ASSUNTO. em pauta. O contexto de desigualdade social e pobreza no Brasil, China e Índia
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- Ruy Marques Medina
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1 ASSUNTO em pauta O contexto de desigualdade social e pobreza no Brasil, China e Índia
2 Brasil, China e Índia têm apresentado bons resultados na superação da pobreza e miséria, mas os índices de desigualdades econômica e social ainda são alarmantes nesses países. P o r Denilde Holzhac k e r Crescimento econômico, desigualdade e pobreza E Em seu livro As garotas da fábrica, Leslie Chang (2008) apresenta um relato chocante sobre a situação das jovens chinesas que migram do campo para os grandes centros industriais. No seu relato a autora evidencia as fragilidades do sistema social chinês e o quanto a ausência de direitos sociais e péssimas condições de trabalho impactam na estrutura econômica do país. Essa situação não é exclusiva à sociedade chinesa, e observa-se um cenário de extrema pobreza também em outros países em desenvolvimento, como Índia, Brasil e África do Sul. A miséria é visível nas grandes cidades indianas e choca aqueles que visitam o país. A violência e as precárias condições de moradia no Brasil revelam as mazelas e fragilidades sociais que atingem a sociedade brasileira. A pobreza e a desigualdade são resultados de múltiplos fatores, sendo muitos deles estruturais. Por isso, as políticas sociais envolvem complexas estratégias nacionais de desenvolvimento e a necessidade de integrar crescimento econômico, redução da pobreza e melhor distribuição da renda (ALTIMIR, 1998). Existe na literatura um intenso debate sobre as estratégias de combate à pobreza e desigualdade (RACZYNSK,1998), que incluem as discussões domésticas sobre desenvolvimento e crescimento econômico. Nesse contexto, percebe-se que as políticas econômicas estruturais, implementadas a partir dos anos 1980 na China e nos anos noventas no Brasil e Índia, alteraram os modelos de políticas sociais e estratégias de combate à pobreza. Em geral, antes das reformas de ajustes estruturais, os países em desenvolvimento focavam suas políticas sociais nas áreas de educação, saúde, seguridade social e regras trabalhistas. Em Getty Images
3 países como Brasil, por exemplo, o governo tinha grandes programas de incentivos sociais, mas não existiam políticas específicas de combate à pobreza (BIRDSALL; SZÉKELY, 2004). Prevalecia a visão de que o rápido crescimento econômico seria suficiente para garantir a melhora na distribuição de renda (RACZYNSKI,1998). Entretanto, o aumento da desigualdade e pobreza fez com que os governos buscassem novos modelos de políticas sociais. A aplicação das chamadas reformas neoliberais foi vista com pessimismo pelos especialistas (POTER, 1997), pois pregavam um menor papel do Estado na área de proteção social, bem como as empresas passaram a adotar modelos de eficiência que, em casos como o latino-americano, significaram o aumento das taxas de desemprego. Por outro lado, ainda persistia, entre alguns analistas, a posição de que o crescimento econômico teria impacto na redução da pobreza extrema e, consequentemente, nos índices de desigualdade. O programa Bolsa Família é reconhecido internacionalmente, não apenas pela sua amplitude, mas também por seus resultados em alterar as condições de vida da população mais vulnerável. China e Índia seriam exemplos da relação positiva entre crescimento econômico e diminuição dos índices de pobreza e miséria. Esses países tiveram fortes reduções do número de miseráveis a partir dos anos 90 (RAVALLION, 2009). No entanto, o Brasil, apesar do baixo crescimento comparado aos demais, demonstrou uma performance melhor na redução da pobreza extrema. 1 Então, quais seriam as diferenças na aplicação das políticas de proteção social? O objetivo deste artigo é analisar as respostas de Brasil, China e Índia aos problemas sociais que afligem suas sociedades. Assim, será apresentado o diagnóstico sobre as condições presentes nas três sociedades e as estratégias governamentais na área social. A situação social no Brasil, China e Índia Em 1981, a China tinha as maiores proporções de população vivendo abaixo da linha de pobreza (pessoas que vivem com menos de U$ 1,25 dólares por dia, em preços de compra de 2005), que representava 84% da população chinesa. A Índia também apresentava índices alarmantes, sendo que 60% da população indiana, em 1981, viviam com menos de U$ 1,25 dólares. No caso brasileiro, 17% da população encontravam-se na extrema pobreza (RAVALLION, 2009). Esses países apresentaram taxas de crescimento bastante distintas, bem como o impacto na redução da pobreza extrema. Assim, China, com um crescimento médio de 9% ao longo do período entre , viu sua população vivendo na extrema pobreza ser reduzida para 16%. No caso indiano, que apresentou um crescimento médio de 7% entre , a redução da pobreza extrema teve menor impacto. Em 2008, 42% da população viviam abaixo da linha da pobreza (OCDE, 2010). Já o Brasil apresentou no período de uma impressionante queda no índice de extrema pobreza no país, caindo para 5% a população vivendo com menos de U$ 1,25 dólares (RAVALLION, 2009). O impressionante na situação brasileira é que a redução não foi acompanhada de um alto crescimento econômico (o crescimento médio no período foi de apenas 1%). Se, por um lado, a extrema pobreza melhorou nesses países, o mesmo não ocorre no que se refere ao índice GINI, que mede o grau de desi- REVISTA DA ESPM março/abril de 2011
