Simone Vasconcelos Ribeiro Galina (FEA-RP/USP) Ana Valéria Carneiro Dias (UFMG)

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1 Estratégias de lucro e a organização internacional das atividades de inovação: uma comparação entre a cadeia automotiva e a de telecomunicações no Brasil Simone Vasconcelos Ribeiro Galina (FEA-RP/USP) svgalina@usp.br Ana Valéria Carneiro Dias (UFMG) anaval@usp.br Resumo Este artigo apresenta uma discussão das razões pelas quais as empresas transnacionais (TNC) alocam suas atividades de P&D em países em desenvolvimento. Para tanto, foram comparados dois setores: Automotivo (autopeças) e Telecomunicações (Fornecedores de equipamentos). Foram encontradas semelhanças em ambas as indústrias e, a partir dessa análise exploratória inicial, foi levantada uma hipótese de que, independentemente do setor, as empresas têm particularidades e seus objetivos ao internacionalizar P&D estão relacionados às suas estratégias de lucro. Palavras chave: Internacionalização de P&D, Estratégia, Desenvolvimento de Produtos. 1. Introdução Este artigo analisa as relações entre estratégias de lucro e organização internacional das atividades de inovação em companhias transnacionais (TNCs) através da comparação de casos na indústria automotiva e na de telecomunicações. Nosso principal objetivo é, por meio de um estudo exploratório, estabelecer possíveis conexões entre as estratégias de lucro, tais como definidas por Boyer e Freyssenet (2000), escolhidas pelas empresas e sua estrutura organizacional global para atividades de desenvolvimento de produtos (DP). Para tanto, analisaremos os fatores que levam a uma maior descentralização de atividades de DP e buscaremos conectá-los às estratégias de lucro adotadas pelas companhias, por meio de estudos em empresas da cadeia automotiva e da indústria de telecomunicações. Serão estudadas subsidiárias brasileiras de quatro fornecedores de autopeças e de quatro fornecedores de equipamentos de telecomunicações, que são os principais responsáveis pela inovação na área. Nessas firmas, a pesquisa foi conduzida através de entrevistas com diretores, gerentes e engenheiros da área de DP. Dados secundários foram obtidos através de associações de classe das respectivas indústrias, sindicatos, instituições governamentais e outros institutos de pesquisa. O artigo é estruturado da seguinte forma: em uma breve apresentação da base teórica, são discutidos os conceitos de estratégias de lucro e modelos de produção de Boyer e Freyssenet (2000) e as diferentes razões para integrar subsidiárias localizadas no exterior ao processo de desenvolvimento de produtos globais (DPG). Em seguida, são mostrados os panoramas das indústrias de telecom e automotiva, especialmente fornecedores de componentes automotivos e de equipamentos de telecomunicações, com relação à sua integração nas atividades de DPG. Finalmente, é apresentada a conclusão mostrando que, nos casos de autopeças e de telecom, a participação de subsidiárias no processo de DP depende da estratégia da empresa, das características do produto, de características da própria subsidiária e de fatores externos a ela. 2. Internacionalização de atividades de inovação Os estudos referentes ao processo de DP em corporações transnacionais e sua ENEGEP 2004 ABEPRO 2735

2 internacionalização apresentam duas tendências comuns: primeira, a adoção do conceito produto global ou pelo menos produto regional ; segunda, e mais recente, a tendência de descentralizar atividades de P&D, incluindo DP globais ou regionais, para as várias subsidiárias das companhias (CALABRESE, 2001; CHIESA, 2000). São vários os fatores considerados pelas companhias ao internacionalizarem P&D, apontados por pesquisas como a de Terpstra (1977), que apresenta as seguintes razões para a internacionalização de equipes de desenvolvimento: transferir tecnologia da matriz para as afiliadas no exterior; em resposta à pressão dos países onde se localizam as subsidiárias; para estimular o desenvolvimento de tecnologias; para melhorar as relações públicas; para ter acesso a recursos (principalmente de mão-de-obra qualificada) no exterior; para reduzir os custos de desenvolvimento; para tirar proveito de idéias e produtos locais; para realizar o desenvolvimento simultâneo por vários laboratórios simultaneamente; em resposta a maior sensibilidade do mercado; para continuação de P&D adquirida com a compra de empresas no