Teatro na Educação Infantil: em busca de possibilidades
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- Fernanda Terra Imperial
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1 Resumo O presente texto trata dos resultados e fundamentação teórica de uma pesquisa de doutorado em Teatro, em processo de conclusão, acerca do trabalho com a linguagem teatral na Educação Infantil. Buscando ampliar as escassas referências sobre o tema e propor experiências que fugissem de modelos de ensino do teatro voltados à criação de espetáculos ou centrados nas escolhas do professor sem a presença ativa da criança, propôs se a realização de 09 experimentos dramático teatrais com crianças, entre 02 e 06 anos, de unidades de ensino do município de Florianópolis. Utilizando se o Drama método inglês de vivência e aprendizagem teatral, trazido ao Brasil nos anos 90 como referência, em diálogo com a psicologia histórico cultural foram delimitadas possíveis estratégias de trabalho com o teatro em cada período do desenvolvimento infantil de acordo com a periodização proposta por Vygotsky. A pesquisa foi realizada em parceria com 12 profissionais da Educação Infantil que participam voluntariamente de um grupo teatral e de estudos sobre teatro e infância a Trupe da Alegria. Universidade do Estado de Santa Catarina diego_ccac@hotmail.com Palavras chave: Pedagogia do Teatro; Educação Infantil; Drama; Psicologia histórico cultural. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de p.1
2 Contexto da Pesquisa A Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica no Brasil. Ela oferece à criança possibilidades de experimentação e aprendizagem que contribuirão com o desenvolvimento de sua personalidade, formação da inteligência, vida emocional e ampliação das relações sociais e culturais. Com a legalização, em 1988, deste segmento de ensino e a compreensão de que o atendimento em creches e pré escolas é um direito das crianças e de suas famílias, acompanhou se, desde então, a mobilização por parte de educadores e pesquisadores na discussão do valor social e do caráter educativo dessas instituições. As linguagens artísticas não podem se abster de ocuparem seu espaço neste processo. Vygotsky (2004) trata o homem como um agregado de relações humanas e, neste sentido, as primeiras interações que a criança estabelece com o outro e com o conhecimento terão influência direta na maneira como ela assimilará o mundo, uma vez que as funções mentais superiores são relações sociais internalizadas (VYGOTSKY, 1995, p. 195). Portanto, o desenvolvimento da aprendizagem está intrinsecamente relacionado à história e à cultura. Nesse processo de construção do funcionamento mental, social e da subjetividade da criança, a partir da apropriação da cultura que a cerca, o ambiente educacional neste caso específico a creche ou núcleo de Educação Infantil e seus profissionais tem o papel essencial de nutrir com experiências diversas a aprendizagem infantil. Sabe se que a criança naturalmente brinca, espontaneamente se expressa por meio de jogos de faz de conta, e que é a partir de tais jogos que ela irá, aos poucos, apropriar se do mundo que a cerca. Por meio das explorações dramáticas a criança também constrói conhecimentos assim como transfere para o universo ficcional os desejos, sentimentos e contradições existentes no seu universo interior. Sobre estas questões é possível observar os estudos de pesquisadores como Donald Winnicott ( ), Gilles Brougère, Jean Piaget ( ) além do citado Lev Vygotsky ( ). X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de p.2
3 Como, entretanto, estruturar um trabalho pedagógico que potencialize o jogo naturalmente realizado pela criança, levando a a transpor este jogo a uma linguagem artística, neste caso específico, à linguagem teatral? Ao realizar oficinas e cursos de formação de professores da Educação Infantil para o trabalho com a linguagem do teatro comecei a perceber que existia (e ainda existe) um modo de trabalhar teatro com as crianças mais novas com o qual eu não concordava. Um modelo pedagógico centrado na criação de produtos artísticos, colocando as crianças como reprodutoras de falas e marcações mecanizadas, distanciando a criança da essência lúdica e criativa do teatro, aproximando a de uma forma adulta de representação. Quais seriam as referências teóricas ou metodológicas que estes profissionais estariam se