Jochen Lempert Trabalho de Campo
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- Juliana Arantes Figueiredo
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1 Jochen Lempert Trabalho de Campo
2 Podemos partir de uma assunção muito simples, imediatamente constatável por todos os que olham pela primeira vez para o seu trabalho: Jochen Lempert fotografa obsessivamente qualquer coisa que podemos entender como a natureza animais, vegetais, microrganismos, fenómenos físicos e atmosféricos. De certa forma, alude directamente a alguns dos pioneiros da fotografia, como William Henry Fox Talbot, cujas primeiras experiências com aquele suporte, em meados do século XIX, se relacionaram frequentemente com disciplinas como a botânica e a zoologia. O objectivo: inventariar, classificar, procurar propriedades estruturais comuns na extrema diversidade da natureza e a fotografia parecia, nessa altura, partilhar a autoridade da ciência, com o seu suposto valor de verdade, a sua pretensa objectividade, a sua forma directa de ver o mundo. Também as imagens de Jochen Lempert se relacionam, de várias formas, com disciplinas como a biologia e a zoologia; também elas são associáveis à fotografia científica, nomeadamente às suas exigências de catalogação, embora já não reflictam nenhum tipo de autoridade. A natureza que ele nos apresenta, independentemente de qualquer intimidade com a botânica ou da utilização de processos científicos e laboratoriais como a observação meticulosa e a ampliação, é sempre estranhamente misteriosa, por vezes opaca. Algumas das suas imagens poderiam, de facto, caber em livros de história natural, em manuais científicos; muitas delas, pela sua aparente abstracção, também podem ser entendidas como exercícios de composição, recordando as experiências fotográficas dos anos de O artista joga habilmente com a mobilidade semiótica das suas fotografias, com o seu Sem título (Fogo), 2007
3 desconcertante carácter atemporal nada daquilo que as suas fotografias nos dão a ver é exactamente aquilo que esperamos encontrar num sítio dedicado a mostrar arte contemporânea. De alguma maneira, Lempert tira partido da própria instabilidade semiótica da fotografia, do facto de ela poder significar coisas muito diferentes, dependendo do contexto em que é apresentada. As suas imagens estão sempre a meio caminho, parecem pertencer simultaneamente a contextos culturais distintos, a diferentes espaços discursivos, pressupondo expectativas diferentes por parte do espectador sem encaixar exactamente em nenhum deles. Por outro lado, a imagem fragmentada da realidade que os seus trabalhos nos devolvem por vezes no limiar da abstrac ção relaciona-se directamente com a exploração de uma certa auto-referencialidade da fotografia. Sem se cingirem à exploração da materialidade do medium e das suas possibilidades para a produção de efeitos de abstracção, grande parte das imagens de Lempert jogam com determinadas propriedades da fotografia e com a sua história. Ao contrário de outros sistemas de representação, as fotografias não se limitam a dar a ver o mundo; são de facto tocadas por ele. Se são frequentemente designadas como índices, é porque se terão deixado afectar directamente pelos objectos a que se referem. Este dado levou vários fotógrafos a interessarem-se por esta relação particular com a realidade que parece ser intrínseca à fotografia. Jochen Lempert fá-lo de uma forma irredutivelmente singular. Se as fotografias são, enquanto marca de um processo fotoquímico, uma espécie de impressão do real como o são as pegadas humanas e os vestígios que as aves deixam na areia da praia, o artista dedica-se a explorar o reverso da medalha: o signi ficado da presença transformada em representação. Escolhendo motivos que têm directamente a ver com processos (físicos, lumínicos) postos em marcha pela própria técnica fotográfica, com as suas tentativas para explicar a absoluta alteridade que é o mundo animal e o ambiente natural, Jochen Lempert vem confrontar-nos, de alguma forma, com a inutilidade das nossas pretensões de dissecação, de conhecimento. Para começar, e com o seu olhar particular sobre animais e plantas que frequentemente despista um seu reconhecimento imediato, o artista coloca em causa qualquer ideia de poder óptico, sugerindo que os seres humanos são dotados de um determinado sistema de percepção, necessariamente limitado, que projectam sobre a natureza, independentemente das próteses a que recorram. Perante muitas das fotografias de Lempert, principalmente aquelas em que elementos