bom desenvolvimento psíquico, moral e social. O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil iniciou-se em 1996, como experiência piloto implantada nas carvoarias do Estado do Mato Grosso do Sul, onde foram atendidas crianças e adolescentes que trabalhavam nos fornos de carvão e na colheita da erva-mate, em 14 municípios. No ano de 1997, foi implantado nos canaviais de Pernambuco e na região sisaleira da Bahia, ampliando-se o atendimento também aos Estados do Amazonas e de Goiás. Em 1998, foi estendido para a região citrícola do Sergipe, para áreas de garimpo em Rondônia e de canaviais no litoral fluminense. A partir de 1999, o programa teve sua abrangência ampliada para diversas atividades nos demais estados do País, bem como se estendeu a novos municípios nos estados já atendidos. Inicialmente, o PETI tinha por finalidade erradicar o trabalho infantil de crianças e adolescentes de 7 a 14 anos, em atividades consideradas perigosas, insalubres, penosas ou degradantes, nas zonas urbana e rural. Sua ação tinha como referência principal o núcleo familiar e, subsidiariamente, a escola e a comunidade. O público-alvo era constituído, prioritariamente, por famílias com renda per capita de até 1/2 salário mínimo, com filhos na faixa etária de sete a 14 anos em situação de trabalho nas atividades mencionadas 3. Em 2001, o PETI concedia às famílias incluídas um benefício financeiro denominado Bolsa Criança Cidadã, no valor de R$ 25,00 para a área rural e de R$ 40,00 para a urbana, por criança que freqüentasse a jornada escolar ampliada. No PPA as ações orçamentárias estruturadas para a implementação do PETI eram prioritariamente as seguintes: concessão de Bolsa Criança Cidadã; atendimento a criança e ao adolescente em jornada escolar ampliada; geração de ocupações produtivas para as famílias do PETI, todas inicialmente a cargo da Secretaria de Estado de Assistência Social, do Ministério da Previdência e Assistência Social (Seas/MPAS); fiscalização para erradicação do trabalho infantil; e mapeamento dos focos de trabalho infantil por município, a cargo do MTE 4. De 2001 a 2005, o PETI passou por diversas modificações devido a mudanças de natureza institucional. Em 2001, encontrava-se sob a responsabilidade da Seas, que integrava o então Ministério da Previdência e Assistência Social. Em 2003, com a mudança de governo, a Seas foi transformada no Ministério da Assistência Social que, em janeiro de 2004, foi transformado no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Atualmente, a Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS) é a responsável pela execução do programa, por meio do Departamento de Proteção Social Especial. Além disso, foram adotadas providências diversas no sentido do aperfeiçoamento dos mecanismos para sua implementação. Em 2006, o PETI apresentava as seguintes características: o valor da bolsa para as famílias residentes em áreas rurais ou em municípios com menos de 250 mil habitantes era de R$ 25,00, e para as famílias residentes em 420 Revista do Serviço Público Brasília 58 (4): Out./Dez. 2007
7 Maria das Graças Rua RSP áreas urbanas com mais de 250 mil habitantes era de R$ 40,00 por criança retirada do trabalho. Não há limite do número de bolsas por família; além da bolsa, a SNAS repassava aos municípios o valor de R$ 20,00 por criança ou adolescente beneficiário das atividades socioeducativas e de convivência no horário extra-escolar (jornada ampliada). Essa ação visava ao desenvolvimento, em período extracurricular, de atividades de reforço escolar, alimentação, ações esportivas, artísticas e culturais; a faixa etária das crianças e adolescentes beneficiários, inicialmente de 7 a 14 anos, passou a ser de 7 a 15 anos 5, e o programa passou a atender também crianças e adolescentes vítimas de exploração sexual comercial; para receber o benefício, a família obrigatoriamente deveria retirar das atividades laborais todos os filhos menores de 16 anos, e da exploração sexual comercial caso houvesse todos os filhos menores de 18 anos; assegurar que crianças e adolescentes beneficiários tivessem freqüência mínima de 75% das atividades escolares e das atividades socioeducativas e de convivência. As ações de controle do cumprimento das contrapartidas exigidas pelo programa deveriam ser executadas pelos municípios. As famílias incluídas e selecionadas no Cadastro Único (CadÚnico) recebiam os benefícios por meio de cartão magnético da Caixa Econômica Federal (CAIXA), que lhes repassava diretamente os recursos do MDS. As famílias selecionadas, porém não incluídas no CadÚnico, recebiam os benefícios diretamente da prefeitura, por meio do repasse do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS) ao Fundo Municipal de Assistência Social (FMAS). para serem inseridos no PETI, os municípios e estados deveriam apresentar termo de adesão, ter suas comissões de erradicação do trabalho infantil formalmente criadas, instaladas e dotadas de um plano de ação. para serem atendidos pelo programa, inicialmente os estados deveriam apresentar um levantamento dos casos de trabalho infantil que ocorrem em seus municípios. Esse estudo diagnóstico era apresentado às Comissões Estaduais de Erradicação do Trabalho Infantil para validação e estabelecimento de critérios de prioridade para atendimento às situações identificadas. Com isso, priorizava-se o atendimento a municípios em pior situação econômica ou que apresentassem atividades mais prejudiciais, em