MORBIDADE PSICOLÓGICA EM MULHERES MASTECTOMIZADAS: INFLUÊNCIAS DAS REAÇÕES EMOCIONAIS AO CÂNCER DE MAMA

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1 CONVÊNIOS CNPq/UFU & FAPEMIG/UFU Universidade Federal de Uberlândia Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação DIRETORIA DE PESQUISA COMISSÃO INSTITUCIONAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA 2008 UFU 30 anos MORBIDADE PSICOLÓGICA EM MULHERES MASTECTOMIZADAS: INFLUÊNCIAS DAS REAÇÕES EMOCIONAIS AO CÂNCER DE MAMA Lívia Garcia Pelegrini 1 Centro Universitário de Araraquara. Rua Voluntários da Pátria, Centro. Araraquara - SP lipel_psico@yahoo.com.br Juliana de Almeida Cerqueira 1 Centro Universitário de Araraquara. Rua Voluntários da Pátria, Centro. Araraquara - SP juju_cerqueira@hotmail.com Rodrigo Sanches Peres 2 Universidade de São Paulo. Avenida Bandeirantes, Monte Alegre. Ribeirão Preto - SP rodrigosanchesperes@yahoo.com.br Resumo: A literatura especializada descreve quatro tipos de reações emocionais ao câncer de mama: negação, estoicismo, aflição e enfrentamento. Tais reações podem ser decisivas para o ajustamento psicossocial à enfermidade e ao tratamento. O presente estudo objetivou delinear possíveis relações entre as reações emocionais ao câncer de mama e a morbidade psicológica em mulheres mastectomizadas A amostra foi composta por pacientes (n=10) vinculadas a um serviço de reabilitação. Foram utilizados quatro instrumentos para a coleta de dados: 1) Roteiro semiestruturado de entrevista psicológica, 2) Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HAD), 3) Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL) e 4) Escala Abreviada de Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde (WHOQoL-Bref). Os resultados indicam que o estoicismo foi a reação emocional mais freqüente entre as pacientes avaliadas (n=5), uma vez que prevaleceu a resignação e a passividade diante da doença. Observou-se também que a maioria delas apresentou sintomas clinicamente significativos de ansiedade (n=6) e estresse (n=8). Além disso, sintomas clinicamente significativos de depressão ocorreram em parte dos casos (n=4). Porém, as participantes do presente estudo avaliaram a própria qualidade de vida de modo satisfatório (n=6) ou ambivalente (n=4). Esse cenário conduz a duas hipóteses: a) o estoicismo se encontra associado a algum comprometimento da condição emocional das participantes do presente estudo e b) esse comprometimento tende a ser minimizado pelas mesmas não apenas porque o estoicismo se caracteriza por uma atitude de resignação, mas também porque, nessa população, a auto-avaliação da qualidade de vida parece se pautar essencialmente em parâmetros físicos. A generalização dessas hipóteses depende do desenvolvimento de outras pesquisas baseadas no sistema de classificação de reações emocionais adotado no presente estudo, as quais, a propósito, podem conduzir a resultados mais conclusivos se envolverem amostras de maior proporção e privilegiarem um seguimento longitudinal. Palavras-chave: Câncer de mama; Mastectomia; Reações emocionais; Morbidade psicológica. 1 Acadêmicas do curso de Psicologia. 2 Orientador.

