PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA

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1 APTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL APDO : T. N. DA C. N. APDO : O. P. DE F. ADV/PROC : EVALDO FERNANDES CAMPOS E OUTROS ADV/PROC : MARCO QUINTAS GONÇALVES ORIGEM : 2ª VARA FEDERAL DE SERGIPE RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA E M E N T A PENAL. RECURSO DE APELAÇÃO. CRIME DE RESPONSABILIDADE DE PREFEITO (ART. 1º, I E II, DO DL 201/67). DESVIO DE VERBAS FEDERAIS. MATERIALIDADE DELITIVA NÃO COMPROVADA. ÔNUS DA ACUSAÇÃO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. 1. Trata-se de recurso de apelação do Ministério Público Federal contra sentença absolutória, com fulcro no art. 386, II, do CPP, ao fundamento de ausência de prova da materialidade delitiva. 2. O titular da ação penal, em sua peça acusatória, alega que os réus, na intenção deliberada de malversar recursos oriundos do Convênio nº 325/1999, celebrado com a União Federal (Ministério da Integração Nacional), desviaram, em proveito próprio, verbas federais destinadas à implantação de uma rede municipal de abastecimento de água na zona de expansão urbana do município de Carmópolis- SE. 3. Em favor da imputação do órgão acusador, pesa, sobretudo, uma vistoria in loco realizada por técnicos da Caixa Econômica Federal, conclusiva no sentido de total inexecução das obras de engenharia pactuadas. Tal prova, aliás, amparou a condenação do gestor público perante o Tribunal de Contas da União (Acórdão nº 188/2006). 4. Contudo, o acervo probatório confeccionado nas fases inquisitiva e judicial da presente persecução criminal suscita dúvida razoável sobre a existência dos fatos delituosos. 5. Inexistindo inculpação a respeito da lisura do procedimento licitatório ou dos preços praticados, o cerne da controvérsia reside na verificação da correta execução da obra de engenharia (implantação de dois sistemas simplificados de água, compostos de dois poços artesianos, casa de bomba, chafarizes e reservatório). 6. Inicialmente, a respeito do relatório de fiscalização elaborado pela Caixa Econômica Federal, há de se ressaltar não apenas o laconismo das informações, inclusive sobre o procedimento adotado e local periciado, mas também a discrepância existente entre o item conclusão final (0% de execução das obras) e o item considerações finais (no qual consigna a existência de um reservatório na área 2). 1

2 7. Em sentido oposto, o relatório de vistoria técnica elaborado pela FUNASA (CAR- 01/2001), corroborando a tese defensiva, assinala a existência de dois poços perfurados, de tubulação margeando a rodovia BR-101 e de um reservatório de 10m² de fibra apoiado sobre alvenaria. 8. Sobre o tema, conforme bem assinalado pelo juiz sentenciante: O Tribunal de Contas da União, nada obstante tenha percebido essas anotações no Relatório de Vistoria Técnica CAR -01/2001, indicativas da feitura da rede de abastecimento objeto do Convênio nº 325/1999 MI, conforme se vê do documento de fls , do Apenso I, ignorou tais dados e, sem qualquer base argumentativa razoável e lógica, concluiu, após também relacionar os diversos documentos alusivos à execução do Convênio nº 325/1999 MI, que Todavia, persiste a ausência de documentação essencial à comprovação de nexo de causalidade, uma vez que a documentação carreada aos autos, adicionada com os elementos recursais ora presentes, não se mostrou suficiente à sua comprovação[...] (fls. 265, do Apenso I). 9. A prova testemunhal produzida nas fases inquisitiva e judicial, de forma harmônica ao interrogatório dos acusados, acentuou não apenas a realização das obras de implantação de sistema de abastecimento de água, mas também a posterior duplicação da rodovia de acesso à cidade e consequente deslocamento ou desfazimento de alguns itens do convênio investigado. Tal peculiaridade, aliás, a par das falhas já assinaladas na inspeção da CEF, merece especial sopesamento, haja vista a inegável imprecisão de uma vistoria realizada em momento posterior à duplicação da rodovia. 10. Eis, por relevante, excerto da inquirição do membro da oposição e sucessor do réu na gestão da edilidade, Sr. Volney Leite Alves: [...] que não se recorda do Convênio nº 325/1999; que ao assumir a prefeitura, em janeiro de 2001, já existia uma rede de fornecimento de água à margem da estrada que liga a cidade de Carmópolis/SE à BR-1401, mas não sabe dizer com que verba foi construída tal rede de fornecimento de água; que também havia dois poços artesianos perfurados, um na Companhia de Polícia Militar, localizada na cidade de Carmópolis/SE e outro na área de expansão de Carmópolis, mas também não sabe dizer se tais poços foram perfurados com recursos provenientes de convenio com o Ministério da Integração Nacional; [...] que na gestão do depoente a via que liga a cidade à BR- 101 foi duplicada e, para isso, a rede de fornecimento de água que passava às margens da via teve que ser remanejada [...]. 10. Ilustrativamente, destaque-se que a conclusão da autoridade policial e do custos legis também se dirigem à improcedência da pretensão punitiva estatal. Apelação desprovida. A C Ó R D Ã O Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do egrégio Tribunal Regional Federal da 5.ª Região, por 2

