[Rio] Cidade Criativa: Cultura como Quarto Pilar do Desenvolvimento
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- Nathalie Quintão Vieira
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1 1 [Rio] Cidade Criativa: Cultura como Quarto Pilar do Desenvolvimento Regina Miranda Presidente, Fórum Internacional Rio Cidade Criativa Diretora, Cidade Criativa / Transformações Culturais Com a evolução do conceito de desenvolvimento, hoje entendido como liberdade, ampliação de escolhas e, sobretudo, centralidade do ser humano na sustentabilidade (SEN, 2000) afirma se gradativamente a Cultura como Quarto Pilar do Desenvolvimento Sustentável, entrelaçada aos pilares Ambiental, Social e Econômico. Neste II Fórum Rio Cidade Criativa, proponho que, além de continuarmos a pensar como a Cultura pode contribuir para o futuro que se está se delineando para o Rio, que pensemos a Agenda 21 da Cultura/RJ, com a proposta da Cultura como Quarto Pilar do Desenvolvimento. No que diz respeito aos pilares Social, Econômico e, principalmente, Ambiental, a Agenda 21, documento ratificado durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Eco 92 (Rio de Janeiro, 1992), tem sido uma referência importante para as políticas implementadas nestes setores. Neste documento, que vigora até hoje, a Cultura aparecia apenas como um dos aspectos do pilar Social, mesmo assim, como uma ferramenta direcionada para a desejada igualdade social. Talvez venha daí a ênfase recente em projetos culturais de cunho social que, embora importantes, muitas vezes partem de um pressuposto equivocado, já que tendem a associar falta de dinheiro com falta de cultura. Em 2004, durante o Fórum Mundial de Cultura, realizado em Barcelona, as experiências internacionais voltadas para o desenvolvimento já demonstravam claramente que, para que o desenvolvimento viesse a ser sustentável, haveria necessidade de se centralizar as políticas e ações de desenvolvimento no ser humano. Foi então criada a Agenda 21 da Cultura, documento de referência global, sancionado pela Cidades e Governos Locais Unidos CGLU, entidade internacional, que reúne hoje cerca de 450 cidades. Neste contexto, a Cultura, pensada como território e como ferramenta para a expansão do potencial humano, torna se uma alavanca para o desenvolvimento sustentável. Em 2012, teremos aqui a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Rio+20 e, nos anos seguintes, uma série de eventos internacionais importantes. Ao pensarmos a Agenda 21 da Cultura /RJ estamos contribuindo para além destas ocasiões, mas pensando que nelas o Rio terá a oportunidade de falar de si para o mundo. Assim, esperamos que o Rio possa mostrar sua variedade cultural e, além de apresentar os esperados grandes espetáculos e valores artísticos e culturais já consagrados, surpreender dando relevo aos gestos mais discretos, porém não menos importantes, da cultura carioca 1. Mais importante ainda, já sentimos um novo pulsar na cidade, que traduz o ritmo da retomada da cidade por ela mesma, ela mesma 1 Gestos Discretos da Cultura Carioca : pesquisa em andamento, iniciada no I Fórum Rio Cidade Criativa (2010), com as atividades PechaKucha Carioca Criativo e 7000 Paisagens Discretas, que resultará em livro, a ser lançado em 2013.
