AÇÃO DA PEDRA PRETA (CARVÃO ANIMAL) SOBRE O EFEITO LET AL DO VENENO DA SERPENTE Bothrops atrox
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- Eduardo Tomé Vilaverde
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1 AÇÃO DA PEDRA PRETA (CARVÃO ANIMAL) SOBRE O EFEITO LET AL DO VENENO DA SERPENTE Bothrops atrox Venina Vale' Jane Raquel Silva de Oliveira' Maria Célia Pires Costa" Marilene Oliveira da Rocha Borges'" Antônio Carlos Romão Borges'" RESUMO A pedra preta, material obtido da carbonização de ossos bovinos, é utilizada popularmente no tratamento de picadas por animais peçonhentos. O objetivo deste trabalho foi avaliar a ação da pedra preta sobre o efeito letal do veneno da serpente Bothrops atrox (jararaca) em camundongos. A pedra preta foi preparada a partir do fêmur bovino cortado em pedaços de 2 a 4 em, limpos e expostos ao sol por 30 dias. Em seguida foram carbonizados sob brasa, colocados sob o solo e posteriormente lixados. Nos ensaios biológicos foram utilizados camundongos C3H, machos e fêmeas (20 a 27 g). Os animais foram divididos em dois grupos: controle (CT, n=1 O) e tratados com a pedra preta (TPP, n= IO). Os camundongos foram injetados, por via subcutânea na coxa direita, com a dose letal (40mg/kg) do veneno de Bothrops atrox. No grupo TPP, a pedra preta foi imediatamente colocada sobre o local de inoculação e removida após 1 hora. O tempo de sobrevida dos animais CT foi de 180,3±12,6 minutos (3 horas) e do grupo TPP foi de 395,4±64 minutos (6 horas e 35 min.). Houve, portanto, um aumento (P<0,05, teste t de student) de 119% no tempo de sobrevida dos animais tratados. Estes resultados indicam que a pedra preta é capaz de reduzir o efeito letal do veneno de Bothrops atrox, quando inoculado em camundongos. Palavras-chave: atrox; veneno. pedra preta; acidentes ofidicos; dose letal; Bothrops Alunas do Curso de Farmácia da Universidade Federal do Maranhão Doutora I Professora do Departamento de Química e Biologia da Universidade Estadual do Maranhão Doutor(a) I Professor(a) do Departamento de Ciências Fisiológicas da Universidade Federal do Maranhão
2 ABSTRACT The black stone made from carbonized bovine bones, it is used for treatment of snake bites. The objective ofthis study was to evaluate the action ofthe black stone on lethal effect of Bothrops atrox snake venom in mice. The black stone was made from cuted bovine femur (2-4 em), cleaned and exposed to sun for 30 days. The bone pieces were carbonized below the burning coal, put under earth and then polished. It was used mice C3H, males and females (20-27 g). The animais were separated in two groups: control (CT, n= 1O) and treated with black stone (TPP, n=10). It was inoculatedthe lethaldose (40 mg/ Kg) of the Bothrops atrox snake venom in right thigh, by subcutaneous way, ofthe animais. In the group TPP the black stone was put on the local ofinoculation and the removed after one hour. It was measured the survival time ofthe animais (CTand TPP groups). The middle survival time ofthe group CT was 180.3±12.6minutes (3 hours) and the group TPP was 395.4±64 minutes (6 hours and 35 min.). There was a increase(p<o.05, Studentt test) of 119% of survival time of treated animais. These findings support the hypothesis that the black stone was capable to reduce the lethal effect of Bothrops atrox venom inoculated in mice. Keywords: venom. black stone; snake bites; lethal dose; Bothrops atrox; 1 INTRODUÇÃO No Brasil, as serpentes peçonhentas pertencem aos gêneros Bothrops, Crotalus, Lachesis e Micrurus, os quais são responsáveis por mais de acidentes notificados anualmente ao Ministério da Saúde. As serpentes do gênero Bothrops estão distribuídas por todo o território nacional, sendo responsáveis