exterior; e para obter vantagem de benefícios fiscais. Para Reddy (1997), os custos do desenvolvimento descentralizado configuram-se também como um dos fatores de internacionalização porque, em alguns casos, eles são inferiores aos custos de centralização das atividades; uma das razões para isso é a baixa remuneração da mão-de-obra em países em desenvolvimento. Assim, países como Brasil, Índia e Israel emergem como importantes centros de P&D, em grande parte devido aos baixos custos apresentados, se comparados ao de desenvolvimento em centros tradicionais localizados nos países centrais. Salerno et al (2003), após pesquisa em empresas brasileiras de autopeças, discutem algumas possíveis razões para a descentralização do DPG para subsidiárias localizadas no Brasil: volume (quanto maior a produção no país, mais atividades de DP são realizadas localmente); regulação de produtos ou condições de mercado; existência de uma estratégia de nicho de produtos (normalmente, veículos projetados no Brasil são de nichos específicos destinados a países emergentes; alguns de seus componentes são também desenvolvidos no Brasil); existência de competência técnica local; a importância da unidade local para os negócios da corporação; e a presença de requisitos legais e políticas públicas para estimular localização de atividades de DP. Se examinarmos as razões apresentadas por essas três pesquisas, podemos classificar os fatores que influenciam a internacionalização de P&D em três categorias (GALINA, 2003): aspectos internos da companhia (por exemplo, competência, relações entre unidades, trajetória histórica, etc.); aspectos ambientais (tais como características de mercado, existência de competências locais em universidades ou centros de pesquisa, entre outros); ou políticas públicas (ex: incentivos fiscais). Tais aspectos foram identificados também na nossa pesquisa, conforme apresentado posteriormente neste artigo. No entanto, mesmo que esses fatores tenham sido mencionados pelas companhias como importantes para descentralizar suas atividades de P&D, eles não têm a mesma relevância para todas as companhias. Duas são as razões para isso; primeiro, tais fatores não devem ser considerados separadamente: na grande maioria das vezes, a decisão de localizar as atividades P&D num determinado local é fruto de uma combinação entre eles. A segunda razão, que defendemos neste artigo, está relacionada às estratégias de lucro e ao modelo de produção escolhido pelas companhias: as estratégias de lucro poderiam elevar a importância relativa de alguns aspectos enquanto diminui a de outros. O conceito de estratégia de lucro, proposto por Boyer e Freyssenet (2000), e os possíveis impactos na internacionalização de P&D são discutidos brevemente na próxima seção. 3. Estratégias de lucro e modelos de produção: breve conceituação Segundo Boyer e Freyssenet (2000), que analisaram as principais empresas montadoras de veículos, há seis fontes de lucro possíveis relacionadas diretamente à produção de bens e ENEGEP 2004 ABEPRO 2736

3 serviços: economias de escala, diversidade dos produtos oferecidos ao mercado, inovação, flexibilidade produtiva e redução permanente de custos. Há uma correspondência entre essas fontes de lucro e a teoria de vantagem competitiva de Michael Porter; ambas as teorias afirmam que uma empresa deve escolher, dadas certas condições, o modo pelo qual ela irá competir, ou as fontes de lucro que lhe são mais convenientes. Mas, enquanto Porter ressalta a importância da dinâmica industrial nessa escolha, Boyer e Freyssenet afirmam que o mercado e as condições de trabalho podem também influenciá-la. Em outras palavras, não é possível explorar igualmente as seis fontes de lucro ao mesmo tempo, dado que há alguns trade-offs entre elas (por exemplo, economias de escala e alta diversidade de produtos). Portanto, há algumas combinações possíveis sob certas condições de mercado e trabalho. Tais combinações são denominadas pelos autores como estratégias de lucro, e podem ser as seguintes: qualidade; diversidade e flexibilidade; volume; volume e diversidade; redução permanente de custos; e inovação e flexibilidade. A fim de apoiar a estratégia de lucro escolhida, é necessário construir um modelo de produção coerente. Um modelo de produção, segundo a definição de Boyer e Freyssenet, é um compromisso de governança empresarial, que permite o estabelecimento de uma das estratégias de lucro