Avaliação da coordenação motora em crianças do 1º ciclo do ensino básico, em função do sexo, do escalão etário, e do índice de massa corporal
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- Ruth Azenha Fernandes
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1 UNIVERSIDADE DO PORTO Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física Mestrado em Ciências do Desporto Área de especialização em Desporto para Crianças e Jovens Avaliação da coordenação motora em crianças do 1º ciclo do ensino básico, em função do sexo, do escalão etário, e do índice de massa corporal Dissertação apresentada com vista à obtenção do grau de Mestre em Ciências do Desporto, Área de Especialização em Desporto para Crianças e Jovens ao abrigo do Decreto-Lei n.º 216/92, de 13 de Outubro Orientadoras: Professora Doutora Paula Botelho Gomes Co-orientadora: Maria Paula Maia Santos. Autor: Maria Mafalda de Lemos Portugal e Melo de Bianchi Porto, Junho de 2009
2 FICHA DE CATALOGAÇÃO Bianchi, M., M., L., P., M. (2009). Avaliação da coordenação motora em crianças do 1º ciclo do ensino básico, em função do sexo, do escalão etário, e do índice de massa corporal. Porto: M. Bianchi Dissertação apresentada às provas de Mestrado, em Ciências do Desporto na área do Desporto para Crianças e Jovens à Faculdade de Desporto da Universidade do Porto. Palavras-chave: Coordenação motora, teste KTK, índice de massa corporal, Crianças, 1º ciclo. II
3 Agradecimentos Este trabalho não foi possível de ser realizado sem a importante ajuda e contribuição de algumas pessoas. Após a concretização deste desafio, expresso os meus sinceros sentimentos de gratidão e carinho a todos que prestaram, directa ou indirectamente, o seu contributo, tornando possível a realização deste estudo, em especial: À Professora Doutora Paula Botelho Gomes, coordenadora do mestrado, orientadora cientifica, professora de mestrado e amiga, por toda a ajuda, profissionalismo, amizade, dedicação, também pelos conhecimentos que me transmitiu e pelo tempo que me dispensou. À Professora Doutora Maria Paula Maia Santos, co-orientadora cientifica, professora de mestrado e amiga, por toda a ajuda, profissionalismo e pelos conhecimentos que me transmitiu A todos os professores e intervenientes relacionados com o Mestrado em Desporto para crianças e jovens, pelos conhecimentos transmitidos. Ao Rui Silva, amigo e conselheiro por todas as orientações a nível estatístico. Em especial à minha irmã, pela amizade e companheirismo nesta caminhada. Ao Conselho Executivo do Agrupamento de escolas de Ovar e a todos os professores, que permitiram a aplicação dos testes KTK aos seus alunos. A todos os Encarregados de Educação dos alunos deste estudo, por permitirem que os seus filhos fizessem parte da amostra. III
4 A todas as crianças que fizeram parte da amostra. Aos funcionários da biblioteca da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto. Aos meus colegas da escola Cristina Lima, Maria Teixeira, Alexandra Cunha e Carlos Bianchi, pelo seu profissionalismo e amabilidade. Por fim, mas não menos importante, aos meus irmãos, ao meu filho Francisco, por compreenderem todas as minhas ausências e esforço e por me terem sempre apoiado e estado sempre presentes. E aos meus Pais por toda a disponibilidade e dedicação que tiveram para com o meu filho e comigo. Agradeço a Deus, por todas as pessoas que colocou no meu caminho e por me ter concedido a graça de ter sempre ao meu lado a minha família e amigos. A todos eles o meu sincero obrigado. IV
5 ÍNDICE GERAL Agradecimentos. III Índice Geral.... V Índice de Quadros...VIII Resumo.. IX Abstract X Résumé..XI Lista de abreviaturas e símbolos......xii 1. Introdução Propósitos e finalidades do estudo Estrutura do estudo Revisão da literatura Coordenação Motora Conceito de coordenação motora Componentes da coordenação motora Ontogénese das capacidades coordenativas A avaliação da coordenação motora corporal total O problema da obesidade no mundo actual A extensão actual da obesidade Métodos de medição da obesidade Composição corporal em função do sexo e idade O Índice de Massa Corporal IMC A medição da circunferência da cintura e os tipos de obesidade Causas da obesidade infantil 37 V
6 A alimentação e a genética O envolvimento físico, sociocultural e económico Objectivos Objectivo geral Objectivos específicos Material e métodos Organização e preparação do trabalho de campo Amostra Antropometria Instrumento utilizado na avaliação da coordenação motora Provas do teste KTK Procedimentos estatísticos Apresentação e análise dos resultados Variáveis antropométricas: peso e altura por sexo e por escalão etário Coordenação motora por sexo e escalão etário Determinação do número de crianças do presente estudo segundo categorias de IMC Coordenação motora por categorias de IMC Coordenação motora por quociente motor nas categorias de IMC Resultados qualitativos da coordenação motora Discussão dos resultados Variáveis antropométricas: peso e altura Coordenação motora por sexo e escalão etário VI
7 7.3 Coordenação motora por provas do KTK e por quociente motor nas categorias de IMC Coordenação motora por quociente motor (QM) nas categorias de IMC Referência qualitativa da coordenação motora por categorias de IMC Conclusões Sugestões..89 Bibliografia...93 Anexos VII
8 ÍNDICE DE QUADROS Quadro nº 1: Qualificação da coordenação motora, segundo valores do quociente motor Quadro nº 2 Valores do ponto de corte para o excesso de peso e obesidade (Cole et al., 2000)...34 Quadro nº 3: Caracterização da amostra Quadro nº 4: Resultados das variáveis peso (kg) e altura (m) (média ± desvio padrão) do sexo masculino e feminino e da comparação de médias (valores t e p) Quadro nº 5: Resultados das variáveis peso (kg) e altura (m) (média ± desvio padrão) por escalão etário e da comparação de médias (valores t e p) Quadro nº 6: Resultados das provas do teste KTK (média ± desvio padrão) por sexo e da comparação de médias (valores t e p) Quadro nº 7: Resultados das provas do teste KTK (média ± desvio padrão) por escalão etário e da comparação de médias (valores t e p) Quadro nº 8: Resultados da distribuição da amostra total (n= 799) por categorias de IMC Quadro nº 9: Resultados das provas do teste KTK (média ± desvio padrão) por categorias de IMC e da comparação múltipla de médias (valor de p) Quadro nº 10: Resultados do quociente motor (média ± desvio padrão) por categorias de IMC Quadro nº 11: Resultados da qualificação da coordenação motora (perturbada, insuficiente, normal, boa e muito boa) por categorias de IMC, segundo o valor do quociente motor de cada sujeito VIII