termos comparativos, à saúde e à segurança da criança e do adolescente. As demandas validadas pela comissão estadual eram submetidas à Comissão Intergestora Bipartite (Cib), para que fosse realizada a pactuação. Essas decisões eram informadas ao MDS, sendo remetida, nessa oportunidade, a relação nominal de crianças e adolescentes a serem atendidos e as respectivas atividades econômicas exercidas. O Ministério, então, aprovava e informava ao governo estadual as etapas a serem cumpridas pelos municípios para implantação do programa. As principais etapas eram: inserção das famílias no Cadastro Único dos programas sociais do governo federal 6 ; inserção ou reinserção das crianças e dos adolescentes na escola; seleção, capacitação e contratação de monitores para trabalhar na jornada ampliada; estruturação do espaço físico para a execução da jornada ampliada; encaminhamento do plano de ação, preenchido e assinado pelo gestor municipal; envio da declaração emitida pela Comissão Municipal de Erradicação do Trabalho Infantil, atestando o cumprimento de todas as etapas. Revista do Serviço Público Brasília 58 (4): Out/Dez
8 RSP Avaliação da integração do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil ao Programa Bolsa Família No PPA , o PETI passou a compreender as seguintes ações: Bolsa Criança Cidadã; apoio aos fóruns de erradicação do trabalho infantil; atendimento à criança e ao adolescente em jornada ampliada, sob responsabilidade do MDS; fiscalização para erradicação do trabalho infantil; publicidade de utilidade pública; atualização do mapa de focos de trabalho infantil; e apoio técnico à Escola do Futuro Trabalhador, sob responsabilidade do MTE. O controle social é realizado por intermédio das Comissões Municipal e Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil, compostas por órgãos governamentais, representantes da sociedade civil e por membros dos Conselhos de Assistência Social, Conselhos Tutelares e Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente. Entre os órgãos governamentais participantes destacam-se a Secretaria Nacional de Assistência Social e as Delegacias Regionais do Trabalho (DRTs). Descrição dos objetos de avaliação: Programa Bolsa Família O Programa Bolsa Família (PBF) foi criado pela Lei n o /2004, que unificou os procedimentos de gestão e execução das ações de transferência de renda do governo federal criadas e implantadas entre 2001 e 2003 e que passaram a ser denominadas programas remanescentes (Programas Cartão Alimentação, Bolsa- Escola, Bolsa-Alimentação e Auxílio- Gás) 7. Entre eles, não se inclui o PETI. Os objetivos do PBF são: promover o acesso à rede de serviços públicos, em especial, de saúde, educação e assistência social; combater a fome e promover a segurança alimentar e nutricional; estimular a emancipação sustentada das famílias que vivem em situação de pobreza e extrema pobreza; combater a pobreza; e promover a intersetorialidade, a complementaridade e a sinergia das ações sociais do poder público. As famílias elegíveis para o PBF compreendem dois grupos aos quais correspondem dois tipos de benefícios, descritos no Quadro 1. No que se refere a metas, de acordo com informações da gerência do Bolsa Família, o Programa deveria atender cerca de 6,5 milhões de famílias ao final de 2004, passando para 8,8 milhões ao final de 2005, para finalmente atender as estimadas 11,2 milhões de famílias em situação de pobreza em Em abril de 2004, o PBF atendia famílias, Quadro 1: Tipologia de famílias beneficiárias e de benefícios do Programa Bolsa Família - valores para 2007 Grupo 1 Famílias com renda per capita mensal de até R$ 60,00, independentemente da composição e do número de membros da família. Benefício 1 Benefício fixo de R$ 50,00, acrescido do benefício variável de R$ 15,00 por beneficiário, até o limite de R$ 45,00, podendo a soma chegar ao total de R$ 95,00 por mês. Grupo 2 Famílias com renda mensal per capita de R$ 60,01 até R$ 120,00 Benefício 2 Benefício variável por filho menor de 15 anos, podendo chegar a R$ 45,00 por mês. 422 Revista do Serviço Público Brasília 58 (4): Out./Dez. 2007
9 Maria das Graças Rua RSP das famílias estimadas, ou seja, cobria 33,6% da sua meta final. A Lei n o , de 9 de janeiro de 2004, foi regulamentada pelo Decreto n o 5.209, de 17 de setembro de Este decreto instituiu o arranjo institucional para a implementação do PBF, que assume o seguinte desenho. A instância máxima de gestão do PBF é o Conselho Gestor do Programa Bolsa Família (CGPBF), órgão colegiado de caráter deliberativo, vinculado ao MDS, previsto pelo Art. 4 o da Lei n o , de 2004, e pela Lei n o , de 13 de maio de O CGPBF tem por finalidade formular e integrar políticas públicas, definir diretrizes, normas e procedimentos sobre o desenvolvimento e implementação do Programa Bolsa Família, bem como apoiar iniciativas para instituição de políticas públicas sociais visando promover a emancipação das famílias beneficiadas pelo programa nas esferas federal, estadual, distrital e municipal. O Comitê Executivo do CGPBF terá como finalidade implementar e acompanhar as decisões do Conselho. A execução e gestão do Programa Bolsa Família dar-se-á de forma descentralizada, por meio da conjugação de esforços entre os entes federados, observada a intersetorialidade, a participação comunitária e o controle social. Os entes federados poderão aderir ao programa por meio de termo específico, observados os critérios e as condições