por aproximadamente 90% dos acidentes ofidicos registrados no país (AMARAL et al., 1991). A serpente Bothrops atrox Linnaeus, 1758, conhecida popularmente como jararaca-do-rabo-branco, está amplamente distribuída por to: Ia Região amazônica, atingindo quase todos os países da América Latina, exceto Chile, Paraguai, Uruguai e Argentina (CAMPBELL e LAMAR, 1989). Esta serpente é também bastante comum nas áreas de floresta úmida do Pará e Maranhão, bem como nos cerrados, babaçuais e campos maranhenses, sobretudo nos locais de cultura agrícola (CUNHA e NASCIMENTO, 1982). A maioria dos acidentes ofídicos ocorrem com pessoas do sexo masculino, em idade adulta, exercendo, sobretudo, atividades agrícolas, e atingem principalmente os membros inferiores das vítimas (CAIFFA et ai., 1997; FEITOSA et a!., 1997; NASCIMEN- TO, 2000). Acontecem predominantemente na zona rural, embora sejam também problemas freqüentes na peri- 10 Cad. Pesq., São Luís, Y. 13. n. 2, p. 9-15, jul./dez
3 feria dos grandes centros urbanos (CARVALHO e NOGUEIRA, 1998). Em países de grandes dimensões territoriais, como o Brasil, no qual os acidentes ofídicos ocorrem principalmente na zona rural e, portanto, distantes dos postos de saúde, a vítima demora muito até receber atendimento médico. Em algumas regiões, as vítimas só são atendidas em média, cerca de 6 horas após a picada (BORGES et al., 1999). Geralmente, o longo intervalo de tempo entre a picada e a aplicação do tratamento específico causa agravamento do estado lesivo do paciente, o que pode levá-lo até mesmo ao óbito. A medida terapêutica mais eficaz disponível contra as ações do veneno é a administração de soro antiofídico, obtido de cavalos hiperimunizados, possuindo, por isso, custo elevado, estoques controlados e possíveis reações adversas como hipersensibilidade imediata, broncoespasmo, choque anafilático, dentre outras. Além disso, o soro antiofídico a ser aplicado deve ser específico para o gênero ao qual a serpente pertence e administrado o mais precocemente possível e por via endovenosa (BARRA VIEIRA, 1999). Para que seja dado o diagnóstico dos acidentes ofídicos e, conseqüentemente, a aplicação do tratamento adequado, as características clínicas apresentadas pelo paciente e/ou reconhecimento da serpente agressora são bastante importantes. No entanto, a captura do animal para identificação do gênero nem sempre é possível (BARROSO et al., 1993). Além dis- so, alguns gêneros provocam sinais e sintomas similares, como os de Bothrops e Lachesis, dificultando que a vítima receba o soro específico, o qual é mais eficaz que o soro polivalente (BORGES et ai., 1999). Em nosso país como os acidentes ofídicos ocorrem principalmente na zona rural ou nas periferias dos grandes centros urbanos, as vítimas levam muito tempo até receberem tratamento médico. Além disso, existem relatos de alguns casos em que o soro antiofídico é aplicado por outras vias que não a endovenosa, como a intramuscular e a subcutânea (BORGES et ai., 1999). A "pedra preta", material obtido a partir da carbonização de ossos bovinos, é utilizada popularmente na Índia e na África no tratamento de picadas por animais peçonhentos. Nestes locais, o material é vendido em estabelecimentos farmacêuticos acompanhado de prospecto que informa quanto à indicação clínica, modo de usar, processo para reutilização e confecção do mesmo. Freiras missionárias vindas destes países trouxeram a "pedra preta" para o interior do Estado do Maranhão e doada a lavradores (MORElRA et ai., 2001 e PEREIRA et al., 2001). Considerando as dificuldades para aplicação de um tratamento rápido e específico em casos de picadas por animais peçonhentos, este trabalho foi realizado com o objetivo de avaliar a eficácia da pedra preta no tratamento de acidentes ofídicos, através da avaliação de sua ação sobre o efeito letal do veneno de Bothrops atrox. Cad. Pesq., São Luís, v. /3, n. 2, p. 9-/5, jul./dez Il
