Mainardices, ou posfácio à Pimenta Bueno.

Transcrição

1 Sumário Executivo: Pessimismos à parte; A voz lúcida de Luíza Trajano; Um gesto deselegante; Conundrum brasileiro. André Perfeito Economista-chefe aperfeito@gradualinvestimentos.com.br Mainardices, ou posfácio à Pimenta Bueno. Pessimismos à parte; A voz lúcida de Luíza Trajano; Um gesto deselegante; Conundrum brasileiro. Diogo Mainardi não tem papas na língua, diz o que diz com liberdade e sem remorso ou consideração. Gosto dele, afinal quem se expõe tão abertamente carrega em si uma certeza muito nítida ou um gosto pelo o desespero típico de niilistas. Como acredito que Mainardi não beira essa doença sutil da alma que é o grande nada da vida imagino que ele tem algumas certezas nítidas. Domingo passado no último Manhattan Connection programa esse que me formou com Paulo e Arnaldo, se bem que de Paulo aprendi mesmo ainda moleque lendo seu Diário da Corte e de Arnaldo em suas colunas no Globo Diogo desfilou seu humor ácido como de costume sendo absolutamente virulento com o atual estado das coisas no Brasil e como este quinhão de paraíso tropical marcha inexoravelmente para o abismo da sub-cultura, isso se já não está segundo sua síntese veneziana. Só que desta vez topou com um interlocutor diferente e que não poderia ser facilmente injuriado com seu mal/bom humor de costume (mal com L mesmo e bom bem entendido). Vou usar este episódio para ilustrar o que venho dizendo há tempos aqui: que a queda na margem de lucro empresarial e das rendas financeiras de maneira geral criou um choque anafilático no circuito econômico brasileiro e que isto se transfigurou em ressentimento financeiro sem razão sólida. Não tenho nada contra Mainardi, insisto. Ele diz o que diz com todo o direito, agora, se algumas pessoas aceitam em tudo o que ele diz sem maiores reflexões, sinceramente, não há nada que eu possa dizer. Do outro lado da bancada estava Luiza Trajano, empresária de sucesso e com uma rara sensibilidade para o popular em pessoas nessa situação. Com simplicidade disse algo muito claro quando questionada sobre os rolezinhos, a nova dor de cabeça da nossa tradicional classe média: calma. Ela entende que, diferentemente da maneira que foi formulada a pergunta que a levava invariavelmente para uma leitura alarmista, que fenômenos como esse devem ser vistos como sinais de vitalidade da sociedade brasileira e não ao contrário. Criminalizar seria um equívoco e sua classe de varejistas está disposta a entender o fenômeno com diálogo e não na borracha. Quem perguntou ficou no vácuo. Acontece. Sobre rolezinhos acrescento eu: não há nada de errado nisso e este fenômeno é antes de tudo sub-produto da conjunção de aglomeração urbana, internet e um sentimento difuso de que se pode tudo. A não ser que você ache

2 que aglomeração urbana, internet e um sentimento de que se tudo pode seja errado não há muito o que fazer a não ser tentar entender o fenômeno de maneira mais geral e menos reativa. É um problema urbano generalizado estes espasmos da periferia, basta ver Londres em 2011 ou Paris em Em Manhattan isso não acontece por ser a ilha mais vigiada do mundo, mas logo ali em Los Angeles, em 1992, a cidade pegou fogo em combustão espontânea e não anunciada, isso sem contar que na Big Apple vez por outra também surgem seus sustos. Acontece. No Brasil muita gente se diverte num doce ressentimento dizendo que o Gigante Dormiu depois das manifestações de junho passado. Na verdade, meu caro amigo, o Gigante não dormiu nada, ele pensou na vida pra levar e calou a boca com feijão. O Gigante foi é trabalhar e isto se revela nas menores taxas de desemprego da história. Voltemos ao pessimismo Mainardiano. Ele diz, com muita razão, que as condições que criaram uma situação positiva para o comercio varejista estão sumindo e que em pouco tempo o castelo de cartas, por assim dizer, irá ruir. Bem, temos que aqui fazer algumas considerações. Vamos começar primeiro pela a menos importante. Diogo disse que a inadimplência está subindo, o que não é verdade e que foi corrigida prontamente por Lucas Mendes e rechaçado por Luiza. Digo que esta é a menos importante porque Diogo não é economista e não tem a obrigação de saber os últimos dados, mas de forma alguma ver a inadimplência sob controle é um sinal ruim em minha opinião. A série do Banco Central remonta o início de 2011 e praticamente todas as mobilidades com crédito livre e direcionado caíram para Pessoas Físicas. A inadimplência está em 3,98% no total, no caso do crédito imobiliário onde o temor de uma bolha ronda feito um espectro este país tropical está em ridículos 1,82%.