2 1. INTRODUÇÃO 1.1 Câncer de mama: reações emocionais Quando o diagnóstico de câncer de mama é confirmado, a mulher e sua família usualmente entram em estado de choque, uma vez que se instala uma percepção real de finitude inerente à existência (Bervian e Girardon-Perlini, 2006). A preocupação inicial é com a sobrevivência. Nesse momento, a preservação da vida é concebida como o mais importante. Somente depois de afastada a possibilidade de morte é que a paciente costuma se preocupar com a perda da mama. Isso geralmente ocorre no período pós-cirúrgico tardio, quando há uma retomada do cotidiano e das relações sociais, profissionais e familiares, assim como um resgate da preocupação com o próprio corpo (Duarte e Andrade, 2003). Mas nem sempre os acontecimentos se sucedem dessa forma. Segundo Greer, Morris e Pettingale (1979), existem basicamente quatro tipos de reações emocionais ao câncer de mama, a saber: negação, estoicismo, aflição e enfrentamento. O primeiro tipo envolve a desconsideração dos riscos inerentes à doença e a evitação do assunto, o que tende a conduzir à procrastinação do tratamento. O segundo tipo é marcado pelo conformismo e pela resignação, dado que leva a doença a ser concebida como uma fatalidade ou obra do destino. O terceiro tipo torna o discurso da paciente monopolizado por preocupações referentes ao câncer ou promove significativa expressão de angústia. O quarto tipo, por fim, enseja a busca ativa por informações sobre o diagnóstico e o tratamento, sendo que o indivíduo se engaja em uma verdadeira luta pessoal contra a doença. Embora utilizado de forma recorrente no mundo todo, esse sistema de classificação de reações emocionais ao câncer de mama é pouco difundido no país. Afinal, a revisão bibliográfica executada para os fins do presente estudo aponta que apenas duas pesquisas nacionais publicadas em periódicos científicos o adotaram. Em uma delas, Alves (2000) executa uma transposição das reações supracitadas para avaliar pacientes submetidos à colostomia permanente por câncer coloretal. Na outra pesquisa, Peres e Santos (2007) investigaram um grupo de mulheres de baixa renda visando a identificar eventuais influências de crenças comportamentais características dessa população no impacto psicológico do câncer de mama. 1.2 Câncer de mama: repercussões psicológicas A literatura especializada aponta que dentre os problemas psicológicos mais freqüentes em mulheres acometidas por câncer de mama estão a ansiedade, a depressão e o estresse (Spiegel, 1996). Em um estudo recente, Burgess et al. (2005) avaliaram a condição emocional de um grupo de 170 pacientes inglesas em diferentes momentos ao longo do tratamento. Os resultados indicam que cerca de metade delas (48%) apresentou, ao longo do ano em que ocorreu a confirmação do diagnóstico, ao menos um episódio de depressão e/ou ansiedade. Além disso, nos anos subseqüentes essa porcentagem foi de 25%, 23%, 22% e 15% respectivamente. No contexto nacional, Souza et al. (2000) realizaram uma pesquisa com uma amostra de 84 mulheres com câncer de mama, objetivando avaliar a prevalência de ansiedade generalizada e depressão maior. O estudo constatou que 15 pacientes (17,86%) apresentavam depressão maior e 10 (11,9%) experimentavam ansiedade generalizada de acordo com os critérios preconizados pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV). Ademais, sete pacientes (8,33%) com ansiedade generalizada também apresentavam depressão maior. Os autores sustentam que a depressão maior está mais presente nas pacientes que se encontram no primeiro mês de quimioterapia, sendo que a ansiedade é constante ao longo de todo tratamento. Deve-se destacar ainda que pensamentos suicidas foram referidos por 11 pacientes (13,1%). Conforme Spiegel (1990), a severidade da depressão muitas vezes não é avaliada com precisão nessa população em função de alguns de seus sintomas característicos serem confundidos com reações adversas do tratamento, tais como insônia e fatigabilidade. No que se refere à relação entre o tipo de cirurgia realizada e a ocorrência de ansiedade generalizada e depressão maior, nota- 2