9 RESUMO Este estudo tem como principal objectivo avaliar a coordenação motora corporal total em crianças do 1º Ciclo do Ensino Básico, no concelho de Ovar. Os seus propósitos são: (i) determinar e comparar os valores da coordenação motora corporal total dos sujeitos por sexo e por escalão etário, (ii) determinar o número de crianças da amostra consideradas normoponderais, com sobrepeso e obesas, (iii) determinar e comparar os valores da coordenação motora corporal total das crianças por categoria de IMC, iv) determinar e comparar os valores do quociente motor por categoria de IMC, v) determinar a qualificação da coordenação motora segundo os valores do quociente motor de cada sujeito por categoria de IMC. Aos dados recolhidos do IMC foram aplicados os pontos de corte da definição de excesso de peso e obesidade de Cole et al. (2000). Resultante em três grupos de crianças, normoponderais, sobrepeso e obesos A avaliação da coordenação motora foi realizada através da bateria de testes KTK (Körperkoordinationstest für Kinder [KTK]), (Shilling, 1974) utilizada já em diversos estudos. Na análise estatística dos dados foi utilizado o programa S.P.S.S. (Statistical Package for the Social Sciences) versão Os principais resultados e conclusões obtidas foram os seguintes: (i) os rapazes apresentam melhores resultados que as raparigas e o escalão etário dos 9-10 anos apresenta valores médios superiores ao escalão dos 7-8 anos com diferença estatisticamente significativa em todas as provas, ii) no total da amostra encontram-se 560 crianças normoponderais; 157 com sobrepeso e 82 obesos, iii) as crianças normoponderais revelam sempre melhores resultados que as restantes categorias, com diferenças estatisticamente significativas entre as três categorias, iv) os valores médios para a coordenação motora diminuem com o aumento da sobrecarga ponderal também no quociente motor, v) nas categorias normoponderais e com sobrepeso existe um grande número de crianças com capacidades coordenativas muito boas e apenas três apresentam insuficiências. Nas obesas, a grande maioria têm uma capacidade coordenativa normal. Palavras-chave: Coordenação motora, teste KTK, índice de massa corporal, crianças, 1º ciclo. IX
10 ABSTRACT This study s main objective is to evaluate the total body movement coordination in children from the Primary Schools, council of Ovar. Its purposes are: (i) to determine and compare the total body movement coordination values by sex and age, (ii) to determine the number of children of the sample considered normoponderal, overweight and obese, (iii) to determine and compare the total body movement coordination values of the children by corporal mass index, (iv) to determine and compare the values of motor quotient by corporal mass index, (v) to determine the qualification of the body movement according to the values of the motor quotient by category of corporal mass index. The cut points for defining excess weight and obesity established by Cole et al. (2000) were applied to the data gathered from BMI. The result was three groups of children: normoponderais, overweight and obese. The evaluation of the body movement was made with the resource to the battery of tests KTK (Körperkoordinationstest für Kinder - KTK), (Schilling, 1974) that has been used in several other studies. Data was statistically analysed through the SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) program, in its version 11.5 version for Windows. The main results and conclusions were the following: (i) boys present better results than girls and children between 9 and 10 years old present higher average values than children aged between 7 and 8 with a significant difference in all the tests, (ii) in the whole of the sample there are 560 normoponderais children; 157 are overweight and 82 obese, (iii) normoponderais children always reveal better results than the remaining categories, with significant statistic differences among the three categories, (iv) the average values for the body movement diminish with the raise of the pondered overload also in motor quotient, (v) in the categories normoponderais and overweight there is a large number of children with very good coordination abilities and only three of them present insufficiencies. Most of the obese children have normal coordination abilities. Keywords: Body coordination, test KTK, corporal mass index, children, primary schools. X
11 RÉSUMÉ Cette étude a pour but principal c est l évaluation de la coordination motrice corporelle totale chez des enfants de l enseignement primaire, à Ovar. Les propos de cette étude, ce sont les suivants: estimer et comparer les valeurs da la coordination motrice corporelle totale des enfants par leur sexe et par classe d âge., (ii) estimer le nombre d enfants de l échantillon considérés normoponderaux, ceux avec excès de poids et ceux atteints d obésité, (iii) estimer et comparer les valeurs de la coordination motrice corporelle totale des personnes par niveau de índice de masse du corps (IMC), (iv) estimer et comparer les valeurs du quocient moteur par niveau de IMC, (v) estimer la qualification de la coordination motrice d après les valeurs du quocient moteur de chaque enfants par genre de IMC. On a appliqué les points de coupe da la définition de l excès de poids et de l obésité de Cole et al. (2000) aux données recueillies de l IMC, ayant obtenu trois groupes d enfants, normoponderaux, excès de poids et obèses. L évaluation de la coordination motrice a été réaliée en faisant appel aux tests de KTK (Korperkoordinationstest fur Kinder (KTK)), (Shilling, 1974) déjà utilisés dans plusieurs études. Le programme S.P.S.S. (Statistical Package for the Social Sciences) 11.5, a été utilisé dans l analyse statistique des données Les principaux résultats et conclusions achevés ont été les suivants: les garçons présentent de meilleurs résultats que les filles et les enfants agés de 9 à 10 ans présentent des valeurs moyennes supérieures aux enfants agés de 7 à 8 ans avec une différence considérable du point de vue statistique en toutes les épreuves., ii) dans tout l échantillon on trouve 560 enfants normoponderaux; 157 enfants avec un excès de poids et 82 atteints d obésité, iii) les enfants normoponderaux révélent toujours de meilleurs résultats que les autres catégories avec des différences considérables du point de vue statistique entre les trois categories, iv) les valeurs moyennes pour la coordination motrice diminuent avec l augmentation de la surcharge pondérale dans le quocient moteur aussi, v) dans les catégories normoponderaux et avec un excès de poids, il y a un grand nombre d enfants qui ont de très bonnes capacités de coordination et il n y a que trois enfants qui présentent des insuffisances. Parmi les enfants obèses, la plupart a une capacité de coordination normale. Mots-clés. Coordination motrice, test KTK, índice de masse du corps, enfants, enseignement primaire. XI