2 2 fazendo a sua análise e desejando se reconstruir, e se reconstruir melhor. E esse ritmo da cidade precisará ser ouvido e incorporado. Para pensarmos juntos em Cultura como Quarto Pilar da Sustentabilidade, gostaria de começar por relembrar o sentido etimológico da palavra cultura, que se deriva de colere, verbo ligado à agricultura, que indicava a ideia de cuidar, cultivar e revolver a terra para que ela se tornasse produtiva. Vejam que interessante, porque as práticas culturais tanto tem a ver com preservação, como com revolver e transformar. Com o tempo, o termo adquiriu recortes, tais como a expressão colere animus cultura como aprimoramento do espírito que vigorou como definição de cultura por muito tempo. Embora variações como esta tenham sido posteriormente questionadas, os diferentes recortes etimológicos ofereceram nuances e contribuíram para a complexidade do conceito. Acredito que a promoção de uma cultura criativa seja capaz de criar a paisagem cultural 2 desejada para que o desenvolvimento possa ser sustentável. Uma cultura criativa sabe articular passado, presente e futuro, ressalta a importância da conscientização coletiva sobre memória e pertencimento, promove ações colaborativas consequentes, pensa em deixar legados para o futuro e visa o bem estar e a expansão do ser humano. Entre seus princípios fundamentais estão a centralidade do ser humano no desenvolvimento, a abundância cultural e seu compartilhamento, a diversidade e, principalmente, o engajamento cidadão, traduzido em um modelo de governança participativa. Comecemos pelo último. Uma cidade criativa nasce da colaboração, da solidariedade, das parcerias entre os diversos setores da sociedade e se nutre e renova a partir de indivíduos ativos, atuantes, desejosos, e conectados que, atuando em conjunto, respondem e provocam mudanças (FLORIDA, 2002). O modelo de governança participativa traduz a negociação entre este conjunto de atores compromissados, com responsabilidades distintas, mas entrelaçadas e nos parece adequado para a atuação de redes atuantes e solidárias, capazes de respeitar memórias individuais e coletivas e criar espaços de identidade entre diferentes classes e gerações. Para que este modelo seja produtivo, é necessário uma mudança de paradigma. O que é bom é que essa mudança já vem acontecendo. O Rio tinha por hábito se perceber a partir de uma perspectiva de pobreza, que enfatizava suas faltas e problemas e buscava uma possível solução para elas. Sem desconsiderar o compromisso da coletividade com a avaliação e a crítica, ao problematizar a abordagem da cidade apenas por esta via, observamos que ela parece ter gerado uma cultura de 2 Expressão originalmente definida pelo IPHAN como uma porção peculiar do território nacional, representativa do processo de interação do homem com o meio natural, à qual a vida e a ciência humana imprimiram marcas ou atribuíram valores. Exemplos incluem: as relações entre o sertanejo e a caatinga, o candango e o cerrado, o boiadeiro e o pantanal, o gaúcho e os pampas e outros personagens e lugares, que formam o painel das riquezas culturais brasileiras, destacando a relação exemplar entre homem e natureza (IPHAN, Portaria 127/2009). Nos permitimos ampliar o conceito, nele incluindo os processos de interação do ser humano com seu meio ambiente interno/externo.
3 3 sobrevivência, repleta de embates e competitividades destrutivas, a cultura cruel daquele cuja falta clama por compensações e que precisa matar o outro, mesmo que simbolicamente, para sobreviver. Este ambiente é bastante diferente do ambiente solidário, que se reconhece em uma cultura criativa, esta orientada pelo princípio de abundância, que nos indica trabalhar a partir da potência e das riquezas culturais que possuímos, onde o acesso à experiência criativa e ao conhecimento, seu compartilhamento, liberdade de escolha e a possibilidade de autonomia criativa possibilitam, nutrem e expandem os potenciais do ser humano. O princípio de abundância se alimenta sobretudo da diversidade social e cultural. Uma cultura criativa entende que todos os territórios são pequenos, se não encontram caminhos entre si. Assim, como aponta Florida (2002), a cidade criativa é aquela que conecta as pessoas, pois a criatividade emerge da diversidade e da coletividade. Ela promove a transversalidade social e cultural para que o entrelaçamento de pensamentos simultâneos e diversos, advindos de todas as localidades, gerações e classes sociais, possa gerar novas conexões e, principalmente, permitir uma existência satisfatória em termos intelectuais, morais e emocionais. Além da confortável comunicação com os pares, nela se nutre a curiosidade e respeito pela diferença, por aquilo que não era percebido como pertencente ao pequeno território de cada indivíduo. Convive se com a diferença, não para aboli la, homogeneizá la, ou para que seja assimilada ao padrão dominante, mas para que se possa conhece la, respeita la e, principalmente, aprecia la. Respeito é pouco para se conseguir abundância e sustentabilidade cultural. Na cidade, esse entrelaçamento tem o potencial