3 se que os achados são controversos. Souza et al. (2000) referem que a incidência de transtornos psiquiátricos é maior em pacientes quadrantectomizadas. Já Schain et al. (1994) relatam que pacientes submetidas à mastectomia apresentam sentimentos negativos a respeito do próprio corpo mais persistentes. Entretanto, outros estudos indicam que as alterações psicológicas ocorrem nos dois grupos, já que o diagnóstico de câncer em si é mais preocupante (Maunsell, Brisson e Deschenes, 1989). Diversos autores apontam nessa mesma direção, demonstrando que o câncer de mama e seu tratamento, por mobilizarem grandes quantidades de energia adaptativa, são eventos intrinsecamente estressores (Massie e Holland, 1991; Northouse, 1992). Silva (2005) inclusive verificou que até mesmo no período pós-tratamento mulheres acometidas pela enfermidade podem apresentar sintomas de estresse que denunciam uma condição de sofrimento emocional motivada pela insuficiência de seus recursos internos diante do desafio de atenuar o caráter aversivo do adoecimento. Nessas circunstâncias, medidas de economia tendem a se impor com o intuito de evitar maior desgaste, o que dificulta o restabelecimento do equilíbrio anterior. Sales et al. (2001) executaram uma pesquisa com 50 mulheres entre 32 e 77 anos diagnosticadas com câncer de mama há menos de um ano e com até 11 anos objetivando verificar como as mesmas avaliavam a própria qualidade de vida. Constatou-se que 82% delas consideravam a qualidade de vida como boa ou ótima, atribuindo esta avaliação principalmente à saúde pessoal (26%), à fé em Deus (8%), ao bom relacionamento familiar e social (16%) e à valorização da vida (8%). As restantes (18%) avaliavam sua qualidade de vida como ruim ou regular, referindo basicamente como motivo para tanto o medo da recidiva (8%), a limitação das atividades (6%), a idade (4%) ou problemas financeiros (4%). Huget (2005) avaliou a qualidade de vida em 110 mulheres tratadas há pelo menos um ano por câncer de mama. Os resultados obtidos apontam que idade, escolaridade, tipo de cirurgia e tempo de cirurgia não influenciaram a qualidade de vida nos domínios físico, meio ambiente, psicológico e relações sociais. As mulheres que mantinham relacionamento marital estável obtiveram escores maiores nos domínios psíquico e relações sociais. Já um melhor nível socioeconômico, como seria de se esperar, influenciou a qualidade de vida nos domínios físico e meio ambiente. Diante do exposto, conclui-se que a atuação do psicólogo junto a essa população pode ser de grande valia. A literatura científica inclusive aponta que a maioria das pacientes com câncer de mama que se submete à psicoterapia durante o tratamento para a doença apresenta, além da atenuação de problemas psicológicos como ansiedade, depressão e estresse, os seguintes benefícios: melhora da qualidade de vida e do estado geral de saúde, aumento da tolerância aos efeitos colaterais da terapêutica oncológica e maior controle dos sintomas físicos, dentre os quais dor, vômitos, náuseas e fadiga (Speigel, 1990; Spiegel, 1996; Burguess et al., 2005). Não obstante, ainda se faz necessário investigar quais fatores psicológicos são capazes de exercer maior influência na evolução de mulheres acometidas por câncer de mama, em termos clínicos e emocionais, ao longo do tratamento e da reabilitação. A identificação de eventuais preditores positivos ou negativos pode subsidiar a implementação de programas de prevenção e contribuir para o aprimoramento do trabalho de profissionais comprometidos com a saúde mental dessa população. Portanto, o desenvolvimento de novas pesquisas dedicadas a essa temática se mostra oportuno. 2. OBJETIVO O presente estudo objetivou delinear possíveis relações entre as reações emocionais ao câncer de mama e a morbidade psicológica, em termos da qualidade de vida, ansiedade, depressão e estresse, em um grupo de mulheres mastectomizadas. 3

4 3. MÉTODO 3.1 Participantes Foram incluídas na amostra do presente estudo 10 mulheres: a) com idade entre 41 e 80 anos; b) vinculadas a um serviço de reabilitação; c) sem antecedentes psiquiátricos; d) que receberam o diagnóstico de câncer de mama há mais de um ano; e) que foram submetidas à mastectomia há mais de seis meses; f) que concluíram o tratamento médico da enfermidade (sistêmico ou loco-regional) e g) que concordaram em participar voluntariamente da pesquisa e formalizaram sua anuência mediante a assinatura do Termo de Consentimento Pré-informado. 3.2 Instrumentos Foram utilizados 4 instrumentos para a coleta de dados, a saber: 1) Roteiro semi-estruturado de entrevista psicológica, concebido especialmente para o presente estudo; 2) Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HAD), adaptado para o português por Botega et al. (1995); 3) Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL), desenvolvido no contexto nacional por Lipp (2000) e 4) Escala Abreviada de Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde (WHOQoL- Bref), adaptada para o português por Fleck et al. (2000). 