pautando para a realização desta maneira de ensinar teatro? Haveria uma referência metodológica que poderia auxilia los na estruturação de propostas pedagógico teatrais coerentes com a faixas etárias em que as crianças se encontram? Seria possível propor uma pesquisa que contribuísse com a estruturação de um trabalho de inserção da linguagem teatral na Educação Infantil? Santos (2004) aponta para a carência de pesquisas e estudos sistematizados, tanto no que se refere às abordagens históricas quanto metodológicas sobre o ensino do teatro na infância. Por conta desta lacuna, ou o educador pauta se em modelos tradicionais de ensino do teatro, valorizando precocemente a realização de um produto, ou não se apropria da linguagem teatral por não reconhecê la como parte do processo educativo; [...] pois desconhece o significado do jogo e da imitação e as suas relações com a aquisição de conhecimentos ligados a diferentes domínios e funções intelectuais (2004, p. 117), conclui a autora. A partir desse contexto, tanto da prática quando da teoria acerca do teatro na infância, busquei problematizar o trabalho com a linguagem teatral na Educação Infantil, por meio de um estudo de doutorado em Teatro, em processo de conclusão. Além da problematização do tema defendo uma abordagem metodológica que possa auxiliar na estruturação de práticas de ensino e aprendizagem teatral nesse segmento da educação. Neste texto, portanto, será apresentado o referencial teórico que utilizei como base para X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de p.3
4 o desenvolvimento da minha pesquisa, bem como, a indicação dos resultados encontramos mediante a realização de experimentos práticos junto à crianças de 02 a 06 anos de 09 unidades da Educação Infantil de Florianópolis. Como aporte teórico para refletir sobre cada período etário com os quais os experimentos foram desenvolvidos, utilizei os fundamentos da periodização do desenvolvimento infantil na perspectiva histórico cultural a partir de Vygotsky (2007, 2004, 1996, 1995, 1993) e seus colaboradores. Drama como método de ensino Drama é um fazer teatral desenvolvido no início dos anos 70 em países anglosaxões, a partir dos trabalhos da professora e atriz Dorothy Heathcote e difundido no Brasil pela Dra. Beatriz Cabral. A palavra drama do grego drao, significando ação traduz a construção de um tempo/espaço ficcional, no qual, seus criadores agem como se estivessem em tal espaço. Diz se que alguém está fazendo drama quando cria uma situação exagerada ou ainda chama se de jogo dramático infantil aquele em que a criança cria um situação de faz de conta. Essencialmente o Drama, enquanto método de ensino do teatro, propõe a experimentação de situações diversas a partir da exploração de um determinado tema ou conteúdo por meio da instituição de um contexto ficcional no qual os participantes imergem no processo ao invés de criarem um produto artístico, prescindindo, portanto, da existência de uma plateia. Este espaço de criação ficcional é facilmente acessado pelas crianças. Tal prerrogativa é apontada por Bowel e Heap (2013) como a base para a estruturação de um processo de Drama: [...] a inata predisposição das crianças para aprenderem através do jogo dramático. (p. 08). Nesse sentido, enquanto o jogo dramático é uma atividade naturalmente desenvolvida pela criança, o Drama, como método de trabalho pedagógico, busca se apropriar deste espaço ficcional para a construção de conhecimentos, sobretudo teatrais, por meio da inserção dos participantes em situações dramáticas agindo como se estivessem realmente em tais situações. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de p.4
5 Ao apoiar se na habilidade natural dos seres humanos de criarem e jogarem com situações imaginárias, o professor condutor do processo de Drama faz com que os participantes lidem e experimentem questões do mundo real, por meio da ficção, e reflitam sobre a experiência realizada. Os projetos de Drama podem ter os mais diversos objetivos, desde a investigação, criação e recriação de questões e temas que transitam pelos conteúdos curriculares, através de um procedimento experimental, até a apropriação de estruturas da linguagem teatral. Pode se desenvolver um processo direcionado a montagem de um texto teatral, por meio da apropriação e recriação deste texto, ou mesmo a construção coletiva de uma narrativa dramática. Bowell