estabelecidas pelo MDS. Portanto, na esfera federal cabe ao MDS deliberar sobre o desenho e a implementação do programa; coordenar sua operacionalização, principalmente no que diz respeito às funções de cadastro, pagamento de benefícios, monitoramento e avaliação; e atuar na coordenação política e na articulação com os entes federados. A estrutura regimental do MDS, aprovada pelo Decreto 5.074, de maio de 2004, definiu que compete à Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (Senarc) coordenar, implementar, acompanhar e controlar os programas e projetos relativos à Política Nacional de Renda de Cidadania, em conjunto com os estados, o Distrito Federal e os municípios. Em outras palavras, o PBF é gerido pela Senarc, a qual Para a política de combate ao trabalho infantil, o problema do registro da informação talvez seja um dos mais preocupantes do processo de integração via CadÚnico (...). gerencia o CadÚnico, que é a porta de entrada do programa. Ainda na esfera federal, cabe ao Ministério da Saúde e ao Ministério da Educação normatizar as condicionalidades que lhes dizem respeito e verificar seu cumprimento por parte das famílias; monitorar e buscar suprir as deficiências na oferta de serviços sociais pelos entes federados; acompanhar a evolução dos Revista do Serviço Público Brasília 58 (4): Out/Dez
10 RSP Avaliação da integração do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil ao Programa Bolsa Família indicadores sociais setoriais; articular-se com os respectivos conselhos setoriais para a implementação do programa; e participar das decisões que dizem respeito às funções centralizadas de gestão do programa (cadastro, pagamento de benefícios, monitoramento e avaliação). Cabe aos governos estaduais, principalmente, apoiar a implementação do PBF no estado; promover a articulação das ações para assegurar o caráter intersetorial do programa; viabilizar a oferta de serviços e de ações complementares; apoiar os municípios no processo de cadastramento; apoiar os conselhos estaduais e municipais; e colaborar com o Poder Judiciário na redução do sub-registro civil e na emissão de documentação para as famílias. De acordo com o modelo de gestão descentralizada, os governos municipais são os principais gestores do PBF junto às famílias. As suas principais atribuições são articular os diversos órgãos e entidades locais afetos ao programa; assegurar a oferta de serviços essenciais de saúde, educação, acompanhamento alimentar e nutricional para viabilizar o cumprimento das condicionalidades; viabilizar a oferta de ações complementares ao programa; coordenar o processo de cadastramento, seleção, renovação, suspensão e desligamento das famílias beneficiárias, mediante a operação do CadÚnico; atender diretamente os beneficiários; capacitar os profissionais envolvidos (em conjunto com o nível federal); avaliar o desempenho e o impacto do programa no município; apoiar os conselhos municipais; colaborar com o Poder Judiciário na redução do subregistro civil e na emissão de documentação para as famílias beneficiárias; e informar periodicamente ao MDS e aos ministérios setoriais os dados sobre o cumprimento das condicionalidades. A CAIXA atua como agente operador do Cadastro Único e agente pagador dos benefícios do PBF, que são recebidos pelos beneficiários por meio de cartões magnéticos. A exemplo do que ocorre com a maioria das ações federais descentralizadas, o PBF prevê instância de controle social local. De acordo com a Portaria GM/ MDS n o 246, de 20 de maio de 2005, que institui os instrumentos necessários e define o procedimento de adesão dos entes locais ao PBF, a primeira condição a ser cumprida para a adesão é a existência formal e o pleno funcionamento de um comitê ou conselho local de controle social do Programa Bolsa Família. O artigo 29 do Decreto já havia estabelecido que o controle e a participação social do PBF devem ser realizados, em âmbito local, por conselho formalmente constituído pelo município ou pelo Distrito Federal, respeitada a paridade entre governo e sociedade; composto por integrantes das áreas da assistência social, da saúde, da educação, da segurança alimentar e da criança e do adolescente, quando existentes, sem prejuízo de outras áreas que o município ou o Distrito Federal julgue conveniente. No nível estadual, o controle social do PBF pode ser exercido por conselho, instituído formalmente, nesses mesmos moldes. Por decisão do poder público municipal ou do Distrito Federal, o controle social do PBF pode ser realizado por conselho ou instância anteriormente existente, garantidas a paridade e a intersetorialidade. A norma admite, também, que os municípios podem associar-se para exercer o controle social do PBF, desde que se estabeleça formalmente, por meio de termo de cooperação intermunicipal, a distribuição de todas as competências e atribuições necessárias ao perfeito acompanhamento 424 Revista do Serviço Público Brasília 58 (4): Out./Dez. 2007
