ANESTESIOLOGIA Journal of the Portuguese Society of Anesthesiology
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1 Vol. 22 nº ISSN Revista da Sociedade Portuguesa de ANESTESIOLOGIA Journal of the Portuguese Society of Anesthesiology Órgão Oficial da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia
2 2 Rev Soc Port Anestesiol Vol nº4 2013
3 Revista da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia Vol 22 - Nº 4 Sumário // ContentS FICHA TÉCNICA EDITOR CHEFE // Editor-in-Chief António Augusto Martins - Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra EDITORES ASSOCIADOS // Associate Editors Isabel Aragão - Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto Lucindo Ormonde - Centro Hospitalar Lisboa Norte Rosário Orfão - Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra CONSELHO EDITORIAL // EDITORIAL BOARD Daniela Figueiredo - Centro Hospitalar do Porto Fernando Abelha Centro Hospitalar S. João, Porto Hugo Vilela -Centro Hospitalar Lisboa Norte Joana Carvalhas Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Jorge Reis - Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia - Espinho Jorge Tavares Faculdade de Medicina da Universidade do Porto José Luís Ferreira Centro Hospitalar Lisboa Central Luís Agualusa Unidade Local de Saúde de Matosinhos Paulo Sá Hospital Amadora Sintra, CVP e Clínica de Santo António, Lisboa Pedro Amorim Centro Hospitalar do Porto Rui Araújo - Unidade Local de Saúde de Matosinhos Sílvia Neves - Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra DIREÇÃO DA SPA // SPA Board Presidente // President Lucindo Palminha do Couto Ormonde Vice - Presidente // Vice - President Isabel Maria Marques de Aragão Fesh Secretário // Secretary Maria do Rosário Lopes Garcia Matos Orfão Tesoureiro // Treasurer Maria de Fátima da Silva Dias Costa Gonçalves Vogal // Member of the Board Rui Nuno Machado Guimarães SPA // SPA Address Centro de Escritórios do Campo Grande Av. do Brasil, nº 1, 5º andar, sala Lisboa tel.: (+351) spa@spanestesiologia.pt Propriedade e Administração da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia // Portuguese Society of Anesthesiology Ownership and Management Editorial // António Augusto Martins Artigo de Revisão // Review Monitorização Cerebral em Anestesia de Cirurgia da Artéria Carótida Controvérsias // Cerebral Monitoring in Anesthesia of Carotid Artery Surgery - Controversies Maria da Graça Afonso Artigo de Revisão // Review Ecocardiografia Transesofágica e Cirurgia Vascular // Transesophageal Echocardiography and Vascular Surgery Célia Duarte Artigo de Revisão // Review Estimulação Cerebral Profunda no Controlo da Dor // TDeep Brain Stimulation to Control Pain David Nora, Ana Isabel André, Fernanda Palma Mira, Cristina Ferreira ISSN Depósito Legal // Legal Deposit nº:65830/93 Preço Avulso // Individual Copy 7,5 / Número // Number Assinatura // Subscription Rates: 4 edições // 4 copies / 30 Distribuição: Gratuita aos Sócios da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia // Distribution: Without Charge for Membership of Portuguese Society of Anesthesiology Tiragem // Printed Copies: 2500 Periocidade: Trimestral (mar, jun, set, dez) // Frequency : Quarterly (Mar, Jun, Sep, Dec) Design, Concepção Gráfica e Paginação // Graphic Design, Paging and Printing: Letra Zen Comunicação isabelteixeira@letrazen.com (+351) Impresso em papel ácido livre // Printed on acid-free paper. Perspetiva // Perspective As Plantas na História da Dor // The Plants in the Pain History Joaquim J. Figueiredo Lima 126 Rev Soc Port Anestesiol Vol nº
4 Editorial Caros colegas, António Augusto Martins Editor da Revista da SPA No número anterior da Revista da SPA fiz referência ao processo de integração da Revista da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia (RSPA) no Serviço de Alojamento de Revistas Científicas Institucionais do Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP). Neste momento, está atribuído o endereço eletrônico nesta plataforma. A página está em desenvolvimento. Cremos que a sua funcionalidade plena esteja para breve e nela estarão incluídas todas as instruções indispensáveis para a submissão de manuscritos. Estas normas irão, igualmente, estar disponíveis em língua inglesa. Existirá, necessariamente, um período de transição entre as duas formas de submissão, mas os ganhos futuros em organização vão ser evidentes. A própria conceção da revista sofre alteração significativa pela exposição a públicos mais vastos e por uma interatividade acrescida com os seus conteúdos. Este número fecha o ano de Reunimos um conjunto de textos sobre aspetos da monitorização cerebral e ecocardiografia transesofágica para cirurgia vascular; técnicas de estimulação cerebral profunda na terapêutica da dor e sobre a utilização das plantas ao longo da história da Medicina e das civilizações e as suas interferências com a Anestesiologia e os procedimentos cirúrgicos. A nossa publicação não é imune às dificuldades económicas e sociais sentidas por todos. Por este motivo, condicionámos a expedição e distribuição do Nº 3 e 4 em um único porte postal. Agradecemos a Vossa compreensão para este facto. Mantendo a esperança, desejo um bom Ano de 2014 a todos os colegas e leitores da nossa revista. Abraço, António Augusto Martins Editor da Revista da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia 104 Rev Soc Port Anestesiol Vol nº4 2013