4. RESULTADOS: APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO As gravações em áudio das entrevistas psicológicas foram transcritas de modo integral e literal. Posteriormente, as reações emocionais ao câncer de mama referidas pelas pacientes foram classificadas em quatro categorias mutuamente excludentes negação, estoicismo, aflição e enfrentamento a partir do emprego do sistema proposto por Greer, Morris e Pettingale, (1979). Já o material decorrente da aplicação da HAD, do ISSL e da WHOQoL-Bref foi cotado e analisado segundo as recomendações específicas preconizadas pelos autores dos referidos instrumentos (Botega et al., 1998; Lipp, 2000; Fleck et al., 2000). Os resultados obtidos indicam que o estoicismo foi a reação emocional mais freqüente na amostra em questão, pois cinco das dez pacientes reagiram ao câncer de mama assumindo uma postura passiva. Apenas duas pacientes reagiram ao câncer de mama com aflição, ou seja, apresentando uma acentuada mobilização emocional. Em dois casos observou-se uma reação à nova realidade imposta pela doença que pôde ser classificada como enfrentamento. Tais participantes buscaram ativamente obter informações sobre o próprio prognóstico, procuraram a opinião de outros médicos e não se renderam às adversidades decorrentes do tratamento. Somente uma paciente apresentou a reação emocional de negação frente ao câncer de mama. Contudo, cumpre assinalar que não se trata, nesse caso, de uma negação da doença, mas sim de sua gravidade. Como apontado anteriormente, a reação emocional ao câncer de mama mais freqüente entre as participantes do presente estudo foi o estoicismo. Em uma pesquisa recente, Peres e Santos (2007) também identificaram a prevalência do estoicismo em um grupo de 15 mulheres de classes econômicas populares vinculadas a um serviço de apoio a mastectomizadas. Além disso, apontaram que essa reação, embora possa contribuir para uma redução temporária do estresse, tende a conduzir gradativamente a paciente a um invalidismo que comprometerá o seu subseqüente ajustamento psicossocial às demandas inerentes ao processo de convalescença. Alves (2000) realizou um estudo com 22 pacientes - 10 homens e 12 mulheres - submetidos à colostomia permanente visando a estabelecer relações entre as reações emocionais ao câncer coloretal e a adaptação psicossocial ao estoma abdominal. A maioria desses pacientes, segundo os resultados obtidos, respondeu à neoplasia com negação e apresentou retraimento social após a terapêutica cirúrgica. O estoicismo foi a segunda reação emocional mais freqüente e se mostrou associado a uma adaptação aparentemente mais favorável, do que aquela associada à negação porém baseada no conformismo. 4

5 Considerando-se o ponto de corte estabelecido pela literatura científica especializada (8/9), os resultados decorrentes da utilização da Escala Hospitalar de ansiedade e Depressão (HAD) evidenciam que seis mulheres avaliadas apresentaram sintomas clinicamente significativos de ansiedade. As respostas obtidas apontam que os sintomas experimentados com mais intensidade pelas pacientes eram: tensão, medo inespecífico e preocupações difusas. Já no que se refere aos dados de depressão obtidos a partir do emprego da mesma escala (HAD) evidencia-se que quatro participantes apresentavam sintomas clinicamente significativos de depressão. As respostas fornecidas apontam que os sintomas experimentados com maior intensidade pelas pacientes eram: anedonia e falta de interesse em cuidar da aparência. Conforme já mencionado, o presente estudo revelou uma prevalência expressiva de sintomas clinicamente significativos de ansiedade e depressão entre as pacientes avaliadas. Esses achados vão ao encontro dos resultados de uma pesquisa realizada por Burgess et al. (2005), a qual constatou que metade de um grupo de 170 mulheres inglesas diagnosticadas com câncer de mama apresentou pelo menos um episódio de ansiedade ou depressão ao longo do ano em que houve a confirmação da doença. Taxas de prevalência compatíveis foram identificadas por Souza et al. (2000) no contexto nacional mediante o emprego de avaliações executadas de acordo com os critérios estabelecidos pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV). A utilização do Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL) no presente estudo apontou que, conforme os padrões normativos do instrumento, oito mulheres avaliadas apresentavam sintomas clinicamente significativos de estresse, sendo que destas, cinco se encontravam na fase de resistência e três na fase de quase-exaustão. Além disso, vale destacar que em cinco