12 LISTA DE ABREVIATURAS E SÍMBOLOS 1º CEB - 1º Ciclo do Ensino Básico CoM Coordenação motora IMC Índice Massa Corporal ER Equilíbrio à retaguarda SM Salto monopedal SL - Salto lateral TL Transposição lateral QM Quociente motor Fem Feminino Masc - Masculino Ob- Obeso SP Sobrepeso Np Normoponderais OMS Organização Mundial de Saúde Who World Health Organization SPSS Statstical Package for the Social Sciences AF - Actividade Física Doc. - Documento Ex. Exemplo Kg Quilograma M - Metros MG Massa gorda XII
13 1. Introdução - 1 -
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15 INTRODUÇÃO 1. Introdução 1.1 Propósitos e finalidades do estudo Os hábitos de vida nas sociedades europeias ocidentais não convidam os indivíduos a desenvolver uma actividade física regular. O tempo passado em frente à televisão, a diminuição dos níveis de actividade física que se reflectem numa baixa qualidade da coordenação motora e nas suas inerentes consequências, as mudanças dos hábitos alimentares assentes em dietas desequilibradas, hipercalóricas e ricas em gorduras, são igualmente responsáveis pelo aumento da obesidade nas últimas décadas em todo o mundo desenvolvido. O aprimoramento da coordenação motora torna-se, deste modo, imprescindível durante a infância e a juventude. A sua importância apresentase na vida como um todo, ela torna-se fundamental para o desempenho de habilidades básicas e pode ser aprimorada durante o processo de aprendizagem motora ao longo da vida. Segundo vários autores, a coordenação motora é uma capacidade motora complexa, que está presente em todas as acções motoras com uma influência preponderante na agilidade. Esta capacidade motora tem várias formas de manifestação as quais não são expressadas de uma forma estanque e isolada, revelando formas e intensidades diferentes consoante a actividade que está a ser desenvolvida. Malina (1988) considera que existe uma diversidade intra e inter individual da expressão motora em idades baixas Em regra, as causas apontadas dirigem-se para factores que, de forma interactiva, se evidenciam decisivos: maturação, envolvimento e experiência motora. Tem-se também por adquirido que as capacidades coordenativas se contam entre os elementos centrais da aprendizagem e prestação motora. A dimensão da insuficiência da coordenação motora é geralmente dependente da qualidade e quantidade de experiências motoras vivenciadas - 3 -
16 INTRODUÇÃO pelas crianças, uma melhoria da capacidade de trabalho das crianças, com menor disponibilidade, parece ser possível desde que a causa seja a fraca experiência motora (Meinel e Schnabel, 1984) Entretanto, a insuficiência de coordenação motora em crianças refere-se a uma instabilidade motora geral (Lopes et al., 2003; Maia e Lopes, 2002), a qual engloba defeitos na condução do movimento, provocada pela interacção imperfeita das estruturas funcionais, sensoriais, nervosas e musculares, o que provoca, consequentemente, alterações na qualidade dos movimentos e diminuição do rendimento motor. Neste sentido, tem-se vindo a chamar a atenção para a relevância da família, sobretudo dos progenitores, na promoção de um estilo de vida activo e saudável (Maia et al., 2003). Dowda et al. (2001) sugerem que o ambiente familiar está associado ao sobrepeso na juventude e os jovens que participam em desportos e programas de exercícios tem menos propensão a ter sobrepeso. Por outro lado, a influência ambiental do tecido urbano, como por exemplo a existência de corredores para bicicletas ou para caminhar, pode estar associada com algumas formas de actividade física e com alguns resultados no controle da obesidade e na saúde (Ewing et al., 2003). A expansão da obesidade tem sido comprovada por vários estudos. Nos Estados Unidos da América, a percentagem de pessoas obesas passou de 15,1% em 1976/1980 para 30,5% em 1999/2000 (Lemonick e Bjerklie, 2004). De acordo com a American Obesity Association (2002), a percentagem de adolescentes obesos (12 a 19 anos) é de 15,5% e a de crianças (6 a 11 anos) é de 15,3%. Segundo Tremblay e Willms (2003), o risco de se ter excesso de peso aumentou de 17 a 44% e de se ser obeso de 10 a 61%. No entanto, estes não são os únicos factores responsáveis pela obesidade. Diversos estudos têm apontado outras causas, tais como as genéticas, as endócrinas, as hipotalâmicas, os problemas na tiróide e a reduzida taxa metabólica basal. As variáveis ambientais de cariz socioeconómico e cultural também têm sido largamente referenciadas como uma importante força motriz que se encontra por detrás dos ganhos de peso da população (Timpério et al., 2005)