5 Artigo de Revisão // Review Monitorização Cerebral em Anestesia de Cirurgia da Artéria Carótida Controvérsias Maria da Graça Afonso 1 Palavras-chave: - Anestesia; - Fluxo Sanguíneo Cerebral: - Monitorização Cerebral; - Doenças das Artérias Carótidas/ cirurgia Resumo A cirurgia da carótida condiciona alterações da perfusão sanguínea cerebral no intra e no pós-operatório monitorizadas de várias formas: sinais clínicos, electroencefalografia, potenciais evocados sensitivos, Doppler transcraniano, medição do fluxo sanguíneo cerebral, pressão arterial de retorno carotídea (stump pressure) e oximetria cerebral. Todos estes métodos têm vantagens e limitações, pelo que a sua escolha continua a ser controversa. Cerebral Monitoring in Anesthesia of Carotid Artery Surgery - Controversies Maria da Graça Afonso 1 Keywords: - Anesthesia; - Cerebrovascular Circulation; - Cerebral Monitoring; - Carotid Artery Diseases/surgery Abstract Carotid surgery cause profound changes on the brain blood flow, during and after surgery. Cerebral perfusion may be evaluated by several methods: clinical signals in the awake patient; electroencephalogram; somatosensory evoked potencial; transcranial Doppler ultrasonography; xenon blood flow; stump pressure; cerebral oximetry. A revision is made of the available methods of cerebral monitoring with their advantages and limits. 1 Chefe de Serviço de Anestesia do S. João - Porto, Portugal Indicação de Endarterectomia Carotídea (EC) Estudos de larga escala mostraram que a EC melhora o prognóstico de doentes sintomáticos com estenose carotídea superior a 70 % comparado com o melhor tratamento médico. 1,2 Subsequentemente foi demonstrado que a EC melhora o prognóstico nos doentes assintomáticos com estenose superior a 60 %, embora a redução absoluta de risco seja menor que nos doentes sintomáticos. 3 Os grandes benefícios são ganhos se a EC for feita dentro de duas semanas dos últimos sintomas e, se possível, dentro das 48 h da ocorrência de sintomas neurológicos. 4 Apesar de todas as tentativas de tornar o procedimento mais seguro, a taxa de mortalidade perioperatória por evento neurológico (stroke) e enfarte de miocárdio ainda se aproxima de 5 %. 5 Mecanismos de lesão cerebral durante a endarterectomia carotídea Reduzindo o fluxo sanguíneo cerebral regional ou global abaixo de 7 a 10 ml/100 g/min surge uma cascata de acontecimentos que se não for corrigido levará a morte cerebral. Diminuindo o fornecimento de O 2 para níveis que são inadequados para satisfazer a fosforilação oxidativa, resultará numa descida do ATP intracelular e acumulação intracelular de lactato. Privados dos seus fornecedores de energia os neurónios tornam-se incapazes de manter o gradiente iónico transmembrana normal resultando um influxo de Na+ extracelular e água e um efluxo de K+. Surge despolarização celular com libertação de grandes quantidades de neurotransmissores excitatórios (glutamato e aspartato). Estes neurotransmissores excitatórios Rev Soc Port Anestesiol Vol nº
6 Monitorização Cerebral em Anestesia de Cirurgia da Artéria Carótida Controvérsias activam os complexos receptores de membrana NMDA e AMPA e abrem os canais de cálcio. O influxo de iões Ca++ activa a fosfolipase A2 causando peroxidação lipídica e formação de radicais livres citotóxicos. 6-9 Durante a EC a redução do fluxo sanguíneo cerebral regional pode ocorrer por: embolia (placa de ateroma, ar, trombo, fragmento da camada íntima) deslocada durante a manipulação carotídea ou formada como resultado do processo; perfusão inadequada a seguir à clampagem carotídea; oclusão no local da arteriotomia devido a formação de trombo pós-operatório ou dissecção da íntima. Da revisão de várias séries de doentes e da caracterização do acidente isquémico em embólico e hemodinâmico (défice de fluxo) concluiu-se que a maioria dos acidentes isquémicos perioperatórios são técnicos (êmbolos libertados durante a manipulação carotídea ou na clampagem, ou complicações associadas com a arteriotomia tais como embolia gasosa, de trombo ou fragmento de íntima). Só uma minoria de lesões neurológicas perioperatórias são puramente de origem hemodinâmica Perante a evidência de um episódio de isquemia cerebral, a intervenção primária é a inserção de uma ponte provisória capaz de melhorar o fluxo distal ao clampe. Este aumento de fluxo sanguíneo pode ser documentado por aumento da velocidade na artéria cerebral média (vacm) por Doppler Transcraniano. 9,11-13 Por outro lado, a desclampagem carotídea pode estar associada a síndrome de hiperperfusão ou a síndrome de reperfusão associadas com o aumento de fluxo sanguíneo e à repercussão na autorregulação cerebral. Estas alterações juntamente com outras alterações hemodinâmicas podem ser documentadas pelas alterações de fluxo na artéria cerebral média por Doppler Transcraniano. Podem ter uma duração variável no pós-operatório. 9,11-13 Monitorização da perfusão cerebral Em alguns centros a perfusão cerebral não é monitorizada. Há autores que defendem que nem a monitorização intraoperatória nem o uso de pontes provisórias são necessárias para evitar a isquemia intraoperatória. 13,14 Baseiam esta recomendação no fato de a causa usual da isquemia ser um êmbolo, a não fiabilidade das diferentes técnicas de monitorização e os riscos associados com o uso de pontes provisórias. Defendem que a anestesia geral juntamente com períodos de oclusão relativamente curtos são suficientes para impedir lesão celular irreversível durante períodos de fluxo sanguíneo cerebral reduzido durante a clampagem carotídea, como é evidenciado pelos bons resultados referidos pelos autores que evitam as pontes. Outros autores também consideram a monitorização intraoperatória da perfusão cerebral desnecessária mas recomendam o uso por rotina de pontes provisórias durante a clampagem carotídea. Baseiam a sua recomendação no facto de que as pontes fornecem fluxo na artéria carótida interna constante durante a cirurgia, permitem uma cirurgia não apressada em caso de lesões complicadas e permitem o ensino de novos cirurgiões. 9,13,15-18 Muitos centros usam alguns meios de monitorização da perfusão cerebral durante a EC, e, seletivamente, usam pontes durante a clampagem carotídea se surgirem sinais de perfusão inadequada. 