REPRESENTAÇÕES NO ESTUDO DAS FUNÇÕES RACIONAIS 1. Lígia Isabel Carvalho Bolseira da FCT
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1 Resumo REPRESENTAÇÕES NO ESTUDO DAS FUNÇÕES RACIONAIS 1 Lígia Isabel Carvalho Bolseira da FCT ligiaimcarvalho@gmail.com Rosa Antónia Tomás Ferreira Faculdade de Ciências da Universidade do Porto & CMUP rferreir@fc.up.pt João Pedro da Ponte Instituto de Educação, Universidade de Lisboa jpponte@ie.ul.pt Este trabalho analisa as representações usadas por uma aluna do 11.º ano na resolução de tarefas de natureza diversificada envolvendo funções racionais. O seu objetivo é compreender o modo como esta entende e analisa algumas propriedades das funções racionais, como relaciona diferentes representações de funções racionais e como relaciona transformações de uma função racional numa mesma representação. Os dados foram recolhidos em duas entrevistas com tarefas, numa abordagem de caráter interpretativo. Verificou-se que a aluna se baseia na representação gráfica para exprimir a sua compreensão sobre os conceitos, embora na resolução das tarefas recorra principalmente à representação algébrica. Além disso, revela dificuldades em transformar e em relacionar representações algébricas e gráficas de uma função racional. Os resultados reforçam a importância de trabalhar de modo fluente com tratamentos e conversões entre várias representações para desenvolver a compreensão das funções racionais. Palavras-chave: representações, aprendizagem, funções racionais. Introdução As representações assumem um papel importante no ensino-aprendizagem da Matemática. Este papel é salientado em documentos curriculares como, por exemplo, os Princípios e Normas para a Matemática Escolar (NCTM, 2007) que refere que quando os alunos conseguem aceder às representações matemáticas e às ideias que elas expressam, ficam com um conjunto de ferramentas que aumentam significativamente a sua capacidade de pensar matematicamente (p.75). Também em Portugal tem sido realçada a importância das representações e do desenvolvimento da capacidade de relacionar múltiplas representações dos conceitos matemáticos. Em particular, no ensino 1 Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no âmbito do Projeto Práticas Profissionais dos Professores de Matemática (contrato PTDC/CPE-CED/098931/2008) e L. I. Carvalho recebeu uma bolsa de doutoramento (ref. SFRH/BD /28594/2006) financiada por fundos nacionais do MCTES e cofinanciada pelo FSE, sob a orientação de R. A. Ferreira e J. P. Ponte, no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa.
2 secundário, no estudo das funções e no cálculo diferencial é muito valorizada a combinação das resoluções algébrica (também referida como analítica), numérica e gráfica de problemas (Silva, Fonseca, Martins, Fonseca & Lopes, 2001). O conceito de função é central em Matemática mas tem-se revelado difícil de entender e de ensinar (Evangelidou, Spyrou, Elia & Gagatsis, 2004; Kaldrimidou & Ikonomou, 1998_ENREF_7). Um dos problemas apontados para as dificuldades envolvidas no ensino e aprendizagem da noção de função é precisamente a existência de várias formas de representar uma função (entre as quais, algébrica ou simbólica, numérica ou tabular, gráfica) e as dificuldades em estabelecer ligações entre essas diferentes representações (Artigue, 1992; Elia, Panaoura, Eracleous & Gagatsis, 2007). Nesta comunicação analisamos a compreensão que uma aluna do 11.