e Heap afirmam que [...] todas essas formas de experiência dramática compartilham os mesmos elementos comuns ao teatro: foco, metáfora, tensão, símbolo, contraste, papeis, tempo, espaço (2013, p. 01). Independente de qual seja o objetivo para a instauração de um processo de Drama, é importante frisar que a essência desse trabalho encontra se no ato do participante experimentar estar em outro tempo e espaço, vivenciando diferentes papeis dentro do contexto ficcional criado; e, neste sentido, Drama e Teatro possuem a mesma essência, a experiência dramática de fazer de conta. Assim como o Teatro, o Drama pode ser considerado uma arte dramática, ainda que não seja uma arte voltada à comunicação com uma plateia externa ao processo. É importante perceber que um processo de Drama sempre terá um conteúdo, sempre acontecerá em torno de um tema, trabalhará sobre algo. Ele oferecerá sempre dois vieses de aprendizagem sobre a natureza dramática e sobre um determinado assunto (conteúdo, curiosidade, mistério, investigação, entre outros.) por meio da experiência dramática. O condutor e os participantes irão focar ora em um aspecto ora em outro, mas os dois aprendizados estarão sempre interligados. Dependendo da formação do professor e dos objetivos pedagógicos pelos quais ele desenvolverá um processo, este poderá estar mais centrado no conteúdo a ser apropriado pelos participantes ou na ampliação da capacidade dramática, improvisacional e artística. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de p.5
6 No Brasil, como indicado anteriormente, o Drama foi introduzido por Beatriz Cabral depois de seu doutorado em Birmingham/UK ( ) onde participou de processos de Drama conduzidos por Dorothy Heathcote. Seu livro Drama como método de ensino (2006) 1 é a maior referência sobre a apropriação deste método no país. Nesta obra, e em dezenas de artigos publicados sobre Drama, Cabral tem abordado diferentes aspectos desse método, desde sua estrutura prática, sua construção histórica, a sua base filosófica. Para Cabral, A atividade dramática está centrada na interação com contexto e circunstancias diversas, em que os participantes assumem papéis e vivem personagens como se fizessem parte daquele contexto naquelas circunstâncias. Para o participante isto significa assumir o controle da situação, ser o responsável pelos fatos ocorridos. Envolvimento emocional e responsabilidade pelo desenvolvimento da atividade são características essenciais do drama o aluno é o autor de sua criação. (CABRAL, 2006, p. 33). Cabral (2006) apresenta alguns processos desenvolvidos na Escola Desdobrada Municipal João Francisco Garcez de Florianópolis entre 1996 e 1998, evidenciando a estrutura de organização dos processos e dando ênfase à dimensão interdisciplinar existente no Drama. Ao colocá lo como eixo curricular no Ensino Fundamental, a autora aponta as possibilidades de se apropriar dos conhecimentos de outras áreas na construção de um processo dramático. Algumas características tornaram se peculiares à abordagem brasileira. A primeira delas diz respeito ao trabalho com a linguagem teatral. Enquanto fora do Brasil o Drama é trabalhado tanto por professores de teatro quanto por profissionais de diversas áreas, em muitos casos ele é utilizado como um meio para aquisição de conhecimentos das disciplinas do currículo. No contexto brasileiro o Drama foi introduzido como um método para a experimentação teatral e que contribua com a apropriação pelos participantes das estruturas e conceitos teatrais. 1 Este livro é uma reelaboração de um material lançado em 1998, pelo Departamento artístico cultural da Universidade Federal de Santa Catarina, na revista Arte em Foco. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de p.6