17 INTRODUÇÃO Em Portugal, segundo Rodriguez et al., (2003), cerca de metade da população sofre de excesso de peso ou de obesidade e os custos directos da obesidade em despesas com a saúde são já de 3,5% das despesas totais. De acordo com Carmo (2001), em indivíduos de ambos os sexos com idades compreendidas entre os 8 e os 65 anos, encontramos valores semelhantes, com a pré-obesidade a atingir 35,9% e a obesidade a afectar 14% da população inquirida. Ora, comparativamente com pessoas sem excesso de peso, os obesos têm uma probabilidade quatro vezes superior de contrair doenças coronárias e a sua taxa de mortalidade associada é duas vezes mais alta. Por isso mesmo, é urgente que a obesidade e as desordens a ela associadas sejam devidamente analisadas a fim de serem controladas. O controle da epidemia crescente de obesidade deve, entre outras medidas, contemplar estratégias de prevenção que respeitem a educação nutricional e os programas de actividade física (Martinez, 2000) e implicar mudanças de estilo de vida relacionadas como um comportamento de saúde positivo presente no quotidiano das crianças e adolescentes (Treuth et al., 2004) Como a obesidade pode ter influência nos níveis de coordenação motora das crianças e jovens, o nosso estudo contempla a análise da coordenação motora. As pesquisas realizadas no âmbito da coordenação motora nas últimas décadas têm vindo a expressar a necessidade de se conhecer de modo mais aprofundado a sua relação com a formação corporal de crianças, bem como da sua associação com a qualidade do movimento e consequente melhoria na qualidade do rendimento motor de cada cidadão. Porém, continua a ser necessário conhecer e analisar que tipo de coordenação, que forma ou formas de expressão, que manifestações parciais ou complexas desta e de outras capacidades explicam cientificamente o grau de disponibilidade motora das crianças e jovens. Assim, o nosso estudo pretende avaliar a coordenação motora corporal total em crianças do 1º Ciclo do Ensino Básico (1º CEB) do conselho de Ovar. A nossa motivação para conhecer o estado da coordenação motora em crianças deste nível etário resulta da importância e significado que este - 5 -
18 INTRODUÇÃO aspecto assume na adaptação das condutas e acções humanas face aos permanentes e sucessivos estímulos internos e externos (ex. factor de suporte para a aprendizagem de habilidades, como dado indicador de insuficiências). Para além disso, não foram ainda produzidos estudos que nos dêem a conhecer dados relativos da expressão da coordenação motora em crianças da região de Ovar. Tal facto impede o conhecimento dos reflexos da Educação Física no desenvolvimento da coordenação motora e nomeadamente uma discussão fundamentada e séria, tanto das necessidades da criança, como de ajustamentos programáticos julgados necessários. Pretendemos, pois, que os resultados e as interpretações desta pesquisa dentro das suas limitações, contribuam para um aprofundamento da temática da coordenação motora corporal total. Os intervalos etários em que o estudo se situa são, os 7-8 anos e os 9-10 anos. Estes são tidos como muito recomendável para o desenvolvimento de um grande número de capacidades, onde a coordenação motora assume um lugar de destaque. Com efeito, na opinião de Hirtz e Holtz (1987), esta é uma fase na qual as possibilidades de desenvolvimento das capacidades coordenativas fundamentais se mostram particularmente favoráveis, em consequência da maturação acelerada do sistema nervoso central e dos analisadores sensoriais. Correspondendo, também, aos anos iniciais de escolaridade obrigatória 1º Ciclo do Ensino Básico (1º CEB) onde o ampliar e alicerçar da formação corporal deve ser valorizada, esta fase parece ser o espaço/tempo privilegiado para desenvolver, controlar e avaliar aspectos essenciais da coordenação motora (Corbin, 1976). Os indicadores somáticos altura e peso foram considerados no nosso estudo por se tratarem de dados do crescimento que podem fornecer indicações importantes acerca do estado de saúde, nutrição e performance das crianças nos diferentes níveis etários. 1.2 Estrutura do estudo A presente dissertação está dividida em 8 capítulos, o primeiro dos quais - 6 -
19 INTRODUÇÃO subordinado à apresentação dos propósitos e finalidades do estudo, bem como à descrição sumária da estrutura do estudo. O segundo e terceiro capítulos remetem-nos para uma revisão da literatura, onde são apresentados os conceitos de coordenação motora e de obesidade. No quarto capítulo são apresentados os objectivos, nomeadamente o objectivo geral e os objectivos específicos. No quinto capítulo é feita a descrição e a caracterização da amostra, assim como da metodologia adoptada. O sexto capítulo apresenta, descreve e analisa os resultados obtidos. O sétimo capítulo discute os resultados encontrados, o que possibilita a compreensão e a interpretação do objecto de estudo, bem como a verificação dos objectivos formulados. Para tal, procuramos articular a informação empírica recolhida, quer no nosso quadro teórico, quer nos resultados encontrados por outros investigadores, de forma a melhor fundamentar as nossas conclusões. No oitavo capítulo são referidas as conclusões. È complementar a este trabalho as sugestões para trabalhos futuros, as respectivas referências bibliográficas e cinco anexos
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21 2. Revisão da Literatura - 9 -
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23 Revisão da literatura 2. Revisão da Literatura 2.1 Coordenação Motora 2.2 Conceito de coordenação motora Ao rever a literatura existente sobre coordenação motora deparamo-nos com a diversidade de aspectos que envolve o tratamento desse tema e verificamos a dificuldade de unicidade na abordagem deste conceito, bem como das suas formas de avaliação, conferindo-lhe assim um traço claramente interdisciplinar. O termo coordenação é muitas vezes confundido ou usado como sinónimo de termos como agilidade, destreza, controle motor e mesmo de habilidade; estas terminologias surgem da diversidade dos âmbitos de investigação (clínicos, psicotécnicos, pedagógicos, etc.), do posicionamento epistemológico dos autores (cibernéticos, neuro-fisiologistas, psicometristas, entre outros) e ainda dos modelos de suporte de investigação (biomecânicos, psicofisiológicos, psicanalíticos) [Newell, 1985]. Torna-se de certo modo difícil definir claramente o termo coordenação motora, pelas múltiplas áreas científicas que se têm debruçado sobre o seu estudo e pela evolução que tem sofrido à medida que novos contributos teóricos vão surgindo. Assim, a coordenação motora pode ser analisada segundo três pontos de vista: o biomecânico, ou seja o que implica a ordenação dos impulsos de força numa acção motora e a ordenação de acontecimentos em relação a dois ou mais eixos perpendiculares; o fisiológico, que se baseia na relação das leis que regulam os processos de contracção muscular, e o pedagógico, que se relaciona com uma ligação ordenada das fases de um movimento ou acção parciais e ainda com a aquisição de novas aprendizagens (Lopes et al., 2003). Desta feita, Kiphard (1976), segundo uma perspectiva pedagógica, refere-se ao conceito, como uma coordenação do movimento, de acordo com a idade, consistindo esta, na interacção harmoniosa e, na medida do possível,