º ano revela das propriedades das funções racionais e o modo como usa, relaciona e transforma as diferentes representações quando resolve tarefas de natureza diversificada envolvendo funções racionais. Representações e Funções Uma representação é uma configuração (de carateres, imagens, objetos concretos ) que denota, simboliza, ou seja, representa algo (Goldin, 2008). As representações individuais (por exemplo, palavras, números, gráficos ou equações algébricas) raramente podem ser entendidas isoladamente. Estas representações fazem sentido se vistas como parte de um sistema mais amplo, com significados e convenções estabelecidos e com uma estrutura que permita relacionar de forma significativa diferentes representações pertencentes ao mesmo sistema (Goldin & Shteingold, 2001). Pode distinguir-se sistemas de representação externa de sistemas de representação interna. Os sistemas de representação externa referem-se a configurações observáveis, incluindo, entre outros, os sistemas simbólicos convencionais da Matemática (como a numeração em base dez, a notação algébrica formal ou a representação em coordenadas cartesianas). Os sistemas de representação interna referem-se a configurações mentais dos indivíduos, incluindo, entre outros, o processamento individual da linguagem natural, configurações pessoais de sistemas simbólicos convencionais da Matemática, imagética visual e espacial (Goldin, 2008). A respeito da imagética visual, Presmeg (1986) classifica em cinco grupos as imagens visuais usadas pelos alunos: (i) imagens concretas, pictóricas, ou seja, imagens do tipo
3 imagem-na-mente; (ii) imagens de padrões, ou seja, imagens que representam relações matemáticas abstratas de uma forma visual; (iii) imagens memorizadas de fórmulas, isto é, ver, na sua mente, uma fórmula como se estivesse escrita no quadro ou num livro de texto; (iv) imagens cinestésicas, ou seja, imagens que são criadas, transformadas ou comunicadas com a ajuda de movimentos físicos, e (v) imagens dinâmicas, isto é, imagens com movimento na mente (pp ). Devemos estar conscientes que não é possível observar as representações internas de um indivíduo, sendo o nosso interesse inferir sobre tais representações através do seu comportamento observável, quando interage com representações externas. Reforçando esta ideia, Duval (2006) afirma que os objetos matemáticos apenas são acessíveis através de representações, em registos adequados: A única forma de aceder e lidar com eles é através do uso de signos e representações semióticas (p.107), podendo um mesmo objeto matemático ser denotado através de diferentes representações. Para este autor, qualquer atividade matemática requer, então, o uso de representações semióticas. Na perspetiva de Duval (2006), existem dois tipos de transformação de representações semióticas em que os alunos devem ser fluentes: tratamentos e conversões. Os tratamentos são transformações dentro do mesmo sistema de representação (por exemplo, manipulação algébrica), dependendo das possibilidades de transformação específicas do sistema utilizado. As conversões são transformações de representações que consistem numa mudança de sistema, conservando os objetos denotados (por exemplo, passar da representação algébrica de uma função para a sua representação gráfica). O autor refere que as conversões são mais complexas do que os tratamentos, dado que requerem em primeiro lugar, o reconhecimento do mesmo objeto matemático entre duas representações cujos conteúdos não têm, muitas vezes, nada em comum (p. 112). Além disso, a mudança de um sistema de representação para outro, muda não apenas os meios de tratamento, mas também as propriedades que podem ser explicitadas (p. 114). Assim, considera essencial para a compreensão matemática que o aluno reconheça o mesmo objeto em diferentes sistemas de representação e consiga distinguir, em cada representação, o que é matematicamente relevante. O ensino do conceito de função deve recorrer a diferentes representações, de modo a promover a compreensão por parte dos alunos. Diversos estudos têm revelado que aqueles que são capazes de coordenar e relacionar diferentes modos de representação de
