Processo Data: Decisão: 27/01/2014 Ano Geração: 2014

Transcrição

1 Processo Data: Decisão: 27/01/2014 Ano Geração: 2014 Autos nº: Ação Civil Pública Autor: Ministério Público do Estado de Goiás Requerido: Estado de Goiás Decisão: O Ministério Público do Estado de Goiás, pelos promotores de justiça com atuação nesta comarca, ajuizou ação civil pública com pedido de liminar, em desfavor do Estado de Goiás, em resumo, pela cobrança de taxa de matrícula e mensalidade dos alunos da Escola Estadual Fernando Pessoa, recentemente transformada em Colégio Militar. O autor pleiteia liminar para que o Estado de Goiás seja compelido a garantir a matrícula e frequência de todos os alunos da escola estadual Fernando Pessoa, cessando os atos de cobrança que vem praticando, com devido ressarcimento aos pais e responsáveis de eventuais valores já recebidos, bem como que o requerido seja proibido de coibir a entrada e permanência dos estudantes que não possuem condições de adquirir o uniforme, agenda, carteira e lista de material, impedindo-se qualquer tipo de discriminação contra tais alunos, seja no âmbito pedagógico ou disciplinar, sob pena de incursão nas penas previstas pelo art. 232 do Estatuto da Criança e do Adolescente e aplicação de multa diária, tudo nos termos da inicial e documentos de fls. 04/ / 5

2 É o relato necessário. Decido. De início, tenho como regular a distribuição dos autos ao juízo com competência para causas da área da infância e juventude, bem como legítimo o Ministério Público para a defesa dos interesses postos em discussão. No que toca ao deferimento da medida liminar em ações civis públicas e mandados de segurança coletivo, é certo que a lei 8.437/92, em seu art. 2º, o condiciona à oitiva prévia do representante judicial da pessoa jurídica de direito público. Contudo esta regra tem sido mitigada em casos urgentes, notadamente às questões ligadas ao direito à saúde e garantia do mínimo existencial e ainda naquelas em que a decisão liminar visa restabelecer o status quo ante, neste sentido: (TRF ) PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MILITAR TEMPORÁRIO. DOENÇA. INCAPACIDADE. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. DECISÃO NÃO TERATOLÓGICA. RECURSO DESPROVIDO. Cuida-se de agravo de instrumento, interposto pela UNIÃO FEDERAL, com pedido de atribuição de efeito suspensivo, alvejando decisão que, nos autos de ação de rito ordinário, deferiu a antecipação dos efeitos da tutela "para determinar à ré que se abstenha de desincorporar o Autor do serviço ativo do Exército, até ulterior deliberação deste juízo". (...) O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou pela possibilidade de concessão de antecipação dos efeitos da tutela contra a Fazenda Pública nos casos de restabelecimento do statu quo ante, tendo exarado entendimento no sentido de que "no que tange à antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, esta Corte Superior de Justiça tem jurisprudência uniforme segundo a qual tal medida não é passível de ser concedida nos casos de aumento ou extensão de vantagens a servidor público, nos moldes da vedação contida na Lei nº 9.494/97. Entretanto (.), o referido entendimento não se aplica às hipóteses (...) em que se busca o restabelecimento de situação anterior". (...) (Agravo de Instrumento nº /RJ, 8ª Turma Especializada do TRF da 2ª Região, Rel. Vera Lúcia Lima. unânime, e-djf2r ). Analisando os termos da inicial, vê-se claramente ser esta a situação dos autos, na medida que, tratando-se de uma escola estadual transformada em militar, querendo os pais não pagar taxas de matrícula e mensalidade, o que o autor deseja é retornar ao status quo ante e, portanto, com base no entendimento supra, não há impedimento legal ao deferimento da liminar sem oitiva prévia da pessoa jurídica de direito público ré. 2 / 5

