SENTIDOS DA PALAVRA AMOR EM UM SONETO DE CAMÕES 1
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- Luiz Fontes Caetano
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1 SENTIDOS DA PALAVRA AMOR EM UM SONETO DE CAMÕES 1 ADILSON VENTURA DA SILVA Departamento de Estudos Linguísticos e Literários Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia Estrada do Bem Querer, km 4 Centro Vitória da Conquista - BA - Brasil adilson.ventura@gmail.com Resumo: Por ser considerado um objeto de estudos principalmente da Literatura, o estudo de certos aspectos da poesia chama a atenção de poucos pesquisadores da área da Linguística, o que, de certo modo, deixa certas discussões importantes de lado e também certas questões que poderiam suscitar várias discussões nem chegam a ser elaboradas. Colocando-nos na posição de que a poesia é um lugar importante para as pesquisas linguísticas, principalmente na área da Semântica, vamos, neste trabalho, observar os sentidos da palavra Amor no soneto Amor é fogo que arde sem se ver... de Camões. Para atingir este objetivo, nos posicionaremos teoricamente na Semântica do Acontecimento, teoria semântica que considera o estudo da enunciação (o acontecimento do dizer) como o lugar em que se deve analisar o sentido da linguagem, e deixa o enunciado como lugar em que se deve observar o sentido. E, como método, iremos utilizar dois procedimentos de agenciamento enunciativo, que são as reescrituras e as articulações desta palavra dentro do poema e, além desses dois procedimentos, iremos nos ater à constituição da cena enunciativa. A partir desses procedimentos, iremos estabelecer qual o DSD (Domínio Semântico de Determinação) desta palavra. Palavras-chave: Sentido; poesia; semântica do acontecimento; amor Abstract: Considered to be the main objects of analysis of Literature, the studies on certain features of poetry have not much interest to the linguists, which, somehow makes some important discussions aside and some issues that could raise several discussions are not even set. Considering that poetry is an important field to linguistic research, mainly in Semantics, in this paper, we aim to analyse the meanings of the word Amor in the Camoes s sonnet Amor é fogo que arde sem se ver.... Bearing in mind our goals, this work is based on the theoretical and methodological devices of Semantics of the Event. According to this theory, on one hand, the study of enunciation (the event of saying) is seen as the place where the meaning of language is analysed. On the other, it makes the statement as a place so that the meaning can be investigated. Methodologically, we will use two 1 Trabalho que faz parte de nosso projeto de pesquisa na UESB, intitulado: Os Sentidos da Palavra Amor em Sonetos de Camões: Um Estudo Semântico-Enunciativo. 1
2 procedures of assemblage of enunciation, which are the rewritings and articulation of the word Amor within the poem, and besides these two procedures, we will also use the concept of constitution of enunciative scene. From these procedures, we will set the Semantic Domain of Determination (SDD) of the word Amor. Keywords: Meaning; poetry; semantics of event; love 1. Introdução e Semântica do Acontecimento Quando se fala a respeito de atribuir sentidos a algum texto, temos, em nossa sociedade, algumas práticas já estabilizadas que norteiam quais os sentidos que podemos atribuir-lhe. Um dos lugares que estão estabilizados diz respeito que, ao se entrar em contato com algum texto, geralmente um dos primeiros passos para se analisálo é observar em qual gênero textual ele está inserido. Sabemos que o gênero textual traz algumas especificidades para se compreender a análise, porém, temos que pensar que, de certa forma, a análise já fica tomada por alguns pressupostos que podem comprometer alguns aspectos do trabalho, pois pode ocorrer a busca por confirmar o que o próprio gênero textual afirma, ou seja, se já se sabe o que determinado gênero textual aponta, a análise já busca observar esses fatores. E isso fica mais evidente quando se trata de um texto vindo da literatura, em que, normalmente, se leva em consideração o autor, a época, etc. Não que estes aspectos não sejam importantes, porém queremos tratar algumas questões linguísticas sem que estes dados sejam os principais na construção da análise, apesar de estarem presentes. Assim, uma questão que nos é posta é pensar na construção de outros modos para se atribuir sentidos a um texto. Colocando-nos no lugar de semanticista, em que questões relacionadas ao sentido são fundamentais, trazer alguns métodos de análises podem ser muito úteis para a construção de uma desautomatização da análise de um texto (e até mesmo da própria leitura). Por conta disso, para essa análise que propomos, vamos observar uma forma específica em um texto, sem levar em consideração a que gênero textual ele pertence. Essa é uma prática