viáveis dentro de uma determinada condição macroeconômica (especificamente, o modo de crescimento e distribuição de renda), e que é estabelecido de forma coerente e aceitável a todos os atores principais da empresa. Há diferentes formas de se obter uma determinada estratégia de lucro, e portanto pode haver diferentes modelos de produção para cada estratégia. Um modelo de produção é composto por três aspectos principais: a política de produtos (mercados e segmentos aos quais o produto se destina, o conceito do produto, a diversidade de produtos, objetivos de qualidade, inovação e posicionamento de cada produto); a organização produtiva, relacionada aos métodos escolhidos pela empresa para atingir uma determinada estratégia de lucro (nível de integração vertical, organização do desenvolvimento de produto, organização da cadeia de suprimentos, da produção e da distribuição etc); e as relações do trabalho (sistemas de recrutamento e seleção e de remuneração/avaliação etc). Cada modelo, derivado de uma estratégia de lucro, apresenta uma determinada política de produto, uma certa organização produtiva e determinadas características de relações do trabalho. Dado que empresas diferentes possuem estratégias de lucro diferentes e adotam diferentes modelos produtivos, tais empresas apresentarão formas diversas de organizar globalmente suas atividades de DP. De fato, é possível apontar algumas relações entre cada estratégia de lucro e política de produto e o nível de dispersão das atividades de P&D, como mostramos no Quadro 1, na próxima página. Nesse quadro, um P&D ou DP disperso significa que as atividades de inovação são realizadas em diferentes unidades; uma estrutura concentrada indica, ao contrário, que tais atividades são realizadas em uma unidade central (que pode ou não ser a matriz). Assim, algumas estratégias de lucro podem contribuir para a descentralização de atividades de DP, enquanto outras levariam a uma concentração de tais atividades em um centro de desenvolvimento, conforme a presença de certos atributos competência tecnológica, baixos custos ou competência da mão-de-obra. A fim de explorar essa possível relação, discutiremos a dispersão de estruturas de DP em dois setores industriais brasileiros: autopeças e equipamentos de telecomunicações. 4. Internacionalização de atividades de P&D nas indústrias de autopeças e de telecom Muitos autores analisaram, recentemente, os impactos da globalização no setor de autopeças no Brasil, discutindo as conseqüências da concentração e da internacionalização ocorridas ENEGEP 2004 ABEPRO 2737

4 nessa indústria após os anos 1990 (por exemplo, SALERNO ET AL, 2003), inclusive enfocando os impactos no nível das atividades de inovação conduzidas no país. Segundo tais estudos, grande parte das TNCs que adquiriram empresas de autopeças brasileiras optou, em um primeiro momento, por concentrar em seus países de origem as atividades de inovação que eram previamente conduzidas no Brasil, evitando manter estruturas de P&D duplicadas, reduzindo custos. Estratégia de lucro Diversidade e flexibilidade Qualidade Volume Volume e diversidade Inovação e flexibilidade Política de produto Modelos compartilhando um número limitado de peças, respondendo às necessidades dos diferentes consumidores Modelos refletindo a alta posição social dos consumidores Modelos respondendo às necessidades básicas dos clientes. Diversidade é claramente evitada Diversidade de modelos somente superficial, com plataformas compartilhadas, exceto no caso de produtos de nicho, de entrada ou de luxo. Modelos conceitualmente inovadores, antecipando as necessidades dos clientes. Possíveis conseqüências para a dispersão de atividades de P&D Estrutura de P&D dispersa; cada centro de DP pode ser responsável pelo desenvolvimento de um modelo. Estrutura concentrada. Produtos são realmente globais ; adaptações às condições locais são raras e realizadas centralmente. Estrutura de P&D concentrada, evitando estruturas duplicadas: as poucas adaptações a condições locais podem ser realizadas centralmente. Estrutura dispersa para o desenvolvimento de derivativos, concentrada para o desenvolvimento de plataformas. Concentração onde as tecnologias mais novas ou mais importantes estiverem presentes. Unidades radares em diversos mercados a fim de captar a evolução das necessidades dos consumidores. Redução Modelos projetados para satisfazer a demanda Concentração em uma