A pior maré negra de sempre nos Estados Unidos

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1 A pior maré negra de sempre nos Estados Unidos Incapaz de conter a fuga de 40 mil barris de petróleo por dia no Golfo do México desde o afundamento de uma sua plataforma petrolífera, a britânica BP está no centro das críticas. Pressionada pela Casa Branca, a empresa garante que assume as responsabilidades: criou um fundo de 20 mil milhões de dólares para indemnizar as vítimas e este ano não paga os dividendos aos accionistas texto Leonídio Paulo Ferreira* fotos Lusa 16 FÁTIMA MISSIONÁRIA JULHO 2010

2 um ano e meio de mandato, Barack Obama nunca havia feito um discurso à nação americana a partir da Sala Oval. Até ao dia 15 de Junho. O motivo que justificou tão solene cenário foi nada mais nada menos do que a pior maré negra de sempre nos Estados Unidos. E a tragédia iniciada a 22 de Abril com o afundamento da plataforma Deepwater Horizon no Golfo do México não está só a ameaçar a presidência de Obama. Está também a pôr em causa todo o ecossistema da costa da Luisiana, Florida, Alabama, Mississippi e Texas, onde, desde os pescadores que se viram privados do ganha- -pão pela mancha de petróleo aos donos dos hotéis que temem não voltar a pôr tão cedo a vista em cima de um turista, todos escutaram as palavras de Obama com atenção. Mas o maior recado do 17 FÁTIMA MISSIONÁRIA JULHO 2010

3 Presidente foi para a BP, a petrolífera britânica responsável pela exploração da plataforma e que tem estado no centro de todas as críticas devido à sua incapacidade para fechar a ferida que abriu no fundo do mar. Num discurso em que sublinhou a necessidade de os Estados Unidos encontrarem uma alternativa aos combustíveis fósseis, Obama garantiu: Vamos fazer a BP pagar pelos estragos que causou. E a ameaça parece ter dado resultado. Logo no dia seguinte, depois de um encontro com o Presidente americano na Casa Branca, o presidente da BP, o sueco Carl-Henric Svanberg, anunciou que o gigante do petróleo britânico vai colocar 20 mil milhões de dólares (16 mil milhões de euros) - o equivalente a um ano de lucros da empresa - num fundo de compensação às vítimas da pior maré negra de sempre nos EUA, que há muito ultrapassou os efeitos do afundamento do petroleiro Exxon Valdez ao largo do Alasca, em Março de Envolvida num braço de ferro com a única superpotência mundial que até já obrigou o primeiro-ministro britânico David Cameron a ligar a Obama para o alertar sobre os efeitos dramáticos que esta tragédia ambiental pode ter sobre a empresa, a BP anunciou que este ano, pela primeira vez desde a II Guerra Mundial, não irá pagar dividendos aos accionistas. A medida foi comunicada por Svanberg que, depois do silêncio inicial, afirmou que a empresa que dirige desde Janeiro está disposta a assumir todas as suas responsabilidades. De momento, a BP garante estar a recolher 15 mil barris de petróleo por dia. Mas os restantes 25 mil barris que saem incontrolados continuam a poluir o mar, a matar a fauna e as aves marinhas da costa americana e a pôr em causa a pesca naquela região tros abaixo do nível do mar uma catástrofe como esta torna-se quase impossível de parar. De momento, a BP garante estar a recolher 15 mil barris de petróleo por dia. Mas os restantes 25 mil barris que saem incontrolados continuam a poluir o mar, a matar a fauna e as aves marinhas da costa americana e a pôr em causa a pesca naquela região. A última tentativa da BP passou por comprar à empresa do actor Kevin Costner 32 máquinas usadas para separar a água do petróleo. Resta saber se serão suficientes. Impotente, Obama já foi quatro vezes à região afectada pela maré negra. E apesar de ninguém saber quando é que o pesadelo