mulheres a sintomatologia predominante foi de natureza psíquica. Em termos relativos, trata-se de uma porcentagem de casos superior à registrada por Silva (2005) em uma pesquisa na qual o mesmo instrumento foi adotado. Afinal, das 16 mulheres mastectomizadas avaliadas na pesquisa em questão, seis relataram sintomas clinicamente significativos de estresse. Todas elas se encontravam na fase de resistência. Sintomas psíquicos ocupavam lugar de destaque em metade desses casos. Outro achado do presente estudo refere-se à qualidade de vida das pacientes, avaliada por meio da aplicação da Escala Abreviada de Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde (WHOQoL-Bref). Os resultados apontam que das dez mulheres investigadas, seis classificaram a própria qualidade de vida como satisfatória, enquanto quatro emitiram respostas ambivalentes. Ademais, sete classificaram a própria saúde como satisfatória e, no que tange às facetas que compõem o instrumento, nove estavam satisfeitas no domínio físico, oito no domínio psíquico e sete tanto no domínio relações pessoais quanto no domínio meio ambiente. Ainda assim, dores físicas incapacitantes, sentimentos negativos, insatisfação no âmbito da vida sexual e dificuldades financeiras foram referidas. Os dados obtidos, portanto, estão de acordo com aqueles reportados em um estudo realizado por Sales et al. (2001), no qual constatou-se que, em uma amostra de 50 mulheres diagnosticadas com câncer de mama em um período superior a um ano, a maioria avaliou a qualidade de vida como ótima ou boa, atribuindo a isso principalmente a saúde pessoal. Nesse ínterim, é possível sugerir que parece haver uma tendência da referida população a avaliar a própria qualidade de vida a partir de uma perspectiva mais otimista depois de transcorrido o período crítico de diagnóstico e tratamento da doença. Ou seja: uma vez vivenciado o impacto emocional do câncer de mama, aparentemente a importância atribuída a outras esferas da própria existência tende a diminuir. Trabalhando com a WHOQoL-Bref, Huget (2005) verificou que idade, escolaridade, tipo e tempo de cirurgia não foram preditores de satisfação nos domínios físico, meio ambiente, psicológico e relações sociais em 110 mulheres mastectomizadas. Fenômeno semelhante foi observado no presente estudo. Entretanto, uma correlação positiva foi constatada pela autora supracitada entre relacionamento marital estável e avaliação favorável nos domínios psíquico e relações sociais, o que, deve-se reconhecer, não foi constatado no presente estudo. Possivelmente isso ocorreu porque entre as pacientes ora avaliadas havia poucas viúvas e nenhuma solteira, dificultando, assim, análises dessa natureza. 5

6 Ao relacionar a reação emocional ao câncer de mama e os indicadores de morbidade psicológica considerados no presente estudo, observa-se que das cinco pacientes avaliadas que responderam à doença com estoicismo, duas apresentaram sintomas clinicamente significativos de ansiedade e depressão e quatro de estresse. Por outro lado, apenas uma delas não avaliou satisfatoriamente sua qualidade de vida. Esse cenário conduz a duas hipóteses: a) o estoicismo se encontra associado a algum comprometimento da condição emocional das participantes do presente estudo e b) esse comprometimento tende a ser minimizado pelas mesmas não apenas porque o estoicismo se caracteriza por uma atitude de resignação, mas também porque, nessa população, a auto-avaliação da qualidade de vida parece se pautar essencialmente em parâmetros físicos. Entretanto, a generalização dessas hipóteses depende do desenvolvimento de outras pesquisas baseadas no sistema de classificação das reações emocionais adotado no presente estudo, as quais, a propósito, podem conduzir a resultados mais conclusivos se envolverem amostras de maior proporção e privilegiarem um seguimento longitudinal. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados do presente estudo subsidiam a compreensão das reações emocionais ao câncer de mama e da morbidade psicológica de um grupo de mulheres mastectomizadas em reabilitação. Tais resultados, sobretudo pela escassez de pesquisas executadas com pacientes nesse período pós-tratamento da doença, fornecem elementos importantes para o aprimoramento das práticas assistenciais oferecidas no âmbito multidisciplinar a essa população. Além disso, servem como ponto de partida para o trabalho de pesquisadores interessados em aprofundar as questões ora introduzidas. Contudo, o presente estudo também apresenta limitações, já que possui um caráter exploratório e descritivo. 