4 GRÁFICO 1 ÍNDICE GINI NO BRASIL, CHINA E ÍNDIA 1993 E 2005 Índia China Brasil 0,00 0,10 0,20 0,30 0,40 0,50 0,60 Fonte: Banco Mundial, 1993; 2008 gualdade econômica e social do país. Nos casos chinês e indiano, observa-se um aumento no índice de desigualdade, enquanto no Brasil houve uma queda, apesar de o país ter uma das piores colocações no ranking global: o GINI na Índia cresceu de 0,31 em 1990 para 0,33 em 2005, sendo que a China também teve um aumento de 0,29 para 0,42 no mesmo período. No caso brasileiro, o índice GINI caiu de 0,60 para 0,55 (Gráfico 1). A desigualdade reflete uma série de fatores, entre eles, as disparidades entre as áreas urbanas e rurais, especialmente na China e Índia, bem como a baixa escolaridade de amplos setores sociais, por exemplo, a baixa média de escolaridade entre pessoas de origem pobre no Brasil. A escolaridade afeta diretamente o acesso a oportunidades de emprego e, consequentemente, a remuneração dos trabalhadores. No caso indiano, deve-se ressaltar que a desigualdade de gênero é crescente, sendo que as mulheres têm piores condições de trabalho e remuneração. No Brasil as diferenças raciais perpetuam a desigudalde de acesso entre negros e brancos, constituindo um dos principais focos da desigualdade no país. Além das disparidades de gênero e grupos raciais, as disparidades regionais são marcantes nos três países. Os gastos públicos e os desafios governamentais Apesar da gravidade dos contextos sociais na China e na Índia, os gastos públicos com proteção social são relativamente baixos, representando 6,5% e 4,6% do PIB, respectivamente. Entre os três países, o Brasil direciona uma maior proporção dos recursos para a área social, sendo 16,3% PIB (Tabela 1). O investimento brasileiro na área de seguridade social, que envolve aposentadorias, seguro desemprego, além do sistema único de saúde, desenvolveu-se a partir dos anos 50. Além disso, o Governo Lula ( ) ampliou os benefícios para diversos setores sociais. A redução da pobreza nas regiões rurais brasileiras, por exemplo, é atribuída à ampliação dos benefícios aos aposentados que vivem nessas regiões. Os programas de transferência de renda condicionados (como o Bolsa Família), aplicados em diversos países em desenvolvimento, também março/abril de 2011 R EVISTA DA ESPM 71
5 banas, é visto de forma bastante cética pela classe média do país. Além disso, questiona-se sobre os seus efeitos no combate à pobreza, pois amplia as diferenças entre as regiões rurais e urbanas. No Brasil, prevalecia a ideia de que o rápido crescimento econômico seria suficiente para garantir a melhora na distribuição de renda, entretanto, o aumento da desigualdade e pobreza fez com que os governos buscassem novos modelos de políticas sociais. influenciam positivamente na redução da pobreza (OCDE, 2010). No entanto, os gastos com assistência social são pequenos nos três países, não representando mais que 2,2% na Índia, 1,4% no Brasil e 0,4% na China. Na China prevaleceu a ideia de que o crescimento econômico levaria a mudanças nas condições sociais e, consequentemente, com efeito positivo nos problemas sociais, sem a necessidade de políticas diretas redistributivas (LI; PIACHAUD, 2004). O programa de transferência de renda Dibao, que garante renda mínima para pessoas nas áreas ur- Diferentemente da China, a Índia tem um longo histórico de políticas intervencionistas de redução da pobreza, entre elas incentivos para grupos rurais e políticas trabalhistas. A Índia, porém, apresenta obstáculos maiores que Brasil e China na implementação de políticas sociais. A falta de carteira de identificação da população limita a ação governamental federal, por exemplo, para a implantação de programas de transferência de renda, como o Bolsa Família ou ProUni no Brasil. Outro fator refere-se à falta de articulação entre as esferas federal, regional e municipal. As províncias têm grande autonomia na aplicação de políticas sociais e, muitas vezes, os interesses dos líderes locais prevalecem na aplicação dos recursos e ações governamentais. Os desafios e perspectivas Os três países apresentam estratégias distintas para lidar com os problemas sociais. As políticas de transferências de rendas aplicadas no Brasil desde os anos noventas são consideradas sucessos na superação da pobreza extrema. O programa TABELA 1 GASTO SOCIAL DOS GOVERNOS (%PIB) ANO TOTAL DE GASTO SOCIAL PÚBLICO* SEGURIDADE SOCIAL ASSISTÊNCIA SOCIAL TOTAL** BRASIL CHINA ,3 11, ,5 1,6 1,4 13,1 0,4 2,0 ÍNDIA ,6 2,1 2,2 4,3 *Os dados foram construídos a partir de diferentes fontes, sendo considerados diversos indicadores, como gastos com saúde, com educação, seguridade social e assistência social (Ver OCDE SOC). **Gastos com saúde não foram incluídos. Fonte: Employment Outlook, OECD 2010.
