Musicoterapia: estudo de caso de uma criança autista
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- Felipe Corte-Real Alencar
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1 Musicoterapia: estudo de caso de uma criança autista Clarisse Prestes Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde (Fepecs) Instituto Vida Una Resumo. O indivíduo autista apresenta padrões de percepção e resposta ao mundo alterados em comparação com aqueles considerados dentro da normalidade. Trabalhos feitos na área da Musicoterapia comprovam que crianças com dificuldade de interação podem se beneficiar e se comunicar melhor a partir de um contexto mediado pela música. Os familiares oferecem as melhores condições de aferir se os ganhos obtidos por ela no setting musicoterapêutico podem ser também aplicados na sua vida cotidiana. O presente estudo de caso visa trazer alguns aspectos da clínica da Musicoterapia no tratamento de uma criança autista a partir da avaliação da mãe e reflexão da pesquisadora. Palavras-chave: autismo, estudo de caso, musicoterapia Apresentação A clínica da Musicoterapia no tratamento de uma criança autista pode ser uma terapia extremamente eficiente na abertura de canais de comunicação, ela é concebida como possibilitadora de mudanças significativas na vida do autista, tanto nos contextos terapêutico e educacional quanto no ambiente sócio/familiar (CRAVEIRO DE SÁ, 2003, p.111). O atraso ou ausência total de desenvolvimento da linguagem falada, não acompanhado por uma tentativa de compensar através de modos alternativos de comunicação tais como gestos ou mímica resulta numa atitude de isolamento, é apontado como um dos principais pilares que definem o autismo. A música é uma linguagem não-verbal e uma das dificuldades do indivíduo autista é a comunicação verbal, pode-se supor que a comunicação como expressão seja facilitada e mesmo estimulada pela intervenção musicoterapêutica. Benenzon afirma que não cabe a menor dúvida que a Musicoterapia é para a criança autista a primeira técnica de aproximação, pois o enquadre não verbal é o que permite a esta estabelecer os canais de comunicação (BENENZON,1985, p.140). Muitos pais de crianças autistas registram, às vezes com muito orgulho, a facilidade que suas crianças apresentam para repetir rimas, tabelas, o alfabeto para trás e para frente, listas de quaisquer produtos. Por outro lado, apresentam grande dificuldade em juntar as palavras, transformando-as num linguajar coerente. Quando as sentenças são finalmente formadas, ou quando lhes é feita uma pergunta, a resposta é dada pela literal repetição da 1
2 pergunta. A isso se chama ecolalia imediata. Outras vezes, as palavras ou frases ouvidas em propagandas de TV ou em outros ambientes são "estocadas" pela criança e pronunciadas mais tarde. A isso se chama ecolalia tardia. O musicoterapeuta experiente pode utilizar-se dessas ecolalias para, a partir do interesse da criança, ampliar seu repertório. Pode transformá-las com o uso de gestos, inflexões, métricas e timbres diferentes e construir momentos de interação realmente criativa. Em sessões de Musicoterapia, tem se observado que muitas vezes indivíduos autistas também demonstram satisfação quando estão cantando e dão a impressão de que nestes momentos conseguem sair do seu isolamento. A proposta desta pesquisa foi verificar em quais aspectos o tratamento via Musicoterapia pode trazer benefícios para a vida de uma criança autista, a partir da avaliação da família. Especificamente, buscou-se verificar quais ganhos obtidos durante os atendimentos realizados no ambiente terapêutico são extensivos à vida da criança. Escuta e Relações O autismo traz profundas anormalidades nos mecanismos neurológicos que controlam a capacidade da pessoa de mudar o foco de atenção em meio a diferentes estímulos (COURCHESNE, 1980 apud GRANDIN, 1992). Isso pode dar lugar a uma escuta que seleciona sons segundo critérios próprios a um só indivíduo. O autista frequentemente apresenta percepções auditivas diferentes dos indivíduos neurotípicos, que em comparação podem ser exacerbadas ou diminuídas. Leivinson (1999) comenta que é difícil estabelecer respostas definitivas relacionadas com determinados estímulos sonoros, mas algumas regras que se referem à intensidade e altura do som parecem ser comuns nos indivíduos autistas. Entretanto estas pautas não podem ser generalizadas se a criança está em uma situação altamente prazerosa na qual não precisa manifestar suas condutas defensivas. Compreender as diferentes categorias de escuta tanto a sua como a do paciente - organiza a leitura do musicoterapeuta com relação aos eventos acontecidos durante os atendimentos possibilitando intervenções musico - sonoras adequadas. A pessoa com autismo apresenta grande dificuldade de socialização, que faz com que tenha uma pobre consciência da outra pessoa; em muitos casos, isso resultará numa falta ou diminuição da capacidade de imitar, que é uns dos pré-requisitos cruciais para o aprendizado; 2
