Tratamento restaurador atraumático: uma alternativa de recuperação da qualidade de vida
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- Rafael Canejo Teves
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1 Revista de Odontologia da Universidade Cidade de São Paulo 2008 maio-ago; 20(2): Tratamento restaurador atraumático: uma alternativa de recuperação da qualidade de vida Atraumatic restorative treatment: an alternative of life quality recuperation Pinkie Seabra Marra * Bianca Tardelli Lagreca * Vanessa Roma Martins * Aline Vieira Oliveira * Ana Beatriz Vils * Leila Chevitarese ** José Massao Miasato *** RESUMO A doença cárie é muito prevalente, em especial na primeira infância, e alguns fatores de risco como a higiene inadequada associada à livre demanda do aleitamento materno persistente pode contribuir para o seu agravamento. O objetivo deste estudo é relatar um caso clínico do programa de TRA recuperando qualidade de vida por meio de mudanças comportamentais dos cuidadores através de relato de caso clínico. Descritores: Restauração dentaria permanente Carie dentária Saúde bucal Qualidade de vida ABSTRACT The caries disease is very prevalent in special in the first chilhood and some risk factors like incorrect hyiyene in association with persistent free demand lactation can contribute to its aggravation. The goal of this study is to present a case report of ART program, which provides life quality by means of changes in the behaviour of responsible persons. Descriptors: Dental restauration, permanent Dental caries Oral health Quality of life *** Mestranda do Curso de Pós-Graduação em Odontologia da Universidade do Grande Rio (UNIGRANRIO RJ). *** Coordenadora de Pós-Graduação em Odontologia da UNIGRANRIO RJ. Mestre e Doutora em Odontopediatria pela Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ - RJ). *** Professor de Pós-Graduação em Odontologia da UNIGRANRIO RJ. Mestre e Doutor em Odontopediatria pela Faculdade de Odontologia da UFRJ - RJ. 204
2 INTRODUÇÃO A doença cárie é muito prevalente, em especial na primeira infância, e alguns fatores de risco como a higiene inadequada associada à livre demanda do aleitamento materno persistente pode contribuir para o seu agravamento. De acordo com Martins et al. 6 (2001), a etiologia da cárie dentária no pequeno paciente é semelhante a da população de forma geral, com o diferencial de que à criança com pouca idade é naturalmente mais suscetível devido a três fatores: o dente jovem é mais sensível a ação dos ácidos produzidos pelas bactérias cariogênicas; a incapacidade do bebê de realizar a remoção de placa sem a ajuda de responsáveis; a dependência dos pais em relação à dieta. Apesar de hoje a Odontologia estar avançada devido ao desenvolvimento tecnológico e científico, observa-se um paradigma, onde a população brasileira, de maneira geral, perde seus dentes muito cedo, e a dificuldade de acesso ao tratamento juntamente a falta de informação fazem com que as pessoas acreditem que esse fato é certo. Raggio et al. 8 (2001) atribuem o aparecimento da doença cárie ao desconhecimento dos responsáveis, que não recebem educação adequada sobre métodos de prevenila. A Organização Mundial de Saúde (OMS) desenvolveu o programa de Tratamento Restaurador Atraumático (TRA), para países com comunidades desfavorecidas economicamente ou marginalizadas, a fim de controlar o avanço da cárie dentária (Frencken et al. 3, 1996). Frencken et al. 4 (1994) concluiram que a etapa restauradora deve juntar-se aos demais métodos de prevenção e controle da cárie. Tais métodos incluiriam o controle da dieta cariogênica, instrução de higiene oral e aplicação de fluoreto (Oliveira et al. 7, 1998). Ardenghi e Imparato 1 (2002), enfocam a importância de o tratamento da doença cárie estar vinculado a um programa educativo e preventivo contextualizado. O objetivo deste estudo é apresentar o programa de TRA recuperando qualidade de vida por meio de mudanças comportamentais dos cuidadores através de relato de caso. RELATO DE CASO Paciente sexo feminino, 34 meses, portadora da Síndrome de Down, acompanhada por sua mãe procurou serviço