4 um conceito, escolhendo os mais adequados para cada situação, mostram um conhecimento matemático mais profundo desse conceito (Ainsworth, 2006; Arcavi, 2003). No entanto, os alunos têm evidenciado dificuldades em interligar as diferentes formas de representar uma função, nomeadamente as representações algébrica, gráfica e tabular (Artigue, 1992; Elia et al., 2007; Kaldrimidou & Ikonomou, 1998). No domínio das funções racionais, a interligação das várias representações pode assumir um importante papel para uma compreensão profunda das suas propriedades, dado que este parece ser um terreno fértil para a criação de concepções erróneas (Dotson, 2009), como por exemplo a ideia de que o gráfico de uma função racional possui sempre uma assíntota vertical nos valores em que a função não está definida. Metodologia Esta comunicação tem por base um estudo exploratório, realizado durante o 2.º período de 2010/11, cujo principal objetivo é informar a construção de uma experiência de ensino no 11.º ano de Matemática A, no domínio das funções racionais. A investigação segue uma abordagem qualitativa e interpretativa e tem um design de estudo de caso (Yin, 1994). O caso, Vera, é uma aluna do 11.º ano de escolaridade, de uma escola da área urbana do distrito do Porto. É uma aluna média (classificação de 14 valores no 1.º período de 2010/11) com uma preferência clara pela utilização de métodos visuais na resolução de problemas, segundo os resultados obtidos no Instrumento de Processamento Matemático de Presmeg (1985, consultado em Galindo-Morales, 1994) e aplicado à turma no âmbito de um estudo mais vasto. A primeira autora desta comunicação assistiu a aproximadamente metade das aulas lecionadas sobre o tópico das funções racionais. Após a lecionação deste tópico, realizou duas entrevistas semiestruturadas com tarefas a Vera, cada uma com duração aproximada de 50 minutos. Durante as entrevistas, procurámos acompanhar detalhadamente o raciocínio da aluna enquanto resolvia tarefas de natureza diversificada que apelavam ao conhecimento das propriedades das funções racionais e à utilização de tratamentos e conversões em representações várias de funções racionais. No total, Vera resolveu sete tarefas. Abordamos nesta comunicação as resoluções de três dessas tarefas. Nas duas entrevistas a aluna teve disponível a calculadora gráfica, que podia utilizar sempre que quisesse, exceto numa das tarefas. As entrevistas foram
5 videogravadas e posteriormente transcritas. Foram também recolhidas as produções escritas da aluna durante as entrevistas. A análise de dados é estruturada segundo os seguintes pontos: abordagem às propriedades de uma função racional, tratamentos entre representações de funções racionais e conversões entre representações de funções racionais. Abordagem às Propriedades de uma Função Racional Na resolução da tarefa 1 da primeira entrevista (Figura 1), Vera evidencia alguns conhecimentos sobre funções racionais e suas propriedades. Figura 1: Tarefa 1 da primeira entrevista Vera define domínio de uma função como o conjunto dos objetos e contradomínio como o conjunto das imagens. Ao resolver em voz alta a tarefa, mostra ter uma ideia de domínio e contradomínio associada à representação gráfica da função. No entanto, quando determina o domínio recorre à expressão algébrica da função: Entrevistadora: E como é que vês o domínio de uma função? Vera: Quando por exemplo temos um gráfico e a professora pede para vermos o domínio. É até onde a função Relativamente ao eixo dos xx, não é? [Faz o gesto de uma reta horizontal.] Começa... E acaba ( ) E: Contradomínio Pensas em quê? Vera: Vejo o gráfico e penso assim [Faz o gesto de uma reta vertical.] ( ) E: E neste caso? Tens aqui uma expressão, f x está a pensar para ver o domínio? Vera: O domínio é IR exceto 20. E: Porquê? Vera: Porque esta [aponta para 20] é a assíntota vertical. E: Como é que tu chegaste lá? À assíntota vertical? Vera: Por causa da expressão 3 x 20. Como é que