4 2 MATERIAL E MÉTODOS 2.1 Preparo da pedra preta O preparo das amostras de pedra preta foi realizado segundo o método artesanal utilizado na África, descrito a seguir. O fêrnur bovino foi adquirido em frigorífico de São Luís e cortado em pedaços de 2 a 4 em. Toda a gordura depositada na superfície foi retirada e os ossos colocados em água sob fervura por aproximadamente 7 minutos. Depois de limpos, foram expostos ao sol e ao vento por 30 dias e então colocados diretamente sob a brasa até que estes ficassem incandescentes. O tempo de carbonização foi de aproximadamente 15 minutos. Após a carbonização as amostras foram colocadas imediatamente sob o solo arenoso, numa profundidade de cerca do 40 em e por um tempo de 1 hora. A temperatura do solo estava a 26 C. As amostras inteiras foram polidas com lixa grossa n. 60 para que ficassem com a superfície plana, e posteriormente com lixa fina n Os testes de aderência e de borbulhamento foram realizados para o controle de qualidade das amostras produzidas, de acordo com o prospecto que. acompanha a "pedra preta" vendida na África. As amostras de pedra preta, após utilização, foram descontaminadas para reutilização. As pedras foram lavadas em água limpa, fervidas por 30 minutos e em seguida removidas da água, colocadas em leite até não formar bolhas e então fervidas novamente em água. As pedras foram posteriormente levadas à estufa a 110 C por 20 minutos e mantidas em dessecador até a realização do experimento. 2.2 Veneno Para a estudo foi utilizado veneno da serpente Bothrops atrox obtido sob a forma cristalina proveniente do Museu Paraense Emílio Goeldi da Universidade Federal do Pará. Uma solução de veneno foi preparada na concentração de 16 mg/ml em solução salina (NaCI 0,15 M), a qual foi dividida em alíquotas e estocadas em congelador. Cada alíquota foi resfriada à temperatura ambiente, minutos antes de cada experimento. 2.3 Animais Os animais utilizados neste trabalho foram camundongos C3H (isogênicos), machos e fêmeas, com peso variando entre 20 a 27 g. Todos os animais foram provenientes do Biotério Central da Universidade Federal do Maranhão. 2.4 Ensaios biológicos Todos os camundongos foram imobilizados em tábuas de cortiça durante o experimento. Foram utilizados 20 animais divididos em dois grupos: controle (CT, n=lo) e tratados com a pedra preta (TPP, n=10). Todos os animais receberam na coxa direita, por via subcutânea, dose letal do veneno de Bothrops atrox de 40 mglkg de peso de animal (BAR- ROS et al.,1998 e PAUMGARTTEN et ai., 1989). Nos animais do grupo TPP, 12 Cad. Pesq., São Luís, v. 13, n. 2, p. 9-15,jul./dez
5 a pedra preta foi imediatamente colocada, com auxílio de esparadrapo, sobre o local de inoculação. Após 1 hora, a pedra preta foi removida. Os animais do grupo CT não tiveram contato com a pedra preta. O tempo de sobrevivência (sobrevida) dos animais controle (CT) e dos animais tratados com a pedra preta (TPP) foi medido em minutos. 2.5 Análise estatística Os resultados foram expressos como médias ± erro padrão das médias. A comparação entre as médias foi realizada por meio do teste t de student não pareado, utilizando o software Graph Pad PRISM V3. As diferenças foram consideradas significativas quando P<0,05. 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1 Amostras de pedra preta Durante o preparo, as amostras de pedra preta que apresentaram leves fraturas ou estavam bastante quebradiças foram descartadas. As demais amostras, durante os testes de aderência e borbulhamento mostraram que estavam aptas ao uso. Foi observado ainda que quanto maior o tempo de carbonização das amostras, maior o poder de aderência da "pedra". 