difícil, já que, como já dissemos, há uma certa estabilização no modo de como se analisar um texto. Também acreditamos que, apesar de nossa análise se incidir somente em uma palavra específica, uma maior compreensão dessa palavra e, como consequência direta desse método, observar como o sentido dessa palavra é construído neste texto específico contribuem decisivamente para a compreensão do próprio texto como um todo. Levando em conta o que dissemos nos dois parágrafos acima, vamos nos colocar no lugar teórico da Semântica do Acontecimento para observar o funcionamento da palavra Amor em um conhecido soneto de Camões, Amor é fogo que arde sem se ver.... Ou seja, colocando-nos nessa posição estabelecemos como objetivo entender o sentido de uma palavra específica, que é Amor. Para isso iremos utilizar somente a teoria e a metodologia específica da Semântica do Acontecimento, sem levar em conta outros estudos a respeito deste soneto. A análise se incidirá sobre este poema por tratar diretamente da palavra Amor, que faz parte de nosso projeto de pesquisa que estamos iniciando na UESB, intitulado: Os Sentidos da Palavra Amor em Sonetos de Camões: 2
3 Um Estudo Semântico-Enunciativo que possui o intuito de verificar os sentidos dessa palavra em sonetos de Camões. Para esta análise, vamos observar as reescrituras e articulações da palavra Amor, assim constituindo o DSD dessa palavra, e também observar a constituição da cena enunciativa. Deste modo, como semanticista, pretendemos apontar os sentidos que a palavra Amor possui neste soneto (texto). A questão do sentido, para a Semântica do Acontecimento, deve ser observada na enunciação, isto é, no acontecimento do dizer. E, conforme Guimarães, o acontecimento é o que faz diferença na sua própria ordem. (GUIMARÃES, 2011, p.15). Ou seja, o acontecimento temporaliza, recortando um memorável e, ao mesmo tempo, tendo uma latência de futuro. Não é que a partir de um sentido possamos saber qual o sentido que irá ter futuramente, mas sim que há possíveis futuridades a partir de um memorável recortado. O que traz também a possibilidade de se recortar diferentes memoráveis, os quais irão alterar os sentidos da palavra em estudo. Com relação à enunciação, observaremos as reescrituras, que, conforme Guimarães é o procedimento pelo qual a enunciação de um texto rediz insistentemente o que já foi dito fazendo interpretar uma forma como diferente de si. Este procedimento atribui (predica) algo ao reescriturado (GUIMARÃES, 2004, p.17). Quanto à articulação, Guimarães nos diz: procedimentos de articulação dizem respeito às relações próprias das contiguidades locais. De como o funcionamento de certas formas afetam outras que elas não redizem. (Idem, 2004, p.18). Ou seja, a articulação é o procedimento pelo qual se observa as relações de determinada palavra (ou de suas reescrituras) com outras palavras em um enunciado, sendo que se deve considerar este enunciado como fazendo parte de um texto. Através desses procedimentos, poderemos dizer o que um nome designa, o que é, para Guimarães, constituir o Domínio Semântico de Determinação (DSD). Quanto à cena enunciativa, ela se constitui na divisão do sujeito. Assim temos, nessa divisão, o Locutor, que é o lugar que se representa, no próprio dizer, como sendo fonte desse dizer. Ele não é uma figura una e homogênea. Este Locutor é tomado por um lugar social, ou seja, ele só pode dizer enquanto é predicado por um lugar social, que é chamado de locutor-x. Como um exemplo, se considerarmos que alguém fala algo porque é um linguista, temos locutor-linguista. Porém, para que o Locutor diga algo, há um apagamento de que ele fala por estar em um lugar social. Este apagamento se dá através de uma outra figura presente na cena enunciativa, que é o enunciador, que é o lugar de dizer. Este enunciador, para Guimarães, pode ser individual, genérico ou universal. A partir desses procedimentos que apresentamos logo acima, iremos analisar a palavra Amor neste Soneto de Camões. 2. Análise O texto que iremos analisar é de um conhecido autor literário de Língua Portuguesa, que é Camões. Levando em consideração o gênero textual, temos aqui um poema, um soneto 2 não nomeado, dividido em dois quartetos e dois tercetos. Porém, 2 Reproduzimos aqui o soneto por completo: Amor é fogo que arte sem se ver/ é ferida que dói e não se sente / é um contentamento descontente / é dor que desatina sem doer / É um não querer mais que bem querer / é um andar solitário entre a gente / é nunca contentar se de contente / é um cuidar que ganha em 3