7 Outro aspecto diz respeito à teatralidade presente nos processos brasileiros. Por Beatriz Cabral ser professora de um curso de licenciatura em Teatro, na universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) a construção dos processos desenvolvidos tanto por ela, quanto por seus orientandos de mestrado e doutorado ou mesmo pelos acadêmicos do curso, nas disciplinas de Metodologia do ensino do Teatro e Estágios curriculares, trazem um cunho mais teatral. Tem se uma preocupação com a aquisição de conhecimentos acerca da linguagem teatral. Constrói se um processo com o intuito de que a experiência dramática proporcionada pelo Drama faça com que os participantes aprendam sobre teatro e conheçam uma maneira diferente de construir conjuntamente uma narrativa teatral. Este não é um aspecto acentuado em muitos Dramas fora do Brasil. Quando o professor que está desenvolvendo um processo de Drama entende de teatro ele sabe como lançar situações que se apropriem melhor de convenções dramáticas, que desafiem os participantes, que os coloquem em um ambiente de interação lúdica e experimentação dramática. Quando esse conhecimento teatral é insipiente, corre se o risco de que o processo seja excessivamente conteudista e que os participantes discutam e reflitam, mas coloquem se pouco em papeis ficcionais. Este é um aspecto essencial ao Drama. Todo e qualquer conteúdo que o condutor de um processo queira trabalhar ou atividade que queira desenvolver, deve estar dentro de um contexto ficcional. Os participantes devem agir e reagir dentro de tal contexto, preferencialmente por meio da experimentação de diferentes papeis. No caso da Educação Infantil, a ideia é oferecer as crianças materiais que as façam imergir em diferentes situações dramáticas, experimentando sensações diversas, explorando suas reações, ampliando sua expressividade, levando personagens para interagirem com elas e, a partir de suas respostas, propor novas situações. Há uma preocupação com a participação ativa da criança no processo, que ela experimente dramaticamente e perceba, por meio da mediação do professor, a relação entre realidade e ficcionalidade, a criação de papeis, a construção de histórias, a imitação como forma de ampliar as referências corporais e culturais aspectos próprios da linguagem teatral. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de p.7
8 Os experimentos Durante o segundo semestre de 2013 realizei, junto a um grupo de 12 profissionais da Educação Infantil com os quais trabalho há quatro anos 2, 09 processos de Drama. Os experimentos foram estruturados de forma coletiva, com a colaboração dos demais membros que não atuariam no desenvolvimento das propostas e com minha orientação a partir dos contextos e ideias inicias trazidas pelos profissionais que conduziriam os processos. No encontro semanal do grupo dedicávamos um tempo à discussão, avaliação e estruturação dos processos de Drama em andamento. Os condutores expunham suas experimentações e os demais membros do grupo lançavam ideias e questionamentos, auxiliando no encaminhando das futuras etapas. Eu trabalhei em conjunto com os condutores, organizando os materiais, escolhendo as estratégias de trabalho e avaliando as sessões realizadas. Acompanhei em torno de duas sessões de cada processo na unidade educativa, na qual coletei imagens e pude observar as crianças e os condutores. Como uma maneira de organizar meu olhar e estruturar minha análise do material coletado, decidi dividir os experimentos em três blocos de acordo com as seguintes faixas etárias: 02 a 03 anos (03 experimentos), 04 a 05 anos (03 experimentos) e 06 anos (03 experimentos). Esta classificação não se deu de forma aleatória, foi pautada na percepção de que em cada um desses períodos a maneira como as crianças lidavam com as proposições dramáticas e os diferentes aspectos da linguagem teatral exigia que as estratégias fossem pensadas de maneira particular e o trabalho desenvolvido de acordo com tais particularidades. Minha análise partiu das especificidades que observei nos períodos etários acima destacados em relação às propostas com o Drama e da maneira como os processos eram organizados e desenvolvidos de acordo com a percepção dos modos com as crianças interferiam e se envolviam nas propostas. Como aporte teórico para refletir sobre cada 2 Em 2010 criei um grupo de teatro formado exclusivamente por profissionais da Educação Infantil a Trupe da Alegria o trabalho do grupo foi objeto de minha dissertação de mestrado. Desde então o grupo vem trabalhando na criação de espetáculos voltados ao público infantil, além da formação de profissionais desse segmento de ensino para o trabalho com a linguagem teatral. Hoje o grupo é comporto por 24 profissionais. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de p.8