9,11,13,19-22 Monitorização com o doente acordado O doente acordado permite a melhor forma de monitorização cerebral durante a EC. 23,34 A técnica anestésica utilizada será o bloqueio do plexo cervical, a infiltração local e muito menos frequente o bloqueio epidural cervical. A função cerebral é monitorizada por avaliações repetidas do nível de consciência do doente, discurso e força muscular contralateral. Um doente colaborante fornece um meio de monitorização neurológica de tolerância à clampagem carotídea altamente sensível e específico e deteta complicações embólicas sintomáticas intraoperatórias. A evidência de deterioração neurológica permite intervir geralmente com inserção de uma ponte, elevação da pressão arterial sistémica ou indução de anestesia geral. Todos os estudos randomizados de anestesia geral versus regional para EC mostraram uma menor incidência de uso de ponte provisória (shunt), com técnicas de anestesia regional. 14 Apesar das vantagens óbvias associadas com monitorização da função neurológica num doente acordado, na clínica não foi demonstrada uma vantagem clara em termos de prognóstico neurológico associado com o uso de anestesia regional comparada com o uso de anestesia geral. Tem como inconvenientes o facto de a sedação diminuir a especificidade da avaliação neurológica (a diminuição de consciência pode dever-se ao efeito farmacológico e / ou por isquemia); em caso de AVC durante a EC a lesão pode aumentar por pior controlo da ventilação e por falta de medidas de proteção cerebral. 9,11,15-17,20,24-26 Eletroencefalografia A popularidade da anestesia geral para EC estimulou intenso interesse na avaliação de outras técnicas de monitorização que possam ser utilizadas durante a anestesia para identificar doentes em risco de lesão neurológica. O Eletroencefalograma (EEG) reflete a atividade eléctrica espontânea dos neurónios piramidais corticais surgindo de potenciais pós-sinápticos excitatórios e inibitórios. As interacções complexas entre grupos de neurónios corticais e com células talâmicas resultam em potenciais rítmicos que podem ser gravados usando elétrodos cranianos. 106 Rev Soc Port Anestesiol Vol nº4 2013
7 Monitorização Cerebral em Anestesia de Cirurgia da Artéria Carótida Controvérsias O EEG pode ser alterado por um grande número de perturbações fisiológicas incluindo a temperatura, a PaCO 2, a hipoxemia e alterações electrolíticas. Os fármacos anestésicos também afectam a morfologia do EEG dependendo dos fármacos utilizados e da profundidade anestésica atingida. Os efeitos no EEG de muitos fármacos anestésicos frequentemente empregues estão bem caracterizados. A interpretação contínua do EEG convencional é feita com aparelhagem mais disponível, necessita de pessoal técnico especializado e permite o estabelecimento de protocolos de monitorização e interpretação. O EEG microprocessado é de mais fácil interpretação. É feita análise espectral de potência microprocessada. Desde que a gravação do EEG seja feita durante condições fisiológicas e anestésicas estáveis, o EEG é altamente sensível a alterações no Fluxo Sanguíneo Cerebral (FSC). À medida que o FSC desce abaixo de um limiar as alterações no EEG manifestam-se e progridem num padrão bastante constante de redução média na quantidade de actividade de alta frequência e o aparecimento proeminente de ondas lentas até ao completo desaparecimento da actividade eléctrica. O nível de FSC abaixo do qual as alterações no EEG se tornam aparentes tem sido denominado FSC crítico, partindo do princípio de que as alterações no EEG observadas refletem disfunção neuronal devida a isquemia. O FSC crítico está dependente do agente anestésico usado, e em comparações retrospectivas tem sido bem caracterizado para o halotano (17-18 ml/100 g/min), para o enflurano (15 ml/100 g/min) e para o isoflurano (10 ml/100 g/min). Padrões anormais de EEG associados com EC têm sido bem definidos embora o significado destas alterações permaneça motivo de controvérsia. O EEG é considerado um monitor sensível às reduções críticas no FSC; como indicador de prognóstico neurológico a sua especificidade permanece suspeita porque muitos doentes que são identificados como sendo de alto risco não têm um prognóstico adverso. Embora a monitorização por EEG seja usada em muitos centros para identificar doentes de alto risco, dados conflituosos continuam a manter a questão acerca da sua fiabilidade para identificar os que requerem intervenção dado que a ponte provisória também está associada a um risco substancial. 11,19,27 Foram estudados doentes submetidos a EC sob bloqueio do plexo cervical e com monitorização por EEG, em 39 este permaneceu normal mas o estado clínico dos doentes mostrou isquemia cerebral óbvia. Isto foi explicado pelo facto de o EEG mostrar lesões à superfície e não revelar isquemia em regiões mais profundas do cérebro; em 52 doentes o EEG mostrou isquemia mas o estado clínico dos doentes não se alterou. Isto pode dever-se ao facto de que o limiar para insuficiência celular eléctrica é menor do que para insuficiência metabólica. 9 Potenciais evocados sensitivos São potenciais eléctricos gerados por neurónios espinais e corticais sensitivos em resposta a estimulação sensitiva: um nervo sensitivo periférico no caso de potenciais evocados somatossensitivos, o nervo auditivo para potenciais evocados auditivos (AEP) ou a retina para potenciais evocados visuais (VEP). Porque as regiões do cérebro em risco primário durante a EC residem na distribuição carotídea, os potenciais evocados somatossensitivos representam a técnica de monitorização preferida de potenciais evocados. Os potenciais evocados têm pequena amplitude (1 a 3 μv); para gerar a onda de potencial evocada é feita a média de sinais de estimulação repetitiva (100 a 500 repetições ou mais) permitindo excluir sinais de EEG de base. Estudos comparando a monitorização dos potenciais evocados somatossensitivos com resultados de EEG produziram resultados conflituosos. A monitorização de potenciais evocados somatossensitivos representa uma monitorização sensível e razoavelmente