11 Maria das Graças Rua RSP dos Programas Bolsa Família e remanescentes sob sua jurisdição. Atualmente o controle social acompanha e avalia a execução do PBF na esfera municipal, subsidiando a rede pública de fiscalização 8 com o monitoramento dos processos de cadastramento, seleção de beneficiários, concessão e manutenção dos benefícios e do controle das condicionalidades. Considera-se produto do PBF o cumprimento das condicionalidades 9 exigidas para a concessão dos benefícios. As pessoas entre sete e 15 anos integrantes de famílias beneficiárias devem ter freqüência escolar mínima de 85%. As gestantes devem comparecer a exames prénatais e participar de atividades educativas sobre aleitamento materno e orientação alimentar. As nutrizes e responsáveis por crianças entre seis meses e seis anos devem cumprir o calendário vacinal das crianças, levá-las à unidade de saúde para acompanhamento do crescimento e desenvolvimento e participar de atividades educativas sobre alimentação, aleitamento materno e cuidados gerais com a saúde da criança. O MDS responsabiliza-se pelo apoio, pela articulação intersetorial e pela supervisão das ações governamentais para o cumprimento das condicionalidades do PBF, bem como pela disponibilização da base atualizada do Cadastro Único aos Ministérios da Educação e da Saúde. Os responsáveis pelo acompanhamento e fiscalização do cumprimento dessas condicionalidades são o Ministério da Saúde, no que diz respeito ao acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil, da assistência ao pré-natal e ao puerpério, da vacinação, bem como da vigilância alimentar e nutricional de crianças menores de sete anos; e o Ministério da Educação, no que diz respeito à freqüência mínima de 85% da carga horária escolar Ministério da Saúde Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Ministério da Educação Coordenador Estadual de Saúde Coordenador Estadual do PBF Coordenador Estadual de Educação Gestor municipal e responsável técnico Saúde Gestor Municipal do PBF Gestor municipal e responsável técnico Educação CRAS (PAIF) Instância de Controle Social (ICS) Gestor do PETI Figura 1: Arranjo institucional para a gestão do acompanhamento das condicionalidades do Programa Bolsa Família Revista do Serviço Público Brasília 58 (4): Out/Dez
12 RSP Avaliação da integração do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil ao Programa Bolsa Família mensal, em estabelecimentos de ensino regular, de crianças e adolescentes de seis a 15 anos. Entre outras coisas, compete ao Ministério da Saúde designar a Secretaria de Atenção Básica da Saúde como a área técnica responsável pela gestão federal do acompanhamento do cumprimento das condicionalidades de saúde das famílias beneficiárias. Compete ao Ministério da Educação, no Programa Bolsa Família, indicar a área técnica responsável pela gestão federal do sistema de freqüência escolar dos alunos. Os estados, o Distrito Federal e os municípios que dispuserem das condições técnicas e operacionais para a gestão do acompanhamento das condicionalidades do PBF poderão exercer essa atribuição, segundo as normas do programa. São responsabilidades das famílias atendidas no PBF: para as gestantes e nutrizes, no que couber: inscrever-se no pré-natal e comparecer às consultas na unidade de saúde mais próxima de sua residência, portando o cartão da gestante, de acordo com o calendário mínimo preconizado pelo Ministério da Saúde; participar de atividades educativas ofertadas pelas equipes de saúde sobre aleitamento materno e promoção da alimentação saudável; para os responsáveis pelas crianças e pelos adolescentes menores de sete anos: levar a criança à unidade de saúde ou ao local de campanha de vacinação, mantendo em dia o calendário de imunização, conforme preconizado pelo Ministério da Saúde; levar a criança às unidades de saúde, portando o cartão de saúde da criança, para a realização do acompanhamento do estado nutricional e do desenvolvimento e de outras ações, conforme o calendário mínimo preconizado pelo Ministério da Saúde; informar ao órgão municipal responsável pelo Cadastramento Único qualquer alteração no seu cadastro original, objetivando a atualização do cadastro da sua família. A União, os estados, o Distrito Federal e os municípios deverão informar e orientar as famílias sobre os seus direitos e responsabilidades no PBF e sobre a importância da freqüência aos serviços de saúde para a melhoria das condições de saúde e nutrição de seus membros. As famílias beneficiárias com gestantes, nutrizes e crianças menores de sete anos de idade deverão ser assistidas por uma equipe de saúde da família, por agentes comunitários de saúde ou por unidades básicas de saúde, que proverão os serviços necessários ao cumprimento das ações de responsabilidade da família. As Secretarias Municipais de Saúde e as Secretarias Estaduais de Saúde, cada qual na sua esfera, devem, entre outras coisas, indicar um responsável técnico profissional de saúde para coordenar o acompanhamento das famílias do PBF, no âmbito da saúde. Cabe ao poder público a oferta de serviços de educação com acompanhamento da freqüência escolar dos alunos. Definem-se para o responsável legal das famílias atendidas pelo PBF as seguintes responsabilidades: efetivar, observada a legislação escolar vigente, a matrícula escolar em estabelecimento regular de ensino; garantir a freqüência escolar de, no mínimo, 85% da carga horária mensal do ano letivo; informar imediatamente à escola, quando da impossibilidade de comparecimento do aluno à aula, apresentando, se existente, a devida justificativa da falta. 426 Revista do Serviço Público Brasília 58 (4): Out./Dez. 2007