9 período utilizei os fundamentos da periodização do desenvolvimento infantil na perspectiva histórico cultural a partir de Vygotsky e seus colaboradores. Crianças de 02 a 03 anos Vygotsky explicita a subordinação dos processos biológicos ao desenvolvimento cultural, demonstrando que [...] a cultura origina formas especiais de conduta, modifica a atividade das funções psíquicas, edifica novos níveis no sistema do comportamento humano em desenvolvimento (1995, p.34). Cada etapa do desenvolvimento infantil, para esse autor, é caracterizada por uma atividade central que desempenha a função de principal forma de relacionamento da criança com a realidade 3. Essa atividade será melhor desenvolvida e ampliada de acordo com o entorno social da criança, por meio de práticas e instrumentos que medeiem as relações entre o sujeito e o objeto de sua atividade, pois, para Vygotsky [...] a realidade social é a verdadeira fonte de desenvolvimento [...] (1996, p.264) e, portanto, é por meio das interações com essa realidade que a criança apreende a cultura e constrói conhecimentos. Na primeira infância, por exemplo, a função psicológica básica é, para Vygotsky (1996), a percepção. Esse será o período propício, segundo o autor, para o desenvolvimento, principalmente, da percepção verbal, justamente por conta da linguagem se encontrar em processo de maturação. Há também uma relação direta com a materialidade na busca pela compreensão do significado dos objetos e a sua função social. Elkonin (1987) trata esse período como o da atividade objetal manipulatória, na qual tem lugar a assimilação dos procedimentos elaborados socialmente de ação com objetos. Para que ocorra essa assimilação, é necessário que os adultos mostrem essas ações às crianças. A comunicação emocional do primeiro ano de vida da criança cede 3 Cabe ressaltar que as proposições de Vygotsky sobre a periodização do desenvolvimento psíquico tem caráter inacabado devido a sua morte prematura, sendo essas, desenvolvidas por seus companheiros de pesquisa tais como Alexei Leontiev ( ), Daniil Elkonin ( ) e Alexandre Luria ( ). X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de p.9
10 lugar a uma colaboração prática em prol da ampliação da percepção dessa e do uso de objetos. Como a percepção da criança se relaciona de forma direta com os objetos contidos na esfera do real, o uso de materiais diversos foi uma estratégia central nos processos desenvolvidos com essa faixa etária, foi um suporte para os trabalhos. O envio de cartas por um personagem desconhecido, o uso de caixas contendo objetos antigos, máscaras, instrumentos musicais, o trabalho com músicas, adereços, figurinos, maquiagens, ambientações cênicas (com diferentes luzes, sons, cheiros, texturas) contribuiu com a ampliação e alteração da percepção das crianças e a criação de um vínculo entre esses elementos e a linguagem teatral. Ao explorarem os materiais e ambientes criados, incentivávamos o surgimento de diferentes reações, emoções e um primeiro contato com a linguagem do teatro. Um ponto de partida comum foi o uso da contação de histórias, as quais desencadeavam curiosidades, comentários e temas para a organização dos processos. Portanto, cabe perceber a estratégia da narração, prática comum na Educação Infantil, como um suporte interessante para a vivência de atividades dramáticas e sensoriais nesse período de formação da consciência. Como afirma Vygotsky o [...] pensamento da criança evolui em função do domínio dos meios sociais do pensamento, quer dizer, em função da linguagem (VYGOTSKY, 1993, p. 116), portanto ao propiciar as crianças essa relação direta entre linguagem, percepção e ação por meio do Drama, que buscava materializar elementos da história narrada, o professor contribuía com a evolução do pensamento infantil e a aquisição de diferentes repertórios. A diferenciação do eu é também um processo que a criança passa neste período da vida. Acreditamos que ao trabalhar com os bonecos criados para se relacionar com as crianças, visitar suas casas, interagir nas atividades, contribuímos também com essa diferenciação. Ao perceber o corpo do boneco, a criança visualizava seu corpo, ao ver o professor cuidando do boneco e interagindo com ele, as crianças alteravam a maneira como interagiam. Ao utilizar os bonecos, buscávamos também ampliar a relação entre realidade e ficcionalidade o boneco de mentira que na brincadeira se transformava em X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de p.10