específica do estado neurológico durante a EC; contudo comparando com o EEG não oferece melhoria substancial na fiabilidade e os padrões de monitorização e interpretação estão menos bem estabelecidos. Com base nisto parece pouco provável que os potenciais evocados somatossensitivos suplantem a popularidade do EEG como monitor da função cerebral durante a EC. 9,10,15-17,26,28 Doppler Transcraniano Ultrassonografia Doppler tem sido muito utilizada para medição não invasiva da velocidade de fluxo sanguíneo no coração e árvore vascular extracraniana. Em 1982 foi descrito o uso de ecografia Doppler para medir a velocidade do fluxo sanguíneo nas artérias cerebrais basais. Desde então esta técnica tem sido utilizada para avaliar vasospasmo cerebral a seguir a hemorragia subaracnoideia (HSA), diagnóstico de estenose da artéria cerebral, medição de reactividade cerebrovascular, determinação de morte cerebral, detecção de embolia cerebral, avaliação de fluxo sanguíneo cerebral intraoperatório. O Doppler baseia-se no princípio de que quando um som ultrassónico é refletido de um objecto móvel, o comprimento de onda do som refletido mudará. A velocidade do objecto pode ser derivada da diferença na frequência entre o som emitido e o refletido (desvio de frequência). No caso das células sanguíneas em fluxo através de uma artéria o som ultrassónico é refletido num espectro de frequências, pois as células sanguíneas numa secção transversal do vaso sanguíneo movem-se a diferentes velocidades. Rev Soc Port Anestesiol Vol nº
8 Monitorização Cerebral em Anestesia de Cirurgia da Artéria Carótida Controvérsias A análise do espectro de frequências dos sons refletidos permite o cálculo das velocidades dos fluxos sanguíneos sistólico e diastólico. O Doppler transcraneano (TCD) é geralmente feito através da janela temporal, onde o crânio é relativamente fino, mas pode ser feito usando outras abordagens: transorbital, suboccipital e submandibular. Usando a abordagem transtemporal a velocidade do fluxo pode ser medida na artéria cerebral média, no sifão carotídeo, e na artéria comunicante anterior. Algumas vantagens do TCD incluem o facto de ser portátil, não invasivo, técnica que não envolve exposição a radioactividade e fornecer monitorização contínua. Como desvantagens tem: incapacidade de assegurar uma janela transtemporal adequada num número significativo de doentes (10-15 %); perda de sinal devido a deslocamento do sensor; o facto de usar velocidade do fluxo sanguíneo como um índice de fluxo sanguíneo, requer várias premissas que podem nem sempre ser aplicáveis na prática clínica. Usando o TCD para calcular o fluxo sanguíneo parte-se do princípio de que a área de secção transversal de um vaso e a viscosidade do sangue fluindo através do vaso, permanecem constantes, pois ambos alterarão a relação entre velocidade de fluxo e fluxo absoluto. Tentativas de ultrapassar estas questões tais como calcular o índice de pulsatilidade como reflexo da resistência cerebrovascular permanecem controversas. Durante a EC, alterações na velocidade são geralmente consideradas refletirem alterações similares no fluxo sanguíneo, desde que a PaCO 2 arterial permaneça constante. Comparando a velocidade média de fluxo sanguíneo na artéria cerebral média, o fluxo sanguíneo cerebral regional e o EEG em 31 doentes submetidos a EC, foi referido que a velocidade média do fluxo se correlacionava muito mal com o fluxo sanguíneo cerebral regional se este for maior do que 20 ml/100 g/min; contudo a correlação entre estas técnicas era boa com valores de FSC regional abaixo daquele valor. 29 Medições baixas de pressão de retorno e assimetria no EEG ipsilateral têm sido referidas como correlacionando-se bem com a redução na velocidade média de fluxo na artéria cerebral média. O TCD tem considerável potencial como monitor de fluxo sanguíneo cerebral durante a EC. Considerável controvérsia continua relativamente a várias questões técnicas tais como a relação entre FSC absoluto e velocidade de fluxo sob várias condições clínicas e se a previsão do FSC derivado da monitorização da velocidade do fluxo nos grandes vasos cerebrais se correlaciona com perfusão a um nível regional microvascular. O conhecimento actual sugere que o EEG é um melhor monitor de disfunção neuronal no córtex cerebral; contudo a avaliação da circulação cerebral de forma não invasiva usando o TCD pode fazer desta técnica um adjunto útil à monitorização por EEG. Ao contrário da controvérsia que existe em relação ao uso do TCD como monitor do FSC durante a EC, o TCD é um método sensível para detetar embolia cerebral que pode acompanhar a manipulação carotídea, clampagem e inserção da ponte provisória. Vários estudos prospectivos demonstraram que o número de êmbolos detetados durante a dissecção carotídea se correlaciona com o risco de prognóstico neurológico adverso e com evidência radiológica de lesão cerebral. O TCD tem sido usado para detetar mau funcionamento da ponte provisória durante a EC. 9,13,17,20,29 Medição do fluxo sanguíneo cerebral por eliminação de xénon A medição do FSC durante a EC é feita via injecção intracarotídea de um gás inerte radioactivo xénon-133 (133Xe). Contadores de cintilação aplicados à volta da cabeça medem a actividade gamma regional do 133Xe ao longo do tempo, a partir do qual é calculado o FSC (medição gamagráfica da eliminação de xénon). É uma monitorização não contínua com medição só antes e depois da clampagem carotídea. Estas medições com 133Xe são caras e requerem suporte técnico especializado; assim o uso desta técnica tem sido limitado a poucos centros. Correlacionando as reduções no FSC com a evidência de alterações isquémicas no EEG foi referido que um FSC menor do que 15 ml/100 g/min é um indicador altamente sensível de isquemia cerebral e é recomendado o uso de ponte provisória carotídea em resposta a um fluxo pós oclusão de menos de 25 ml/100 g/min. Estudos prospectivos usando o prognóstico neurológico para avaliação da eficácia da determinação do FSC não demonstraram esta correlação. Estes resultados sugerem que a medição do FSC como a monitorização por EEG são um indicador altamente sensível de isquemia, mas falta-lhes especificidade para identificar o subgrupo de doentes que desenvolverá lesão neurológica em resposta a uma redução crítica na perfusão cerebral. 