6 Bolsa Família é reconhecido internacionalmente, não apenas pela sua amplitude, mas também por seus resultados em alterar as condições de vida da população mais vulnerável. Entretanto, a estratégia social brasileira combina um conjunto de políticas e ações visando ao aumento da renda. Como a pobreza e a desigualdade têm causas múltiplas, também sua solução deve ser adotada com um conjunto de políticas. Desde 2010, percebe-se uma maior preocupação do governo chinês em implementar ações sociais que possam diminuir os efeitos da crescente desigualdade. No entanto, ainda prevalecem dúvidas sobre a capacidade do país em executar ações redistributivas como no Brasil. Cresce entre os analistas a opinião de que políticas dirigidas para determinados grupos devem ser adotadas, mas não há consenso de como se daria este processo. Torna-se, cada vez mais, consensual que as baixas condições sociais, em que vive grande parcela da população chinesa, representam um fator potencial de tensão para o Estado. Nesse sentido, paulatinamente, o governo chinês tem adotado ações mais intervencionistas de distribuição de renda. As disparidades regionais são um dos desafios do governo chinês, bem como melhorar o acesso à educação e moradia. A Índia é o país que apresenta o quadro mais preocupante, pois a baixa eficiência das políticas sociais gera pessimismo quanto aos resultados de longo prazo. A cooperação entre Brasil, Índia e África do Sul, no âmbito do Fórum IBAS, é vista como relevante para proporcionar o desenvolvimento de políticas sociais no combate à pobreza. Nesse sentido, a experiência brasileira serve de modelo para a Índia. Os desafios na área social ainda representam gargalos na inserção dos três países, sendo que a maior articulação entre as políticas de desenvolvimento e as estratégias de superação de pobreza e desigualdade é algo que deve evoluir nos debates domésticos. A superação dos problemas sociais poderá gerar um ciclo vicioso que permitirá a maior participação desses países no sistema econômico internacional e, assim, realmente alcançarem novos patamares de desenvolvimento ESPM econômico, social e humano. BIBLIOGRAFIA ALTIMIR, Oscar; Inequality, empolyment, and poverty in Latin America: an overview. In: Tokman, V. E. and O Donnel, G. (editors) Poverty and inequality in Latin America: issues and new challenges. Indiana: University of Notre Dame, 1998, pp BIRDSALL, Nanc; SZÉKELY, Miguel. Esforço próprio em vez de paliativos : pobreza, equidade e política social. In: KUCZYNSKI, Pedro-Paulo; WILLIAMSON, John; (ed) Depois do Consenso de Washington: retomando o crescimento e a reforma na América Latina. São Paulo: Ed. Saraiva, 2004, p CHANG, Leslie. As garotas da fábrica. Rio de Janeiro: Intrínseca, LI, Bingqin; PIACHAUD, David. Poverty and inequality and social policy in China. Centre for Analysis of Social Exclusion, CASE Paper 87, November Disponível em: ac.uk/6303/1/poverty_and_inequality_and_social_policy_in_ China.pdf Acesso em 14 de março de OCDE. Tackling inequalities in Brazil, China, India and South Africa - The Role of Labour Market and Social Policies. Paris: OCDE, November Disponível em: dataoecd/22/41/ pdf Acesso em 12 março de PORTES, Alejandro. Neoliberalism and the sociology of development: emerging trends and unanticipated facts. Population and Development Review, Vol 23, n o. 2, 1997, p RACZYNSKI, Dagmar. The crisis of old models of social protection in latin america: new alternatives for dealing with poverty. In: TOKMAN, V. E. and O DONNEL, G. (editors) Poverty and inequality in Latin America: Issues and new challenges. Indiana: University of Notre Dame, 1998, pp RAVALLION, Martin. A comparative perspective on poverty reduction in Brazil, China and India. Policy Research Working, Paper Banco Mundial, October Disponível em: elibrary.worldbank.org/docserver/download/5080.pdf?expires= &id=id&accname=guest&checksum=E6EC1015D5C E0612E8F A50BCD Acesso em: 12 de março de NOTAS 1. No caso chinês os dados analisados referem-se ao período a partir de 1981, já os dados com relação ao Brasil e Índia referem-se ao período de Os países apresentam modelos de medição dos índices de pobreza, por isso, considera-se abaixo da pobreza aquela população que vive com menos de U$ 1,15 dólar por dia. Em relação a desigualdade, utiliza-se o índice GINI (que agrega diferentes indicadores). DENILDE HOLZHACKER Doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, professora visitante no Bentley College ( ), pesquisadora no NUPRI/USP, professora no curso de Relações Internacionais nas Faculdades Integradas Rio Branco e ESPM.
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