3 Ou seja: apesar da expansão do consumo via crédito os níveis de inadimplência estão sob controle. Ponto. E mesmo se víssemos os dados da SERASA, que é a fonte citada por Diogo, a situação vai muito bem obrigado. Segundo aquela empresa a inadimplência em seu índice apresentou queda nos últimos dados, o melhor resultado em 14 anos de pesquisa. Um pouco antes Luiza deixa absolutamente claro outro ponto importante. No Brasil há demanda para tudo, logo seria um equívoco falar em crise ou mesmo bolha. Com os dados na mão apontou que há espaço de sobra para crescer no Brasil e que a ascensão da nova classe C criou algo que ela chamou, citando outro colega Varejista, a Década do Varejo. Luiza diz com razão que nó brasileiros vemos sempre o lado do copo vazio. Sempre é bom lembrar que um copo vazio está cheio de ar, diria Chico. O que ela diz é importante no seguinte sentido. No mais das vezes como o que somos como nação não corresponde ao que imaginamos ser o nosso ideal de nação acabamos achar que nada presta. Olhamos como pouco orgulho nossas próprias conquistas e descontamos a taxas elevadas qualquer avanço. Se a classe C usa avião aeroporto parece rodoviária, se tem trânsito nas grandes cidades é porque hoje qualquer um pode comprar carro. Coisas de um país que tem como nome uma mercadoria (pau-brasil) e que tem como nacionalidade um ofício (Brasileiro, é bom lembrar, é formada pelo sufixo eiro, o mesmo de padeiro, marceneiro ou carvoeiro e serve para adjetivar um dado substantivo, no caso a mercadoria pau-brasil. Desafio você a descobrir outra nação do mundo que tem a mesma construção da nacionalidade no nome). Não temos ainda um sentimento nacional forte e acreditamos que deveríamos ser outra coisa que não seremos nunca. Às vezes a impressão que tenho é que o único objetivo que temos com o Brasil é ganhar dinheiro e nada mais. Mainardi, eu gosto dele, diz de cara que ele é a personificação do copo vazio. Sinceridade cristalina.

4 Só que aí ele se atrapalha. Diz que as condições que geraram a expansão do varejo estão murchando: juros estão subindo, o crédito esta caindo e a inadimplência está subindo, a inflação está subindo, a indústria foi sucateada e que isso vai levar a uma piora do emprego também. Sobre inadimplência não vamos falar, já respondemos. Vamos falar agora da dinâmica dos outros móveis que ele coloca em cena. Ele mesmo, o Diogo, dá a pista do raciocínio. Ele diz: se ainda não há crise, como disse o Ricardo, certamente virá.. Profecia auto-realizável é isso mesmo. As condições que ele coloca como uma certeza de crise são no fundo o ajuste em curso para controlar a inflação, ou alguém imagina que podemos controlar os preços sem subir os juros? Quando se sobre os juros os efeitos desejados são exatamente esses: crédito mais caro e escasso, emprego menor e atividade mais baixa. Ele fala como se fosse ruim a dinâmica que justamente está enfrentando a inflação. A boa notícia é que as pessoas estão reclamando da inflação, isso quer dizer que seus ganhos reais diminuíram e somente assim que o consumidor irá segurar a demanda de tal sorte que se estacionem os preços. A inflação recente, já disse mais de uma vez, é resultado da elevação da classe D à C. O aumento do consumo destas pessoas pressiona inexoravelmente a oferta existente. No curto prazo a pressão é inflacionária em diversos segmentos uma vez que a demanda está elevada, mas é justamente a demanda em alta que força o empresário a investir. Se você conhecer outra forma de incentivar um empresário a investir que não seja sua loja sempre cheia avise a academia sueca que você irá ganhar um Nobel facilmente. O BCB está fazendo, de maneira bem independente, diga-se de passagem, um ajuste forte nas condições monetárias e isto terá um efeito mais claro em Mas os pessimistas de plantão estão mais uma vez vendo isso como o copo vazio e não veem que a solução passa por este ajuste. Criou-se no Brasil um conundrum: segundo parte do mercado a única solução para o país avançar é criar uma recessão. Não faz sentido! Ao invés do país buscar avançar investindo pessoas com o copo vazio não mão dizem que a solução é o arrocho total. Criou-se tal pânico que a impressão que se tem é que quem quer que seja o próximo presidente, Dilma no meio, terá que fazer um ajuste recessivo severo. O Brasil é maior do que isso e não importa quem for o presidente temos as condições para avançar. E outra coisa: em épocas de aglomeração urbana, internet e um sentimento que se pode tudo fazer um ajuste recessivo será impossível ou muito custoso. Em minha opinião estamos condenados a crescer sob pena de desarticular seriamente a ascensão bem vinda desta nossa classe C. É um processo civilizatório bem vindo. O ajuste que Diogo se refere já está surtindo efeito. A renda nominal em dólares do brasileiro está diminuindo o que pode ajudar e muito evitar maiores déficits na Balança de Pagamentos bem como aumentar a produtividade do trabalhador local vis-à-vis o concorrente estrangeiro.

