Resumo. Palavras - Chaves: cangaço, estilo, imagem, comportamento, artesania. Introdução
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- Matheus Henrique Azambuja Ribas
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1 Titulo Estilo e Cangaço. A roupa na configuração da imagem dos cangaceiros. Autor Edvane de Araújo e Oliveira Lima Resumo O cangaceiro criou seu próprio estilo. Com a habilidade das mãos, a arte ia surgindo a partir de materiais diversos. Eles tinham os seus artesãos, os melhores de todo o sertão nordestino. Eram considerados artistas naquilo que sabiam fazer, e sua arte se sobressaía das armas aos adereços pessoais que usavam. Eram artesãos de muito talento protegidos e privilegiados por serem fiéis servidores de Lampião. A criação da moda cangaceira inaugurou um estilo que caracterizava e identificava a microsociedade constituída por esses rebeldes, em meio a um universo em que pontuavam coronéis, vaqueiros, agricultores, camponeses, sem-terra, místicos, papa-figos, etc. Lampião, pela elegância, beleza rude dos tecidos e postura heróica do corpo, aparentava superar a sua falta de boa origem por meio da reparação simbólica da moda, bem mais evidente nas Figuragrafias do que nos escritos (LINS, 2000). Para a realização deste trabalho a metodologia utilizada foi à pesquisa bibliográfica, objetivando o estabelecimento do referencial teórico e dos conceitos relativos ao tema e sua contextualização histórica, tendo como fonte: Livros; revistas; jornais; internet; filmes (documentários e artísticos) e entrevista com membros sobreviventes do bando e familiares de Lampião (sua neta). Palavras - Chaves: cangaço, estilo, imagem, comportamento, artesania. Introdução No Brasil, nos últimos anos do Império, depois da grande seca de , com o agravamento da miséria e da violência, começaram a surgir os primeiros bandos armados independentes do controle dos fazendeiros. Por essa época ficaram famosos os bandos de Inocêncio Vermelho e João Calango. Já no começo da república, as condições sociais vão mudando e definindo um novo perfil para o cangaço, que se tornava então força autônoma, sem manter submissão aos feudos, passando a empreender uma luta própria, com objetivos estabelecidos a partir de seus próprios interesses, contra a propriedade dos grandes senhores e contra a ordem social, que recebia a proteção de chefes políticos. Com a proclamação da República em 1889, implanta-se no Brasil o regime federalista, que concedeu uma ampla autonomia às províncias, fortalecendo as oligarquias regionais. O poder dessas oligarquias regionais de coronéis se fortaleceu ainda mais com a política dos governadores iniciada por Campos Sales. Esta política consistia na troca de apoio político entre as oligarquias estaduais e o governo central, o que garantia a eleição, no plano federal, dos candidatos oficiais e, no plano estadual, dos candidatos das forças locais (TEIXEIRA & DANTAS, 1984,p.292). No cenário da primeira república, o cangaço vincula-se por algum tempo com o coronelismo político. O cangaço surgiu no semi-árido do Nordeste, região pobre, cuja principal característica é a existência de
2 períodos secos de estiagem, que desestruturam a economia local, onde a concentração de terras e de água nas mãos de poucos ainda hoje se mantém rigidamente inflexível. A criação da moda cangaceira inaugurou um estilo que caracterizava e identificava a micro-sociedade constituída por esses rebeldes, em meio a um universo em que pontuavam coronéis, vaqueiros, agricultores, camponeses, sem-terra, místicos, papa-figos, etc. Lampião, pela elegância, beleza rude dos tecidos e postura heróica do corpo, aparentava superar a sua falta de boa origem por meio da reparação simbólica da moda, bem mais evidente nas Figuragrafias do que nos escritos (LINS, 2000). Dessa forma, a moda no cangaço apareceu como uma expressão da diferença na grande diversidade formada pela cultura sertaneja, afastando-se dos heróis oficiais e dos bandidos de alta classe. Pela moda, Lampião marcou não apenas uma singularidade, mas se mostrou, instituiu-se e legitimou-se. É como se o charme do cangaço e o toque de classe de Lampião tivessem facilitado o olhar do outro, na tela invisível do universo fantástico - humano, demasiado humano - do cangaço, no que ele tinha de extraordinário e de sonhador. A maioria das biografias de Lampião e Maria Bonita pouco relata a forma como os cangaceiros se vestiam, e muito menos aborda a complexidade funcional e a extrema habilidade demonstrada pelos cangaceiros na distribuição das peças de seu vestuário sobre o corpo, que apresenta, de fato, sua razão de ser. Delineamento do Estilo do Cangaço A criação humana sempre revela um estilo próprio, contextualizado num tempo, e resultante de um determinado gosto, idéia, capricho ou uso