vai acabar, todos parecem desejosos de ter a sua vida de volta, como afirmava há dias o director da BP, Tony Hayward, num desabafo que lhe valeu duras críticas. *jornalista do Diário de Notícias A verdade é que a petrolífera já fez de tudo para tentar travar a fuga de petróleo. Desde colocar betão no poço a tentar tapá-lo com lixo composto por bolas de golfe, lama e pneus, não faltaram as operações no Golfo do México. Sem sucesso. Com as empresas a perfurarem cada vez mais fundo o poço da Deepwater Horizon fica a 1500 me- Técnicos tratam um pelicano em Luisiana, atingido pela maré negra do Golfo do México FÁTIMA MISSIONÁRIA 18 JULHO 2010

4 Dois meses de tragédia 20 Abril Explosão na plataforma Deepwater Horizon, explorada pela BP ao largo do estado americano da Luisiana, mata 11 trabalhadores. Dois dias depois, afunda-se e a maré negra começa a expandir-se no Golfo do México. Uma semana depois, a guarda costeira estima que a fuga seja de cinco mil barris por dia. 02 Maio O Presidente americano, Barack Obama, visita as zonas afectadas e garante que a BP irá pagar pelos estragos. O director da BP garante que a petrolífera britânica irá pagar os trabalhos de limpeza. Começa a perfuração de um poço de emergência. 07 Maio Falha primeira tentativa para tapar o poço com cem toneladas de betão. Dois dias depois, a BP tenta travar a fuga usando lixo. 11 Maio Audições no Congresso americano concluem que a fuga foi resultado de sucessão de erros. Obama critica o triste espectáculo dos patrões das petrolíferas a acusarem-se uns aos outros. 20 Maio Primeiro petróleo chega à costa da Luisiana. Peritos mostram-se preocupados com o facto de as correntes poderem levar a mancha negra, do tamanho do Luxemburgo, até à costa. 26 Maio BP inicia mais uma operação para travar a fuga, que falha três dias depois. No dia seguinte, Obama estende a proibição de explorar petróleo offshore a grandes profundidades por mais seis meses. 04 Junho BP coloca uma tampa no poço. 08 Junho Obama diz do director da BP, Tony Hayward: Se trabalhasse para mim já o tinha despedido. Reino Unido mostra-se preocupado com os ataques à sua petrolífera. 11 Junho Almirante Thad Allen, que coordena os esforços da guarda costeira americana, escreve ao presidente da BP a pedir um encontro. Estimativas sobre a fuga aumentam para 40 mil barris por dia. 12 Junho O primeiro-ministro britânico, David Cameron, alerta Obama, por telefone, para não pôr em causa a BP. Mas Downing Street garante que a relação entre os dois países não está comprometida. 15 Junho No seu primeiro discurso à nação a partir da Sala Oval, Obama prometeu que vai fazer a BP pagar pelos estragos da maré negra. Um dia depois, a petrolífera aceita colocar 20 mil milhões de dólares num fundo de compensação às vítimas. 18 Junho Svanberg garante que, apesar da maré negra, a BP continua forte. E o presidente britânica anuncia que o directorgeral, Tony Hayward, vai deixar de supervisionar as operações de limpeza no Golfo do México. 01 Junho Acções da BP caem 17 por cento no dia em que os EUA anunciam um inquérito civil e criminal. Há mais de dois meses, que o petróleo continua a inundar as águas do Golfo do México FÁTIMA MISSIONÁRIA 19 JULHO 2010