3 unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto constantes dos autos que integram o presente julgado. Recife, 19 de março de 2015 (data do julgamento). JOSÉ MARIA LUCENA, Relator. 3

4 R E L A T Ó R I O O Desembargador Federal JOSÉ MARIA LUCENA (Relator): Trata-se de apelação criminal interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra sentença prolatada pelo MM. Juíz Federal da 2ª Vara da Seção Judiciária de Sergipe, Dr. RONIVON DE ARAGÃO (fls.502/516), que, nos termos do art. 386 VII do CPP, julgou improcedente o pedido deduzido na denúncia e absolveu os acusados, THEOTÔNIO NARCIZO DA CRUZ NETTO e ODILARDO PIMENTEL DE FIGUEIREDO, da prática dos crimes capitulados no art. 1, incisos I e II, do Decreto-Lei n 201/1967. Narra a denúncia (fls. 02/08) que o acusado THEOTÔNIO NARCIZO DA CRUZ NETTO, no cargo de prefeito do Município de Carmópolis/SE teria, durante o ano de 2000, desviado recursos federais repassados pelo MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL via Convênio n 325/1999, favorecendo a empresa MARPEL ENGENHARIA, da qual o segundo acusado, ODILARDO PIMENTEL DE FIGUEIREDO é sócio-administrador. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, em suas razões recursais (fls. 522/526), pugna pela condenação dos acusados sob a alegação de que existem nos autos provas suficientes no sentido de que os acusados agiram com dolo na prática da conduta prevista no art. 1, incisos I (2 parte) e II, do Decreto-Lei n 201/1967. THEOTÔNIO NARCIZO DA CRUZ NETTO e ODILARDO PIMENTEL DE FIGUEIREDO apresentaram contrarrazões pugnando pelo não provimento do apelo (fls. 531/558 e 566/574 respectivamente). Parecer Ministerial subscrito pelo eminente Procurador Regional da República, Dr. ANTÔNIO CARLOS DE V. COELHO BARRETO CAMPELLO assim ementado (fls. 440/443): PENAL E PROCESSO PENAL. DECRETO LEI N 201/1967, ART. 1, I PRESTAÇÃO DE CONTAS DEFICIENTE E APROPRIAÇÃO OU DESVIO DE VERBAS PÚBLICAS. 1. A Legislação, ao atribuir ao administrador obrigação de demonstrar onde foram aplicados os recursos, inverteu o ônus da prova devendo o agente público, em consonância com o art. 70, p.u da Constituição e o art. 93 do Decreto-Lei n 200/67, 4