6 Para Vera, o gráfico de uma função racional possui uma assíntota vertical nos valores onde a função não está definida. Na determinação das assíntotas verticais, faz de imediato esta associação, embora a sua ideia de assíntota seja apoiada na representação gráfica: Vera: [Uma assíntota] é onde o gráfico não toca. É uma exceção do gráfico. Ali o gráfico não toca, tanto na vertical como na horizontal. [Faz gestos a tentar ilustrar a assíntota] Entrevistadora: E tu vês pelo gráfico, então. Vera: Vejo pelo gráfico. E: Mas tu agora não foste à máquina Vera: Tanto pelo gráfico como pela expressão. Porque a expressão aqui Eu aqui [aponta para o denominador x 20 ] vejo que é assíntota vertical. E: Porquê? Vera: Porque me indica aqui x 20. Se fosse + era 20, como é é 20. Porque aqui neste sítio da expressão, a professora ensinou que era aí que nós víamos Vera mostra dificuldades na averiguação da existência de assíntotas horizontais. Recorrendo à expressão algébrica, é levada a dizer que o gráfico de f x 3 x 20 não tem assíntotas horizontais. Procura relacionar os parâmetros da expressão algébrica de uma função racional, quando escrita na forma b a cx d, com as assíntotas mas, na expressão algébrica da função f, não consegue identificar o parâmetro a. Quando recorre à representação gráfica da função, a aluna procura uma reta horizontal da qual o gráfico se aproxime cada vez mais, sem chegar a intersetar, mas não consegue identificar a equação dessa reta. Com os gestos que faz para explicar os conceitos, a aluna parece ter imagens cinestésicas de domínio, contradomínio e assíntotas. Além disso, o modo como se refere oralmente a estes conceitos levaria a pensar que a sua resolução seria fundamentalmente apoiada na representação gráfica. No entanto, recorre à expressão algébrica, tentando repetir procedimentos que parecem memorizados, mostrando pouca compreensão. Na determinação dos pontos de interseção do gráfico de f com os eixos coordenados, Vera visualiza a representação gráfica da função na calculadora, constatando que o gráfico não interseta o eixo dos xx. Para determinar o ponto de interseção com o eixo
7 dos yy, recorre à expressão algébrica, substituindo x por zero. Reconhece que poderia ter recorrido à calculadora gráfica mas parece pouco confortável com os comandos a usar: Também dava para ver [recorrendo à calculadora]. Eu ainda tentei interseção mas depois pensei que também dava para calcular como valor. Sabia que o x era zero e então deu-me o y. Tinha feito analiticamente. E depois fui à máquina porque lembrei-me que também dava para calcular pela máquina e confirmei Relativamente ao estudo da monotonia da função, Vera começa por dizer que a função é sempre decrescente. No entanto, enquanto aponta para a representação gráfica na calculadora, refere que quanto mais o objeto vai aumentando mais a imagem vai diminuindo, considerando cada ramo da hipérbole separadamente. Ao tentar escrever os intervalos de monotonia revela insegurança e dúvidas: É decrescente de a Não, não estou a dizer bem porque eu tenho que dizer um número ( ) É decrescente de zero Não de 20. Eu sabia isto mas esqueci-me Embora este assunto tenha sido discutido nas aulas, Vera revela dificuldades em reconhecer que a função não é sempre decrescente e em indicar os intervalos de monotonia. Na resolução da tarefa, a aluna parece ter um conhecimento muito baseado na memorização de conceitos e procedimentos. Tratamentos entre Representações de Funções Racionais Na resolução das tarefas propostas, Vera utiliza as representações algébrica e gráfica e mostra dificuldades em efetuar tratamentos nestes dois sistemas de representação. As transformações das representações gráficas observadas no seu trabalho referem-se ao ajustamento da janela de visualização na calculadora, de modo a encontrar uma representação gráfica representativa do gráfico da função. A aluna mostra dificuldades em encontrar uma janela de visualização adequada para a representação gráfica da função f x 3 x 20. Começa por usar a janela de visualização standard da calculadora gráfica, 10,10 10,10, não conseguindo obter uma imagem representativa do gráfico (Figura 2).