24 Revisão da literatura económica, dos músculos, nervos e órgãos dos sentidos, com o fim de produzir acções cinéticas precisas e equilibradas (motricidade voluntária) e reacções rápidas e adaptadas à situação (motricidade reflexa). Este autor enuncia três condições ou características que satisfazem uma boa coordenação motora: (i) adequada medida de força que determina a amplitude e a velocidade de movimentos; (ii) adequada selecção dos músculos que influenciam a condução e orientação do movimento; (iii) capacidade de alternar rapidamente entre tensão e relaxamento musculares. A coordenação motora é ainda definida por Matweyew (1981) e Meinel (1984) como uma boa motricidade geral de todo o corpo, como uma boa execução dos gestos motores e como a aptidão de regular eficazmente a tensão muscular no tempo e no espaço. Weineck (2005) realça também, que a coordenação motora é como que uma acção conjunta do sistema nervoso central e a musculatura esquelética, dentro de uma sequência objectiva de movimento. Gallauhue e Ozmun (2001), com estudos em desenvolvimento motor, entendem que a coordenação é a habilidade de integrar, em padrões eficientes de movimento, sistemas motores separados com modalidades sensoriais variadas. Quanto mais complicadas forem as tarefas motoras, maior será o nível de coordenação necessário para um desempenho eficiente. A coordenação liga-se às componentes de aptidão motora, de equilíbrio, de velocidade e de agilidade. Porém, não está intimamente ligada à força e à resistência. Assim, o comportamento coordenado requer que o individuo desempenhe movimentos específicos em série, rápidos e precisos considerando ainda, a integração dos sistemas motor e sensorial num padrão de acção harmonioso e lógico, como que uma combinação concordante dos deslocamentos dos segmentos corporais, no tempo e no espaço, com vista à execução de uma determinada tarefa. Já Vogel (1986) e Schmidt (1991) referem que a coordenação motora é específica das tarefas, pois qualquer tarefa, simples ou complexa, solicitará sempre uma combinação particular de capacidades. Essa combinação de
25 Revisão da literatura capacidades e nível de predominância de cada uma dela, será variável em função da tarefa (Botelho Gomes, 1996). No entender de Bernstein (1967), biomecânico russo e importante fisiologista, a coordenação motora será um processo de manutenção donde resulta o maior grau de liberdade do segmento em movimento num sistema controlado. No entanto, Bernstein realça o facto de a coordenação não poder ser entendida como uma espécie de actividade independente, mas sim como uma garantia de flexibilidade e correcção de execução, que pode ser considerada, com mais exactidão, como um tipo de servomecanismo motor. O modelo de coordenação motora, apresentado por Meinel e Schnabel (1976), assume que um organismo é ele próprio um sistema, com diversos níveis de organização, auto-regulado e que se recompõe, corrige e se pode aperfeiçoar através do princípio da referência ou retroacção, e que a actividade motora desempenha um papel essencial na interacção do organismo com o envolvimento, exercendo ainda uma influência activa sobre o envolvimento. A coordenação motora pode, assim, ser entendida como a condução de acções com base num sistema de regulação. Neste modelo, que simplifica os processos de direcção e regulação motora, a memória motora desempenha um duplo papel: é questionada e utilizada ao mesmo tempo que são inscritos novos programas e respectivos resultados (Meinel e Schnabel, 1976). A recepção da informação resulta dos receptores ou analisadores sensoriais: proprioceptivo, táctil, estático-dinâmico (equilíbrio), óptico e acústico (Meinel e Schnabel, 1976). Embora estes cinco analisadores apresentem participações distintas no decurso do movimento (conteúdo, quantidade e avaliação das possíveis informações) no fim do mesmo actuam de um modo geral em estreita cooperação (Kiphard, 1976; Meinel e Schnabel, 1976). A coordenação motora é, na verdade, um dado decisivo, não só porque é fundamental como suporte para a aprendizagem de um vasto leque de habilidades, como pelo facto de poder indicar insuficiências senso-neuromusculares na resposta a situações que o envolvimento impõe (Kiphard, 1976; Meinel, 1984; Schmidt, 1991). Desta forma, coordenação motora é entendida
26 Revisão da literatura como a expressão de um certo número de capacidades que dependem, por sua vez, do estado de desenvolvimento da criança, estado este que comporta aspectos genéricos do envolvimento em que esta se insere, se adapta e interage. As variáveis do envolvimento parecem, com efeito, concorrer para o desenvolvimento dos indivíduos, facilitando ou enviesando a expressão da coordenação motora. (Lopes, 1992; Malina, 1980; Pissara, 1993). Assim sendo, segundo a perspectiva de Meinel e Schnabel (1977) e de Hirtz e Holtz (1987), uma boa coordenação é alcançada quando existe uma exercitação variada e com distintos graus de dificuldade durante os primeiros anos de escolaridade. Contudo, tudo indica que os requisitos coordenativos se reflectem no nível das habilidades de coordenação e nas prontidões do movimento já disponíveis. Eles repousam, por um lado, na capacidade funcional (maturidade funcional), isto é, do sistema nervoso e dos órgãos dos sentidos e, por outro lado, nas experiências de movimento já existentes na criança, armazenados na sua memória motora. Quanto mais alta for a capacidade funcional, quanto maior for a gama de experiências de movimento, mais fácil e rápida será a nova aprendizagem (Meinel e Schnabel, 1976). Em conformidade, Kiphard (1976), Meinel (1984) e Schmidt (1991) consideram que a coordenação motora é um aspecto decisivo como suporte fundamental para a aprendizagem de habilidades motoras, assim como, nas respostas motoras geradas pelo ambiente, o que reforça a utilidade da sua avaliação e análise a partir do uso dos resultados provenientes da utilização de testes motores. Segundo Schmidt, (1991) e Vogel, (1986) a coordenação motora pode ser subdividida em coordenação motora geral ou corporal, óculo-manual e óculopedal. Do exposto neste ponto do trabalho retém-se o facto de que os conceitos de coordenação motora revistos são vagos, não permitindo uma definição inequívoca que sirva distintos âmbitos científicos. No entanto emerge a ideia de que a coordenação motora é um atributo complexo e multidimensional, que não poderá ser operacionalizado apenas por uma componente e avaliado com recurso a um único teste ou prova (Botelho Gomes, 1996)