passageiro, que expressa a forma das influências do meio. Isto posto, propõe-se um olhar sobre o estilismo no cangaço de forma a revelar a estética vestuária no estilo de vida dos cangaceiros, construído ao longo de 130 anos. Para que melhor se compreenda a definição do estilismo no cangaço necessário se faz conceituar estilo. Kalil, (1996,p. 11) explica que o estilo é o que dá oportunidade de cada pessoa ser absolutamente única, justificando que o estilo é mais do que uma maneira de se vestir: é um modo de ser, de viver e de agir. Baseado nas escolhas particulares, nas preferências, desejos, humores, sem esquecer das fantasias de cada um que também colaboram. Diz Kalil que a moda é uma proposta da indústria e o estilo é uma escolha pessoal. E acrescenta que o estilo não tem muito a ver com a moda porque ela passa, enquanto o estilo permanece. Pesquisar sobre Lampião e moda, conduz inevitavelmente a um estilo. Estilo este construído ao longo da convivência com o modelo de vida fora da lei que, em acontecendo, foi permitindo a Virgulino o contato com contextos, materiais e artifícios que associados a sua inteligência deram oportunidade à manifestação de um potencial privilegiado de criatividade e habilidade no manejo com o novo e com a qualidade. Paulatinamente a finesse foi impregnando a figura rústica do pernambucano de Vila Bela e construindo o estilista do cangaço. Ensinando que vestir é um ato de vontade, consciência e posses. A pesquisa feita para este trabalho sugere pelo menos três grandes momentos históricos da moda cangaceira: (i) Corpo - Imagem Cangaceiro Subjugado (1830 a
3 1900); (ii) Corpo Imagem Cangaceiro Cavalheiresco (1900 a 1926); (iii) Corpo Imagem - Lampião, e o estilismo no cangaço.(1926 a 1938). Corpo - Imagem Cangaceiro Subjugado (1830 a 1900) Segundo Chandler (1986), as palavras cangaceiro e cangaço começaram a ser usadas na década de 30 do século XIX, e se relacionavam à canga ou cangalho, isto é, arreio de madeira que vai sobre o pescoço dos bois, numa alusão à forma como os cangaceiros carregavam os seus rifles deitados sobre as costas e, à sujeição do seu ofício aos fazendeiros. Seu corpo - imagem revelava o poder dos fazendeiros e a sua condição subalterna por servir aos seus propósitos. O jugo era tão forte que sua pertencensa era identificada pela cor do lenço que usavam no pescoço, sendo esta definida pela família a quem serviam. Além dessa particularidade, não se encontra nenhuma outra que lhes revista de alguma dignidade e identidade própria. Crônicas e depoimentos de contemporâneos desse período, atestam o quão maltrapilhos e marginais eles eram considerados pela sociedade de então. Não se verificou nenhuma imagem grafada dos cangaceiros desse período. Isto se deu porque os primeiros cangaceiros eram índios, escravos negros e mulatos que formavam o séquito dos senhores donos de terra. No entanto, os anos de auguras forjaram um novo cangaceiro a partir do início do século XX, quando passaram a operar por conta própria. Corpo Imagem Cangaceiro Cavalheiresco (1900 a 1926) Essa mudança coincide com a entrada no cangaço de jovens abastados, nascidos em respeitáveis famílias de fazendeiros. Sua entrada no cangaço era movida pelo desejo de vingar a violência que, de alguma forma, desgraçava a honra de suas famílias. Tais violências decorriam, principalmente, da disputa pelo poder entre suas famílias. Assim é o caso de Antônio Silvino e Sebastião Pereira, reconhecidos como os primeiros cangaceiros de importância, auferida pela fidalguia de seu berço, de lendárias façanhas no cangaço e levados a entrar no cangaço pela vingança da honra com sangue. A vingança era então considerada pela sociedade como um direito adquirido e também como um dever dos homens de honra. Ou seja, defender e sustentar a posição da família, era a conduta esperada, principalmente dos jovens impetuosos. Na ausência do braço forte da lei e da justiça, imperava a lei mosaica à moda nordestina. Essa aplicação nordestina da lei mosaica olho por olho, dente por dente era tão prestigiada, que qualquer tentativa de impedir o direito à vingança era considerada uma afronta à honra, permitindo, aos ofendidos, fazerem justiça com as próprias mãos. Assim começa a se configurar o estilo do cangaceiro: no banditismo cavalheiresco. Ao observar as Figuras 01 e 02, pode-se comparar a diferença de estilos. Na Figura 01, a fidalguia do corpo - imagem de Antônio Silvino e Sebastião Pereira, com suas vestes impecáveis de jovens abastados: paletó de linho branco, que até o mês passado, lá no campo, ainda era flor 3. Lampião e Antônio Ferreira, seu irmão, se exibiam trajados de cavalheiros justiceiros. A marca era a calça de riscado e o paletó! 3 Trecho da música Mucuripe com letra de Fagner e Belchior, que retrata estilo de moda da época citada.
