Nº / ASJTC/SAJ/PGR. Agravo de Instrumento Relator: Ministro Roberto Barroso Agravante: União Agravado: Ministério Público Federal
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1 Nº / ASJTC/SAJ/PGR Agravo de Instrumento Relator: Ministro Roberto Barroso Agravante: União Agravado: Ministério Público Federal AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO EXTRAORDINÁ- RIO. DESTRANCAMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESERVA INDÍGENA DA GUARITA/RS. ARRENDAMENTO IRREGULAR. REFLORESTAMENTO E RECUPERAÇÃO AMBIENTAL.RESPONSABILIDADE. UNIÃO. ABORDAGEM DO TEMA, PELO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, SOB ÓTICA INFRACONSTITUCIONAL. ESTATUTO DO ÍNDIO. CÓDIGO CIVIL. INVIABILIDADE DO EXAME DA MATÉRIA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MÉRITO. ART. 231, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DEVER DA UNIÃO DE DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS E DE PROTEÇÃO E RESPEITO A TODOS OS SEUS BENS. RESPONSABILIZAÇÃO SOLIDÁRIA DA UNIÃO, DA FUNAI E DOS AGRICULTORES DIRETAMENTE CAUSADORES DO DANO AMBIENTAL. LEGITIMIDADE. ESTATUTO DO ÍNDIO. ART. 36. PARECER PELO DESPROVIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO OU, ACASO PROVIDO, PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1 Não é passível de exame pelo Supremo Tribunal Federal debate delineado pela recorrente sob ótica infraconstitucional, como aquele exposto em recurso extraordinário em que a União, com a pretensão de eximir-se da responsabilidade por dano ambiental em terra indígena, invoca preceitos da legislação de direito comum, disciplinadores de suposta relação entre os indígenas e os agricultores arrendatários da terra indígena.
2 2 No mérito, tem responsabilidade a União por danos ambientais em terra indígena, nos termos do art. 231 da Constituição, que lhe impõe a proteção às terras indígenas e a todos os seus bens, além de respeito à organização social, aos costumes, às línguas, às crenças, às tradições indígenas, atingidos pela omissão do ente no cumprimento efetivo de seu dever. 3 Não tem relevância, para fins de responsabilização da União, a existência de entidade de proteção indígena Funai-, sendo legítima a condenação solidária, como também previsto no art. 36 do Estatuto do Índio. 4 Parecer pelo desprovimento do agravo ou pelo desprovimento do recurso extraordinário. A União interpôs agravo de instrumento de decisão denegatória de recurso extraordinário, na forma do antigo art. 544 do Código de Processo Civil, em ação civil pública em que condenadas solidariamente a União e a Funai a promover o reflorestamento e a recuperação ambiental da reserva indígena da Guarita, nos Municípios de Tenente Portela e de Miraguaí, no Estado do Rio Grande do Sul. A ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público Federal, tem como objeto garantir a posse das terras da referida reserva às comunidades indígenas Kaingang e Guarani e foi motivada pela ocupação da área por agricultores que a arrendaram irregularmente. O pleito obteve êxito em primeira e segunda instâncias. Interposto recurso extraordinário, não foi ele admitido pelo TRF/4ª Região, que concluiu não haver ofensa direta ao art. 231 da 2
3 Constituição invocado. O recurso especial da União, embora admitido pelo juízo a quo, teve seu seguimento negado pelo Superior Tribunal de Justiça, por falta de prequestionamento da matéria. Em seu agravo, a União argumenta que o TRF/4ª, ao concluir pela ocorrência de violação indireta ao texto constitucional, examinou o mérito do recurso extraordinário, com invasão da competência do Supremo Tribunal Federal. Entende que, preenchidos os requisitos da tempestividade, preparo, legitimidade, interesse e prequestionamento, como entende ser o caso, o recurso deve ser admitido. Afirma, ainda, haver violação frontal e direta ao texto constitucional. Vieram os autos para manifestação da Procuradoria-Geral da República. O agravo deve ser desprovido. Não procede, em primeiro lugar, a alegação de invasão da competência do Supremo Tribunal Federal para exame do mérito da ação. A não admissão do recurso extraordinário da União, pela Presidência do TRF/4ª Região, nos termos da legislação processual civil, fundamentou-se na ocorrência de ofensa indireta e reflexa ao texto constitucional, juízo que não avança, de nenhum modo, no mérito da controvérsia. Correta, além disso, a conclusão da decisão agravada. 3