27 Revisão da literatura 2.3. Componentes da coordenação motora Hirtz (1985), Meinel e Schnabel (1976) e Weineck (1983) consideram que ainda não se conhece de modo inequívoco a estrutura das diversas componentes da coordenação motora. No entanto, Meinel e Schnabel (1976) reconhecem as capacidades coordenativas como componentes da coordenação motora, considerando-as como qualidades específicas dos processos de condução e regulação motora. Hirtz (1986) refere-se às capacidades coordenativas como uma classe das capacidades motoras. Meinel e Schnabel (1976) referem três capacidades coordenativas básicas do processo de coordenação e que se inter-relacionam: - a capacidade de condução motora, assenta nos diferentes elementos de uma acção a serem ligados simultânea ou sucessivamente e no número de graus de liberdade a serem dominados. -a capacidade de adaptação e readaptação motora, assenta na programação da acção, sua correcção e transformação ou readaptação segundo situações que se alteram ou que são de difícil previsão. -a capacidade de aprendizagem motora, que repousa nos mecanismos da recolha do tratamento e da retenção da informação, ou seja, processos perceptivos, cognitivos e mnemónicos. Hirtz (1979), reconhecendo as capacidades básicas do processo de coordenação, define cinco capacidades coordenativas, consideradas na sua perspectiva, como capacidades fundamentais e de particular relevância. Esta classificação é uma das mais utilizadas, no entanto não deve ser considerada como única, nem como uma representação multidimensional definitiva destas capacidades complexas. Assim, Hirtz (1979, pp ) refere: capacidade de orientação espacial - faculdade de se aperceber das modificações espaciais à medida que elas intervêm na execução dos movimentos."corresponde às qualidades necessárias para a determinação e modificação da posição e movimento do corpo como um
28 Revisão da literatura todo no espaço, as quais precedem a condução de orientação espacial de acções motoras" ( p. 46); capacidade de diferenciação cinestésica - faculdade de controlar as informações provenientes da musculatura, de apenas reter as mais importantes e de dosear, em consequência, a força a empregar. "Corresponde às qualidades de comportamento relativamente estáveis e generalizáveis para a realização de acções motora correctas e económicas, com base numa recepção e assimilação bem diferenciada e precisa de informações cinestésicas" ( p. 46); capacidade de reacção motora - faculdade de analisar rapidamente a situação e a de Ihes aplicar a resposta motora mais adequada. "Corresponde às qualidades necessárias a uma rápida e oportuna preparação e execução, no mais curto espaço de tempo, de acções desencadeadas por sinais mais ou menos complicados ou por acções ou estímulos anteriores" (p. 47); capacidade de ritmo - faculdade de imprimir uma certa cadência na realização de um movimento ou de ajustar-se a essa cadência se ela é dada. Corresponde às qualidades necessárias de compreensão, acumulação e interpretação de estruturas temporais e dinâmicas pretendidas ou contidas na evolução do movimento" (p. 47); capacidade de equilíbrio - faculdade de manter uma posição, mesmo em condições difíceis, ou de a recuperar rapidamente se ela é perturbada. Corresponde às qualidades necessárias de conservação ou recuperação do equilíbrio pela modificação das condições ambientais e para a conveniente solução de tarefas motoras que exijam pequenas alterações de plano ou situações de equilíbrio muito instáveis (p. 48). Para Hirtz (1979), as capacidades coordenativas permitem ao indivíduo identificar a posição do seu corpo ou parte dele no espaço, a sintonização espaço-temporal dos movimentos, reagir prontamente a diversas situações, manter-se em equilíbrio ainda que em situações difíceis, ou ainda a realização de gestos de acordo com ritmos pré-determinados (Botelho Gomes, 1996)
29 Revisão da literatura Ainda e de acordo com Hirtz (1979), uma boa formação das capacidades coordenativas permite aos indivíduos executar de uma forma correcta e conveniente uma multiplicidade de acções motoras na vida diária. Elas influenciam o ritmo e modo de aquisição das técnicas desportivas bem como a sua posterior estabilização e utilização em várias situações. Botelho Gomes (1996) é da opinião que a investigação de Hirtz (1979), apesar de apresentar apenas resultados exploratórios e das suas motivações incidirem sobre aspectos pedagógicos-didácticos, permitiu um avanço considerável na questão da representação, por categorias, das componentes da coordenação motora no que se refere a propostas didáctico-metodológicas. Em concordância, Meinel e Schnabel (1976) e Hirtz (1979) referem que as capacidades coordenativas são capacidades específicas dos processos de condução e regulação motora, relativamente estáveis e generalizáveis, ainda que não se encontrem estudos disponíveis que suportem estas sugestões. Com efeito, não há estudos longitudinais que abordem, de forma consistente, a noção de estabilidade e muito menos de generalização. As questões conceptuais, metodológicas e analíticas destes domínios são extremamente complexas e apenas recentemente se disponibilizaram procedimentos para a sua solução (Botelho Gomes, 1996, p.20). Segundo Hirtz (1979), as capacidades coordenativas juntamente com as capacidades condicionais e as habilidades motoras, correspondem a elementos de capacidade de rendimento corporal, afirmando assim, que só os desportistas com boas capacidades coordenativas poderão optimizar as suas capacidades condicionais. Este autor conclui, ainda, que não existe uma grande unidade entre os autores sobre o conceito e a natureza das capacidades coordenativas, resultando as principais diferenças dos diferentes objectivos visados pelas respectivas investigações (educação física, desporto de rendimento ou desporto de reabilitação) e das diferentes perspectivas das várias disciplinas. Apesar do esforço académico de diferentes autores, ainda se torna difícil de precisar o número, a exacta estrutura e as correlações das diversas componentes básicas das capacidades coordenativas; a sua divisão apenas