3 outro fator importante é a incapacidade de se colocar no lugar de outro e de compreender os fatos a partir da perspectiva do outro. A experiência compartilhada com a música pode ajudar a construir relações significativas dentro do setting, promovendo momentos desafiadores por estimularem o desejo de imitação por parte da criança. A relação do paciente com o terapeuta e com a música assume um aspecto crucial e tem significação central no processo terapêutico. A música sozinha não é capaz de construir relações. A relação com a música é que constrói relações. Através das experiências musicais e das relações estabelecidas através delas, o autista pode ampliar a sua capacidade de integração social e pouco a pouco adquirir mais autonomia. O processo musicoterápico então parece proporcionar a oportunidade de (re) vivenciar fases muito arcaicas de formação do Ego, mas de uma nova forma. A sonoridade, nesta nova vivência, é introjetada como prazer, levando à possibilidade de relacionamento com o outro e de inserção no discurso cultural (COSTA, 1989, p.88). A falta de habilidade em perceber e compreender expressões emocionais em outras pessoas parece relacionar-se com a limitação em imaginar qualquer coisa. São evidentes as dificuldades nos terrenos de capacidade criativa e de meta-representação. Os resultados positivos do engajamento em experiências criativas com a música no que se refere à abertura de canais de comunicação podem proporcionar-lhe maior contato com a realidade e mesmo uma modificação no modelo/representação do mundo que o cerca. A falta de tentativa espontânea de compartilhar prazer, interesses ou realizações com outras pessoas muitas vezes é superada nas interações musicais do paciente com o terapeuta. A experiência criativa com a música gera transformações, possibilitando que alguns comportamentos cristalizados do sujeito se modifiquem no setting terapêutico e que esta experiência de mudança seja transferida para outras situações de sua vida pessoal (BRANDALISE, 2001). Padrões ritualísticos e não funcionais como movimentos estereotipados (agitar ou torcer mãos ou dedos, ou movimentos pendulares com o corpo, por exemplo) podem ser rompidos e flexibilizados na interação musical. A comunicação verbal nestes casos tem se mostrado frequentemente sem validade. As experiências sonoro-musicais podem ajudar o indivíduo autista a sair do círculo vicioso em que se encontra. Os jogos sonoros que se realizam numa sessão de Musicoterapia podem se basear nas estereotipias que a criança traz e ser transportados para um instrumento musical, dando outra 3
4 utilidade ao gesto, motivando uma mudança qualitativa na relação com os objetos. (LEIVINSON, 1999). Musicalidade Clínica A musicalidade está presente em algum grau em todo o ser humano, e esta será desenvolvida ou não, ou até sufocada, dependendo de vários aspectos como o meio e as possibilidades de cada um de desenvolvê-la (BARCELLOS, 2004, p.68). Brandalise afirma que é no desenvolvimento de sua musicalidade clínica que o musicoterapeuta, poderá revelar a potência terapêutica da música. cabe ao musicoterapeuta adquirir a habilidade para detectá-la, no processo musicoterápico, a partir da instalação da relação terapêutica e da percepção da demanda clínica do paciente. (BRANDALISE, 2001, p.17). Para Barcellos (2004) a musicalidade clínica é uma capacidade do musicoterapeuta para perceber os elementos musicais contidos na produção ou reprodução musical de um paciente e a habilidade de responder, interagir, mobilizar e ainda intervir musicalmente na produção do paciente, de forma adequada. Esta capacidade significa não só perceber esses elementos, mas ter condições de articulá-los com a história do paciente, com sua etapa de vida ou ainda com a situação na qual estes elementos estão sendo produzidos, com o objetivo de captar possíveis significados/sentidos/conteúdos vinculados através dessa produção. Metodologia Antes do início dos atendimentos, uma ficha musicoterápica foi respondida pela mãe do menino sujeito desta pesquisa; a partir dela, foram colhidos dados do histórico sonoro-musical da criança. A criança foi atendida durante um período de doze meses, uma vez por semana. Após este período, uma entrevista exploratória e aberta foi gravada, com a autorização da mãe, que teve por objetivo verificar se os benefícios obtidos durante os atendimentos realizados no ambiente terapêutico - na sua percepção - foram extensivos à vida da criança fora do setting. A partir desta entrevista, levantaram-se, no conteúdo do discurso da entrevistada, algumas categorias de investigação: a) a importância da Musicoterapia na vida da criança; b) a existência de uma sensibilidade auditiva diferente e uma escuta seletiva; 4