6,9,10,20 Pressão de retorno carotídea (stump pressure) Representa a pressão média medida na porção da artéria carótida imediatamente distal à clampagem da carótida comum, avaliada a seguir à clampagem da carótida comum e carótida externa. Representa a pressão retrógrada transmitida ao longo da artéria carótida e reflete a adequação da circulação colateral durante a oclusão carotídea. Durante a EC feita sob bloqueio do plexo cervical medições de pressão de retorno inferiores a 25 mmhg foram referidas como correlacionadas com intolerância à clam- 108 Rev Soc Port Anestesiol Vol nº4 2013
9 Monitorização Cerebral em Anestesia de Cirurgia da Artéria Carótida Controvérsias pagem e uma pressão de retorno de 25 mmhg era referida como o limiar de adequada perfusão cerebral. Permanece popular em alguns centros como técnica combinada, por exemplo, com EEG. Em alguns estudos como indicador de prognóstico mostrou-se tão sensível como o EEG. A pressão de retorno mínima aceitável que indicaria fluxo sanguíneo colateral adequado para o hemisfério cerebral ipsilateral durante a clampagem carotídea, é referida com valores de 25 a 70 mmhg. Esta técnica é simples mas a sua fiabilidade em determinar a adequação do fluxo sanguíneo colateral tem sido posta em causa. Isto pode ser explicado pelo facto de que a pressão nem sempre se correlaciona com fluxo. Por outro lado, porque a pressão de retorno reflete a média do fluxo sanguíneo para o hemisfério cerebral na totalidade, pode ser incapaz de detetar áreas focais de perfusão comprometida. 9,11,15-17,20 Oximetria cerebral Oximetria cerebral por espectroscopia óptica infravermelha É uma monitorização não invasiva, contínua, fácil de realizar e de interpretar. Usa espectrometria infravermelha para calcular a saturação da oxihemoglobina cerebral. Mede a oxigenação arterial, venosa e capilar produzindo um valor de oxigenação cerebral regional (rso 2 ). Tem elevado valor preditivo negativo para isquemia cerebral, tem interferências com fluxo sanguíneo não cerebral e com a luz e não pode identificar êmbolos. 13,30 Em contraste com a oximetria de pulso que usa as alterações pulsáteis na densidade óptica para medir a saturação oxigénio arterial, os oxímetros cerebrais emitem luz continuamente e medem a saturação de oxigénio arterial, venosa e capilar da hemoglobina no córtex cerebral superficial. Porque 75 % do volume sanguíneo cortical é venoso, a oximetria cerebral reflete predominantemente a saturação venosa da hemoglobina. Estudos preliminares em animais com hipoxemia severa demonstram que a saturação venosa cortical diminui antes de produzir alterações no EEG. Há ainda poucos estudos clínicos que validem a oximetria cerebral como indicador de prognóstico neurológico adverso durante a EC. 9,20 Saturação venosa jugular de O 2 (SvjO 2 ) A SvjO 2 é medida por oximetria fibro-óptica por meio de um cateter de fibra óptica no bolbo da veia jugular interna ipsilateral. Tem um bom índice de relação entre o FSC total e o consumo de O 2 cerebral total. A taxa metabólica cerebral para O 2 (CMRO 2 ) é o produto do FSC pela diferença de conteúdo arteriovenoso cerebral de O 2 (A-V DO 2 ). A CMRO 2 reflete o balanço entre a necessidade e o fornecimento de O 2. A-VDO 2 = CMRO 2 / FSC A-VDO 2 = CaO 2 CvjO 2 = Hgb x 1,39 (SaO 2 SvjO 2 ), ignorando a quantidade de O 2 dissolvido. Porque em muitas circunstâncias a SaO 2 é igual a 100, e se a hemoglobina for constante então a A-VDO ~ 2 = 100 SvjO 2 Desde que a Hgb permaneça constante e a temperatura se mantenha dentro de certos limites, uma alteração na A-VDO 2 resultará numa alteração correspondente na SvjO 2 em direcção oposta. De forma similar à oximetria venosa mista que reflete um balanço entre o consumo de O 2 sistémico e o débito cardíaco, a SvjO 2 reflete o balanço entre o consumo de O 2 cerebral e o FSC. Quando o aporte de O 2 é maior do que a necessidade de O 2, como na hiperemia a A-VDO 2 diminuirá e a SvjO 2 aumentará; durante períodos de isquemia cerebral global, mais O 2 será extraído do sangue e a A-VDO 2 aumentará e a SvjO 2 diminuirá. Quando a CMRO 2 e o FSC são normais a A-VDO 2 é de cerca de 2,8 μmol/ml ou 6,3 vol % de O 2 (varia entre 2,2 a 3,3 μmol/ml ou 5 a 7,5 vol %) e a SvjO 2 fica entre 60 % e 75 %. A fiabilidade do valor da SvjO 2 depende da correta colocação do cateter a nível do bolbo jugular e da velocidade da colheita da amostra que deve ser de 2 ml/min para não exercer excessiva pressão negativa. Com a oximetria contínua a fiabilidade está dependente da intensidade da luz refletida e da calibração do cateter. Não tem sensibilidade para detecção de isquemia cerebral focal. 31 Hoje sabe-se que podem ocorrer alterações importantes no FSC sem que se detetem alterações na SvjO 2. Não parece ser útil na EC. 31 Tensão de oxigénio conjuntival - PcjO 2 usando um elétrodo de Clark miniatura A técnica é similar à medição da tensão de oxigénio transcutâneo que é usada em neonatalogia. Durante a EC a PcjO 2 refletirá o fornecimento de oxigénio cerebral pois o fornecimento sanguíneo da conjuntiva é originado de ramos da artéria carótida interna. Comparada com a técnica transcutânea a ausência de camada queratinizada a cobrir a conjuntiva elimina a necessidade de um sensor aquecido e assim elimina o artefacto induzido pelo aquecimento tecidular durante a medição da PcjO 2. Durante a EC, uma descida na PcjO 2 acompanha a clampagem carotídea; contudo as medições da PcjO 2 têm grande variabilidade interindividual e correlaciona-se mal com a saturação venosa jugular de oxihemoglobina e com a pressão de retorno. Rev Soc Port Anestesiol Vol nº