4 Embora fosse possível, a princípio, vislumbrar discussão de caráter constitucional, amparada na responsabilidade da União sobre a demarcação de terras indígenas e a proteção e respeito a todos os seus bens, nos termos do art. 231 da Constituição com o exame eventual de seu alcance -, a abordagem feita pela União em seu recurso extraordinário não autoriza a apreciação da matéria pelo Supremo Tribunal Federal. A pretensão da União é ver-se eximida de qualquer responsabilidade sobre o dano ambiental que atingiu as terras objeto do litígio, o que faz com a invocação de normas de direito comum Código Civil - que, em sua visão, disciplinariam a relação estabelecida entre os indígenas e os agricultores arrendatários das terras indígenas. Note-se que o recurso extraordinário não objetiva que se faça interpretação mais ou menos abrangente do art. 231 da Constituição, nem efetivamente faz qualquer interpretação da norma. A invocação do preceito se dá, apenas, como tentativa de demonstrar que a União cumpriu as atribuições [ali] mencionadas, de modo que não poderia ser responsabilizada pelos efeitos danosos advindos de arrendamento firmado com agricultores da região. A legislação que efetivamente entende a União violada e que pretende seja analisada e aplicada pelo Supremo Tribunal Federal é infraconstitucional. Faz-se expressa menção aos seguintes 4
5 dispositivos, do Estatuto do Índio e do Código Civil/1916, respectivamente: Art. 6º. Serão respeitados os usos, costumes e tradições das comunidades indígenas e seus efeitos, nas relações de família, na ordem de sucessão, no regime de propriedade e nos atos ou negócios realizados entre índios, salvo se optarem pela aplicação do direito comum. Parágrafo único. Aplicam-se as normas de direito comum às relações entre índios não integrados e pessoas estranhas à comunidade indígena, excetuados os que forem menos favoráveis e ressalvado o disposto nesta Lei. Art Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem fica obrigado a reparar o dano. Assim delimitada a discussão no recurso extraordinário e não sendo possível modificar os contornos que a própria recorrente lhe deu, não cabe trazer o debate ao Supremo Tribunal Federal, que não tem competência, em sede recursal, para interpretação e aplicação do direito infraconstitucional. Ultrapassado, eventualmente, o desprovimento do agravo de instrumento, e entendendo essa Corte estar-se diante de discussão de caráter constitucional, com ofensa, em tese, direta à Constituição, melhor sorte não terá o recurso (extraordinário) no mérito. A questão objeto do recurso extraordinário é a responsabilidade pelo dano ambiental causado à terra indígena por arrendamentos irregulares, já declarados nulos. Não se vê de que modo o preceito constitucional invocado possa militar em defesa da agra- 5
6 vante. É ele expresso a respeito da responsabilidade da União em proteger e fazer respeitar todos os bens das terras indígenas, sem limitação de qualquer ordem: Art São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. A responsabilidade expressa no dispositivo advém do dever da União de fazer respeitar os bens das comunidades indígenas, aí considerada a terra em si, e de proteção integral à organização social, aos costumes, às crenças e às tradições indígenas, todos afetados de algum modo pelo arrendamento irregular e danos daí decorrentes. Há, ao menos, omissão do ente no cumprimento de seu dever constitucional, o que sem dúvida legitima a condenação imposta pelo juízo a quo. Em nada altera a conclusão a existência de entidade criada especificamente com a finalidade de tutelar os interesses das populações indígenas, também condenada à reparação ambiental das terras. Os deveres e prerrogativas de uma não excluem os da outra, sendo absolutamente legítima a responsabilização da União solidariamente à entidade em questão, seja em razão da previsão constitucional, seja nos termos da legislação infraconstitucional aplicável (Estatuto do Índio), expressa nesse sentido: Art. 36. Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, compete à União adotar as medidas administrativas ou propor, 6
7 por intermédio do Ministério Público Federal, as medidas judiciais adequadas à proteção da posse dos silvícolas sobre as terras que habitem. Parágrafo único. Quando as medidas judiciais previstas neste artigo forem propostas pelo órgão federal de assistência, ou contra ele, a União será litisconsorte ativa ou passiva. Caminhou bem, assim, o acórdão questionado, buscando resguardar interesse por este prestigiado, sem violação a qualquer preceito, constitucional ou infraconstitucional, que tenha aplicação ao caso. Ante o exposto, o parecer é pelo desprovimento do agravo ou, em sendo este provido e o recurso extraordinário conhecido, pelo desprovimento do recurso extraordinário. Brasília (DF), de maio de Rodrigo Janot Monteiro de Barros Procurador-Geral da República 7
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