30 Revisão da literatura deve ser considerada como uma simples orientação para efeitos didácticos (Botelho Gomes, 1996; Vasconcelos, 1991). Em síntese, não é possível desconsiderar, neste contexto, o interesse da coordenação motora como uma capacidade de enorme importância no desenvolvimento da criança, para a aquisição e perfeição de novas habilidades motoras, possibilitando-lhe uma maior automatização dos padrões do movimento e aptidão para proceder a novas aprendizagens Ontogénese das capacidades coordenativas De acordo com Hirtz e Schielke (1986), o desenvolvimento das capacidades coordenativas depende dos processos de maturação biológica, da quantidade e da qualidade da actividade motora, das acções realizadas para a formação e educação desportiva e ainda dos factores da actividade social. Contrariamente ao que sucede com as capacidades condicionais, o desenvolvimento das capacidades coordenativas é caracterizado por uma fase muito dinâmica nas idades correspondentes à escolaridade básica (primeiro e segundo ciclos do ensino básico, pois existem todos os pressupostos sociais, psíquicos, intelectuais, anátomo-fisiológicos e motores favoráveis para o rápido desenvolvimento destas capacidades). Contudo, após este período, pode seguir-se um desenvolvimento mais lento ou mesmo verificar-se uma estagnação temporária, em crianças não sujeitas a um processo de treino. Este abrandamento após os anos tem várias causas: (i) termina praticamente nestas idades o desenvolvimento morfológico do SNC e dos analisadores cinestésicos. Para que este desenvolvimento se prolongue é necessário utilizar estímulos de forma particularmente intensiva; (ii) a maturação sexual conduz à necessidade de uma reorganização do desenvolvimento coordenativo neste período. A prática das actividades físicas para além do tempo curricular da aula de educação física ajuda a ultrapassar esta fase de abrandamento ou mesmo
31 Revisão da literatura de estagnação e a melhorar resultados, particularmente nas capacidades de reacção e de diferenciação cinestésica (Vasconcelos, 1991). Hirtz et al., (1976, 1979, 1981) com base nas investigações sobre a ontogénese das capacidades coordenativas, sugerem que o desenvolvimento mais intenso destas capacidades ocorre entre o sétimo e o décimo segundo ano de vida e que, após os doze anos, tal como referem Hirtz e Schielke (1986) e Weineck, (1986) a dinâmica de desenvolvimento é muito menor. Segundo Hirtz et al. (1981), as causas principais desta tendência são: (i) a maturação acelerada e a intensa estimulação do SNC e dos analisadores óptico, acústico e cinestésico, acompanhados de um elevado impulso de movimentos; (ii) o desenvolvimento contínuo das capacidades intelectuais e de controlo da vontade; (iii) os pressupostos físicos e as tendências do crescimento que, neste período, são favoráveis para a aprendizagem motora e para a actividade desportiva. A altura e o peso corporal, que se desenvolvem de forma equilibrada, assim como as relações entre a força e respectivas alavancas, são aspectos que propiciam um bom desenvolvimento das capacidades coordenativas (Winter, 1988). Apesar da elevada importância, para o desenvolvimento coordenativo, da exercitação das capacidades coordenativas nas idades correspondentes ao período da escolaridade básica, isso não significa, contudo, que essas capacidades não sejam susceptíveis de aperfeiçoamento noutros escalões etários (Mota & Appell, 1995). Para Hirtz e Holtz (1987) as diferenças entre os sexos só se tornam evidentes a partir dos 13 anos de idade. Até aos 12 anos existem idênticas condições para rapazes e raparigas no desenvolvimento daquelas capacidades. Como a maturação sexual das raparigas ocorre mais cedo, estas também atingem o ponto mais alto do seu desenvolvimento coordenativo num ou dois anos antes dos rapazes. Nos anos posteriores à entrada na puberdade, o desenvolvimento coordenativo pode sofrer um abrandamento (excepto para a capacidade de ritmo) nas raparigas, enquanto que nos rapazes se verifica uma leve progressão nas capacidades que exigem reacção e equilíbrio. Este desenvolvimento diferenciado conduz às chamadas diferenças específicas
32 Revisão da literatura entre os sexos, que geralmente se prolongam até à idade correspondente à do adulto jovem. As capacidades coordenativas são cada vez mais consideradas como parte imprescindível da formação corporal de base e como tarefa importante no treino do jovem desportista (Hirtz, 1981). Em termos gerais, as capacidades coordenativas são necessárias para o domínio de situações que exigem uma acção rápida e racional (Weineck, 1986). A economia inerente a uma coordenação altamente desenvolvida (condicionada pela precisão da orientação do movimento) permite executar qualquer actividade com um menor consumo de força muscular e com um menor grau de fadiga, resultando numa economia de energia e num aumento da eficácia do movimento (Weineck, 1986). Apesar da tendência para o desenvolvimento unitário das capacidades coordenativas, este decorre de forma diferenciada de capacidade para capacidade. A que se desenvolve mais cedo é a de diferenciação cinestésica, seguindo-se-lhe as capacidades de reacção, de ritmo e de equilíbrio. A capacidade de orientação espacial só termina o seu desenvolvimento na idade correspondente ao adulto jovem. (Hirtz e Holtz, 1987). Entre os sexos existem diferenças previsíveis, que ocorrem com uma certa regularidade e que são mais intensas em determinadas idades. Essas diferenças são muitas vezes determinadas por influências culturais mas têm, fundamentalmente, uma base biológica. Segundo Malina (1987), os factores socioculturais que influenciam o desenvolvimento e o desempenho motor devem ser distinguidos em intrínseco e extrínseco. Nos primeiros, incluem-se as características familiares (dimensão da família, numero de irmãos, local de nascimento e o estatuto socioeconómico); os factores extrínsecos organizam-se fundamentalmente em volta da experiência motora (a oportunidade e incentivo para a prática, acesso a brinquedos, materiais e espaços de jogo que, de alguma forma, promova experiências motoras). As tarefas motoras são realizadas e aperfeiçoadas num contexto social e influenciadas pelas expectativas e valores dos pais