11 boneco de verdade, porque as crianças interagiam, cuidavam, conversavam, imaginavam situações. Outra questão importante trabalhada com essa faixa etária foi a busca pela ampliação da expressividade infantil: o trabalho com a imitação, com a percepção de sons e movimentos e as tentativas de reprodução que geravam novas criações. A observação de imagens, buscando criar movimentações, ambientes sonoros, gerou momentos de intensa afetividade e interação, questões importantes no meio educacional como um todo. Portanto, percepção, atividade afetiva e motora mostraram se interligadas nos processos. Crianças de 04 a 05 anos Segundo Vygotsky (2007), o jogo ou a brincadeira é a atividade principal de relacionamento da criança com a realidade no período pré escolar, em torno de 03 a 06 anos. No jogo ou brincadeira ocorre a criação de uma situação imaginária na qual os participantes dessas atividades relacionam se de forma a sustentarem esse espaço ficcional, interagindo por meio de um acordo comum (explícito ou implícito) de que o que se passa nesse espaço pertence a esfera da ficção. O que não significa, como aponta Pasqualini [...] que a criança entenda por si mesma os motivos pelos quais a brincadeira é inventada e também não quer dizer que ela o faça conscientemente (2009), ou seja, em muitos momentos a criança brinca sem ter consciência dos motivos que geraram a brincadeira, age de forma a organizar desejos irrealizáveis na esfera do real. Como ratifica Vygotsky Na idade pré escolar, surgem necessidades específicas, impulsos específicos que são muito importantes para o desenvolvimento da criança e que conduzem diretamente à brincadeira. Isso ocorre porque, na criança dessa idade, emerge uma série de tendências irrealizáveis, de desejos não realizáveis imediatamente. Na primeira infância, a criança manifesta a tendência para a resolução e a satisfação imediata de seus desejos (VYGOTSKY, 2007, p. 25). X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de p.11
12 Elkonin (1987) aponta que uma das principais categorias de jogos realizadas nesse período é o jogo de papeis, nos quais as crianças fazem de conta que são outras pessoas. Ao brincar vivenciando papeis que a criança encontra no seu cotidiano (real ou mediado por materiais como livros, filmes, imagens) ela busca ou realizar atividade dos adultos, as quais não poderia por conta de sua idade como dirigir, ser mãe, professora, ou experimentar situações que pertencem apenas ao universo da ficção como ser superherói, príncipes e princesas, voar, viajar à Lua. Os processos de Drama realizados com essa faixa etária buscaram estruturar vivências dramáticas mais elaboradas, que pudessem provocar uma maior imersão nos contextos ficcionais propostos. Em um dos experimentos, por exemplo, pode se observar o engajamento das crianças ao se transformarem em piratas, suas contribuições para o desenrolar do processo, suas curiosidades e sua imaginação agindo de forma ativa no encaminhamento da proposta. Por possuírem mais referências culturais, as crianças conseguiam tomar mais decisões e preencher as propostas com suas criações, além de discutirem com os demais as diferentes percepções e opiniões sobre um desafio. Elkonin (1987) aponta que o principal significado do jogo é permitir que a criança modele as relações entre as pessoas. Dentro da Drama, portanto, além da assimilação da linguagem teatral, a questão da interação e respeito à opinião do outro, pode ser acentuada. Diferente dos mais jovens, que lidam de forma real com os objetos e personagens, nessa faixa etária pode se perceber o desenvolvimento da compreensão de que é o professor quem está vestindo um personagem, mas isso não impede que a criança embarque na proposta e brinque de fazer teatro. A mediação dos condutores como professores representando personagens é de fundamental importância para a construção dessa convenção teatral. Ao perceberem o professor alterando sua imagem, sua voz, seu corpo, as crianças passam a explorar também seus corpos e vozes e a vivenciar de forma mais intensa e consciente os papeis propostos no Drama. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de p.12