8 Figura 2: Representação gráfica obtida por Vera na janela 10,10 10,10. Vera altera a janela para 0,10 10,0, continuando sem conseguir visualizar o gráfico e mostrando-se confusa: Isto continua a dar uma coisa assim estranha Mesmo depois de uma chamada de atenção para o facto de a assíntota vertical do gráfico ser x 20, a aluna mostra dificuldades em escolher uma janela adequada e, por tentativa erro, escolhe sucessivamente as janelas de visualização 0, 20 20,0 (Figura 3) e 0, 25 20,0. Figura 3: Representação gráfica obtida por Vera na janela 0, 20 20,0. Embora Vera pareça reconhecer que uma janela de visualização adequada deveria permitir-lhe visualizar as assíntotas e os dois ramos que compõem o gráfico da função, não mobiliza o seu conhecimento sobre as assíntotas do gráfico para procurar uma janela razoável. Vai escolhendo janelas de visualização que denotam pouca reflexão e interligação entre os conceitos, parecendo não compreender os efeitos da escolha da janela na representação gráfica da função. Vera evidencia também dificuldades em efetuar transformações dentro das representações algébricas, nomeadamente na factorização e na divisão de polinómios, e na simplificação de frações racionais. Por exemplo, ao simplificar a expressão algébrica 2 e x x 2 (Figura 5), demonstra dificuldades em identificar e utilizar o caso notável x 4
9 da diferença de quadrados e em identificar o domínio onde é válida a simplificação. Começa por escrever o denominador como x x 4. Depois de lhe ser sugerido que efetue a multiplicação de x por (x-4), vê que a transformação que fez não está correta e escreve o denominador como x 4 x 4. Apenas com alguma ajuda fatoriza o polinómio do denominador escrevendo x 2 ( x 2). Na simplificação da fração, não refere que, para a simplificação ser válida, x tem que ser diferente de 2, mostrando não reconhecer o domínio de validade da simplificação: Vera: Agora estes dois são iguais [ x 2 aparece no numerador e o denominador, e a aluna risca-os]. Fica 1 sobre x 2. Entrevistadora: Tens que ter cuidado com alguma coisa quando fazes esta simplificação? Quando simplificas o x 2 com o x 2 Vera: Cuidado? Como assim? x 2 E: Isto [indica 2 x 4 ] é igual a isto [indica 1 x 2 ]? Vera: Não é igual E: Então? Vera: Eu é que posso É como dividir Na tarefa 1 da segunda entrevista (Figura 4), Vera sente necessidade de efetuar a divisão de 2 x 2 por 1 x, para transformar a expressão algébrica da função g. Figura 4: Tarefa 1 da segunda entrevista. A aluna realiza a divisão dos polinómios recorrendo ao algoritmo da divisão e comete vários erros que vai corrigindo, por vezes sozinha e outras vezes com ajuda. Depois de concluir a divisão dos polinómios escreve, de modo aparentemente automático, a expressão transformada de g x como 3 x 1 : x 1 Entrevistadora: E como é que sabes que fica assim?
10 Vera: Porque Porque eu quando estudei isto decorei uma fórmula para entender. Fazia assim, [chamava] A [ao resto], B [ao quociente] e C [ao divisor]. Sabia que o C ficava aqui [apontou para o denominador na expressão transformada] até porque costumava ser a letra onde nós víamos o domínio. ( ) E isto, aqui ficava o B [apontou para x 1, na expressão transformada] e aqui ficava o A [apontou para o numerador na expressão transformada]. Ao expressar-se assim, Vera parece ter uma imagem memorizada de fórmula que lhe permite usar o divisor, o resto e quociente da divisão de polinómios para transformar a expressão algébrica sem, no entanto, entender a relação entre estes conceitos. Deste modo, Vera apresenta dificuldades na manipulação algébrica, que lhe dificultam o reconhecimento de diferentes formas de representar algebricamente uma mesma função racional. Conversões entre Representações de Funções Racionais Na resolução da tarefa 2 da primeira entrevista (Figura 5), Vera evidencia algumas dificuldades na conversão entre as representações algébrica e gráfica. Para estabelecer a correspondência entre as expressões algébricas e as representações gráficas, a aluna baseia-se essencialmente nas assíntotas verticais, que relaciona com os zeros do denominador: Nestes aqui [gráficos 1 e 2] eu posso ver pelo gráfico que a assíntota vertical vai ser negativa. Logo, na expressão, tem que estar x mais Por 1 isso [indica o gráfico 1] talvez seja esta a x x 3, por exemplo. Aqui troca [indica a expressão b x ] Estas duas [ a x e corresponder a estes dois [gráfico 1 e gráfico 2]. b x ] vão