33 Revisão da literatura Neste mesmo sentido, Gallahue (1982) aponta factores básicos na regulação do desenvolvimento de padrões motores: a maturação, o desenvolvimento físico, os factores hereditários e as experiências que o envolvimento propícia. (Botelho Gomes, 1996) Parece haver unanimidade quanto à importância dos factores do envolvimento no desenvolvimento dos sujeitos; desenvolvimento este, que por sua vez, se fará sentir em várias vertentes. Neste sentido, não é motivo de polémica dizer-se que as variáveis do envolvimento concorrem para o desenvolvimento do indivíduo. Botelho Gomes (1996) sugere que para a grande parte das habilidades motoras, as diferenças evidenciadas entre sexos antes da puberdade podem ser interpretadas através do envolvimento. No entanto, a formação das interacções indivíduo/envolvimento não terão todas as mesmas valências, nem o mesmo peso como factores de desenvolvimento do indivíduo nem, certamente, o mesmo significado para diferentes indivíduos num mesmo contexto cultural ou em contextos diferentes. Gesell (1949) partilha da mesma opinião, afirmando que muitos dos comportamentos geralmente atribuídos a um ou outro sexo são, pelo menos na sua expressão exterior, um produto da cultura, dos costumes e das expectativas, assim como das pressões subtis dos pais, dos companheiros e da sociedade em geral. Mas, por outro lado, a importância e a persistência de muitas diferenças indicam que essas características têm uma base constitucional e que os encorajamentos e proibições culturais não os originam, apenas os reforçam. Assim, apesar de a forma de expressão de tais características ser modelada pela sociedade, as suas origens são profundamente orgânicas (Vasconcelos 1991). 2.5 Avaliação da coordenação motora corporal total Será possível encontrar na literatura distintos instrumentos de avaliação da coordenação motora. No entanto, dado que no presente estudo se pretende conhecer valores da coordenação motora corporal, também conhecida como
34 Revisão da literatura coordenação motora corporal total, que tem vindo a ser avaliada pelo teste KTK (Körperkoordinationstest für Kinder), continuaremos a tarefa de revisão da literatura concentrando-nos em trabalhos que aplicaram este teste. A avaliação da coordenação motora em crianças, quer do ponto de vista pedagógico, quer clínico, teve a sua maior expressão com o trabalho de Kiphard (1976) e Shilling (1974) e a construção e validação do teste Körperkoordinationstest für Kinder (Schilling, 1974). Shilling e Kiphard (1976) referem que o teste KTK solicita situações motoras diferentes das do quotidiano da criança e que, portanto, os indivíduos têm de adaptar o seu sistema sensório-motor às tarefas que o teste propõe. Por outro lado, a análise factorial demonstrou que as suas quatro provas (equilíbrio à retaguarda, ER; salto monopedal, SM; salto lateral, SL e transposição lateral, TL) se distinguem de outras, como correr e saltar, ou das coordenações manuais e que as correlações das quatro tarefas com as características motoras são positivas (Bustamante et al., 2007). O teste KTK pretende medir a coordenação motora corporal total, como já tínhamos referido anteriormente, e os autores consideram-no válido para ser aplicado em crianças dos 5 aos 14 anos de idade. Este teste permite que os resultados sejam apresentados prova a prova ou por um quociente motor (Q.M.). O quociente motor determina-se pela soma das pontuações obtidas em cada uma das quatro provas. O valor encontrado permite colocar as crianças numa determinada posição de uma escala com 5 categorias: de coordenação muito boa a perturbação na coordenação (quadro nº1). Contudo, consideramos que os valores referidos no quadro nº1 deveriam sofrer uma actualização para a população portuguesa, pois estes foram realizados há mais de 30 anos para a população alemã. Quadro nº1: Qualificação da coordenação motora, segundo valores do quociente motor. Perturbação na Coordenação Coordenação Coordenação Coordenação coordenação insuficiente normal boa muito boa <70 de 71 a 85 de 86 a 115 de 116 a 130 de 131 a
35 Revisão da literatura Este teste tem sido utilizado com frequência em países lusófonos por vários autores (Silva, 1989; Mota, 1991; Andrade, 1996; Botelho Gomes, 1996; Lopes e Maia, 1997; Lopes, 1997; Lopes et al., 2003; Pereira e Sobral, 2003; Graf et al., 2004; Maia e Lopes, 2002, 2003 e 2007 e Bustamante et al., 2007). As investigações realizadas mediante a aplicação do teste KTK podem dividir-se em dois tipos: (1) estudos que caracterizam uma determinada população em relação ao nível do desenvolvimento motor coordenativo, (2) estudos que analisam os efeitos de vários factores intrínsecos e extrínsecos que podem influenciarem ou não a coordenação motora corporal total. Desta feita, consideraremos estudos de natureza transversal e longitudinal. Schiliing e Kiphard (1974) estudaram crianças alemãs dos 5 aos 14 anos de idade, concluindo que havia uma relação linear em ambos os sexos no que concerne à coordenação motora. Contudo Willimezik (1980), num estudo longitudinal em crianças dos 6 aos 10 anos de idade, encontrou resultados que reflectiam a existência de um padrão de desenvolvimento específico para cada sexo e não um padrão invariável como asseguravam Schiliing e Kiphard, ou seja constatou a existência de um dismorfismo sexual. Zaichkowsky et al. (1978) analisaram os efeitos de um programa de aulas de actividades físicas na coordenação em 299 crianças de 7 aos 12 anos de idade de ambos os sexos. Os resultados indicaram que a participação em actividades físicas organizadas, de 50 minutos por semana, tem efeitos positivos no desenvolvimento da coordenação motora. Silva (1989) desenvolveu um estudo que teve como objectivo detectar a faixa etária com maior desenvolvimento na coordenação motora corporal de crianças de ambos os sexos (n= 1000), com idades compreendidas entre os sete e os dez anos, assim como verificar se existiam diferenças significativas no QM. Os resultados mostraram melhores valores para o sexo masculino, com excepção na idade de 8 anos, tendo as raparigas apresentado melhores resultados
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