unidade central, evitando permanente média em cada grande segmento de mercado, estruturas duplicadas. Unidades radares podem coletar de custos evitando inovações conceituais. informações sobre as necessidades locais, a menos que os mercados locais sejam extremamente importantes e consideravelmente diferentes do mercado da matriz. Quadro 1. Possíveis conseqüências das estratégias de lucro para a internacionalização das atividades de P&D. Contudo, algumas TNCs adotaram outra estratégia, conservando algumas atividades de DP no Brasil, ou mesmo aumentando suas estruturas brasileiras de DP um panorama similar ao observado no caso das montadoras de veículos (CARNEIRO DIAS E SALERNO, 2003). Como apresentado previamente, Salerno et al (2003) nos fornecem pistas para as razões pelas quais as empresas de autopeças escolhem internacionalizar seu P&D para as subsidiárias brasileiras. Em nosso estudo, conduzido em quatro subsidiárias brasileiras de empresas de autopeças, encontramos a presença de alguns desses aspectos. Todas as quatro firmas têm times de engenharia locais responsáveis por adaptar ou desenvolver produtos globais: Magneti Marelli, Eaton, Mahle-Metal Leve e Visteon; as atividades de pesquisa não são realizadas no Brasil. As quatro firmas estão presentes no Brasil há pelo menos 30 anos, e todas são fornecedoras de primeiro nível, ou seja, seus clientes principais são montadoras de veículos. Na maioria dos casos, as primeiras fases do processo de DP (definição do conceito e planejamento do produto) são realizadas nas matrizes, e a participação da engenharia brasileira aumenta nas fases finais (engenharia de produto e de processo, além da adaptação de produtos às condições locais); mas encontramos também casos em que o processo completo de DP (não de pesquisa) localiza-se no Brasil, como ocorre para a Eaton com relação a transmissões leves e para a Mahle, com relação a bronzinas. Ambas as empresas são consideradas centros de competência mundiais para tais produtos, devido, nos dois casos, a razões históricas: as subsidiárias desenvolviam localmente esses produtos antes de serem adquiridas pelas atuais controladoras (a subsidiária brasileira da Eaton era parte da corporação Clark, e filial brasileira da Mahle era a empresa nacional Metal Leve), e, à época da aquisição, os produtos citados não faziam parte do portfolio das ENEGEP 2004 ABEPRO 2738

5 controladoras. No caso da Eaton, o desenvolvimento de transmissões leves ocorreu para atender ao mercado local de pick-ups pequenas urbanas. A pesquisa na Magneti Marelli do Brasil concentrou-se na divisão Powertrain, mais especificamente na planta de sistemas de injeção eletrônica, na qual há um centro de P&D, o único da corporação localizado em um país em desenvolvimento. Esse centro foi responsável pelo desenvolvimento do sistema Flex Fuel, lançado em 2003, que permite que o motor funcione com qualquer mistura de álcool e gasolina, o que foi considerado uma inovação no mercado brasileiro, ainda que o sistema tenha sido desenvolvido sobre uma base (materiais e hardware) previamente desenvolvida na Itália. Nesse sentido, tal produto pode ser considerado um derivativo, valendo ressaltar que a patente para o Flex Fuel não foi registrada no Brasil, e sim na Itália. O desenvolvimento do Flex Fuel ocorreu em parceria com a Volkswagen e visou primordialmente a adequação do uso a condições locais (particularmente, a mistura de combustíveis em qualquer proporção); trata-se de um produto local, ainda que a empresa não descarte a possibilidade de exportá-lo no futuro. Além desse produto, a função principal do centro de P&D da Marelli no Brasil é adaptar os produtos globais às condições locais. Esse é também o papel principal da Visteon, a quarta empresa de autopeças pesquisada. Ela não é um centro de competências, nem possui autonomia para desenvolver um novo produto. No caso da Divisão de Eletrônica, a razão alegada para tal situação é o grau de maturidade da principal tecnologia envolvida quando a tecnologia é muito nova e considerada estratégica, o DP tende a ficar concentrado nos centros principais, em detrimento das subsidiárias. Apenas a título de comparação, as tecnologias principais dos produtos da Eaton e da Mahle são bastante maduras. Especificamente no setor de telecomunicações, vale destacar os aspectos históricos que orientaram a inovação tecnológica e o dinamismo da indústria. As operadoras de telefonia