naturais são ampliados, ou apresentados recorrendo a determinados processos ópticos são exemplo as fotografias de plâncton luminescente, lembramo- nos das aspirações de certos fotógrafos e cineastas na década de Com efeito, nessa época passou-se a considerar como tarefa da câmara o registo de tudo aquilo que o olho não vê; defendeu-se que os aparelhos fotográficos deveriam poder funcionar de uma forma totalmente independente do olho humano, expandindo o seu alcance óptico e transformando, através de pontos de vista inesperados, objectos familiares em configurações pouco comuns, em estruturas nunca vistas. As suas fotografias também nos recordam a Nova Visão defendida nos anos de 1930, quando vários artistas associaram a fotografia à possibilidade de ver melhor, mais rápido, com maior precisão; quando a câmara foi entendida como uma prótese que supriria as deficiências do olho, que prolongaria a visão normal, que aumentaria as capacidades do corpo humano, suplantando até o próprio observador. No entanto e isto talvez corresponda ao lado mais desconcertante da obra de Jochen Lempert, este artista não recorre a composições imprevisíveis, rotações bizarras, contrapicados violentos para nos levar a descobrir o que está afinal na origem de uma imagem. Nas fotografias dos pássaros voando em bando que nos surgem como simples pontos distribuídos aleatoriamente, na imagem das patas de um cisne quase invisível, ou
4 nessa outra dos estores que parecem à primeira vista fotogramas abstractos, por exemplo, Lempert tira partido de alguns aspectos fundamentais, embora frequentemente negligenciados, da fotografia: sublinha o papel da luz enquanto fonte de visibilidade de que a fotografia depende (em várias imagens a luz está a ser filtrada por um objecto, numa espécie de replicação do processo fotográfico, enquanto noutras o artista destaca graus de transparência, de reverberação); valoriza o enquadramento e, dessa forma, a presença implícita do resto do mundo; atribui um igual estatuto aos objectos e às suas sombras, sublinhando novamente o papel da luz, enquanto reconhece a fotografia enquanto pura representação. Sem recorrer a metáforas extravagantes, sem afastar de forma ostensiva a fotografia da relação directa com os objectos da percepção (relação que a fotografia parece propor constantemente), Jochen Lempert consegue dilatar o tempo de recepção das suas imagens; imagens que, em alguns casos, parecem películas opacas, enquanto noutros se aplicam, através da ampliação e do correspondente granulado, a adiar o reconhecimento do referente. Aparentemente modesto, quase parcimonioso, do ponto de vista formal, o seu trabalho consegue abalar uma série de assunções epistemológicas. Aquilo que lhe interessa na representação da vida animal, por exemplo, nunca é a nossa identificação imediata com hábitos e modos de vida, ou seja, tornar-nos conscientes daquilo que nos une a outras espécies animais. Se já alguém afirmou que as suas fotografias traduzirão intimidade com a animalidade, não é porque o artista tem uma formação em biologia, ou porque seja um habitual frequentador de museus de história natural, mas antes porque essas fotografias desfazem hierarquias, relativizando a nossa percepção e os nossos sistemas de conhecimento. À fotografia, que sempre foi aplicada enquanto instrumento de poder, de conquista, Lempert reconhece o poder de apontar a realidade, mas faz-nos tomar consciência de que nunca poderá representá-la. Da série Os Corvos-marinhos, 2008
5 Exposição Curadoria Miguel Wandschneider Coordenação de produção Mário Valente Produção António Sequeira Lopes Paula Tavares dos Santos Coordenação de Montagem Fernando Teixeira Equipa de Montagem Ana Branco Maria Soares Sérgio Gato Jornal de Exposição Texto Ricardo Nicolau Coordenação Maria Ana Freitas Design Gráficos do Futuro Pré-Impressão, impressão e acabamento Maiadouro 2009, Fundação Caixa Geral de Depósitos Culturgest, Lisboa das obras reproduzidas: o artista; do texto: o autor Conversa com Jochen Lempert e Miguel Wandschneider Sábado, 7 de Fevereiro, 18h00 Visitas guiadas por Miguel Wandschneider Sábados, 28 de Fevereiro e 21 de Março, 17h00 Visitas guiadas Domingos, 8 de Março, 5 de Abril e 10 de Maio, 17h30 Galerias abertas de segunda a sexta-feira, das 11h00 às 19h00 (última admissão às 18h30). Sábados, domingos e feriados, das 14h00 às 20h00 (última admissão às 19h30). Encerram à terça-feira. Informações: Edifício Sede da CGD, Rua do Arco do Cego, Lisboa 7 Fevereiro 10 Maio 2009
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