10 Monitorização Cerebral em Anestesia de Cirurgia da Artéria Carótida Controvérsias Não há ainda dados que definam a fiabilidade da PcjO 2 comparada com outros monitores neurológicos ou como indicador de prognóstico neurológico. O seu papel como monitor durante a EC mantém-se inadequadamente definido. 9,11 Monitorização e prognóstico O uso de técnicas de monitorização neurológica durante a EC é baseado em duas premissas: 1. O monitor é capaz de identificar de forma fiável doentes em risco de desenvolver lesão neurológica intraoperatória. 2. Depois da identificação poderiam pôr-se em curso intervenções de modo a impedir lesão neurológica irreversível, melhorando assim o prognóstico. Apesar do grande interesse, ambas as premissas continuam controversas. 9,11,20 Embora o uso de alguma forma de monitorização neurológica seja popular durante a EC, a obtenção dos dados convincentes de que os monitores disponíveis possam de forma fiável identificar doentes que venham a ter prognóstico adverso é controverso e confundido por vários fatores. Primeiro, como foi referido, a maioria das lesões neurológicas intraoperatórias são de natureza trombótica ou embólica. Estes acontecimentos não respondem a intervenções correntemente disponíveis. Segundo, a identificação de um acontecimento clínico que é provável de produzir lesão neurológica que possa ser modificada por uma intervenção disponível poderá alterar o prognóstico. Por enquanto nenhuma intervenção efetiva ou forma de protecção cerebral está disponível. No caso da EC a intervenção, mais frequentemente empregue, é a colocação de uma ponte provisória, um processo que se acompanha de um risco substancial independente de lesão neurológica devido a mau funcionamento ou complicações embólicas. Para minimizar a exposição a complicações relacionadas com pontes provisórias, muitos cirurgiões advogam a colocação destas seletivamente baseados na evidência de intolerância à clampagem monitorizada; contudo a utilização da ponte provisória de forma seletiva requer um monitor neurológico que não seja só altamente sensível (isto é, identifique de forma fiável doentes que sofrerão uma lesão neurológica se alguma intervenção não for iniciada), mas também altamente específico (isto é de forma fiável exclua doentes que não estejam em risco). Vários monitores neurológicos, particularmente EEG e FSC, têm-se mostrado indicadores sensíveis de diminuição crítica na perfusão cerebral; contudo, a especificidade destes monitores permanece controversa. Como resultado, estudos referindo experiência com ponte provisória carotídea durante EC falham em demonstrar prognóstico neurológico superior. Terceiro, durante a EC a perfusão cerebral regional é muitas vezes reduzida mas raramente completamente abolida. Se o tecido neural é capaz de tolerar uma redução na perfusão, depende da gravidade e duração da redução bem como da taxa metabólica do tecido em risco. Uma combinação não tolerável de todos os três fatores é necessária para a lesão neurológica ocorrer. Um monitor neurológico com elevada sensibilidade precisa de identificar só uma destas condições para de forma fiável prever doentes de alto risco. Os monitores correntes identificam de forma fiável reduções críticas na perfusão cerebral. Em contraste, alta especificidade (isto é identificação fiável de condições de alto risco que progredirão para lesão) requerem um monitor que seja capaz de avaliar a combinação dos três fatores. Os monitores disponíveis têm baixa especificidade; embora sejam indicadores fiáveis de risco, são indicadores imprecisos de prognóstico. 9 Avanços no papel da monitorização neurológica durante a EC requer evidência definitiva de que o uso destas técnicas se traduz numa melhoria da morbilidade neurológica. 9,13,20,32 Conclusão Uma grande variedade de monitores neurológicos têm sido usados durante a EC. O EEG é usado muito frequentemente. A sua sensibilidade em detetar isquemia cerebral tem o suporte de enorme experiência clínica. As medições do FSC usando 133Xe são altamente sensíveis mas a tecnologia é cara e a necessidade de equipa especializada impede o seu uso em muitos centros. A monitorização com potenciais evocados mostra-se promissora, mas a experiência clínica com a técnica é inadequada e não parece oferecer uma vantagem distinta comparada com o EEG. A fiabilidade do TCD não está também provada e a experiência com a técnica durante a EC é limitada. Contudo a capacidade única do TCD detetar e quantificar êmbolos pode provar-se útil especialmente quando usado em conjunção com outra modalidade. Adicionalmente o TCD pode ser usado para avaliar a ponte provisória e a permeabilidade da carótida no período perioperatório. Embora a pressão de retorno carotídea seja simples de executar e largamente usada, não há consenso em relação ao valor que fiavelmente faça previsão de isquemia cerebral. Apesar do grande interesse, não há ainda dados que convictamente demonstrem que a monitorização neurológica durante a EC melhore substancialmente o prognóstico. 110 Rev Soc Port Anestesiol Vol nº4 2013