6. REFERÊNCIAS Alves, L.C.A., 2000, Correlação entre adaptação psicossocial à colostomia permanente e resposta psicológica ao câncer, Psiquiatria na Prática Médica, disponível em: Bergamasco, R.B. e Ângelo, M., 2001, O sofrimento de descobrir-se com câncer de mama: como o diagnóstico é experienciado pela mulher, Revista Brasileira de Cancerologia, Vol 47(3), pp Bervian, P.I. e Girardon-Perlini, N.M.O., 2006, A família (con)vivendo com a mulher/mãe após a mastectomia, Revista Brasileira de Cancerologia, Vol 52(2), pp Botega, N.J.; Pondé, M.P.; Medeiros, P.; Lima, M.G. e Guerreiro, C.A.M., 1998, Validação da escala hospitalar de ansiedade e depressão (HAD) em pacientes epilépticos ambulatoriais, Jornal Brasileiro de Psiquiatria, Vol 47(6), pp Burguess, C.; Cornelius, S.L.; Graham, J.; Richards, M. e Ramirez, A., 2005, Depression and anxiety in women with early breast cancer: five year observational cohort study, British Medical Journal, disponível em: Carvalho, T.F.R. e Sougey, E.B., 1995, Depressão em pacientes com câncer: epidemiologia, diagnóstico e tratamento, Jornal Brasileiro de Psiquiatria, Vol 44(9), pp Duarte, T.P. e Andrade, A.N., 2003, Enfrentando a mastectomia: análise dos relatos de mulheres mastectomizadas sobre questões ligadas à sexualidade, Estudos de Psicologia, Vol 8(1), pp Fleck, M.P.; Lousada, S.; Xavier, M.; Chachamovich, E.; Vieira, G.; Santos, L. e Pinzon, V., 2000, Aplicação da versão em português do instrumento abreviado da qualidade de vida (WHOQoL- Bref), Revista de Saúde Pública, Vol 34(2), pp Greer, S.; Morris, T. and Pettingale, K.W., 1979, Psychological response to breast cancer: effect on outcome, Lancet, Vol 13, pp

7 Haber, S., 1994, Psychological impact of breast cancer on the patient and the family: a clinical perspective, Journal of Clinical Psychology in Medical Settings, Vol 1(4), pp Hughet, P.R., 2005, Qualidade de vida e aspectos da sexualidade de mulheres tratadas de câncer de mama, Dissertação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. Lipp, M.E.N., 2000, Manual do Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL), São Paulo, Casa do Psicólogo. Maluf, M.F.M.; Mori, L.J. e Barros, A.C.S.D., 2005, O impacto psicológico do câncer de mama, Revista Brasileira de Cancerologia, Vol 51(2), pp Massie, M.J. and Holland, J.C., 1991, Psychological reactions to breast cancer in the pre- and postsurgical treatment period, Seminars in Surgical Oncology, Vol 7(5), pp Maunsell, E.; Brisson, J. and Deschenes, L., 1989, Psychological distress after initial treatment for breast cancer: a comparison of partial and total mastectomy, Journal of Clinical Epidemiology, Vol 42(8), pp Northouse, L.L., 1992, Psychological impact of the diagnosis of breast cancer on the patient and her family, Journal of American Medical Womens Association, Vol 7(5), pp O Mahoney, J.M. and Carroll, R.A., 1997, The impact of breast cancer and his treatment on marital functioning, Journal of Clinical Psychology in Medical Settings, Vol 4(4), pp Payne, D.K.; Sullivan, M.D. and Massie, M.J., 1996, Women s psychological reactions to breast cancer, Seminars in Oncology, Vol 23(1), pp Peres, R.S. e Santos, M. A., 2007, Câncer de mama, pobreza e saúde mental: resposta emocional à doença em mulheres de camadas populares Revista Latino-Americana de Enfermagem, Vol 15, pp Ritterband, L.M. and Spielberger, C.D., 2001, Depression in a cancer patient population, Journal of Clinical Psychology in Medical Settings, Vol 8(2), pp Sales, C.A.C.C.; Paiva, L.; Scandiuzzi, D. e Anjos, A.C.Y., 2001, Qualidade de vida de mulheres tratadas de câncer de mama: funcionamento social, Revista Brasileira de Cancerologia, Vol 47(3), pp Schain, W.S.; D Angelo, T.M.; Dunn, M.E.; Lichter, A.S. and Pierce, L.J., 1994, Mastectomy versus conservative surgery and radiation therapy. psychosocial consequences, Cancer, Vol 73(4), pp Shulka, V.K.; Singh, S.; Singh, S.P.; Behere, P.B.; Roy, S. K.; Singh, N. and Pandy, M., 1999, Quality of life assessment in patients with breast carcinoma, Journal of Personality and Clinical Studies, Vol 15(1-2), pp Silva, G., 2005, Processo de enfrentamento no período pós-tratamento do câncer de mama, Dissertação, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto. Souza, F.G.M.; Ribeiro, R.A.; Silva, M.S.B.; Ivo, P.S.A. e Lima Jr., V.S., 2000, Depressão e ansiedade em pacientes com câncer de mama, Revista de Psiquiatria Clínica, disponível em: Spiegel, D., 1990, Facilitating emotional coping during treatment, Cancer, Vol 66(6), pp Spiegel, D., 1996, Cancer and depression, British Journal of Psychiatry, Vol 30, pp