4 para os nossos interesses na análise, o que nos chama a atenção é a presença da palavra Amor logo no começo do texto, inclusive sendo a primeira palavra. No decorrer do texto temos uma reescritura por repetição no final do texto. Assim já temos que a palavra Amor abre e fecha o texto. Chamamos a atenção para esta reescritura por repetição, pois ela possui uma articulação muito interessante: se tão contrário a si é o mesmo Amor? 3 A palavra Amor aqui está em uma relação direta a contrário a si, ou seja, temos aqui uma articulação entre Amor e contrário a si em que é construído, no texto, uma oposição de Amor com o próprio Amor, o que podemos visualizar do seguinte modo: Amor Amor Obs.: ler a linha como oposição Além dessa oposição, podemos observar que do 1º ao 11º versos o que se apresenta é uma explicação do que é o Amor, ou seja, temos, nestes versos, uma reescritura desta palavra por especificação (definição) e por enumeração. O que, conforme Guimarães (2009), são duas formas de expansão. O que chama a atenção é que esta especificação traz, em cada verso, uma oposição para definir o que é o Amor. Sendo assim, podemos visualizar melhor estas reescrituras da seguinte forma: É fogo que arde É ferida que dói É um contentamento É dor que desatina É um não querer É um andar solitário É nunca contentar É um cuidar que ganha É querer estar preso É servir a quem vence É ter com quem nos mata Sem se ver E não se sente Descontente Sem doer Mais que bem querer Entre a gente Se de contente Em se perder Por vontade O vencedor Lealdade Temos aqui então, de um modo geral, na coluna um, as reescrituras da palavra Amor em que há uma explicação direta do que é o Amor. Na coluna dois, temos uma explicação da coluna um, ou seja, temos uma explicação da definição que é apresentada para Amor, porém esta explicação traz uma ideia oposta daquela que é apresentada na se perder / É querer estar preso por vontade / é servir a quem vence, o vencedor / é ter com quem nos mata, lealdade / Mas como causar pode seu favor / nos corações humanos amizade / se tão contrário a si é o mesmo Amor? 3 Grifos nosso 4
5 coluna um. Assim, temos na coluna um uma explicação que traz um sentido negativo para Amor, enquanto que na coluna dois há um sentido positivo. Porém no 3º verso temos uma inversão, em que a coluna um é que traz um sentido positivo e a coluna dois um sentido negativo. Mas, como no restante do texto, há uma oposição entre a definição do Amor e a explicação dessa definição, o que, de certo modo, não traz nenhuma complicação para a nossa análise. Para construirmos a nossa análise, vamos nos valer aqui de um procedimento de paráfrase. Desse modo, podemos colocar esta separação que fizemos no seguinte enunciado: 1- O Amor, por um lado, traz dor e prisão, por outro lado, traz felicidade e liberdade. O que, por sua vez, nos traz o seguinte DSD Dor Prisão Amor Liberdade Amor Felicidade Obs.: ler como determina e como antônimo O que podemos observar é que há uma tentativa de definir o que é o Amor de um modo racional, ou seja, definir objetivamente o que é este conceito. Mas o que se observa pela análise é que no mesmo momento em que aparece uma definição, essa definição também é dada pelo seu contrário. Isso coloca essa palavra Amor, nesse soneto de Camões, como sendo difícil de se explicar, ou seja, temos Amor Indefinível A partir desta indefinição do que é o amor, podemos pensar no acontecimento, em que temos um memorável recortado de que o Amor é algo a ser explicado e passível de se ter uma explicação racional. Também podemos observar que se abre uma futuridade, em que o Amor recebe definições as mais variadas que são, inclusive, opostas. Ou seja, temos circulando em nosso espaço de enunciação vários sentidos para esta palavra em que, de certo modo, podemos falar que deixam o sentido dessa palavra como indefinível, sem uma definição única. Além disso, temos a cena enunciativa, em que temos um Locutor, um locutorpoeta e o enunciador, que é universal. E este universal, por colocar opostos como verdadeiros, aponta exatamente para a dificuldade de se apontar o que é verdadeiro ou falso. 5
6 3. Considerações Finais Pela análise que fizemos, podemos observar que todo o texto é uma tentativa de se explicar o que é o Amor. Partindo das reescrituras e das articulações, temos que esta palavra acaba por ser determinada por dor e prisão, entrando em uma relação de antonímia com a própria palavra Amor, que, por sua vez, está sendo determinada por liberdade e felicidade. Assim podemos dizer que, através dessa relação exposta pelo DSD dessa palavra, ela é determinada por indefinível, ou seja, o sentido dela nesse texto é de indefinível. 4. Referências Bibliográficas GUIMARÃES, E. Semântica do Acontecimento. Campinas: Pontes, História da semântica sujeito, sentido e gramática no Brasil. Campinas: Pontes, Domínio Semântico de Determinação. A palavra: forma e sentido. Campinas: RG/Pontes, Análise de Texto - procedimentos, análises, ensino. Campinas: RG, SILVA, A.V. A Poesia em Ducrot. Dissertação de mestrado. Unicamp. Campinas, SP, O sentido da palavra poesia nas ciências da linguagem Tese de doutorado. Unicamp. Campinas, SP,
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