13 Maria das Graças Rua RSP A freqüência escolar deverá ser apurada mensalmente pelos estabelecimentos regulares de ensino para verificação do índice mínimo de 85% da carga horária mensal. Os responsáveis pelo acompanhamento das condicionalidades relativas à escolaridade são os dirigentes dos estabelecimentos de ensino que contarem com alunos beneficiários do PBF. O gestor do sistema de freqüência escolar no município deverá ser o titular do órgão municipal de Educação, cujas atribuições incluem a de integrar a Coordenação Municipal do PBF. O gestor do sistema de freqüência escolar no estado deverá ser o titular da Secretaria Estadual de Educação, cujas atribuições incluem a de integrar a Coordenação Estadual do PBF. As ações de gestão de condicionalidades compreendem: o acompanhamento periódico das ações nas áreas de saúde e educação que as famílias devem realizar; o registro das informações do acompanhamento das condicionalidades nos sistemas disponibilizados pelo MDS, MEC e MS; a repercussão gradativa referente ao descumprimento de condicionalidades. A gestão de benefícios do PBF abrange um conjunto de atividades executadas pelos municípios e pela Senarc/ MDS 10, entre as quais se destaca a atividade de bloqueio de benefícios das famílias do PBF, cabível em qualquer uma das seguintes situações: trabalho infantil na família; durante procedimento de averiguação de cadastramento, quando houver indícios de duplicidade cadastral; renda per capita familiar superior à estabelecida para o PBF; falecimento de toda a família; ou não localização da família no endereço informado no CadÚnico; durante o procedimento de averiguação de acúmulo de benefícios financeiros do PBF com os do PETI; por decisão judicial; ou por descumprimento de condicionalidades do PBF, observada a legislação vigente. O bloqueio de benefícios financeiros implicará o impedimento da retirada das parcelas de pagamento ainda não sacadas pela família e o impedimento do saque das parcelas de pagamento dos meses A imprecisão conceitual [sobre trabalho infantil] soma-se aos fatores culturais para impor óbices à sustentabilidade da política de erradicação do trabalho infantil dentro do próprio poder público. subseqüentes até o desbloqueio, se for o caso. O bloqueio do benefício financeiro não implica, por si só, o desligamento da família do PBF. Porém, decorrido o prazo máximo de seis meses, os benefícios financeiros que ainda permanecerem bloqueados pelos motivos acima definidos serão automaticamente cancelados, salvo disposição em contrário da Senarc. Revista do Serviço Público Brasília 58 (4): Out/Dez
14 RSP Avaliação da integração do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil ao Programa Bolsa Família Na ocorrência de descumprimento de condicionalidades, o bloqueio ou a suspensão de benefício das famílias do PBF é atribuição exclusiva da Senarc, observada a norma específica, tendo por base as informações sobre condicionalidades do PBF encaminhadas pelos municípios, conforme o caso, aos Ministérios da Saúde ou da Educação. Não serão punidas com suspensão ou cancelamento do benefício as famílias que não cumprirem as condicionalidades previstas, quando não houver a oferta do respectivo serviço, ou por força maior ou caso fortuito. A família beneficiária do PBF em situação de trabalho infantil permanecerá com benefícios financeiros bloqueados até a cessação do trabalho infantil, admitidas outras providências previstas na regulamentação da política de erradicação do trabalho infantil, nos termos da Lei. Por intermédio da Portaria 360, de 2005, estabeleceu-se que o MDS transferiria recursos do FNAS aos municípios, para que estes realizassem ações de cadastramento e de atualização das bases de dados dos seus cidadãos incluídos no CadÚnico. A adesão do município ao PBF e ao CadÚnico nos termos da Portaria GM/MDS n o 246, de 20 de maio de 2005, foi a condição estabelecida para o recebimento de recursos financeiros destinados ao desenvolvimento de sua capacidade de gestão do Programa Bolsa Família e do Cadastro Único de programas sociais. Desde os seus primeiros anos de implantação, o Cadastro Único vem sendo objeto de periódicas avaliações devido à sua centralidade para os programas sociais e à persistência dos problemas que apresenta. Em auditoria operacional realizada em 2002, o TCU já apontava distorções relativas à unicidade dos registros e a outras dimensões. As principais falhas detectadas no CadÚnico são: duplicidade cadastral; Quadro 2: Descumprimento de condicionalidades Descumprimento 1 o Registro 2 o Registro 3 o e 4 o Registros 5 o Registro Sanção Não Bloqueio por 30 dias Suspensão por 60 dias Cancelamento Notificação Sim Sim Sim Sim Observação Sem efeito sobre o benefício Subseqüente desbloqueio Sem pagamento das parcelas Desligamento Fonte: MDS. Portaria n o 551, de 09 de novembro de 2005 Tabela 1: Notificação por descumprimento de condicionalidades: Brasil agosto e setembro de 2006 números absolutos Municípios Advertências Bloqueios 219 Brasil Fonte: Senarc/MDS 428 Revista do Serviço Público Brasília 58 (4): Out./Dez. 2007