5 Carl-Henric Svanverg O sueco que manda na BP A empresa pode ter ADN britânico, como o recorda a sigla BP British Petroleum, mas não deixa de ser uma multinacional e a prova mais evidente é o seu número um chamar-se Carl- -Henric Svanberg e ser cidadão sueco. Aos 58 anos, este divorciado recente de uma professora universitária que é mãe dos seus três filhos lidera uma companhia de sucesso que, de um momento para o outro, se transformou numa enorme dor de cabeça. E ainda por cima, só a 1 de Janeiro de 2010 Svanberg se tornou o número um da BP, sucedendo a Peter Sutherland. Com um passado empresarial de sucesso no seu país, onde geriu durante seis anos a Nokia, este fã de hóquei no gelo, ex-jogador do mesmo desporto, optou durante quase dois meses por não comentar em público a maré negra no Golfo do México, entregando a missão difícil a Tony Hayward, o director. Mas dia 16 de Junho, este natural de Porjus, na Lapónia sueca, aceitou encontrar- -se com o Presidente Barack Obama na Casa Branca e, pressionado, prometeu não pagar os dividendos aos accionistas este ano e criar um fundo de 20 mil milhões de dólares (16 mil milhões de euros) para indemnizar as vítimas da maré negra. Palavras preciosas de quem tem um salário anual de 750 mil libras (uns belos 900 mil euros). Concorrentes apontam dedo à BP O maior desastre ambiental da história dos Estados Unidos poderia ter sido evitado se a BP tivesse seguido regras básicas de segurança. A afirmação pertence aos dirigentes de várias empresas petrolíferas, chamados a prestar depoimento junto do Congresso americano na sequência da maré negra que, desde 22 de Abril, afecta o Golfo do México. Uma investigação independente mostrará que a tragédia podia ter sido evitada, declarou John Watson, número um da Chevron. Palavras idênticas foram pronunciadas pelos executivos da Exxon-Mobil, da Conocophillips e da FÁTIMA MISSIONÁRIA 20 JULHO 2010 Shell, todos interessados em marcarem distância da BP e defender a segurança da extracção petrolífera quando realizada dentro das normas. Cercado por todos os lados, o líder da BP nos Estados Unidos, Lamar McKay, defendeu a sua empresa, recusando admitir desrespeito das regras em nome dos lucros, mas disse lamentar o que está a acontecer no Golfo do México. Uma consequência imediata do derrame de crude foi a suspensão de dezenas de autorizações de novas prospecções petrolíferas nos fundos marinhos dos Estados Unidos, o que é um duro golpe para o sector. Apesar da esmagadora maioria dos países apostar em fontes de energia alternativas, o mundo contin O mundo consome 84 mihões de barr Por dia o mundo consome 84 milhões de barris de petróleo, valores de 2009, um ano em que a crise global fez com que a sede de crude baixasse 2 por cento em relação ao ano anterior, o que não é a regra das últimas décadas. Basta pensar que, em 1965, esse consumo diário se limitava ainda a 31 milhões de barris, mas, em 1980, era já de 61 milhões e, em 2000, de 76 milhões. Os Estados Unidos, primeira potência económica mundial, são de longe o país mais dependente do petróleo, com um gasto diário avaliado em 18,6 milhões de barris, mas a China, potência emergente, consome já 8,6 milhões. A seguir vêm o Japão, com 4,3 milhões de barris por dia, a Índia com 3,2 milhões e a Rússia com 2,7 milhões. Portugal, por seu lado, consome cerca de 269 mil barris de crude por dia, uma quebra de 5 por cento em relação a E apesar de a esmagadora maioria dos países apostar em fontes de energia alternativas, desde

6 Os Estados Unidos, primeira potência económica mundial, são de longe o país mais dependente do petróleo, com um gasto diário avaliado em 18,6 milhões de barris uará a depender muito dos combustíveis fósseis is por dia o nuclear à solar e à eólica, a economia mundial continuará nas próximas décadas a depender muito dos combustíveis fósseis, com a forte procura a fazer subir os preços do barril e a incentivar novas prospecções, sobretudo nas profundezas marinhas. O Médio Oriente tem por enquanto as maiores reservas provadas, em países como a Arábia Saudita, o Iraque e o Irão, mas África e América Latina estão cada vez mais a afirmar-se como grandes produtores. Pânico nos fundos de pensões Os fundos de pensões britânicos estão