3 Feito este esclarecimento, vejo que há aparência de bom direito a justificar o deferimento da liminar, sendo esta representada pela enorme comoção de pais que buscaram o Ministério Público e foram à reunião realizada na própria escola, no último dia 17/01/2014. Ademais, observando os relatos colhidos na sede do autor, percebe-se uma total incoerência com o que foi repassado aos presentes na reunião mencionada, mídias juntadas às fls. 69/70. Naquele ato, ao que parece a Major Donizete (a filmagem começa após a apresentação), é categoria em afirmar "você não é obrigado a contribuir - a opção é da comunidade escolar. Não haverá contribuição até que seja empossado o conselho escolar". Ainda sobre o tema - taxa de inscrição e mensalidade - a mesma representante da Polícia Militar do Estado de Goiás afirma: "houve um equívoco inicial no que toca a taxa de matrícula. Não temos taxa na escola. Nós temos uma contribuição". No entanto, ao analisar o contrato de prestação de serviços de 2014 juntado às fls. 43/44, vê-se a existência da cláusula 9 - Da Inadimplência - com previsão de até ser possível ao colégio militar recusar a nova matrícula do inadimplente. Nestes termos, apesar do afirmado categoricamente na reunião, onde, inclusive a mesma interlocutora citada afirmou "a cláusula de inadimplência do contrato, vocês desconsiderem", vê-se que a prova documental vem ao encontro do que foi narrado pelas mães ao Ministério Público. Durante a mesma reunião, ao ser perguntada por uma mãe sobre sua situação, a representante da Polícia Militar disse que o filho da referida senhora, que estudava na escola estadual Fernando Pessoa e que a mãe tinha pedido transferência por não poder pagar as taxas exigidas, seria readmitido; ou seja, mais uma prova de que as alegações do autor são verídicas. Em sendo verídicas, e não havendo plausibilidade em exigir-se matrícula e mensalidade em colégios públicos, forçoso reconhecer a existência de aparência de bom direito a justificar o deferimento da liminar pleiteada. 3 / 5

4 No que toca ao perigo da demora, havendo previsão de início do ano letivo para o último dia 22 de janeiro, portanto, já há quatro dias úteis atrás, não resta dúvida de que é enorme o perigo dos jovens ficarem sem aulas até a decisão final desta demanda, o que justifica o deferimento da liminar, sob pena de ocorrência de dano de difícil e incerta reparação. Por todo exposto, DEFIRO a liminar pleiteada, o que faço para DETERMINAR que o Estado de Goiás garanta a matrícula e frequência de todos os alunos da escola estadual Fernando Pessoa, assim entendidos todos os alunos da escola estadual e os sorteados para ingresso no colégio militar, cessando os atos de cobrança que vem sendo praticados. Determino ainda que seja feito pelo réu o imediato ressarcimento aos pais e responsáveis de eventuais valores já recebidos. Determino, por fim, ao Estado de Goiás, por meio da Polícia Militar, mais especificamente da Direção do Colégio Militar Fernando Pessoa, deixe de coibir a entrada e permanência dos estudantes que não possuem condições de adquirir o uniforme, agenda, carteira e lista de material. Fica ainda o requerido intimado de que deverá impedir qualquer tipo de discriminação contra os alunos que se matricularem e frequentarem o Colégio Militar nas condições aqui fixadas, seja no âmbito pedagógico ou disciplinar, sob pena de eventual incursão nas penas previstas pelo art. 232 do Estatuto da Criança e do Adolescente e aplicação de multa diária, a qual fixo desde já em R$ 1.000,00 (um mil reais) por ocorrência comprovada, nos termos do previsto no art. 11 da lei 7.347/85. Citem-se os requeridos para, querendo, no prazo legal, apresentarem resposta, remetendo-se via malote digital carta precatória para a capital do Estado. Visando dar maior efetividade à medida, utilizando-se ainda do Poder Geral de cautela dado aos magistrados, conforme disciplina o art. 798 do Código de Processo Civil, buscando evitar a ocorrência de lesão grave e de difícil reparação aos alunos e à comunidade de Valparaíso, determino seja expedido mandado de intimação ao Capitão Santos ou quem o substitua como 4 / 5

5 Diretor do Colégio Militar, visando sua ciência quanto ao teor da presente decisão, e seu imediato e efetivo cumprimento. Intime-se. Cumpra-se. Valparaíso de Goiás, 27 de janeiro de José Augusto de Melo Silva Juiz de Direito 5 / 5