odontológico para receber orientação a respeito da ausência de elementos dentários. Durante a anamnese, a mãe relatou que nunca havia higienizado os dentes de sua filha, pois desconhecia essa necessidade já que era um bebê. Relatou também que apesar de a criança fazer todas as refeições, ainda continuava com a livre demanda do aleitamento materno durante o dia e a noite. No exame clínico foram observadas a presença de placa, gengivite generalizada e ausências clínicas dos elementos 52, 53, 62 e 63. Foram realizadas radiografias periapicais confirmando anodontia dos elementos 52 e 62. Para dar continuidade ao exame clínico, realizou-se a profilaxia sendo diagnosticada mancha branca ativa (MBA) e lesões cavitadas (LC) com esmalte desapoiado em todos os elementos dentários (Fig. 1). Diante do quadro optou-se pelo tratamento restau- Figura 1: Evidencia a presença de lesão de MBA, lesões cavitadas, gengivite e ausências clínicas dos elementos 52, 53, 62 e
3 Figura 2: Aplicação tópica de fluoreto como parte integrante da etapa preventiva do TRA. Figura 3: Ausência de placa e gengivite confirmando a motivação da mãe. rador atraumático (TRA) que promove a educação em saúde, aplicação tópica de fluoreto, instrução de higiene bucal associada à técnica atraumática. Em um primeiro momento, a mãe foi orientada sobre a importância da higienização e do desmame, controlando dessa maneira os fatores de risco; na mesma consulta foi feita aplicação de verniz fluoretado nas MBA que continuou por mais quatro sessões. As orientações e motivação foram feitas Figura 4: Aspecto final imediatamente após restauração atraumática, reação positiva da paciente e acompanhamento após 2 meses. em todas as sessões (Fig. 2). Com o andamento do tratamento, observou-se a motivação da mãe se confirmando através da ausência de placa e gengivite, mas apesar do empenho ela relatava a 206
4 dificuldade do desmame noturno (Fig. 3). Ao longo das consultas, através das trocas de informações a mãe percebeu que a doença cárie era passível de controle e necessariamente as perdas dentárias teriam de não acontecer. Tal conhecimento levou ao êxito do tratamento, isto é, se alcançou o controle de placa. O acompanhamento era realizado semanalmente e a mãe demonstrava grande vontade de ver a reabilitação bucal de sua filha. Após 15 semanas de acompanhamento, o desmame foi conseguido pela mãe e então foi realizada a técnica atraumática com cimento de ionômero de vidro (Fig. 4). DISCUSSÃO O tratamento de escolha não se deu pelo fato da paciente ser portadora da Síndrome de Down, mas sim pela faixa etária (0-3 anos / bebê), e pelos fatores de risco observados durante anamnese e exame clínico. O TRA pode ser uma escolha de tratamento para bebês pela não facilidade do manejo da criança em clínica, pois muitas vezes estes não cooperam com a realização do tratamento restaurador convencional (Figueiredo e Garcia 2, 1996). Tal argumento não se aplica ao caso aqui descrito, visto que a criança foi extremamente colaboradora, chegando ao ponto de dormir na cadeira. Foi feita a opção da não restauração dos dentes porque a mãe, apesar de ter aprendido a higienizar os elementos dentários bem como a cavidade bucal e a criança comparecer semanalmente ao consultório para o controle das lesões por meio de aplicações tópicas com verniz fluoretado, não conseguia fazer o desmame, sendo portanto necessário mais tempo para fazer com que ela controlasse esse fator de risco. A transição da condição do esmalte, ou seja, a de esmalte desapoiado, mas ainda mantendo a cavidade sem acesso para a de esmalte com acesso para instrumento manual (colher de dentina), serviu de fator educativo e demonstrativo de como a lesão de cárie pode evoluir. E isso foi decisivo para que a mãe pudesse compreender a necessidade do desmame, permitindo que as restaurações atraumáticas fossem confeccionadas. Dessa forma, o TRA utilizado como programa proporcionou a melhora da qualidade de vida da paciente, na medida que conseguiu conscientizar a mãe da necessidade do controle do fator de risco (desmame) e aplicar medidas preventivas no tocante à higiene. Segundo Guedes-Pinto 