PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA Guajará-Mirim Av. 15 de Novembro c / Campos Sales, 1981, Serraria,
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- João Lucas Lisboa Lagos
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1 CONCLUSÃO Aos 18 dias do mês de Outubro de 2013, faço estes autos conclusos ao Juiz de Direito Paulo José do Nascimento Fabrício. Eu, - Escrivã(o) Judicial, escrevi conclusos. Vara: 2ª Vara Cível Processo: Classe: Ação Civil Pública Requerente: Ministério Público do Estado de Rondônia Requerido: Município de RO; Igreja do Evangelho Quadrangular SENTENÇA Trata-se de ação civil pública proposta pelo Ministério Público de Rondônia em face do Município de Guajará Mirim e 1ª Igreja do Evangelho Quadrangular. Informa o Ministério Público que o Executivo municipal encaminhou ao Legislativo local projeto de lei autorizando a doação de 2.800m2 (dois mil e oitocentos metros quadrados) de área pública para a Igreja Quadrangular, com a seguinte justificação gpara construção de ampliação do tempo de 1ª Igreja do Evangelho Quadrangular necessário para abrigar o grande aumento de fiéis do evangelho de Cristo h. Informa, também, que o Legislativo municipal aprovou o projeto de lei, desafetando e autorizando a doação da área. Argumenta o Ministério Público que a lei municipal é nula porque não foi precedida de procedimento licitatório e, também, porque não há interesse público na doação efetuada. Anotou doutrina e jurisprudência acerca do tema e pleiteou, ao final, a declaração de nulidade da lei municipal 1536/2011. Requereu, também, a condenação da 1ª Igreja do Evangelho Quadrangular a desocupar o imóvel, no prazo de 30 dias, bem como a demolir e retirar os entulhos de eventual obra de engenharia edificada no terreno doado. Pediu, em sede liminar, a cessação dos efeitos da lei impugnada. Os requeridos foram notificados para prestarem informações. O município aderiu ao pedido inicial e pleiteou, também, a anulação da lei ora impugnada. A Igreja do Evangelho Quadrangular não se manifestou. Concedi a liminar e obstei os efeitos da lei municipal 1536/2011 e, em consequência, determinei à Igreja do Evangelho Quadrangular que se abstivesse de ocupar, utilizar e edificar na área discutida. Determinei, também, a citação dos requeridos. A Igreja agravou da decisão. A 1ª Câmara Especial do TJ/RO apreciou o agravo e, por unanimidade, negou-lhe provimento. A Igreja do Evangelho Quadrangular não contestou o pedido inicial, apesar de Pág. 1 de 5
2 devidamente citada. O Município, por sua vez, afirmou que a doação configurava ato lesivo ao patrimônio público e, portanto, pugnou pela anulação da lei municipal 1536/2011. As partes não especificaram provas. É o que há de relevante. Decido. Pretende o Ministério Público, com aderência do Município de Guajará Mirim, a anulação da lei municipal 1536/2011 porque, segundo afirmam, não foi precedida de estudos prévios, não há comprovação do interesse público que justifique a doação e, por fim, porque não houve procedimento licitatório antecedente. Em primeiro lugar, já está suficientemente assentado na jurisprudência local que a doação de imóvel público para o particular não exige licitação. Vejamos: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. DOAÇÃO DE BEM IMÓVEL COM ENCARGO. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. POSSIBILIDADE. DESCUMPRIMENTO DO ENCARGO. REVERSÃO. POSSIBILIDADE. Em caso de interesse público, a licitação da doação com encargos de bem imóvel do Poder Público pode ser dispensada. Gera a reversão da doação quando descumprido pelo donatário os encargos previstos na escritura pública. (Apelação Cível, n , Rel. Des. Eurico Montenegro). AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. DOAÇÃO DE BEM IMÓVEL COM ENCARGO. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. POSSIBILIDADE. DESCUMPRIMENTO DO ENCARGO. REVERSÃO. Em caso de interesse público, a licitação da doação com encargos de bem imóvel do poder público pode ser dispensada, devendo ser devidamente justificada. A falta de cumprimento pelo donatário dos encargos previstos na escritura pública gera a reversão ao patrimônio público. (Apelação Cível, n , Rel. Des. Renato Martins Mimessi). ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRELIMINARES. ILEGITIMIDADE MINISTÉRIO PÚBLICO. CERCEAMENTO DE DEFESA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. INOCORRÊNCIA. DOAÇÃO DE BEM IMÓVEL COM ENCARGOS. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. POSSIBILIDADE. JUSTIFICADO INTERESSE PÚBLICO. NÃO-COMPROVAÇÃO. NULIDADE ATO ADMINISTRATIVO. REVERSÃO DOAÇÃO. NÃO-PROVIMENTO DO RECURSO. A doação com encargos de bem imóvel do ente público deve ser precedida de licitação, podendo esta ser dispensada em caso de interesse público, desde que este reste documentalmente comprovado. (Apelação Cível, n , Rel. Des. Waltenberg Junior). A jurisprudência acima anotada deixa claro, entretanto, que a na hipótese de doação de bem público ao particular deve restar plenamente comprovado o interesse público que justifica a doação Acerca da doação de bens imóveis, a doutrina nos traz o seguinte entendimento: Pág. 2 de 5