assustados com o braço-de-ferro entre a BP e as autoridades americanas por causa das responsabilidades pela maré negra no Golfo do México que dura desde finais de Abril. A petrolífera, cujas iniciais querem dizer British Petroleum, tem um passado de enorme prosperidade, o que lhe vale tradicionalmente uma boa cotação bolsista e a possibilidade de distribuir generosos dividendos pelos seus accionistas. Com este perfil é natural que a BP seja uma componente importante no portfólio dos fundos de pensões, sobretudo do Reino Unido. Mas depois da explosão da plataforma marítima Deepwater Horizon, a empresa tem estado sob enorme pressão para minimizar o impacto tanto ambiental como económico da fuga incontrolada de crude para as águas do Sul dos Estados Unidos. Não só praias e outras zonas costeiras têm sido atingidas, com FÁTIMA MISSIONÁRIA 21 JULHO 2010 a consequente morte de fauna e flora, como o turismo e a pesca estão a ser duramente afectados. Pressionado pela sua opinião pública, o presidente Barack Obama afirmou já que a BP terá que pagar até ao último tostão os danos que causar, o que é mau sinal para as contas de uma empresa que conta com 40 por cento dos seus activos nos Estados Unidos, sobretudo no Golfo México e Alasca. A centenária companhia viu já a sua cotação em bolsa perder 50 mil milhões de libras (61 mil milhões de euros) e há quem admita a hipótese, ainda que remota, de falência. Se isso acontecer, muitos britânicos que investiram as suas poupanças em fundos de pensões poderão vir a ser prejudicados, uma prova mais de que a economia está cada vez mais globalizada e que uma tragédia ambiental num lado do Atlântico pode afectar os rendimentos na velhice de gente que vive no outro. Cinco piores derrames da história Ainda é cedo para perceber a dimensão final da maré negra do Golfo do México, mas já é pior do que a causada pelo naufrágio do petroleiro Exxon Valdez em 1989 ao largo do Alasca. Apesar de este ter sido, até agora, o pior desastre ecológico da história dos Estados Unidos, com toneladas de petróleo derramadas, não surge sequer nos cinco piores derramamentos de petróleo da História. Guerra do Golfo 1,5 milhões de toneladas Quando as forças armadas iraquianas de Saddam Hussein, em fuga do Koweit depois da Guerra do Golfo em 1991, abriram as válvulas dos poços de petróleo e oleodutos, foram derramados oito milhões de barris de crude para o Golfo Pérsico. Poço de petróleo Ixtoc I 454 mil toneladas Quando o poço de petróleo Ixtoc I explodiu no Golfo do México, em Junho de 1979, a plataforma incendiou-se e afundou-se. A ruptura das válvulas tornou ainda mais difícil às equipas de socorro controlar os estragos. A fuga continuou até Março de Atlantic Empress e Aegean Captain 287 mil toneladas Em Julho de 1979, o petroleiro grego Atlantic Empress choca com o Aegean Captain durante uma tempestade tropical ao largo da ilha de Tobago, nas Caraíbas. Esta foi a pior maré negra causada unicamente por fugas em petroleiros. O acidente matou 26 membros das tripulações. Vale de Fergana 285 mil toneladas Uma das zonas da Ásia Central mais densamente povoadas, o Vale de Fergana, entre o Tajiquistão, o Usbequistão e o Quirguizistão, foi o local onde, em 1992, ocorreu a pior fuga de petróleo em terra. Campos petrolíferos de Nowruz 260 mil toneladas Durante a Guerra entre o Irão e o Iraque, um petroleiro chocou com esta plataforma, em Fevereiro de 1983, derramando aproximadamente 1500 barris por dia até a plataforma ser atacada pela aviação iraquiana e se incendiar, em Março. Os campos de petróleo não foram logo colmatados, uma vez que se encontravam em plena zona de conflito. Só em Setembro, o Irão conseguiu parar a fuga, um processo que causou a morte de 11 pessoas.