5 justificar o correto e regular emprego do montante repassado, sob pena de presumir se desvio. Por outro lado, a presunção acima mencionada é suficiente para tornar o administrador inadimplente civilmente, respondendo pelo ressarcimento ao erário, mas não é apta a lhe ensejar condenação por apropriação ou desvio de recursos, sendo imprescindível que se demonstre que os recursos foram efetivamente apropriados ou desviados. Essa prova- ônus da acusação pode ser feita até mesmo pela simples demonstração de que os recursos não foram aplicados na finalidade pública esperada, prescindindo-se indicar para onde foram desviados. Fundadas dúvidas acerca da execução do objeto do convênio. Vistoria in loco realizada tempos após, contendo várias contradições com outros elementos constantes nos autos. Conjunto probatório que recomenda a aplicação do princípio in dúbio pro reo. Parecer pelo não provimento da apelação. RELATEI. Ao eminente Revisor. 5

6 RELATEI. 6

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8 V O T O O Desembargador Federal JOSÉ MARIA LUCENA (Relator): Compulsando os autos, não vislumbro lastro probatório capaz de subsidiar uma condenação criminal. Deveras, o titular da ação penal, em sua peça acusatória, alega que os réus, na intenção deliberada de malversar recursos oriundos do Convênio nº 325/1999, celebrado com a União Federal (Ministério da Integração Nacional), desviaram, em proveito próprio, verbas federais destinadas à implantação de uma rede municipal de abastecimento de água na zona de expansão urbana do município de Carmópolis-SE. Em favor da imputação do órgão acusador, pesa, sobretudo, uma vistoria in loco realizada por técnicos da Caixa Econômica Federal, conclusiva no sentido de total inexecução das obras de engenharia pactuadas. Tal prova, aliás, amparou a condenação do gestor público perante o Tribunal de Contas da União (Acórdão nº 188/2006). Contudo, o acervo probatório confeccionado nas fases inquisitiva e judicial da presente persecução criminal suscita dúvida razoável sobre a existência dos fatos delituosos. Inexistindo inculpação a respeito da lisura do procedimento licitatório ou dos preços praticados, o cerne da controvérsia reside na verificação da correta execução da obra de engenharia (implantação de dois sistemas simplificados de água, compostos de dois poços artesianos, casa de bomba, chafarizes e reservatório). Inicialmente, a respeito do relatório de fiscalização elaborado pela Caixa Econômica Federal, há de se ressaltar não apenas o laconismo das informações, inclusive sobre o procedimento adotado e local periciado, mas também a discrepância existente entre o item conclusão final (0% de execução das obras) e o item considerações finais (no qual consigna a existência de um reservatório na área 2). Em sentido oposto, o relatório de vistoria técnica elaborado pela FUNASA (CAR- 01/2001), corroborando a tese defensiva, assinala a existência de dois poços perfurados, de tubulação margeando a rodovia BR-101 e de um reservatório de 10m² de fibra apoiado sobre alvenaria. 8