15 Maria das Graças Rua RSP distorções na estratégia de seleção de famílias cadastradas; informações prestadas divergentes das registradas; famílias com evidências de renda superior ao limite estabelecido; não realização de visitas para confirmação dos dados declarados pelas famílias; guarda e armazenamento inseguro dos formulários; grande proporção de cadastramento de servidores municipais; priorização do cadastramento de famílias residentes nas áreas urbanas dos municípios; famílias não localizadas; famílias beneficiadas, sem a posse do cartão social. O processo de controle do PBF compreende duas vertentes: 1) Ações internas de controle, que consistem em: Fiscalização: exame amplo dos processos de trabalho, do modelo de execução, consistência dos cadastros e das informações enviadas ao PBF. Vistoria: esclarecimento de denúncias de irregularidades recebidas pela central de atendimento, pela Controladoria-Geral da União (CGU), TCU, Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público Estadual (MPE), Instância de Controle Social (ICS) do Departamento de Operação, Coordenação Geral e Fiscalização do MDS etc. Acompanhamento a distância: obtenção e exame de dados a distância, para comparação com registros e dados do PBF. Monitoramento: executado de maneira a aproveitar os deslocamentos das equipes de fiscalização e vistoria, à região próxima da localidade cujo programa deva ser monitorado. 2) Ações externas de controle, que consistem em: Recebimento, tratamento e apuração das denúncias oriundas da sociedade. Fornecimento de dados e informações (relatórios e pareceres) aos gestores municipais e aos órgãos que compõem a rede pública de fiscalização, para implementação de providências no âmbito de suas competências. Tratamento das falhas e disfunções apuradas por fiscalizações da CGU, relativas aos sorteios públicos. Apurações in loco e a distância de falhas na execução do PBF e dos programas remanescentes. A integração do PETI-PBF A integração entre o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e o Programa Bolsa Família foi estabelecida pela Portaria 666, de 28 de dezembro de 2005, com os objetivos de: racionalizar e aprimorar os processos de gestão do PBF e do PETI, pela universalização da obrigatoriedade de pagamento do benefício por meio de cartão magnético da CAIXA e pela inclusão de todas as famílias no CadÚnico; ampliar a cobertura do atendimento de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil do PETI, com a inclusão de crianças menores de seis anos; estender as ações socioeducativas e de convivência do PETI para crianças e adolescentes do PBF em situação de trabalho infantil; e promover a universalização do PBF para as famílias que atendem aos seus critérios de elegibilidade. De acordo com a Portaria 666/ , para o processo de integração ficou definido que: Revista do Serviço Público Brasília 58 (4): Out/Dez
16 RSP Avaliação da integração do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil ao Programa Bolsa Família o componente de transferência de renda para as famílias que atendam ao critério de elegibilidade do PBF será tido como benefício financeiro do PBF, representando, junto com o Cadastro Único, a principal ação desse programa; o componente de transferência de renda para as famílias que não atendam ao critério de elegibilidade do PBF será tido como benefício financeiro do PETI, que se transformou em uma categoria residual do PETI; o componente de ações socioeducativas e de convivência que devem ser freqüentadas pelas crianças e pelos adolescentes das famílias oriundas do PETI, assim como pelas famílias beneficiárias do PBF que apresentem situação de trabalho infantil, será tido como parte integrante do PETI, tornando-se a sua principal ação finalística. Quanto à transferência de renda Observado o disposto nos artigos de 4 o a 8 o, da Portaria 666, de 2005, a análise das diferentes situações existentes entre os beneficiários mostra um conjunto de novas categorias (Quadro 3) 12. Por sua vez, a definição dessas novas categorias de famílias beneficiárias apresentou as seguintes resultantes: Para as famílias enquadradas na categoria 1: família egressa do PETI/CAIXA, com renda per capita de até R$ 60,00, teria vantagem em ser transferida para o PBF somente se fosse residente em zona rural ou município com menos de 250 mil habitantes; recebesse a soma do benefício fixo mais o benefício variável por ser enquadrada na categoria de renda per capita até R$ 60,00 13 ; tivesse até três crianças ou adolescentes em situação de trabalho infantil. A partir da quarta criança ou adolescente em situação de trabalho infantil a transferência do PETI para o PBF tornase desvantajosa. No caso das famílias residentes em zona urbana, somente se: recebesse a soma do benefício fixo mais o benefício variável por ser enquadrada na categoria de renda per capita até R$ 60,00 14 ; tiver apenas uma criança ou adolescente em situação de trabalho infantil. Para famílias egressas do PETI que se enquadram nas categorias 2, 3 e 4: do ponto de vista do valor do benefício, a integração praticamente não traz nenhuma conseqüência. Para novas famílias beneficiárias: somente haveria estímulo à retirada de crianças/ adolescentes do trabalho infantil para as que se enquadrassem na categoria 5, quais sejam: famílias que têm renda per capita acima de R$ 120,00, para as quais está previsto o benefício PETI/CAIXA. Esse benefício, porém, está condicionado a que haja meta disponível, ou seja, recursos para esse fim. Como a ação de transferência de renda do PETI assumiu uma condição absolutamente secundária e residual, é pouco provável que, no futuro, essa categoria continue existindo. Para as novas famílias com renda per capita de até R$60,00 ou entre R$ 60,01 e R$ 120,00 categorias 6, 7, 8 e 9, que irão receber benefício PBF: não há tratamento diferenciado caso tenham crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil, o que pode obstar o incentivo ao afastamento dessa situação. Quanto ao registro do trabalho infantil Os gestores entrevistados no MDS expressaram o entendimento de que a ausência de um incentivo específico não prejudicará a política de combate ao 430 Revista do Serviço Público Brasília 58 (4): Out./Dez. 2007