detinham os centros de pesquisa responsáveis pelos desenvolvimentos tecnológicos do setor. Os laboratórios ligados aos monopólios eram responsáveis pela pesquisa inicial, pelo desenvolvimento e testes de protótipos, passando então para os fabricantes, que desenvolviam os produtos para fabricação. A partir da década de 1990, os fornecedores passaram a deter tecnologia e ter seus próprios centros de P&D. Gradativamente, a responsabilidade por P&D em equipamentos de rede passou para os fabricantes, as operadoras passaram então a negociar com quaisquer dos fornecedores disponíveis, se desvinculando do seu parceiro tecnológico. Assim, referindo-se a inovação, o segmento de fornecedores de equipamentos é o mais relevante para ser estudado, o que é feito no trabalho apresentado neste artigo. Foram escolhidas, para este estudo, quatro empresas fornecedoras: a sueca Ericsson, a alemã Siemens e as norte-americanas Lucent e Motorola. No Brasil, a reestruturação do setor a partir de 1995 e a privatização do sistema Telebrás em 1998 trouxe para o Brasil empresas que atuam como prestadoras de serviços de telefonia e intensificou a presença de empresas fabricantes de equipamentos e aparelhos de telecomunicações. De fato, alguns fabricantes de equipamentos de telecomunicações montaram unidades no Brasil com a compra de empresas nacionais ou de parte delas. Enquanto algumas dessas aquisições foram responsáveis pela extinção do setor de P&D local, ou pela sub-utilização deles, outras fizeram com que as unidades brasileiras fossem líderes mundiais em algumas tecnologias já dominadas pelas empresas adquiridas. Por exemplo, a tecnologia de centrais de pequeno porte só veio a existir na AT&T no final dos anos 90, com a aquisição das brasileiras Batik e Zetax pela Lucent - fabricante de equipamentos originária da fragmentação da AT&T em 1996 (GALINA, 2003). Vale destacar que muitas dessas empresas que despendem recursos com desenvolvimento local são beneficiadas por uma lei de incentivo, que estimula a realização de P&D no Brasil. Trata-se da Lei de Informática (Lei ENEGEP 2004 ABEPRO 2739

6 8249/91, atualizada pela Lei /2001 e pela /2003), que concede os incentivos mediante cumprimento de certas exigências por parte das companhias. Entre elas está a obrigatoriedade de aplicação de um percentual de 5% do faturamento em atividades de P&D local, inclusive com a realização de parcerias com universidades e centros de pesquisa. As subsidiárias brasileiras participam do desenvolvimento global de alguns nichos de produtos (GALINA, 2003). Todas as subsidiárias brasileiras de fornecedores estrangeiros de equipamentos de telecom estudadas realizam atividades locais de DP e possuem relações de cooperação com instituições de pesquisa. No entanto, as subsidiárias estão mais envolvidas com adaptações locais / regionais do que com desenvolvimento global de novos produtos. Há alguns pontos comuns entre as companhias estudadas; um deles é que o nicho de envolvimento das equipes brasileiras no DP. Nesse caso, o principal nicho é o de desenvolvimento de software, embora as companhias tenham também projetos na área de hardware no país. A Lucent, cujas atividades de P&D no Brasil restringem-se apenas às relacionadas aos produtos da Batik e Zetax (tecnologia brasileira), desenvolve tanto software quanto hardware (para continuidade tecnológica da família de produtos). A Motorola também atua localmente em software e hardware em duas áreas distintas, uma para soluções de comunicações (CE - Communication Enterprise) e a outra em semicondutores (SPS Semiconductor Products Sector). O principal desenvolvimento focado pela CE é software e em SPS, apesar de não ter fabricação local desses componentes, o desenvolvimento brasileiro dá-se em hardware. Na Siemens, também há desenvolvimento em ambos os nichos, apesar de uma participação bem maior do desenvolvimento em software. Quanto ao tipo de produto que as empresas estudadas desenvolvem, também observamos algumas semelhanças. O desenvolvimento da telefonia fixa é esporádico no Brasil e muitas vezes restrito a adaptações locais, no entanto, a equipe brasileira da Ericsson na área de tarifação é considerada centro de excelência mundial. Nas empresas estudadas, a Motorola tem participação no DP de componentes de aparelhos celulares (software), embora seja muito relacionado a mudanças incrementais e quase nada a mudanças de plataformas tecnológicas. Assim, o