de conjugar a cidade radiosa à cidade furtiva. Quando uma cidade só aceita sua face radiosa, enquanto oculta, disfarça ou mascara as suas feiuras, ela desqualifica um tecido sociocultural, cujos padrões de vida, hábitos, festas e tradições também lhe sustentam e dão vida e renega suas faces furtivas, de belezas menos evidentes, talvez apenas porque diferentes dos padrões estabelecidos. A força dos movimentos culturais das periferias do Rio, bem como a recente reafirmação de bairros, cuja história cultural parecia esquecida, evidenciam mudanças que, esperamos, possam vir a reintegrar as faces da cidade. Embora a Cultura atravesse e se deixe atravessar pelos outros feixes de desenvolvimento, com eles desenvolvendo parcerias produtivas, como a que vem acontecendo com a Economia Criativa, a Cultura aporta questões que lhe são próprias como, por exemplo, os direitos culturais, que promovem a liberdade e autonomia do/de ser, e a necessidade de desenvolvimento, preservação e expansão do capital cultural de uma cidade, que compreende seus recursos culturais encorpados e urbanos. Os encorpados são constituídos pelas ferramentas usadas pelo ser humano, no enfrentamento dos desafios da vida e na invenção dos futuros desejados e que se evidenciam nos comportamentos, modos de vida e rituais cotidianos incluem entre outros, o conhecimento crítico, os modos singulares de criar, fazer e conviver, o sentido de pertencimento a lugares, o respeito e apreciação pela diferença, as formas de complexidade verbo corporal e os sistemas de valores solidários. Já os urbanos, compreendem o patrimônio cultural, artístico, científico e tecnológico de uma cidade. Aqui se incluem os bens materiais ruinas, edificações, conjuntos arquitetônicos originais, documentos, poesias, pinturas, partituras, entre outros, os imateriais
4 4 práticas, representações, conhecimentos e formas específicas de expressão artística e os artefatos a elas associados, paisagens emblemáticas e marcos físicos, que conferem singularidade ao lugar. O conjunto de recursos culturais encorpados e urbanos formam o capital cultural, a matéria prima de uma cidade, cujos ativos agregam valor às localidades. É urgente que se entenda que convivências enriquecedoras, acesso ao conhecimento, à arte, ao lazer e à trocas criativas, respeitosas e solidárias, possibilitam amplidão de escolhas, liberdade e dignidade humana, e são um direito de todos e não apenas da elite social e econômica. O maior engajamento da população na resolução dos problemas que lhe afetam e nas atividades culturais e festividades que a celebram dará corpo a uma cultura criativa, enquanto projetos político culturais consequentes, precisarão assegurar os direitos culturais e a preservação e expansão do capital cultural de nossa cidade. Desta forma, as oportunidades que se apresentam atualmente para o Rio serão sustentáveis. Recentemente, cidades como Copenhagen, Barcelona, Curitiba, Buenos Aires e Bogotá, vem abandonando práticas que tinham apenas o parâmetro econômico como modelo para projetar seu futuro a partir do parâmetro cultural de desenvolvimento, entrelaçado às outras dimensões de desenvolvimento. Tenho confiança de que este caminho dará certo aqui. Mesmo nas paisagens urbanamente mais inóspitas da nossa cidade, podemos observar uma criatividade pujante e laços de sociabilidade e vizinhança, que têm garantido modos de vida solidários e construído uma paisagem cultural rica, talvez menos dos saberes institucionalizados, mas certamente de saberes informais, cuja crescente afirmação e visibilidade prometem um território artístico e cultural mais expandido. Com a sociedade compreendendo melhor a importância de seu engajamento no processo de revitalização que a cidade atravessa e exercendo seu protagonismo na identificação e afirmação dos valores culturais locais, ela encontrará caminhos para sair do senso comum (usualmente vinculado a fórmulas pré estabelecidas, sendo por isso um forte empecilho aos processos de construção de conhecimento crítico) e poderá colaborar de forma autônoma, conectada e criativa na construção de uma cidade melhor para todos. Penso que seja uma cultura criativa, que opera na escala do humano, que precisamos fomentar, ao afirmar o Rio como uma cidade criativa. Para isso, é preciso entender que em cultura se opera com potência e com diversidade, acreditar que vale a pena atuar a partir de valores como dignidade, solidariedade, justiça, liberdade e compartilhamento, promover o engajamento cidadão na vida da cidade e saber estabelecer canais eficazes e estimulantes para a preservação e expansão de nossa paisagem cultural. Referências:
5 5 (CGLU). Cidades e Governos Locais Unidos. Agenda 21 da Cultura, Disponível em: mid=58&lang=pt. Acesso em: 20 de janeiro, 2010 FLORIDA, Richard. The rise of the creative class: and how it s transforming work, leisure, community, & everyday life. Nova York: Basic Books, WEISSHEIMER, Maria Regina. Paisagem Cultural. Brasília, DF: IPHAN, SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das letras, 2000.
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