17 Maria das Graças Rua RSP Quadro 3: Programa de destino e tipo de benefício por categorias de famílias na integração PETI-PBF (Portaria 666/2005) Tabela 2: Comparação simulada dos benefícios PETI e PBF, segundo o número de crianças ou adolescentes em trabalho infantil Revista do Serviço Público Brasília 58 (4): Out/Dez
18 RSP Avaliação da integração do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil ao Programa Bolsa Família trabalho infantil na medida em que (...) em todos os benefícios existe uma restrição ao trabalho infantil, e isso é uma restrição de fato e não uma regra de entrada ou uma condicionalidade. Entretanto, para que essa restrição seja observada, a situação de trabalho infantil deve ser informada, constatada, registrada. E, como a própria experiência vem ensinando, o principal obstáculo no combate ao trabalho infantil é a omissão dessa informação, que é reconhecida quando o gestor da área da assistência social admite haver (...) famílias que recebiam pelo PETI/Fundo e ao se cadastrarem no PBF não informaram o campo 270, que caracteriza a situação de trabalho infantil. Para a política de combate ao trabalho infantil, o problema do registro da informação talvez seja um dos mais preocupantes do processo de integração via CadÚnico, especialmente quando se tem em vista o que se segue: o cadastramento é de responsabilidade do órgão da prefeitura municipal, mediante o preenchimento de um caderno de questionários aplicados por um entrevistador; o caderno de questionários contém três tipos de instrumentos, referentes à identificação do domicílio e da família ; cinco jogos para identificação da pessoa ; e dois jogos para identificação do agricultor familiar ; não existe, em nenhum dos três instrumentos, uma única pergunta explicitamente direcionada à existência de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil; no questionário de identificação do agricultor familiar, no bloco 4, solicita-se que o entrevistado descreva a força de trabalho além da familiar 15, indagandose sobre a contratação de trabalhadores eventuais e permanentes e sobre a administração do estabelecimento. Nesse questionário não há uma única pergunta sobre a idade dos membros da força de trabalho familiar ou dos demais trabalhadores; no questionário de identificação da pessoa há um bloco de perguntas sobre a situação no mercado de trabalho, com as categorias convencionais do trabalho adulto; nome da empresa, CNPJ e data de admissão; ocupação; remuneração, renda de aposentadoria ou de pensão, renda de seguro desemprego e de pensão alimentícia, entre outras. nesse mesmo questionário há o campo 270, em que o entrevistado deve informar se participa de algum programa do governo federal ou recebe algum benefício social, entre os quais se encontra listada a categoria Bolsa Criança Cidadã PETI, com a data de inclusão, o tipo de benefício (rural ou urbano) e o valor do benefício 16. Os gestores do CadÚnico acreditam que os entrevistados informarão caso sejam beneficiários de algum dos programas do campo 270, e que a informação sobre o recebimento de benefício na categoria Bolsa Criança Cidadã PETI permitirá identificar as situações de trabalho infantil. A omissão da informação também é descrita na área de fiscalização do trabalho: Não interessa às famílias que as crianças e os adolescentes deixem de trabalhar. Se o trabalho ocorre no ambiente doméstico ou familiar, os pais recebem a bolsa e a criança continua trabalhando. Os próprios setores responsáveis pela identificação e pelo mapeamento do trabalho infantil consideram esta uma tarefa particularmente difícil. Primeiramente, porque o trabalho infantil ocorre, na grande maioria das vezes, fora dos empreendimentos formalmente estabelecidos 17, que 432 Revista do Serviço Público Brasília 58 (4): Out./Dez. 2007
19 Maria das Graças Rua RSP são o foco privilegiado da ação das DRTs. Em outras palavras, é escassa a ocorrência do trabalho infantil na economia formal. No entanto, a prática é comum na economia informal, mas só assume visibilidade quando realizada nos espaços públicos: lixões, semáforos nas cidades (onde crianças e adolescentes vendem balas, frutas, panos de pratos etc.). Segundo, porque excetuando a agricultura familiar, as atividades realizamse no espaço doméstico, ou como trabalho doméstico propriamente dito ou como trabalho familiar artesanal, e a ação do MTE não alcança esse lócus 18. De fato, como informou um dos entrevistados, a ação do MTE/DRT tem que cessar diante da porta de entrada dos domicílios particulares. Daí por diante o que cabe é a ação do Ministério Público do Trabalho (MPT), que vem atuando em parceria com a SNAS. Por último, mas não menos importante, o sub-registro do trabalho infantil resulta do fato de que o próprio entendimento do conceito de trabalho infantil entre as autoridades na esfera municipal não é consensual e nem os critérios usados são uniformes. Os entrevistados reconhecem que esse é outro esforço que deve ser feito: uma definição mais precisa do que é o trabalho infantil. A imprecisão conceitual soma-se aos fatores culturais para impor óbices à sustentabilidade da política de erradicação do trabalho infantil dentro do próprio poder público. O exemplo mais preocupante e mais recente encontra-se na Lei n o , de 24 de julho de 2006, que estabelece