4 Figura 1 Figura 2 Na Figura 1, os jovens exibem trajes impecáveis, acessíveis somente àqueles nascidos em famílias abastadas. São roupas tipicamente masculinas em gosto na década de 20, fortemente influenciadas pelo estilo inglês. Nas camisas, um peitilho sobreposto e punhos de tecido nobre: cambraia de linho ou seda inglesa. O colarinho era rígido e suposto como era o costume. As gravatas de seda, muito curtas chegam só até a altura do peito. A calça apresenta um gancho alto, corte reto e perna curta, deixando à mostra o sapato. Os cabelos untados, provavelmente de brilhantina, denotam esmero e requinte dos jovens abastados. A posição das figuras na Figura obedece ao protocolo que revela a posição hierárquica entre os dois cangaceiros. Evidentemente, está explícito que Sinhô Pereira, por estar sentado, goza de maior prestigio, apesar de ser mais moço. Figura 3 A mesma influência inglesa, copiada dos cangaceiros mais abastados, é facilmente observada na estrutura dos paletós e calças da *Figura 2 4 onde posam Lampião e seu irmão Antônio Ferreira. Embora o estilo inglês esteja replicado nestas vestes, aquilo que irá caracterizar o estilo cangaço já é perceptível. A dificuldade de 4 * Figura 02 (ver pág. 10)
5 acesso a peças refinadas de vestuário faz com que a distinção do estilo seja bem diferente, porém sua silhueta é a mesma. Sendo assim, no paletó percebe-se que as ombreiras permanecem sem ampuletas. A estrutura superior continua acinturada mas, a inferior se soltou e recebeu bolsos laterais, de formato e tamanho diferentes, de acordo com o uso costumeiro da região. A gravata de seda foi substituída pelo lenço, porém, mantendo a mesma altura. A calça imita o mesmo corte e modelo. As vestes são confeccionadas com risca de giz mas recebem o cangalho de couro, lençóis de forro e coberta, enrolados junto ao corpo e por baixo da cangalha, e bem como as primeiras alfaias e atavios que iriam dar o tom no estilismo do cangaço: as alianças substituindo o nó da gravata, os rebites nas alças fixadoras dos chapéus, as peças metálicas nas alças dos rifles e o punhal. Em todas as peças por eles usadas na Figura 2, é nos acessórios que se constata a intensidade e o impacto da leitura de Lampião sobre o corpo-imagem do cangaceiro. Lampião usa alpercatas de couro; chapéu com aba frontal batida e costuras na horizontal e barbicachos laterais de couro e seu irmão, Antônio, usa fanabou e o chapéu de massa, embora com rebites. É importante destacar que os irmãos Ferreira não tomaram por empréstimo este corpo imagem dos seus ídolos Sinhô Pereira e Luís Padre. Sua expressão é genuína, uma vez que eles também eram jovens fazendeiros, que entraram no cangaço para lavar a honra com sangue, vingando a morte do seu pai assassinado, em decorrência de uma peleja com a família rival, portanto, a origem do seu requinte cavalheiresco era, essencialmente, o mesmo dos seus heróis. E ainda, Lampião não só apreciava alfaias como era também, na realidade, reconhecidamente um exímioalfaiate. Este é um dado importante na perspectiva que este trabalho pretende destacar: a moda cangaceira. Um estilo construído a partir de uma realidade histórico-social marcadamente influenciada pelo contexto físico que lhe serve de cenário e termina por funcionar como determinante. Em suma, o estilo cavalheiresco de Antônio Silvino e de Sebastião Pereira, inspirou muitos jovens da época, que se, por acaso, eram forçados a seguir o mesmo caminho, tomavam, por exemplo, aqueles célebres cangaceiros. Foi o que aconteceu com Lampião, considerado como o mais célebre entre todos os cangaceiros. O ano de 1926 é um marco histórico na vida de Lampião, pois neste ano recebe a patente de capitão e serve momentaneamente ao governo no combate à coluna Prestes. A Figura 3, apresenta um Lampião com as vestes de voluntário do Batalhão Patriótico. Corpo Imagem - Lampião e o estilismo no cangaço.(1926 a 1938) A ruptura de Lampião com a condição de defensor público dá início ao estilo de indumentária desenvolvido por Lampião e adotado por seus seguidores. O estilismo no cangaço se expressa nas vestimentas, baseado na vingança, como já foi esclarecido, no poder paralelo, no paulatino enriquecimento devido aos freqüentes saques, na fé, no prazer, que começa para todos quando Maria Bonita chega, aparentemente, como a primeira mulher a ingressar no bando e na sobrevivência. (CHANDLER, 1980,p.176) Lampião e Maria Bonita conheceram-se em 1929 e, um ano depois ficaram juntos para sempre. Ela era conhecida como Dona Maria Neném e casada. Era bem mais