pouco envolvimento que as equipes brasileiras das empresas estudadas possuem no desenvolvimento tecnológico global acontece principalmente em alguns segmentos específicos do desenvolvimento de software. É evidente que esse direcionamento para o desenvolvimento de software coloca as subsidiárias locais em situação de dependência a um segmento específico. Além disso, essa estratégia das TNCs mostra que as empresas querem investir o mínimo possível em infra-estrutura para desenvolvimento tecnológico no país. No entanto, essa limitação não precisa ser vista negativamente, uma vez que já é realidade, e a tendência do setor evidencia, o fortalecimento do software nos produtos de telecomunicações. 5. Relacionando as razões para internacionalizar P&D às estratégias de lucro Alguns dos fatores que levam as empresas a descentralizarem suas atividades de P&D apresentados na literatura foram comprovados nos casos estudados em ambas as indústrias; outros foram levantados durante a realização destas pesquisas. Os mais significativos são descritos no Quadro 2. Nesse mesmo quadro, classificamos os fatores quanto à sua motivação (se econômica, devido ao mercado ou tecnológica), e quanto à sua origem (se originado internamente à companhia, no ambiente ou devido a políticas públicas). É interessante notar que as razões identificadas nesse estudo podem ser associadas às estratégias de lucro propostas por Boyer e Freyssenet (2000): as razões econômicas podem ser relacionadas a economias de escala e redução permanente de custos; as razões de mercado, à diversidade de produtos, à flexibilidade produtiva e à qualidade; e os motivos tecnológicos, à inovação e flexibilidade produtiva. ENEGEP 2004 ABEPRO 2740

7 Fator de atratividade Interesse no mercado local ou regional A localização de atividades de P&D nas subsidiárias torna-as mais ágeis e eficientes no atendimento aos clientes, se estes forem importantes. Fator mencionado por: todas as empresas dos dois setores. Existência de competências locais Empresas buscam competências nas subsidiárias ou em universidades / centros de pesquisa locais. Fator mencionado por: Todas de telecom. Eaton, Magneti Marelli e Mahle-Metal Leve mencionaram competências nas subsidiárias, não em universidades ou centros de pesquisa. Baixos custos locais de DP Fator mencionado por: Ericsson, Siemens e Visteon. Motorola afirmou que outros países (ex. Índia, Hungria) possuem custos menores do que o Brasil. Autonomia da subsidiária Quanto maior a autonomia, principalmente financeira, mais investimentos locais em estruturas de P&D Mencionado por: Eaton e Mahle-Metal Leve. Demais empresas não possuem autonomia.a Lei de Informática pode proporcionar temporariamente autonomia p/ investimento. Incentivos fiscais para P&D local Fator mencionado por: todas as empresas de telecom (Lei de Informática), nenhuma empresa de autopeças. Características do produto Maior ou menor necessidade de adaptação local. Fator mencionado por: todas as empresas dos dois setores. Aspectos históricos Trajetória da subsidiária quanto a aspectos de inovação. Mencionado por: Ericsson, Siemens, Eaton, Mahle-Metal Leve Exigências locais Questões regulatórias e obrigações governamentais. Fator mencionado por: empresas de telecom que atuam em serviços públicos, Magneti Marelli (motor a álcool) Legenda: XX = Diretamente relacionado; X = Indiretamente relacionado Motivação Origem da influência Econômiccadlógicnhiente Mer- Tecno- Compa- Ambi- Políticas Públicas X XX XX X XX XX XX XX XX XX X XX X XX XX XX XX X XX XX X X X X XX X X XX XX X X Quadro 2. Fatores principais de atratividade de atividades de P&D para subsidiárias. O Quadro 2 mostra que alguns fatores são relacionados diretamente às decisões da companhia: decisões de oferecer produtos adaptados aos mercados locais, de aproveitar competências locais ou baixos custos etc. O que enfatizamos é que a simples existência de um fator não garante que ele será considerado crucial pela companhia. Por exemplo, enquanto algumas empresas escolhem aproveitar as competências das subsidiárias, outras preferem não considerá-las, concentrando P&D nas matrizes. Nossa proposta é que o que direciona o julgamento sobre a importância relativa de cada fator é a estratégia de lucro que a companhia segue, e a pertinência do fator ao seu modelo produtivo. Assim, por exemplo, menores custos locais são provavelmente mais importantes para empresas que seguem uma estratégia de volume ou de redução permanente de custos do que para uma empresa que segue uma estratégia de inovação e flexibilidade. Isso pode explicar, por exemplo, o fato de que a Visteon não realiza atividades importantes de DP no Brasil, mesmo considerando que os custos locais de DP são menores do que nos EUA, e da Motorola no Brasil continuar sendo preterida em alguns segmentos, mesmo que a companhia identifique custos menores em outras subsidiárias do grupo. Competências locais provavelmente serão consideradas um fator importante por empresas que seguem uma estratégia de inovação ou diversidade. A ENEGEP 2004 ABEPRO 2741