os conceitos, os princípios e os instrumentos destinados à formulação das políticas públicas direcionadas à agricultura familiar e aos empreendimentos familiares rurais. O artigo 3 o dessa lei define como agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que, entre outras coisas, utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; e dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família. O texto legal é completamente omisso com relação a qualquer restrição ao trabalho infantil ou à previsão de qualquer condição, mecanismo ou ação fiscalizatória, destinada a coibir a exploração da mão-de-obra infantil na agricultura, exatamente um dos setores de atividade econômica em que a prática é mais freqüente. O reconhecimento de que existe um problema efetivo de identificação do trabalho infantil e dos limites do CadÚnico para solucionar esse problema levou o MDS a contratar, com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), um suplemento da Pnad/2007 voltado para o trabalho infantil, a fim de chegar à identificação dos estimados cinco milhões de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil. O conjunto de mudanças implementadas durante o ano de 2006 evidencia o fato de que a política governamental efetivamente substituiu o critério do trabalho infantil pelo critério de renda. Essa medida não se mostra consistente com os esforços de combate ao trabalho infantil, que é reconhecidamente um fenômeno complexo, envolvendo as dimensões tanto da pobreza e da renda familiar, quanto da cultura e da dinâmica do mercado, entre outras. Ações socioeducativas e de convivência No que se refere à política de combate ao trabalho infantil especificamente considerada, a ação governamental passou a ter como foco as ações socioeducativas e de convivência, anteriormente denominadas jornada ampliada, o que aparentemente Revista do Serviço Público Brasília 58 (4): Out/Dez
20 RSP Avaliação da integração do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil ao Programa Bolsa Família significa uma ênfase no trato da dimensão sociocultural do trabalho infantil. Essa mudança fica evidenciada na análise da distribuição dos recursos alocados ao PETI e ao PBF (Tabela 3). Do ponto de vista orçamentário, com a integração, os recursos do PETI destinados à transferência de renda diminuíram drasticamente, saindo de mais de R$ 300 milhões para cerca de R$ 50 milhões, ou seja, uma redução de quase 85%. Já os valores alocados às ações socioeducativas e de convivência foram aumentados, mas não na proporção correspondente: saíram de quase R$ 206 milhões, em 2005, para pouco mais de R$ 306 milhões, em 2006, com aumento de 48%, que em 2007 chegou a 54%. De acordo com a Portaria 666, de 2005, as ações socioeducativas e de convivência deveriam ser estendidas a crianças e adolescentes das famílias beneficiárias do PBF em situação de trabalho infantil. Ou seja, essa atividade deveria ter se intensificado. Mas não foi o que ocorreu. Como mostra a Tabela 3, o valor pago em 2006 ficou em torno de 65%, ou seja, 2/3 do valor autorizado. Em parte, isso ocorreu porque não foi possível inscrever no CadÚnico todas as crianças, os adolescentes e as famílias que eram anteriormente beneficiárias do PETI: estimava-se 1,1 milhão e foram inscritos crianças e adolescentes. Mas o dado é preocupante: o valor absoluto executado em 2006 foi em torno de R$ 198 milhões. Ou seja: menor não apenas que o valor expandido para o atendimento das crianças e dos adolescentes do PETI somado às crianças e aos adolescentes em situação de trabalho infantil incorporadas como beneficiárias do PBF (R$ 306 milhões) e somado ao atendimento às crianças abaixo de seis anos, mas abaixo até mesmo do valor executado em 2005, relativo estritamente às crianças e aos adolescentes beneficiários do PETI. Uma explicação, segundo um dos gestores entrevistados, está no fato de que (...) quando se fez a migração, observouse que 3/4 das crianças e adolescentes de famílias que recebiam PBF estavam em situação de trabalho infantil, recebendo também pelo PETI, o que significaria um problema de duplicidade no Cadastro e não de subexecução das ações socioeducativas e de convivência. Segundo foi apurado junto aos entrevistados, o MDS havia se preparado para cumprir, em 2006, a meta de atender 3,5 milhões de crianças e adolescentes com ações socioeducativas e de convivência, o que não ocorreu devido aos transtornos do processo de migração. Cabe chamar a atenção, porém, para o fato de que, de acordo com a Portaria 666, de 2005, Art. 15, a SNAS promoverá a oferta de atividades socioeducativas e de convivência para as famílias em situação de trabalho infantil beneficiárias do PBF ou usuárias do PETI, por meio dos municípios que formam a rede de implementação do PETI, havendo disponibilidade orçamentário-financeira. Isso faz com que seja ainda mais importante que o Fórum Nacional e as agências da sociedade comprometidas com a erradicação do trabalho infantil acompanhem a formulação e a votação do Plano Plurianual, da Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei Orçamentária anual, bem como o detalhamento das metas de custeio das ações socioeducativas e de convivência, cujos recursos devem ser previstos no Fundo Nacional de Assistência Social. Outro aspecto que merece especial atenção são os problemas recorrentes com 434 Revista do Serviço Público Brasília 58 (4): Out./Dez. 2007
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