11 Monitorização Cerebral em Anestesia de Cirurgia da Artéria Carótida Controvérsias As intervenções referidas em resposta à evidência de isquemia cerebral, particularmente a ponte provisória carotídea, continuam a transportar um risco de lesão neurológica significativo independente; à tecnologia de monitorização corrente continua a faltar precisão suficiente para de forma fiável prever os doentes que mais provavelmente beneficiarão das intervenções disponíveis. O futuro da monitorização neurológica durante a EC depende de avanços futuros. O desenvolvimento de uma intervenção segura e altamente eficaz, meios de protecção cerebral, ou melhoria na técnica cirúrgica que possa ser aplicada a um grande segmento da população em risco, negará a necessidade de desenvolvimento de mais monitores específicos. Pelo contrário, o progresso no sentido de melhorar a especificidade através do desenvolvimento de novas tecnologias, combinações de técnicas existentes ou critérios de interpretação mais precisos melhorarão a relação risco/beneficio associado com intervenções correntemente disponíveis. Referências 1. European Carotid Surgery Trialists Collaborative Group. Randomized trial of endarterectomy for recently symptomatic carotid stenosis: final results of the MRC European Carotid Surgery Trial (ECST). Lancet. 1998; 351: North American Symptomatic Carotid Endarterectomy Trial Collaborators. Beneficial effect of carotid endarterectomy in symptomatic patients with high-grade carotid stenosis. N Engl J Med. 1991; 325: MRC Asymptomatic Carotid Surgery Trial (ACST) Collaborative Group. Prevention of disabling and fatal strokes by successful carotid endarterectomy in patients without recent neurological symptoms: randomised controlled trial. Lancet. 2004; 363: NICE Clinical Guideline 68. Stroke: Diagnosis and Initial Management [consultado em out 2013]. Disponível em: www. nice.org.uk/cg68 5. Lewis SC, Warlow CP, Bodenham AR, Colam B, Rothwell PM, Torgerson D, et al. General anaesthesia versus local anaesthesia for carotid surgery (GALA): a multicentre, randomised controlled trial. Lancet. 2008; 372: Werner C, Kochs E, Hoffman WE. Cerebral blood flow and metabolism. In: Maurice SA, editor. Textbook of Neuroanesthesia. New York: McGraw-Hill Companies; p Boop BS, Sherman DG. Cerebrovascular disease. In: Maurice SA. editor. Textbook of Neuroanesthesia. New York: McGraw-Hill Companies; p Joseph M, Messick Jr, Thoralf M, Sundt Jr. Ischemia cerebral and vascular disease. In: Cucchiara RF, editor. Clinical Neuroanesthesia. Philadelphia: Churchill Livingstone; p Drader KS, Herrick IA. Carotid endarterectomy: monitoring and its effect on outcome. Anesthesiol Clin N Am.1997; 15: Fitch W. Cerebral blood flow: physiological principles and methods of measurement. 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12 Artigo de Revisão // Review Ecocardiografia Transesofágica e Cirurgia Vascular Célia Duarte 1 Palavras-chave: - Aorta/cirurgia; - Ecocardiografia Transesofágica; - Procedimentos Cirúrgicos Vasculares Resumo Segundo as guidelines atuais, o ecocardiograma transesofágico está indicado na cirurgia vascular major. O objetivo deste trabalho é determinar qual é o impacto do ecocardiograma transesofágico no diagnóstico de patologias da aorta susceptíveis de correção cirúrgica, na orientação da abordagem anestésica e cirúrgica e na monitorização destes pacientes no pós-operatório. Para o efeito, os seguintes itens foram estudados: impacto clínico geral do ecocardiograma transesofágico na cirurgia não cardíaca, ecocardiograma transesofágico no peri-operatório de aneurismas e disseções da aorta, da cirurgia endovascular da aorta, de lesões traumáticas da aorta, do tromboembolismo e de tumores da veia cava inferior. Transesophageal Echocardiography and Vascular Surgery Célia Duarte 1 Keywords: - Aorta/surgery; - Echocardiography, Transesophageal; - Vascular Surgical Procedures Summary According to the present guidelines, transesophageal echocardiography is indicated in major vascular surgery. The goal of this work is to know transesophageal echocardiography impact in the diagnosis of surgical aorta pathology, in the guidance of anesthetic and surgical management and postoperative monitoring, for what were studied the following items: global clinical impact of transesophageal echocardiography in non-cardiac surgery, transesophageal echocardiography during perioperative of aorta s aneurysms and dissections, endovascular repair of the aorta, traumatic injury of the aorta, of thromboembolic disease and vena cava cancer. ¹ Assistente Hospitalar de Anestesiologia no Centro Hospitalar de Lisboa Central, Portugal Em 1980, foram publicados os resultados da primeira utilização de uma sonda para monitorização hemodinâmica ventricular contínua no intra-operatório. 1 As primeiras guidelines para ecocardiograma transesofágico (ETE), no peri-operatório, foram publicadas em 1996 pela American Society of Anesthesiologists (ASA) e pela Society of Cardiovascular Anesthesiologists (SCA). 2 Estas guidelines recomendam a ETE no intra-operatório, sobretudo nos procedimentos de categoria I e II. 2 No que se refere à cirurgia não cardíaca, a única indicação de categoria I é o paciente com endocardite com extensão da infecção ao tecido perivalvular ou avaliação pré-operatória indefinida. 2 As indicações de categoria II são a avaliação pré-operatória de pacientes com suspeita de dissecção aguda da aorta torácica ou de aneurisma; o diagnóstico de rotura traumática da aorta torácica, no pré-operatório e na monitorização durante a sua correção cirúrgica; a identificação de fontes de embolismo aórtico; a avaliação dos locais de anastomose durante o transplante pulmonar e todas as anestesias durante as quais se prevê que haja risco aumentado de isquemia do miocárdio e/ou e risco de perturbações hemodinâmicas no intraoperatório. 2 Mais recentemente, em 2010, a European Association of Echocardiography publicou recomendações para ETE, que incluem a dissecção da aorta e o aneurisma da aorta. 3 Os aspetos a observar são aorta ascendente e descendente em longo e curto eixo, arco aórtico, válvula aórtica, relação da membrana de dissecção com os óstios coronários, derrame pericárdico e derrame pleural, locais de entrada/reentrada da dissecção e contraste espontâneo ou formação de trombo lúmen falso. 3 ETE e cirurgia não cardíaca A utilização do ETE, por rotina, no intra-operatório proporciona uma melhoria da abordagem tanto anestésica como cirúrgica, o que poderá condicionar uma melhoria do prognóstico para os pacientes. 4 A ETE no intra-operatório pode confirmar o diagnóstico pré-operatório, fornecer detalhes adicionais que podem orientar o procedimento cirúrgico e ajudar na abordagem hemodinâmica. 4 Da informação obtida por ETE, os parâmetros mais relevantes são: a função sistólica do ventrículo esquerdo (VE), 112 Rev Soc Port Anestesiol Vol nº4 2013