5 c) a contribuição da música na experimentação e compartilhamento de sentimentos e emoções; d) uma melhora na qualidade de comunicação em geral; e) a abertura para a subjetividade; f) uma ampliação da capacidade de integração social e do repertório de interesses, oportunizando uma saída da condição de isolamento. A mãe resume nesta afirmação sua visão da importância da música na vida do filho: A música em si já é algo libertador. Para o L. é mais do que isso, ela nos transporta junto com ele para uma freqüência em comum. A música para ele completa tanto um momento de diversão solitária quanto uma satisfação de compartilhar sua grande predileção com quem ele gosta. Parece que esse menininho veio a Terra programado para estar guardado em seu mundo, mas, felizmente, com ele veio um manual de instruções de como fazer para acessá-lo... e esse manual está escrito em notas musicais. Confirma a existência de uma sensibilidade sonora diferente nas crianças autistas: Quando ele começou ainda tinha problema com o liquidificador, por exemplo. A mãe identifica um ganho qualitativo no aspecto da tolerância auditiva, que atribui à Musicoterapia: Acho que trabalha a tolerância, o som é trabalhado com os volumes diferentes, tempo, freqüência, não sei, eu não conheço o trabalho detalhadamente, mas eu sei que é isso, o fundamento é esse. Trabalhar com som para melhorar a capacidade cerebral da criança de assimilar sons e a tolerância. Uma observação importante se refere ao nome da criança, quando cantado e ratifica a afirmação de que, para a criança autista o foco de atenção e interesse em meio a diferentes estímulos pode dar lugar a uma escuta que seleciona sons: Tem também aquilo que a gente já falou e que vocês também fazem: às vezes a gente chama o L. e ele parece surdo, mas se a gente canta o nome dele, ele atende. E, ainda com relação ao foco de atenção: O foco de atenção dele aumentou. Reparei que ele tem prestado mais atenção em vocês durante as atividades propostas. Em casa também, ele tem respondido muito melhor as nossas solicitações. Encontrarmos na fala da mãe também referência a uma melhora na pronúncia das palavras: A pronúncia dele melhorou muito, claro que ainda não está boa, mas está bem melhor (...) Eu acredito que como é o interesse dele [a música] as palavras da música, ele 5
6 pronuncia melhor. Cantar também, eu acho que ele procura fazer da melhor forma. E esta questão da palavra, de pronunciar bem a s palavras, eu acho que está vinculado a isso Aparece no comentário da mãe a presença de uma abertura maior para o subjetivo e o simbólico: Atividades também com brinquedos, com bonecos, que ele não gostava, ele tem gostado muito. Pega o super-homem e diz: para o alto e avante! Ele espera eu fazer o barulho do vôo do super-homem e ele põe o super-homem pra voar igual a uma criança típica mesmo de quatro anos. Coisas que ele não fazia de jeito nenhum, Boneco e brinquedo, ele detestava. Abriu um campo grande de brincadeira, A mãe fala de um gradativo aumento da capacidade de interação e engajamento em atividades do cotidiano alguns, a partir dos momentos compartilhados com a música: o que a gente faz aqui [na sessão de Musicoterapia] eu tento complementar também em casa. Observa que ele não partilhava e eu percebo que esses momentos partilhados estão aumentando. Considerações Finais A partir do referencial teórico pesquisado e dos dados coletados na entrevista, tornou-se evidente que a Musicoterapia pode proporcionar uma abertura de canais de comunicação importantes na vida da criança autista. Principalmente, foi confirmada a hipótese que as relações que a criança constrói a partir da relação com a música podem se estender para além do setting terapêutico. Percebeu-se ainda que uma elaboração mais completa do material coletado e uma análise mais aprofundada de cada uma das categorias de investigação surgidas no conteúdo da entrevista, se fazem necessárias e poderão acontecer em uma pesquisa que dê continuidade a esta. Os caminhos da Musicoterapia em direção ao indivíduo autista podem ser trilhados passo a passo, com cuidado, dedicação, estudo e pesquisa. Referências BARCELLOS, Lia Rejane. Musicoterapia: alguns escritos. Rio de Janeiro RJ: Enelivros, BENENZON, Rolando O. Manual de Musicoterapia. Rio de Janeiro RJ: Enelivros, BRANDALISE, André. Musicoterapia músico-centrada Linda 120 sessões. São Paulo SP: Apontamentos Editora,
7 COSTA, Clarice Moura. O despertar para o outro. São Paulo: Summus, CRAVEIRO DE SÁ, Leomara. A Teia do Tempo e o Autista: Música e Musicoterapia. Goiânia: UFG, GRANDIN, Temple. Inside_view_of_autism Disponível em: < ; ftp://ftp.syr.edu/information/autism/an inside_view_of_autism_txt > Acesso em: 10/03/08. LEVINSON, Cora. Musicoterapia para autismo o musicoterapia por ser humano? In: VII Jornadas de AMURA BS.AS. 1997, publicado en las Actas de las Primeras Jornadas de Autismo Infantil de APADEA filial Mendoza, Disponível em: < Acesso em: 27/02/
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