3 "A Administração pode fazer doação de bens públicos, mas tal possibilidade deve ser tida como excepcional e atender a interesse público cumpridamente demonstrado. Qualquer violação a tais pressupostos espelha conduta ilegal e dilapidatória do patrimônio público. (...) São requisitos para a doação de bens imóveis públicos: a) autorização legal; b) avaliação prévia; e c) interesse público justificado". (José dos Santos Carvalho Filho - in Manual de Direito Administrativo - 21ª Edição - Editora Lúmen Júris - pág. 1129). Pois bem. No caso dos autos é patente a existência de lei municipal autorizando a doação. No entanto, é patente, também, que a lei ora impugnada foi elaborada e aprovada no exclusivo benefício da 1ª Igreja do Evangelho Quadrangular de Guajará Mirim, conforme exposição de motivos encaminhados pelo Executivo Municipal ao Legislativo, nos seguintes termos: "para construção de ampliação do tempo de 1ª Igreja do Evangelho Quadrangular necessário para abrigar o grande aumento de fiéis do evangelho de Cristo". Como bem esclarecido pelo Ministério Público, o projeto e a própria lei municipal 1536/2011 demonstram inequívoca quebra dos princípios da impessoalidade e da legalidade, bem como afastamento indevido do princípio do interesse público, na medida em que o objetivo da lei era a doação de terrenos para fins privados (ainda que religiosos), destoando completamente do interesse público. Dentre os princípios que regem a atividade da Administração Pública destaca-se o da impessoalidade, que no presente caso, conforme anteriormente falado não foi atendido, e embora a Igreja beneficiada tente argumentar a respeito da impessoalidade do ato de doação, é fato que a doação efetivada pelo município afastou-se, em muito, de tal princípio. O mestre Hely Lopes Meirelles anotou em sua obra o seguinte: "O princípio da impessoalidade, referido na Constituição de 1988 (art. 37, caput), nada mais é que o clássico princípio da finalidade, o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato para o seu fim legal. E o fim legal é unicamente aquele que a norma de Direito indica expressa ou virtualmente como o objetivo do ato, de forma impessoal. [...] E a finalidade terá sempre um objetivo certo e inafastável de qualquer ato administrativo: o interesse público. Todo ato que se apartar desse objetivo sujeitar-se-á a invalidação por desvio de finalidade, que a nossa lei da ação popular conceituou como o fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência do agente (Lei 4717/65, art.2º, paragrafo único,, e). [...] O que o princípio da finalidade veda é a prática de ato administrativo sem interesse público ou conveniência para a Administração, visando unicamente a satisfazer interesses privados, por favoritismo ou perseguição dos agentes governamentais, sob a forma de desvio de finalidade. Esse desvio de conduta dos agentes públicos constitui uma das mais insidiosas modalidades de abuso de poder [...]". (Direito Administrativo Brasileiro, 39ª, Saraiva. 2013, pg. 197). A jurisprudência indica o mesmo caminho: DIREITO ADMINISTRATIVO. DOAÇÃO DE IMÓVEL DE PROPRIEDADE DA MUNICIPALIDADE. LEI AUTORIZATIVA. NECESSIDADE DE RIGOROSA OBSERVNCIA AOS PRECEITOS DA LEI ORGNICA E AO DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO, PENA DE NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. Pág. 3 de 5
4 Se a lei que autoriza a alienação de bem público da municipalidade não se reveste das formalidades previstas na Lei Orgânica e, ainda, comprovado o desrespeito ao devido processo legislativo, em sentença já transitada em julgado proferida em mandado de segurança impetrado por vereador, durante o trâmite do projeto de lei, nulo é o negócio jurídico travado com o particular autorizado pelo diploma legislativo e, como conseqüência, nula é a escritura pública de doação de imóvel integrante do patrimônio público e o seu registro na serventia cartorária correspondente. Recurso desprovido. (TJMG - Relator Desembargador Silas Vieira - Data do Julgamento:16/02/2006). APELAÇÃO CÍVEL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DOAÇÃO