13 A corporeidade, portanto, continuou evidenciada, mas para além da imitação, como acontecia nos primeiros experimentos com crianças de 02 a 03 anos. Em um experimento conduzido o professor buscou criar situações nas quais as crianças pudessem explorar seu corpo, realizar uma atividade corporal, mas dentro do contexto ficcional do Drama. Percebemos, nessa faixa etária a vivência de papeis e a interação com as situações criadas pelos professores também em papeis, como bases para a assimilação desses elementos da linguagem teatral. Crianças de 06 anos As crianças de 06 anos encontram se num momento de transição, deixando o espaço do Educação Infantil e direcionando se para o Ensino Fundamental, onde, é sabido, os conhecimento encontram se engavetados em suas caixinhas específicas. Começam as aulas de cada disciplina, nos primeiros anos ainda com uma professora e nos anos posteriores com profissionais das linguagens específicas que, em geral, não dialogam seus saberes, seguindo, cada um, o seu conteúdo programático. Ao entrar na escola a atividade principal da criança deslocar se á, segundo Leontiev (2001) da brincadeira para o estudo. A brincadeira não será completamente abandonada, mas a atividade organizadora da relação da criança com o mundo, passará a ser o estudo. Por um lado, porque a própria estrutura da escola exigirá isso da criança e por outro porque a pressão familiar girará em torno de saber o que a criança está aprendendo na escola. Questões como a história da escrita, as diferentes formas de comunicação, lendas de diferentes países, alfabetização, distancias geográficas, conhecimentos sobre cobras, contato com obras visuais, com manifestações artísticas e culturais de outros povos foram trabalhados de forma conjunta com a experiência dramática e com a assimilação de aspectos da linguagem teatral, em todos os processos, mas sobretudos naqueles realizados com as crianças de 06 anos. Vygotsky (1996) aponta a perda da espontaneidade infantil a medida em que a criança é inserida no contexto escolar. Segundo ele, a perda da espontaneidade X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de p.13
14 significa que incorporamos à nossa conduta o fator intelectual que se insere entre a vivência e o ato direto (p.378), ou seja, a medida em que envelhecemos passamos a racionalizar mais nossas atitudes e expressões frente a uma vivência dramática, artística, corporal, social do que a criança. A incorporação do fator intelectual leva, por exemplo, muitos profissionais a usarem o discurso de que a criança é mais criativa do que o adulto. A criança é, sem dúvida, mais espontânea, mas, como a criatividade está diretamente relacionada a quantidade de referências visuais, literárias, vivenciais, relacionais, de experiência de vida consequentemente, o adulto possui maior capacidade criativa do que a criança. Como a criança de 06 anos possui mais referências do que as crianças das faixas etárias anteriores, as questões teatrais puderem ser trabalhadas de forma mais aprofundada com essa faixa etária. Fica evidente a consciência, por maior parte das crianças dessa idade, de que as propostas do Drama eram realizações do universo ficcional e que, portanto, elas estariam fazendo de conta, imaginando as situações e papeis propostos pelo condutor. Essa consciência fez com que aspectos da linguagem teatral como a improvisação ganhasse maiores dimensões, justamente porque a criança consegue imergir no universo ficcional apropriando se desse lugar. A questão dos limites entre real e ficcional pode ser discutida e apropriada pelas crianças nesse período do desenvolvimento. Muitas crianças aos 06 anos possuem alguma referência de apresentação teatral, por terem assistido a um espetáculo no espaço da creche ou com as famílias, ou, por conta dos pais falaram que o filme ou a novela é de mentira, elas utilizam esse conhecimento ao se apropriarem da linguagem teatral. Em muitos momentos, consequentemente, as crianças aliam o trabalho com a linguagem teatral com a questão da apresentação e muitas pedem para se apresentar para outras crianças este é outro aspecto da linguagem teatral que pode ser trabalhado com essa faixa etária 4, desde que a ideia de apresentação tenha sido compreendida pelo grupo de crianças. 4 Não há espaço neste texto para discutir a questão da apresentação na Educação Infantil, mas esse é um ponto que destaco em minha tese por considerar importante que o profissional desse segmento de ensino tenha um olhar diferenciado sobre esse procedimento da linguagem teatral no trabalho com X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de p.14