11 Figura 5: Tarefa 2 da primeira entrevista Inicialmente, Vera faz uma correspondência incorreta. No entanto, resolve mudar e, quando questionada sobre como pensou, reconhece que recorreu à imagem de gráfico normal que se lembra das aulas: Porque me lembro das aulas Que a função o normal, o normal vá Costumava ser positiva e a função era sempre assim [gesticula querendo representar o gráfico como uma hipérbole semelhante ao gráfico de 1 y ]. Enquanto que esta aqui [aponta para b(x) e para o gráfico 1] já x está, vá ao contrário Vera parece não pensar explicitamente em transformações de funções, fazendo antes uma associação com imagens de gráficos que memorizou. Também não utiliza as
12 expressões algébricas para determinar coordenadas de pontos dos gráficos das funções que lhe permitiriam, em alguns casos, dissipar dúvidas quanto às correspondências a fazer. Poderia também recorrer à tabela de valores da função mas não o faz, apesar de isso ter sido abordado nas aulas. O recurso à memória, sem interligar os conceitos e os dados que tem disponíveis, limita-a quando colocada perante situações novas como no caso do gráfico 4. A aluna reconhece que não tinha ainda sido confrontada com um gráfico assim e não consegue atribuir-lhe uma das expressões algébricas. Manifesta dificuldades em discriminar propriedades das expressões algébricas que lhe permitam reconhecer o gráfico correspondente. Quando determina o domínio da função e, Vera demonstra, mais uma vez, a concepção errónea de que os pontos que não pertencem ao domínio correspondem a assíntotas verticais. Conclui que 2 e 2 não pertencem ao domínio e isso confunde-a porque nenhum dos gráficos disponíveis tem duas assíntotas. No entanto, depois de simplificar a expressão e x, para o que necessitou de alguma ajuda, consegue fazer-lhe corresponder o respetivo gráfico. Vera corresponde com facilidade o gráfico 5 à expressão d x. Ao olhar para a expressão, não espera encontrar uma assímptota no gráfico, reconhecendo a razão de existência de um ponto aberto: Entrevistadora: E porque é que está aqui esta bola aberta? [indica o gráfico 5] Vera: Porque acaba por ser uma falha. ( ) Porque neste ponto [indica o ponto aberto] Não tem imagem Aqui nesta zona E: Qual será a abcissa desse ponto? Vera: 2. E: Porquê? Vera: Porque se aqui [expressão x diferente de 2. Expressões como d x ] fizer x menos 2 diferente de 0 dá d x foram discutidas durante as aulas, o que terá contribuído para o desempenho de Vera nesta correspondência. No entanto, não manifesta fluência no estabelecimento de relações entre as representações algébrica e gráfica de uma função racional.
13 Conclusão O modo como Vera resolve as tarefas propostas mostra um forte apoio na memorização de procedimentos. A aluna tende a repetir modos de resolução sem grande reflexão, mostrando dificuldades em mobilizar os seus conhecimentos para novas situações. A utilização de imagens memorizadas de fórmulas reforça este apoio na memorização. É interessante notar que, embora tenha revelado preferências por métodos visuais quando resolve problemas (de acordo com o teste de Presmeg) e utilize imagens cinestésicas para exprimir a sua compreensão dos conceitos, não revela preferência pela utilização da representação gráfica na resolução das tarefas. Parece entender os conceitos de modo gráfico mas operacionalizá-los de modo algébrico. Este estudo reforça a importância da interligação das várias representações para o desenvolvimento da compreensão matemática, como defendido por Duval (2006) e Goldin e Shteingold (2001). Os obstáculos que Vera encontrou na resolução das tarefas devem-se essencialmente às suas dificuldades em relacionar as representações gráfica e algébrica e em reconhecer diferentes modos de representar algebricamente uma função. Mesmo a concepção errónea de que os pontos que não pertencem ao domínio de uma função racional correspondem a assíntotas verticais parece advir destas dificuldades e gerar ainda mais dificuldades. O