DE IMÓVEL. DANO AO ERÁRIO. VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS. CONDUTA DOLOSA. ATO ÍMPROBO CARACTERIZADO. Caracteriza ato de improbidade administrativa a doação de bem imóvel, pelo Município, para o fim único de doá-lo a particular. Malferimento aos princípios que regem a atividade da administração pública, com dano ao erário configurado. APELOS DESPROVIDOS. (Apelação Cível Nº , Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 18/02/2009). No caso em análise, não há indicação ou prova inconteste que a doação do imóvel para entidade religiosa pudesse atender ao princípio do interesse público, mormente quando se trata de um Município carente, em que grande parcela dos cidadãos não possuem sequer moradia própria, creches adequadas, postos de saúde, etc. Patente, portanto, o desvio de finalidade da lei municipal, vez que não restou minimamente configurado o interesse público que justificasse a doação, constituindo a lei municipal 1536/2011, a toda evidência, um claro ato administrativo com desvio de finalidade. Para não pairar dúvida acerca do conceito de interesse público transcrevo os ensinamentos de José dos Santos Carvalho Filho, no seguinte sentido: "As atividades administrativas são desenvolvidas pelo Estado para benefício da coletividade. Mesmo quando age em vista de algum interesse estatal imediato, o fim último de sua atuação deve ser voltado para o interesse público. E se, como visto, não estiver presente esse objetivo, a atuação estará inquinada de desvio de finalidade. Desse modo, não é o indivíduo em si o destinatário da atividade administrativa, mas sim o grupo social num todo. Saindo da era do individualismo exacerbado, o Estado passou a caracterizar-se como o Welfare State (Estado/bem-estar), dedicado a atender ao interesse público". (Manual de Direito Administrativo - Editora Lúmen Júris - 21ª edição - págs. 30/31). Assim, inclusive porque o próprio município reconheceu a doação como ato lesivo aos interesses públicos, restou demonstrado que a doação autorizada pela lei municipal 1536/2011 afrontou o princípio do interesse público, razão pela qual seus efeitos não devem subsistir. Ademais, considerando que a lei em comento é ato normativo de efeito concreto, vez que traz em si mesma o resultado específico pretendido, deve ser considerada como mero ato administrativo, passível, portanto, de anulação judicial. Ante o exposto, considerando a expressa violação ao princípio do interesse público e, portanto, o desvio da finalidade do ato administrativo, julgo procedente o pedido inicial e, em consequência, anulo a Lei Municipal de efeitos concretos nº 1536/2011, que realizou a desafetação de uma área de terras medindo 2.800m2, da quadra 199, do setor 3, deste município e autorizou a doação da área à 1ª Igreja do Evangelho Quadrangular. Em Pág. 4 de 5
5 razão da presente decisão faculto à 1ª Igreja do Evangelho Quadrangular de Guajará Mirim que no prazo de 30 dias, contados do trânsito em julgado da presente decisão, promova a demolição e a retirada dos entulhos da área por ela ocupada, ficando ciente que uma vez decorrido o prazo acima anotado não poderá mais ingressar no imóvel público, sob pena de esbulho possessório e multa de R$ ,00 (cinquenta mil reais) por ocorrência devidamente registrada. Confirmo e mantenho os efeitos da medida liminar até o transito em julgado da presente decisão. Em razão da sucumbência, condeno a 1ª Igreja do Evangelho Quadrangular ao pagamento das custas processuais. De outra banda, considerando o princípio da isonomia previsto no art. 5º, da CF e do tratamento igualitário a ser dado as partes, previsto no art. 125, I, do CPC e, em especial, que é incabível a condenação do Ministério Público ao pagamento de honorários no caso de sucumbência, deixo de condenar o vencido ao pagamento de tal verba. Por fim, extingo o processo com resolução do mérito, com fundamento no art. 269, I, do CPC. Após o trânsito em julgado, encaminhe-se cópia da presente decisão ao Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara de Vereadores para ciência e para as providências que entender convenientes. Sentença registrada e publicada automaticamente no SAP. Intimem-se. Guajará -Mirim-RO, quarta-feira, 23 de outubro de Paulo José do Nascimento Fabrício Juiz de Direito RECEBIMENTO Aos dias do mês de Outubro de Eu, - Escrivã(o) Judicial, recebi estes autos. REGISTRO NO LIVRO DIGITAL Certifico e dou fé que a sentença retro, mediante lançamento automático, foi registrada no livro eletrônico sob o número 925/2013. Pág. 5 de 5
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