15 Se as crianças possuem referências teatrais elas conseguem acessá las em discussões sobra a linguagem teatral, caso elas não possuam o professor necessita proporcionar esta experiência para que possa, em um outro momento analisa la com as crianças e construir essa dimensão da linguagem teatral que é a comunicação com uma plateia. Com essa faixa etária, conseguimos explorar a percepção do teatro como manifestação artística, além de envolvermos as crianças em improvisações mais elaboradas. Algumas palavras Por conta de possuir uma estrutura em formato de processo, que pode se apropriar de questões do contexto das crianças, aproveitando da capacidade natural das crianças de criarem situações ficcionais e vivenciarem papeis, por se utilizar das respostas das crianças como base para a criação de novas situações, por não ter como objetivo a criação de um produto artístico nem a diferenciação entre atuantes e plateia que defendo a apropriação do Drama como uma forma possível de inserção da linguagem teatral na Educação Infantil. Cabe ressaltar que a estruturação de um método para o embasamento de propostas de trabalho com a linguagem teatral na infância tem o intuito de servir como referencial que suscite reflexões, experimentações e experiências acerca do desenvolvimento das linguagens artísticas na Educação Infantil. Não objetivei constituir um receituário rígido e acabado, postura que seria contraditória aos pressupostos da historicidade e dialeticidade presentes na psicologia histórico crítica com a qual dialoguei com o próprio método do Drama do qual me aproprio. O objetivo é oferecer aos professores meios pelos quais eles possam propor às crianças oportunidades interessantes, desafiantes e enriquecedoras de desenvolverem a aprendizagens sobre si mesmas, sobre o mundo e sobre a arte teatral. O Drama torna possível o sentir, o pensar e o conhecer. Drama oferece oportunidades de investigação e reflexão, de celebração e desafio. É um meio potente de colaboração e comunicação que suas crianças. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de p.15
16 pode alterar as formas como as pessoas se sentem, pensam e se comportam (BOWELL; HEAP, 2013, p. 03). É um desafio e um risco tentar estruturar um método para inserção do Teatro na Educação Infantil, uma vez que não há grande discussão acumulada sobre o assunto. Parti de algumas referências inglesas que experimentaram o Drama com crianças mais novas, de minhas experiências com a formação de profissionais desse segmento, nas quais sempre busquei maneiras diferenciadas de lidar com a linguagem teatral para o público infantil assim como da experiência dos 24 profissionais da Educação Infantil que trabalham, atualmente, na Trupe da Alegria comigo. Acredito que justamente pela ausência de referências bibliográficas que abordam esse assunto que o estudo realizado no meu doutorado e sintetizado neste texto tenha relevância tanto para a área da Pedagogia quanto do Teatro. Penso que este estudo poderá auxiliar os profissionais preocupados com a manutenção do espaço lúdico e criativo que a criança apresenta nos primeiros anos de vida e que costuma perder se por conta da estrutura rígida a qual são submetidas na escola tradicional, onde a criticidade, a espontaneidade, a expressividade, tem sido pouco valorizadas. Referências BOWELL, P.; HEAP, B. S. Planning Process Drama: enriching teaching and learning. Londres: Routledge Taylkor & Francis Group, CABRAL, B. Drama como método de ensino. São Paulo: Editora Hucitec, ELKONIN, D. Sobre el problema de la periodización del desarrollo psíquico en la infancia. In: La psicología evolutiva y pedagógica en la URSS (antologia). Moscou: Progresso, LEONTIEV, A. N. (2001). Uma contribuição à teoria do desenvolvimento da psique infantil. In: Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, PASQUALINI, J. C. a perspectiva histórico dialética do desenvolvimento infantil. In: Psicologia em Estudo, Maringá, 2009 X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de p.16
17 SANTOS, V. L. B. dos. Brincadeira e conhecimento: do faz de conta à representação teatral. Porto Alegre: editora Mediação, VYGOTSKY, L. S. A brincadeira e o seu papel no desenvolvimento psíquico da criança. In: Revista virtual de gestão de iniciativas sociais. Rio de Janeiro: UFRJ, Manuscrito de 29. São Paulo: Boitempo, Obras escogidas. Vol. IV. Madrid: Visor, Obras escogidas. Vol III. Madri: Visor, Obras escogidas. Vol II. Madri: Visor, X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de p.17
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