5 (2003), pode-se afirmar que a odontologia para bebês ocorre ou acontece quando os pais são educados, aprendem e se conscientizam, assim como aplicam os conhecimentos aprendidos. A partir do momento em que a mãe aderiu ao tratamento, como acima descrito, pode-se dizer que a afirmativa do autor foi verdadeira para o caso em questão e concorda com Oliveira et al. 7 (1998) que, o Programa TRA apresenta a parte preventiva como fundamental para mudanças de comportamento que levam a mudanças de qualidade de vida. Outro ponto importante a ser assinalado é que as crianças tratadas com a técnica atraumática experimentam menor desconforto comparadas com aquelas tratadas com a técnica convencional (Schiriks e Amerogen 9, 2003). Esse aspecto pode ter contribuído para o excelente comportamento apresentado pela criança durante o período de tratamento, o que de certo modo contribuiu para que sua mãe pudesse continuar tentando controlar seus fatores de risco desequilibrados. Por todos os argumentos acima expostos, há de se ressaltar que a criança, apesar de ser portadora da Síndrome de Down, apresentou reação semelhante e até melhor do que crianças ditas normais, concordando com o descrito por Guedes-Pinto 5 (2003) que não acredita poder enquadrar crianças em tipos de padrões pré-estabelecidos, criando situações rígidas de compreensão da atitude da grande maioria, em razão destas apresentarem características de diferentes categorias. O tempo de adequação segundo Walter et al. 10 (1996) é de 1 mês, mas esse tempo nem sempre se enquadra nas necessidades de adequação dos pais para controle dos fatores de risco de seus filhos, como no caso aqui descrito: amamentação à livre demanda associada à não higienização. No entanto, o TRA por ser programa não restringe o tempo de emprego de suas etapas e estas não estão condicionadas ao tempo de existência de uma e outra (técnica atraumática e etapa preventiva). Logo, a escolha pelo programa se deu por respeitar o tempo e o momento de cada indivíduo (da mãe e da criança) até que se alcançasse o controle do fator de risco da filha. CONCLUSÃO O TRA como um programa com todas as suas etapas (educativa, curativa e preventiva) se mostrou eficaz, e permitiu maior conhecimento sobre a doença cárie e suas conseqüências, modificando hábitos e modo de pensar do cuidador. 207
5 Referencias 1. Ardenghi TM, Imparato JCP. Tratamento da doença cárie: onde chegamos? Conversando com o leitor. J Bras Odontopediatr Odontol Bebê 2002 set out; 5(27): Figueiredo MC, Garcia AFG. A utilização do cimento de ionômero de vidro fuji IX na técnica da restauração atraumática em dentes decíduos. RFO UPF 1996 jul dez; 1(2): Frencken JE, Pilot T, Songpaisan Y, Phantumvanit P. Atraumatic restorative treatment (ART): rationale, technique and development. J Public Health Dent, 1996; 56 (3spec no):135-40; discurssion Frencken JE, Pilot T, Songpaisan Y, Phantumvanit P. An atraumatic restorative treatment (ART) technique: evoluation after one year. Int Dent J 1994 Oct; 44(5): Guedes-Pinto AC. Métodos empregados para conhecer e relacionar-se com crianças. In: Gudes-Pinto AC. Odontopediatria. São Paulo: Santos, p Martins ALCF et al. A cárie dentária. In: Corrêa MSNP. Odontopediatria na primeira infância. São Paulo: Santos, 2001.p Oliveira LMC, Neves AA, Neves MLA, Souza PR. Tratamento restaurador atraumático e adequação do meio bucal. Rev Bras Odontol, 1998 mar-abr; 55(2): Raggio DP, Takeuti ML, Guaré RO, Haddad AS, Imparato JCP, Ciamponi AL. Remoção químicomecânica de tecido cariado em paciente portador de Síndrome de Down: relato de caso clínico. J Bras Odontopediatr Odontol Bebê 2001 maio-jun; 4(19): Schiriks MCM, Van Amerogen WE. Atraumatic perspective of ART: psychological and physiological aspect of treatment with and without rotary instruments. Community Dent Oral Epidemiol, 2003 Feb; 31(1): Walter LRF, Ferelle A, Issao M. Tratamento curativo. In: Walter, L.R.F.; Ferelle, A.; Issao. Odontologia para o bebê: odontopediatria do nascimento aos 3 anos. São Paulo: Artes Médicas, p Recebido em: 02/03/2007 Aceito em: 08/12/
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