6 jovem que Lampião e por ser considerada muito bonita ganhou a alcunha de Maria Bonita dos policiais que perseguiam o grupo. No bando era chamada respeitosamente de Dona Maria. Sua entrada no bando abriu espaço para que outras mulheres viessem a integrá-lo na condição de companheiras. Como eram nômades, não tinham os tradicionais deveres de uma dona de casa, no entanto, passavam a maior parte do tempo costurando, fazendo suas próprias roupas e as dos cangaceiros ou enfeitando objetos tais como os bornais. Além dos enfeites, havia o cuidado em imprimir às peças costuradas condições de proteção à aridez do sertão e à violência dos combates. Logo foi adquirida uma máquina de costura para o acampamento. Enamorar-se provocou uma mudança tremenda na indumentária e no estilo de vida do cangaceiro. Segundo Chandler (1980,p. 177), as mulheres trouxeram amadurecimento, menos guerra e mais limpeza, conseqüentemente, maior cuidado estético quando em momentos de descanso e festa. Virgulino Ferreira, o Lampião, bandoleiro das selvas nordestinas, sem temer a perigo nem ruínas foi o rei do cangaço no sertão. Mas um dia sentiu no coração o poder atrativo do amor, a mulata da terra do condor dominava uma fera perigosa. Mulher nova bonita e carinhos, faz o homem gemer sem sentir dor. 5 Por outro lado, o enriquecimento paulatino do bando trouxe-lhe condições de aprimorar a estética das indumentárias e enriquecer os adereços, aviamentos e enfeites, que muitas vezes representavam símbolos de proteção espiritual, como expressão da fé dos membros do bando. Cangaço um estilo, um movimento social, uma região brasileira. Tomando-se o Brasil atual e considerando a temática aqui abordada, fica fácil compreender Virgulino Ferreira como o criador e promotor de um estilo. Estilo concebido por Kalil (1996,p. 11) como mais que uma maneira de se vestir: é um modo de ser, de viver, de agir. São suas escolhas particulares, suas preferências, seus desejos, humores e até mesmo suas fantasias (...) O estilo é uma escolha pessoal. Embora possa parecer estranho, na vaidade o estilo permanece. É nessa concepção de estilo que fica sintetizado todo o desenvolvimento da idéia mostrada neste trabalho: apresentar Virgulino Ferreira como estilista nato que, ao longo do tempo, mantendo contato com modelos e artigos novos, foi naturalmente incorporando-os em suas criações pessoais, aperfeiçoando uma linha-maneira de vestir, trajar-se, identificada como da verve de Lampião. E é também naquela concepção de Kalil que tem respaldo a outra idéia esplanada neste trabalho: o estilo de Lampião convive no âmago da moda brasileira ressurgindo de tempos em tempos através da criatividade de inúmeros estilistas nacionais. Seu estilo cria um ícone de representação da cultura e do povo nordestino. 5 Trecho da música Mulher nova, bonita e carinhosa faz o homem gemer sem sentir dor, de Zé Ramalho e Otacílio Batista.
7 Referencias bibliográficas CHANDLER, Billy Jaynes Lampião o rei dos cangaceiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, KALIL, Glória - Chic Homem guia básico de moda e estilo. São Paulo: Ed. Senac, LINS, Daniel Soares. A moda do tempo do cangaço. In: Universidade Aberta, s/d.. Lampião: o homem que amava as mulheres. São Paulo: Annablue, Moda em tempo de cangaço. In: Jornal Diário do Nordeste, disponibilizado em Acesso em TEIXEIRA Francisco M. P. & DANTAS José História do Brasil da Colônia à República. 2ª ed., São Paulo: Ed. Moderna, 1984.
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