9 Sobre o tema, conforme bem assinalado pelo juiz sentenciante: O Tribunal de Contas da União, nada obstante tenha percebido essas anotações no Relatório de Vistoria Técnica CAR -01/2001, indicativas da feitura da rede de abastecimento objeto do Convênio nº 325/1999 MI, conforme se vê do documento de fls , do Apenso I, ignorou tais dados e, sem qualquer base argumentativa razoável e lógica, concluiu, após também relacionar os diversos documentos alusivos à execução do Convênio nº 325/1999 MI, que Todavia, persiste a ausência de documentação essencial à comprovação de nexo de causalidade, uma vez que a documentação carreada aos autos, adicionada com os elementos recursais ora presentes, não se mostrou suficiente à sua comprovação[...] (fls. 265, do Apenso I). A prova testemunhal produzida nas fases inquisitiva e judicial, de forma harmônica ao interrogatório dos acusados, acentuou não apenas a realização das obras de implantação de sistema de abastecimento de água, mas também a posterior duplicação da rodovia de acesso à cidade e consequente deslocamento ou desfazimento de alguns itens do convênio investigado. Eis, por relevante, excerto da inquirição do opositor e sucessor do réu na gestão da edilidade, Sr. Volney Leite Alves: [...] que não se recorda do Convênio nº 325/1999; que ao assumir a prefeitura, em janeiro de 2001, já existia uma rede de fornecimento de água à margem da estrada que liga a cidade de Carmópolis/SE à BR-1401, mas não sabe dizer com que verba foi construída tal rede de fornecimento de água; que também havia dois poços artesianos perfurados, um na Companhia de Polícia Militar, localizada na cidade de Carmópolis/SE e outro na área de expansão de Carmópolis, mas também não sabe dizer se tais poços foram perfurados com recursos provenientes de convenio com o Ministério da Integração Nacional; [...] que na gestão do depoente a via que liga a cidade à BR-101 foi duplicada e, para isso, a rede de fornecimento de água que passava às margens da via teve que ser remanejada [...]. De mesmo modo, trago à baila alguns excertos da inquirição da testemunha Emanuel Messias Gomes de Almeida, secretário municipal de obras da gestão que sucedera à do réu: [...] que sabe dizer que existe uma rede de fornecimento de água que liga a cidade de Carmópolis ao posto de combustíveis, situada às margens da BR-101, não sabendo dizer quem foi o executor de tal obra, uma vez que quando ingressou naquela prefeitura tal obra 9

10 já tinha sido executada [...]que com a duplicação da via que liga a cidade à BR-101, houve o remanejamento da rede de fornecimento de água paralela à rodovia, que foi deslocada, mas ainda existe[...] Transcrevo, em arremate, trechos do interrogatório do réu Theotônio Narcizo da Cruz Netto: [...]que, ao final do seu mandato, no ano de 2000, estava em curso uma série de obras de infraestrutura na área conhecida como zona de expansão urbana da cidade de Carmópolis/SE, hoje já consolidada; que, para essa área, havia um convênio com o Ministério do Interior (sic) para se levar uma rede de água até o local; [...]os novos recursos foram então aplicados para esse serviço de abastecimento de água; que foram feitos dois poços artesianos e uma rede de água, uma caixa d água e um chafariz nessa zona de expansão;; que, no final de sua gestão, foi informado que a obra já estava pronta e chegou a visitar o local, lá constatando que o chafariz estava funcionando e os colonos usufruindo desse benefício [...] que, nessa época, o acesso à cidade limitava-se a apenas uma pista, a qual era margeada pela aludida rede de abastecimento [...]; que, lamentavelmente, a caixa d água foi removida e, pelas informações que detém, parte da tubulação foi removida em decorrência da duplicação da rodovia, não sendo mais reposta [...]que, em relação ao relatório da Caixa, narrando a inexecução do convênio em tela, o interrogado não tem como explicá-lo ou apontar a ocorrência de um interesse menor, mas apenas supor e registrar sua estranheza quanto ao fato de a vistoria ter sido realizada muito tempo após finda a sua gestão; o interrogado pondera que a equivocada conclusão seja resultado, talvez, do somatório de fatores, a exemplo do descaso da gestão seguinte, a animosidade política instaurada após sua saída e o desconhecimento na execução das obras em referência, especialmente da posterior interligação de um desses poços, com um poço artesiano aberto com recursos da FUNASA, que permitia uma vazão suficiente para fazer com que a água chegasse até os limites mais distantes da zona de expensão [...] Assim, sopesando as inegáveis falhas observadas na inspeção da CEF e a harmonia das demais provas produzidas na presente persecução, não há como se afirmar a inexecução da obra conveniada e, por via de consequência, de qualquer apropriação ilícita dos valores despendidos. 10

11 Não se olvide, aliás, que a conclusão pela improcedência da pretensão punitiva estatal também se extrai do relatório da autoridade policial e do parecer subscrito pelo custos legis. Firme no exposto, por entender irretorquível a sentença ora combatida, nego provimento ao recurso de apelação. ASSIM VOTO. 11