8 importância do mercado local e as exigências locais seriam mais importantes para empresas que seguem uma estratégia de diversidade e flexibilidade, ou de volume e diversidade, enquanto a autonomia da subsidiária seria mais influente se a companhia escolher uma estratégia de diversidade e flexibilidade. Ainda assim, é improvável que um fator determine, por si só, a configuração de P&D da companhia; mesmo que um fator seja considerado importante do ponto de vista da estratégia de lucro, ele pode ser ofuscado pela presença de outro fator, relacionado a aspectos ambientais ou de políticas públicas. Por exemplo, a estratégia de lucro da empresa pode induzir uma centralização do P&D, contudo a firma pode escolher descentralizar tais atividades se há incentivos fiscais ou exigências governamentais quanto ao conteúdo tecnológico local. A existência da Lei de Informática ilustra isso. 6. Conclusões Nesse artigo, discutimos as razões pelas quais empresas TNCs escolhem internacionalizar suas atividades de P&D, particularmente as atividades de DP, para subsidiárias estrangeiras localizadas em países emergentes, com ênfase no Brasil. Comparando os casos de dois setores, o de autopeças e o de telecomunicações, concluímos que as razões para adotar estruturas de P&D mais descentralizadas são similares nos dois setores. Alguns desses fatores são relacionados a decisões internas às companhias, enquanto outros se referem a aspectos externos; contudo, observamos que as empresas os enfatizam diferentemente, resultando em formas diversas de internacionalização de estruturas de DPG. Em outras palavras, as diferenças nas formas de descentralização de DP, com diferentes níveis de participação de subsidiárias em atividades de inovação, dependem mais da empresa do que do setor, exceto quando alguma razão relacionada a fatores externos (ambiente ou políticas públicas) é forte o suficiente para se sobrepor (ao menos parcialmente) à estratégia da empresa. Nossa proposta é que a ênfase colocada pelas empresas em um determinado fator de atratividade está relacionada à sua estratégia de lucro. Aparentemente, portanto, não há um best way para a organização das atividades globais de P&D em nenhum dos dois setores. Essa hipótese parece ser verdadeira a partir de nossos estudos de caso, mas são necessárias outras pesquisas a fim de confirmá-la. Referências BOYER, R.; FREYSSENET, M. (2000) - Les modèles productifs. Paris, La Découverte. CALABRESE, G. (2001) - R&D globalization in the car industry. International Journal of Automotive Technology and Management, Vol. 1, No 1, p CARNEIRO-DIAS, A.; SALERNO, M. (2003) - International Division Of Labour In Product Development Activities: Towards A Selective Decentralisation? 11 th GERPISA International Colloquium. Actes, Paris, June. CHIESA, V. (2000) - Global R&D project management and organisation: a taxonomy. Journal of Product Innovation Management, vol. 17, issue 5, p GALINA, S.V.R. Desenvolvimento global de produtos: o papel das subsidiárias brasileiras de fornecedores de equipamentos do setor de telecomunicações. Tese - Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. São Paulo, REDDY, P. (1997), New Trends in Globalization of Corporate R&D and Implications for Innovation Capability in Host Countries: A Survey from India. World Development, Vol. 25, n. 11, p SALERNO, M.S.; MARX, R.; ZILBOVICIUS, M (2003), Strategies of product design, production and suppliers selection in the auto industry: final findings of a broad research in the major Brazilian assemblers subsidiaries, headquarters and suppliers. 11 th GERPISA International Colloquium. Actes, Paris, th june. TERPSTRA, V. International Product Policy: The Role of Foreign R&D. Columbia Journal of World Business, Winter/1977. ENEGEP 2004 ABEPRO 2742