5 Antes que alguém fale que essa queda mostre uma desaceleração forte basta ver que o salário em Dólares em 2002 era de US$ 300 e hoje, apesar da queda, está em US$ 800. Falando de copo cheio como a Luiza. É bem provável que o mundo em 2014 ajude mais o Brasil que o Brasil o resto do mundo. Se é verdade que os EUA estão crescendo, tanto é que o Quantative Easing será moderado via tappering, podemos ter impulsos positivos na balança comercial por exemplo. Os EUA eram amplamente deficitários com o Brasil, agora está na ponta contrária o que seria um desastre completo se a china não tivesse aumentado sua importância.

6 Se os EUA melhorarem um pouco as importações isso já pode ajudar e muito. No entanto a questão central do mal humor (mal com L mesmo) do Diogo é que ela revela a queda da rentabilidade da economia como um todo que é expressão indireta da ascensão em termos reais da nova classe C. Um dos efeitos desejados da queda da taxa de juros monetária, no nosso caso a SELIC, é que as outras taxas também caiam. Ao diminuir os juros o BCB através de operações de mercado aberto injetam dinheiro na economia e este dinheiro novo foi atrás de novas oportunidades de investimento. Um exemplo singelo são os imóveis. Se imaginarmos que a razão entre o valor do aluguel sobre o preço do imóvel é a rentabilidade deste ativo temos assim uma Proxy da rentabilidade da economia. Esta taxa vem caindo substancialmente. Em 2008 era de 0,77% em São Paulo. Hoje é de 0,45%. Tanto Rio de Janeiro como São Paulo a rentabilidade está abaixo ou mesmo próxima da inflação.

7 É este o mal estar que se revela no copo vazio e no mau humor de outros analistas, a rentabilidade do Brasil caiu muito rapidamente gerando estranhamento na tradicional classe média. Não se ganha dinheiro como se ganhava antigamente. Este processo está em curso, mas tem que ser moderado em mim opinião: o governo de Dilma acelerou demais esta redistribuição de renda e com isto está afetando a confiança e abrindo feridas desnecessárias. O governo, já disse mais de uma vez, se comunica mal. Muito mal. Exemplo disso foi na fala da presidente no final do ano que disse para não cairmos na guerra psicológica dos mercados. Em primeiro lugar um presidente nunca pronuncia a palavra guerra, é forte e desnecessária. E em segundo lugar a presidente não percebeu que o fenômeno do mal estar com o Brasil é mais complexo que um simples desvio psicológico. Este processo de ascensão da classe C tem que ser moderado e o BCB com a elevação da SELIC já está fazendo isso. Podemos sim continuar avançando para além da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Diogo é um escritor e certa vez comprei um livro dele chamado Contra o Brasil. Nele há um personagem chamado Pimenta Bueno que lá pelas tantas indaga um transeunte se este conhecia Jean Claude Lévi-Strauss e este responde que não. Pimenta Bueno fica indignado com a falta de cultura do transeunte. Acredito que falta a Pimenta Bueno olhar o Brasil como nós somos de fato e não como não somos franceses. E acreditem, apesar de não sermos tudo isso que gostaríamos, podemos ser ainda muito mais do que imaginamos. Mas desconfio que Diogo permanecerá mal humorado. Além dele ter detonado o Brasil ainda foi o deselegante o suficiente para dizer que a loja de Luíza será vendida para a Amazon. Contra esse mal humor não há o que dizer ou fazer, apenas continuar trabalhando.

8 Disclaimer 23/08/10 23/08/10 Este relatório foi preparado pela Gradual Investimentos e é distribuído gratuitamente, com a finalidade única de prestar informações ao mercado em geral. Não possuindo a Gradual Investimentos qualquer vínculo com pessoas que atuem no âmbito das companhias analisadas, assim como a empresa não recebe remuneração por serviços prestados ou apresenta relações comerciais com as companhias analisadas. Apesar de ter sido tomado todo o cuidado necessário de forma a assegurar que as informações no momento em que as mesmas foram colhidas, a precisão e a exatidão de tais informações não são por qualquer forma garantidas e a Gradual Investimentos por elas não se responsabiliza. Os preços, as opiniões e as projeções contidas nesse relatório estão sujeitos a mudanças a qualquer momento sem necessidade de aviso ou comunicado prévio. Este relatório não pode ser interpretado como sugestão de compra ou de venda de quaisquer ativos e valores imobiliários. Este relatório não pode ser reproduzido, distribuído ou publicado por qualquer pessoa, para quaisquer fins.