3.2 Ensaios biológicos De acordo com os resultados obtidos nos ensaios biológicos foi observado que o tempo de sobrevida dos animais do grupo CT foi de 180,3 ± 12,6 minutos, o que corresponde a cerca de 3 horas. Nos animais do grupo TPP, o tempo de sobrevida foi de 395,4 ± 64 minutos, o que corresponde a 6 horas e 35 minutos (Figura 1), havendo assim, um aumento na sobrevida dos animais tratados com a pedra preta em cerca de 119 %. Portanto, o tratamento com a pedra preta foi significativamente eficaz em aumentar a sobrevida dos animais.... c I 500 I 400 ra "C.:;.o ~ ovi 300 CIl 200 "C oa. E 100 CIl I- o CT Fig. 1: Tempo de sobrevida (minutos) de camundongos. em condição controle (CT) e tratados com a pedra preta (TPP) após inoculação de dose letal do veneno de Botrops atrox. * significap<o,05 vursus CT. Como a pedra preta demonstrou, neste trabalho, ser capaz de reduzir o efeito letal da peçonha quando inoculada em camundongos, pode, assim, ser uma importante alternativa para o tratamento de picada por animais peçonhentos até que a vítima possa receber atendimento ambulatorial. Embora a pedra preta não substitua o tratamento específico com o soro * Cad. Pesq., São Luís, v. 13, n. 2, p. 9-15,jul.ldez
6 antiofidico, ela apresenta algumas vantagens: não tem ação específica comprovada para alguns tipos de venenos, podendo ser utilizada em acidente ofídico causado por serpentes de qualquer gênero; não apresenta reações adversas comprovadas; seu transporte e uso são fáceis, o que permite que a própria vítima a aplique sobre o local da picada imediatamente após o acidente; e seu processo de confecção é fácil e barato. O mecanismo de ação da pedra preta ainda está sendo estudado. A pedra preta é obtida através de um processo de carbonização de ossos bovinos, que possuem altaporosidade e podem fornecer, assim, alta área superficial. Em trabalhos paralelos a este estudo, tem sido demonstrado que a pedra preta tem alto poder adsorvente (MOREIRA et ai., 2001 e PEREIRA et al., 2001). Desta forma ao adsorver várias substâncias contidas no veneno, a pedra preta reduz a concentração de componentes do veneno no local da picada, o que consequentemente reduz a intensidade das seqüelas produzidas pela secreção ofídica. 4 CONCLUSÃO A pedra preta demonstrou, neste trabalho, ser capaz de reduzir o efeito letal do veneno de Bothrops atrox, inoculado em camundongos, por aumentar a sobrevida destes animais. Desta forma, a pedra preta pode ser uma importante alternativa terapêutica, sobretudo nos casos em que a vítima demora a receber atendimento médico, permitindo que o paciente tenha mais chances de sobrevivência. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao Banco da Amazônia S. A. (BASA) pelo financiamento desta pesquisa. REFERÊNCIAS AMARAL, C.F.S. et ai. Manual de diagnóstico e tratamento de acidentes ofidicos. Brasília: Centro de Documentação do Ministério da Saúde, 1991, 43 p. BARRA VIEIRA, B. Venenos: aspectos clínicos e terapêuticos dos acidentes por animais peçonhentos. Rio de Janeiro: EPUB, p. BARROS, S.F. etal. Local inflammation, letthality and cytokine relase im mice injected with Bothrops atrox venom. Mediators Inflamm., London, v. 7, n. 5, p , BARROSO, D.E.; BÓIA, M.N.; PINHEI- RO, P.V.M.. Acidentes por animais peçonhentos. Jornal Brasileiro de Medicina, São Paulo, v. 64, n. 4, p ,1993. BORGES, c.c., SADAHIRO, M.; SAN- TOS, M.e. Aspectos epidemiológicos e clínicos dos acidentes ofidicos ocorridos nos municípios do estado do Ama- 14 Cad. Pesq., São Luís, v. 13, n. 2, p , jul./dez
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