seu aproveitamento das potencialidades da calculadora gráfica poderia beneficiar com uma maior destreza na interligação das várias representações, incluindo a numérica, a que a aluna não recorre apesar de ter sido utilizada nas aulas. Por exemplo, a procura de uma janela de visualização adequada para a representação gráfica de uma função racional beneficiaria de uma melhor inter-relação entre as várias representações. Duval (2006_ENREF_5) refere que as conversões são mais complexas do que os tratamentos. No entanto, para Vera, a complexidade dos dois processos parece semelhante. A conversão entre as representações algébrica e gráfica de funções racionais pode beneficiar especialmente com a fluência na manipulação algébrica, isto é, tratamentos dentro do sistema de representação algébrica, domínio em que revela bastantes dificuldades. Embora uma maior fluência na manipulação algébrica seja importante, o desenvolvimento de uma compreensão mais profunda no domínio das funções racionais não se restringe a isso. Desenvolver momentos de reflexão sobre os procedimentos
14 utilizados e explorar tarefas que promovam a manipulação gráfica de funções racionais, como transformações de funções, pode ser uma via para uma compreensão mais profunda deste tema. A exploração de transformações de funções racionais, relacionando as representações algébrica e gráfica, pode promover a construção de imagens dinâmicas dos gráficos, contribuindo para uma maior flexibilidade no trabalho com essas funções. A utilização da calculadora gráfica ou de software gráfico pode ser uma mais-valia na construção deste tipo de imagens, que deve ser aproveitada. Referências Ainsworth, S. (2006). DeFT: A conceptual framework for considering learning with multiple representations. Learning and Instruction, 16, Arcavi, A. (2003). The role of visual representations in the learning of Mathematics. Educational Studies in Mathematics, 52, Artigue, M. (1992). Functions from an algebraic and graphic point of view: Cognitive difficulties and teaching practices. In G. Harel & E. Dubinsky (Eds.), The concept of function: Aspects of epistemology and pedagogy (pp ). Washington, DC: MAA. Dotson, G. T. (2009). Collegiate mathematics students misconceptions of domain and zeros of rational functions (Tese de doutoramento, University of Kansas). Duval, R. (2006). A cognitive analysis of problems of comprehension in a learning of Mathematics. Educational Studies in Mathematics, 61, Elia, I., Panaoura, A., Eracleous, A., & Gagatsis, A. (2007). Relations between secondary pupils conceptions about functions and problem solving in different representations. International Journal of Science and Mathematics Education, 5, Evangelidou, A., Spyrou, P., Elia, I., & Gagatsis, A. (2004). University students conceptions of function. In M. J. Hoines & A. B. Fuglestad (Eds.), Proceedings of the 28 th PME International Conference, (Vol. 2, pp ); Bergen, Norway. Galindo-Morales, E. (1994). Visualization in the calculus class: Relationship between cognitive style, gender, and use of technology (Tese de doutoramento, Ohio State University). Goldin, G. (2008). Perspectives on representation in mathematical learning and problem solving. In L. D. English (Ed.), Handbook of international research in mathematics education (2 nd ed., pp ): New Yor, NY:Routledge. Goldin, G., & Shteingold, N. (2001). Systems of representations and the development of mathematical concepts. In A. Cuoco (Ed.), The roles of representation in school mathematics (pp. 1-23). Reston, VA: NCTM. Kaldrimidou, M., & Ikonomou, A. (1998). Epistemological and metacognitive factors involved in the learning of mathematics: The case of graphic representations of functions. In H. Stenbring, M. B. Bussi & A. Sierpinska (Eds.), Language and communication in the mathematics classroom (pp ): Reston, VA: NCTM. NCTM (2007). Princípios e normas para a matemática escolar. Lisboa: APM. Presmeg, N. (1986). Visualization in high school mathematics. For the Learning of Mathematics, 6(3), Silva, J., Fonseca, G., Martins, A., Fonseca, C., & Lopes, I. (2001). Matemática A: Programa 10.º ano. Lisboa: Ministério da Educação.
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