13 Ecocardiografia Transesofágica e Cirurgia Vascular a função diastólica e pressão telediastólica do VE, o débito cardíaco, a pressão sistólica da artéria pulmonar, a dimensão auricular, a função valvular, a deteção de massas, vegetações e trombos intracavitários, o pericárdio e a morfologia da veia cava inferior e da aorta. 5 Impacto clínico geral do ETE na cirurgia não cardíaca Os dados funcionais e hemodinâmicos mais relevantes obtidos pelo ETE na cirurgia não cardíaca são: a função sistólica global, a função diastólica, a contractilidade segmentar do miocárdio e a resposta à fluidoterapia. Hofer et al estudaram o impacto do ETE na abordagem hemodinâmica em 99 pacientes com risco de isquemia do miocárdio ou instabilidade hemodinâmica no intra-operatório de cirurgia vascular, torácica e visceral. 6 Houve alteração na terapêutica farmacológica e na fluidoterapia em 47 % e 24 % dos pacientes, respetivamente. O ETE teve um impacto significativo na terapêutica farmacológica em pacientes com alterações da contractilidade segmentar e nos pacientes com insuficiência cardíaca esquerda, conhecida no pré-operatório. Houve instituição ou alteração da terapêutica vasodilatadora em 55 % dos pacientes e da terapêutica vasopressora em 43 %. A terapêutica vasodilatadora teve sucesso nas alterações da motilidade segmentar em 13 pacientes. 6 O ETE pareceu ser particularmente importante nos pacientes com hipertensão arterial pulmonar (n=11) e insuficiência cardíaca direita (n=28), mas o número reduzido de pacientes não permite tirar uma conclusão estatisticamente significativa. 6 Suriani et al reportaram que o ETE teve impacto na tomada de decisão em 81 % dos pacientes, no intra-operatório de cirurgia não cardíaca, mas a população incluía apenas pacientes de alto risco. 7 Num outro estudo envolvendo 50 pacientes com risco elevado de isquemia do miocárdio, 29 dos quais submetidos a cirurgia vascular demonstrou-se a superioridade do ETE na deteção de isquemia do miocárdio no intra-operatório. 8 A deteção de alterações na motilidade parietal no intra-operatório, foi quatro vezes superior ao da incidência de alterações do segmento ST. 8 O ETE foi particularmente importante nos casos em que o ECG não pode ser analisado, devido a perturbações da condução ou à presença de pacemaker. O valor preditivo negativo do ETE para enfarte agudo do miocárdio (EAM) no intra-operatório foi de 100 %. 8 A detecção precoce da isquemia pode melhorar o tratamento dos eventos isquémicos e reduzir a morbimortalidade. 1,8 Segundo Mahmood et al a falta de correlação de alterações da motilidade da parede, no peri-operatório, com EAM no pós-operatório imediato, deve ser entendido como um argumento a favor do ETE, na medida em se detetarmos precocemente a isquemia, podemos corrigir as variáveis que possam estar a provocá-la e impedir a ocorrência de EAM. 1 Schmidin et al documentaram a realização de ETE em 1891 pacientes, por onze anestesiologistas, no pré e no pós- -operatório, com o objetivo de avaliar o impacto do ETE e a variabilidade interobservador na abordagem dos pacientes no intra-operatório de cirurgia vascular major e cirurgia cardíaca. 9 Em 49 % dos pacientes, o ETE forneceu informação que influenciou o tratamento. 9 Para as cirurgias vasculares major, as consequências do ETE na tomada de decisão no intra-operatório consistiram sobretudo na modificação dos fármacos e da fluidoterapia. 9 As limitações do ETE advêm da natureza intermitente da monitorização, da incapacidade de diagnosticar a isquemia se não forem monitorizados as paredes e os segmentos adequados ou se houver alterações abruptas da pós-carga (que, por si só, provocam alterações da motilidade da parede) e da variabilidade interobservador. 1 As complicações graves do ETE são raras desde que sejam respeitadas as contraindicações para a técnica. 6 As contraindicações absolutas incluem cirurgia esofágica prévia, doença esofágica major (estenose, divertículo, tumor, esofagite, síndrome de Mallory-Weiss e varizes esofágicas) e compressão vascular externa por um aneurisma da aorta torácica. 6 ETE e cirurgia vascular A dissecção da aorta e o aneurisma da aorta têm indicação para ETE, segundo a European Association of Echocadiography e o Echo Committee of the European Association of Cardiothoracic Anaesthesiologists. 3 As incidências e estruturas a observar nestas situações são: aorta ascendente, aorta descendente e arco aórtico, em longo e curto eixo, o diâmetro máximo aórtico, flap, hematoma intramural e líquido para- -aórtico, válvula aórtica, relação entre a membrana de dissecção e os óstios coronários, derrame pericárdico e pleural, locais de entrada e reentrada da dissecção e contraste espontâneo ou formação de trombo em falso lúmen. 3 Os pacientes submetidos a procedimentos vasculares têm um risco elevado de complicações cardíacas peri-operatórias, devido à natureza invasiva do procedimento, assim como à prevalência elevada de doença das artérias coronárias. 10 Para além disto, os pacientes submetidos a cirurgia da aorta torácica e abdominal estão em risco de isquemia da medula espinhal, renal e mesentérica Recentemente foram demonstradas alterações na função diastólica do ventrículo esquerdo durante a clampagem da aorta abdominal, independentemente da função sistólica. 1 Segundo Hofer et al nos 33 pacientes de cirurgia vascular (major e periférica) estudados obtiveram-se sete diagnósticos pelo uso de ETE que determinaram intervenções peri-operatórias e avaliações adicionais no pós-operatório (21 pacientes com doença valvular, um com cardiomiopatia obstrutiva hipertrófica e um com trombo auricular). 6 Rev Soc Port Anestesiol Vol nº
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